Norte e Centro-Oeste têm maior crescimento de empresas exportadoras (Portal Vermelho, 05/04/2024)

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Embora o dado seja positivo, as desigualdades regionais despontam também nesse quesito. As regiões Sudeste e Sul são as maiores concentradoras de firmas exportadoras

por Iram Alfaia

Publicado 05/04/2024 12:01 | Editado 05/04/2024 12:20

(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, diz que o governo trabalha para que todas as regiões do país possam exportar e melhorar a participação das micro e pequenas empresas (MPEs) no mercado internacional.

A fala do ministro faz referência ao estudo da Secretária de Comércio Exterior (Secex) segundo o qual as regiões Norte e Centro-Oeste foram as que tiveram o maior aumento percentual de novas empresas brasileiras exportadoras em 2023.

Embora o crescimento nessas regiões seja positivo, as desigualdades regionais despontam também nesse quesito.

As regiões Sudeste e Sul são as maiores concentradoras de empresas exportadoras, sendo 83,6% no caso das microempresas, 88,3% nas pequenas e 87,7% nas médias e grandes.

“É nesse sentido que lançamos no ano passado a Política Nacional da Cultura Exportadora (PNCE). A ideia é justamente elevar a participação das MPEs no mercado internacional, com mais cidades de todas as regiões exportando”, afirma o ministro.

Alckmin destaca o fato das MPEs exportarem, predominantemente, produtos manufaturados, o que aumenta a qualidade e a competitividade da pauta exportadora brasileira, que é um dos objetivos centrais da Nova Indústria Brasil.

“Além de exportar mais, temos que incluir as pequenas empresas. Expandir para o Brasil inteiro exportar. Nós temos uma tarefa grande. Exportar com valor agregado, pois se a gente pegar a pauta de exportação brasileira, temos soja, petróleo bruto e minério de ferro. Isso é 40% da exportação brasileira, três produtos. Então, nós precisamos agregar valor, diversificar mais, ter mais destinos para o nosso comércio exterior”, explica.

O economista José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB), alega que existe a diferença de escala entre as regiões, isto é, as populações do Sudeste e Sul são muito maiores do que o Centro-Oeste e Norte.

“Assim não podemos analisar os dados sem controlar o tamanho da população. Ou seja, temos que calcular o número de firmas exportadoras por habitantes para ver se existe uma desigualdade muito grande. A priori eu não sei se existe”, observa o economista ao Portal Vermelho.

Estudo

De acordo com o levantamento, o Brasil alcançou o recorde de 28.524 firmas vendendo para o exterior – total 2% superior a 2022.

O relatório da Secex mapeia esse crescimento a partir do porte das empresas (micro, pequenas, médias e grandes), cruzando com informações sobre produtos exportados, destino (blocos e países) e origem (regiões e Estados).

No recorte regional, o maior crescimento percentual ficou com o Norte: 8,8%. Na sequência aparecem Centro-Oeste (8%), Sul (2,6%) e Sudeste (1,4%).

O Nordeste teve uma pequena queda no total (-1,6%), índice puxado pelo recuo no número de micro e grandes empresas participando do comércio exterior: -3,9% e -2,4%, respectivamente. Em compensação, a região registrou o maior crescimento percentual em relação às empresas exportadoras de pequeno porte: 7,5%.

Já entre as empresas de grande porte, a maior alta percentual se deu no Centro-Oeste (11%); enquanto as microempresas tiveram destaque no Norte – crescimento de 10%.

Com informações do MCDI

A ignorância confiante de Deirde McCloskey sobre o papel da Teoria do Valor no Pensamento Econômico

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Por José Luis Oreiro

Não sou assinante da Folha de São Paulo, mas apenas do Valor Econômico, único jornal que leio com certa regularidade para me atualizar sobre a conjuntura econômica do Brasil. Fiquei sabendo por outras pessoas a respeito da última coluna da Sra. McCloskey na Folha de São Paulo onde ela apresenta uma crítica a Teoria do Valor Trabalho de Marx para tentar denegrir a reputação profissional da economista Maria Mazzucato a quem ela denomina de economista marxista. Recentemente eu li o livro O Estado Empreendedor de Mazzucato e não vi nada lá que tive algo que ver com Marx. O marco teórico de Mazzucato é uma síntese entre o Pensamento de John Maynard Keynes sobre a influência da incerteza sobre a tomada de decisão e as ideias de Joseph Schumpeter sobre a inovação tecnológica e o processo de destruição criativa como o motor do capitalismo. A tese central de Mazzucato é que a inovação tecnológica, principalmente aquela de caráter desruptivo, envolve uma dose alta e não-mensurável de incerteza que inviabiliza a tomada de decisão por parte do setor privado, razão pela qual o Estado tem um papel fundamental no financiamento e planejamento do progresso tecnológico. Isso não tem nada que ver com Karl Marx ou com a teoria do valor trabalho.

Antes de apresentar os argumentos críticos de McCloskey a teoria do valor-trabalho, temos que entender o que é uma teoria do valor e qual o seu propósito. A teoria do valor é uma teoria a respeito da determinação das relações de troca ou do preço relativo das mercadorias, ou seja, do preço da mercadoria A em termos da mercadoria B. Se conhecermos a relação de troca entre as mercadorias será possível comparar magnitudes de mercadorias diferentes, reduzindo essas magnitudes a um denominador comum. A teoria do valor trabalho estabelece apenas que esse denominador comum é o trabalho, mais especificamente a quantidade de horas de trabalho direta e indiretamente necessárias para a produção das mercadorias. Assim se são necessárias 4 horas de trabalho para produzir uma cadeira (incluindo os insumos e instrumentos utilizados na produção da mesma) e 12 horas de trabalho para produzir uma mesa então a relação de troca será de 3:1, ou seja, tres cadeiras serão trocadas por uma mesa supondo uma economia de concorrência livre na qual os trabalhadores possam migrar do setor produtor de mesas para o setor produtor de cadeiras ou vice-versa sem nenhum custo.

Essa teoria foi originalmente formulada por David Ricardo em seu “Principios de Economia Política e Tributação” publicado originalmente em 1817. Não há nada na teoria de Ricardo que diga que o trabalho é a fonte do valor das mercadorias e que, portanto, os trabalhadores tem direito de se apropriar de todo o fruto do seu trabalho. O capital é visto como necessário ao processo produtivo por consistir num adiantamento dos meios de subsistência dos trabalhadores e no conjunto dos meios de produção. Como tal o capital deveria ter uma remuneração proporcional ao volume aplicado na produção, sendo essa proporção da pela taxa de lucro, a qual em condições de concorrência livre, deveria ser igual para todos os setores da economia.

Os salários, por sua vez, seriam determinados pelo preço natural do trabalho entendido por Ricardo como o valor – em termos de horas trabalhadas – dos meios de subsistência necessários para a reprodução da força de trabalho. Importante notar que a subsistência aqui não é definida em termos estritamente fisiológicos, mas histórico-institucionais: trata-se do valor do salário real que cada sociedade, em cada momento histórico específico, considera como sendo o mínimo necessário para a reprodução da força de trabalho. Em suma, o salário de subsistência é uma convenção social.

Marx avançou onde Ricardo parou. Para Marx a origem do excedente social – entendido como a diferença entre o produto social e o consumo necessário para a reprodução em escala simples do sistema produtivo – seria gerado pela apropriação da mais-valia, ou seja, da diferença entre o valor que os trabalhadores adicionam no processo produtivo e o valor de reprodução da força de trabalho. Em outras palavras, Marx afirmava que em condições de concorrência livre o número de horas trabalhadas era maior do que o necessário para repor os meios de produção utilizados na produção das mercadorias e a reprodução da força de trabalho. Esse sobre-trabalho não remunerado é a origem do lucro.

Qual a crítica de McCloskey a essa teoria? No artigo da FSP ela diz que a teoria do valor trabalho está errada porque (sic) as decisões econômicas são tomadas com base nos resultados futuros, não com base no passado. Assim (sic) os custos fixos (por exemplo, o custo com máquinas e equipamentos utilizados no processo produtivo) por serem custos afundados não seriam relevantes para a determinação dos preços relativos. Essa é a afirmação mais idiota ou mal intencionada que já li de um colega economista. Qualquer empresário, ao determinar os preços pelos quais espera vender seus produtos, precisa embutir uma margem de lucro que seja suficientemente alta para lhe proporcionar uma taxa de lucro desejada sobre o capital investido. Se a taxa de lucro se mostrar sistematicamente menor do que a desejada então o empresário irá encerrar seu negócio e mudar para uma atividade mais lucrativa.

Em segundo lugar, o que custos afundados tem que ver com preços relativos? A teoria do valor trabalho diz que as mercadorias são trocadas a proporção da quantidade de trabalho necessária para a sua produção, o que inclui os meios de produção usados hoje para a produção dessas mercadorias. Está claro que o progresso técnico pode reduzir a quantidade de trabalho requerido para a produção dos equipamentos necessários para a produção de uma mercadoria, mas a menos que o progresso técnico seja diferenciado no interior do setor de bens de capital, então todas as mercadorias seriam igualmente beneficiadas, mantendo-se inalteradas as suas relações de troca.

Se a senhora McCloskey tivesse ao menos se dado o trabalho de ler o capítulo 1 dos Principios de Economia Política e Tributação de Ricardo então ela saberia que existe sim um problema grave de consistência interna com a teoria do Valor Trabalho. Para que as mercadorias sejam trocadas a proporção da quantidade de trabalho necessária para a sua produção é necessário que a proporção entre trabalho direto e trabalho indireto seja igual em todos os ramos de produção, do contrário, as relações de troca irão depender da taxa de lucro, criando assim um problema de circularidade lógica: para conhecer a taxa de lucro geral do sistema precisaremos conhecer os preços relativos, mas estes não podem ser determinados sem conhecer a taxa de lucro (Ver http://joseluisoreiro.com.br/site/link/fb90d279f318b7e6c8834c62b50003783ccd2861.pdf).

Marx estava perfeitamente ciente desse problema, e tentou resolve-lo ao tratar da questão da transformação de valores em preços de produção. Muito sucintamente, os preços de produção são o conjunto de preços que permite a obtenção de uma taxa uniforme de lucro em todos os setores de atividade produtiva, ao mesmo tempo que garantem a reprodução em escala simples da atividade produtiva, incluindo a reprodução da força de trabalho. Se a teoria do valor trabalho for correta a relação entre os preços de produção das n mercadorias produzidas dentro do sistema deve ser igual a razão entre as quantidades de trabalho direta ou indiretamente necessárias para a sua produção. Marx acreditou ser capaz de demonstrar essa equivalência. Para tanto ele considerou uma economia com 5 setores totalmente independentes entre si (ver https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=http%3A%2F%2Fjoseluisoreiro.com.br%2Fsite%2Flink%2Fa3b5e6ec7aa2af68cd579725133977e92aaed305.ppt&wdOrigin=BROWSELINK). Nesse contexto, Marx foi capaz de mostrar que a soma dos valores (em horas de trabalho) produzidas pelos 5 setores era igual a soma dos preços de produção. Acontece que a solução de Marx para o problema da transformação é apenas um caso particular. No caso mais geral no qual os setores de atividade econômica são inter-dependentes – como ocorre em qualquer tipo de análise insumo-produto – então não é possível mostrar a equivalência entre valores e preços de produção. Coube ao economista italiano Piero Sraffa no seu “Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias” que a teoria do valor é, na verdade, desnecessária: pode-se determinar os preços de produção sem qualquer referência a quantidade de trabalho direta ou indiretamente necessária para a produção das mercadorias. Além disso, a origem do excedente não se deve (a nível de teoria pura) a exploração da força de trabalho, mas a existência de uma mercadoria cuja produção seja superior a quantidade dessa mercadoria utilizada como insumo em todas as demais n-1 mercadorias produzidas dentro do sistema. Basta que uma única mercadoria tenha essa propriedade para que seja possível definir uma taxa de lucro uniforme e positiva para todo o sistema econômico.

Na parte final do seu artigo McCloskey afirma que a teoria do valor correta é a teoria marginal segundo a qual os preços são determinados pela produtividade marginal dos fatores de produção. Aqui McCoskey, deliberadamente ou não, está confundindo a teoria do valor com a teoria da distribuição de renda. A teoria neoclássica do Valor estabelece que os preços das mercadorias são determinados pelas condições de equilíbrio entre oferta e demanda em todos os mercados, o assim chamado equilíbrio geral Walrasiano. As condições de existência de um vetor de preços de equilíbrio para todos os mercados foram estabelecidas apenas na década de 1950 com o trabalho de K. Arrow e G. Debreu. A solução apresentada por eles, contudo, demanda a existência de mercados contingentes completos, ou seja, que existem mercados para todos os produtos definidos não apenas por intermédio de seus atributos físicos como também do tempo e do estado da natureza a ele associado. Nesse tipo de economia não existe incerteza, justamente o problema que é destacado por Mazzucato como essencial para entender o papel do Estado no processo de inovação tecnológica.

A teoria neoclássica da distribuição é que estabelece que os fatores de produção são remunerados de acordo com suas produtividades marginais, desde que a tecnologia de produção apresente retornos constantes de escala e que prevaleça a concorrência perfeita em todos os mercados de fatores. Ora a nova teoria do crescimento econômico já demonstrou por A + B que retornos constantes de escala são incompatíveis com o crescimento sustentado da produtividade do trabalho e da renda per-capita, logo a hipótese de retornos constantes é simplesmente absurda. Além disso, a simples experiência mostra que os mercados de trabalho e de capital estão (e sempre estiveram) muito longe da concorrência perfeita, razão pela qual a ideia de que os fatores de produção são remunerados com base na sua produtividade marginal é uma ideia absurda que é reproduzida até os dias atuais por razões puramente ideológicas de se retratar o capitalismo como um sistema justo, no qual cada um é remunerado de acordo com sua contribuição para o sistema.

O capitalismo é injusto por isso precisa ser socialmente regulado. Não se trata de defender a coletivização dos meios de produção como ocorreu na Revolução Bolchevique na Rússia em 1917. Sabemos que esse experimento de “socialismo real” foi um rotundo fracasso. Mas entre uma economia centralmente planificada e uma economia de livre-mercado existem 50 tons de cinza que compõe um mosaico de formas diferentes de regulação do capitalismo. Cada sociedade deve escolher o tom de cinza mais apropriado para a sua realidade.

Uma anomalia para a teoria horizontalista da moeda e do crédito: Bancos comercias estão mantendo reservas muito superiores ao requerimento compulsório

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Por José Luis Oreiro

Nas economias monetárias modernas os pagamentos referentes aos contratos a vista ou a termo são realizados majoritariamente por intermédio do sistema bancário através de ordens de transferência eletrônica de fundos entre as contas de depósitos a vista que os agentes possuem no sistema bancário. Apenas uma fração pequena e decrescente dos pagamentos é efetuada em papel-moeda.

Todos os dias ordens de pagamento são emitidas contra contas de depósito a vista mantidas pelos agentes em diferentes bancos comerciais. Dessa forma, ao final do dia, alguns bancos poderão ter um fluxo líquido negativo entre depósitos e saques das contas correntes, ao passo que outros terão um fluxo líquido positivo. Num sistema de crédito puro, ou seja, num sistema em que todos os pagamentos são efetuados por intermédio da transferência eletrônica de depósitos de um banco para o outro, o valor agregado das transferências líquidas é necessariamente igual a zero, pois o depósito que foi transferido de um banco será necessariamente depositado em outro.

Os depósitos a vista são uma obrigação que os bancos emitem contra si mesmos quando concedem um empréstimo. Com efeito, quando um banco comercial avalia que um determinado tomador de crédito é confiável e decide conceder um empréstimo, o valor dele é creditado na conta de depósito a vista do tomador no banco que concedeu o empréstimo. A partir desse momento o tomador pode emitir ordens de pagamento para liquidar obrigações contratuais, transferindo o valor referente as mesmas para as contas de depósito a vista de outros agentes, muitos dos quais podem possuir contas de depósito a vista em outros bancos comerciais.

Embora os bancos possam conceder empréstimos a agentes e instituições não-bancárias por intermédio de obrigações que eles criam contra si mesmos, os pagamentos entre bancos tem obrigatoriamente que ser feitos na moeda corrente da economia (Carvalho, 2015, p.69), cujo monopólio de emissão é do Banco Central. Dessa forma, para viabilizar o funcionamento do sistema de pagamentos, os bancos comerciais precisam manter reservas em moeda corrente no Banco Central para que, no final de cada dia, eventuais saldos negativos entre depósitos e saques de depósitos a vista possam ser zerados com a transferência de reservas dos bancos deficitários para os bancos superavitários.

Num sistema de crédito puro não há vazamentos de depósitos para fora do sistema bancário de maneira que a posição líquida agregada entre depósitos e saques entre bancos comerciais é igual a zero. Nesse tipo de sistema, a princípio os bancos comerciais não teriam muito incentivo para manter grandes reservas no Banco Central porque os bancos deficitários podem tomar emprestado as reservas que necessitam junto aos bancos superavitários no assim chamado mercado interbancário, pagando a taxa de juros relativa a esse tipo de empréstimo. Como todo empréstimo, no entanto, os bancos deficitários precisam apresentar garantias para os bancos superavitários para se habilitarem a tomar emprestado as reservas que necessitam. Caso exista desconfiança quanto a solvência dos bancos deficitários devido a elevada inadimplência dos empréstimos concedidos por eles (non-performing loans), os bancos superavitários podem ter dúvidas sobre a capacidade dos bancos deficitários pagarem os empréstimos, situação na qual a execução das garantias pode se mostrar insuficiente ou até mesmo inviável. Nesse caso, os bancos superavitários irão se mostrar pouco dispostos a emprestar as reservas que os bancos deficitários necessitam, aumentando assim o valor da taxa de juros dos empréstimos entre bancos. Em situações limite de desconfiança a taxa de juros dos empréstimos do mercado interbancário pode se tornar tão elevada a ponto de inviabilizar esses empréstimos, o que resultaria na paralização do sistema de meios de pagamento.  

Esse tipo de situação não é apenas uma curiosidade teórica, mas ocorreu de fato com a erupção da crise financeira internacional de 2008 após a falência do Banco de Investimentos Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008. A figura 6.1 abaixo mostra o comportamento da taxa de juros LIBOR (London Interbank Offered Rate), que consiste na taxa de juros referencial diária, calculada com base na média das taxas de juros oferecidas para grandes empréstimos entre bancos internacionais que operam no mercado de Londres. Entre meados de agosto e início de setembro de 2008 a LIBOR se encontrava num patamar baixo e estável ligeiramente acima de 2% a.a para operações de crédito overnight, ou seja, para empréstimos de um dia. O aumento da percepção de incerteza devido a falência do Lehman Brothers se expressou não só num aumento do significativo da Libor, que aumentou quase 300%, como também numa maior instabilidade dessa taxa até meados de outubro de 2008.

Em situações em que o mercado interbancário colapsa devido a desconfiança mútua entre os bancos, a solução é o Banco Central atuar como emprestador de última instância, ou seja, emprestar as reservas que os bancos deficitários precisam para zerar efetuar os pagamentos devidos aos bancos superavitários. Geralmente, os bancos comerciais podem acessar livremente as linhas de crédito do banco central a taxa de juros fixada pela autoridade monetária. Esse acesso permite que, na maior parte do tempo, as taxas de juros prevalecentes no mercado interbancário apresentem apenas pequenas flutuações em torno da taxa de juros para empréstimos de reservas fixada pelo Banco Central.

A possibilidade de os bancos comerciais tomarem emprestado as reservas que necessitem do Banco Central a taxa por ele estipulada é o pilar central da teoria horizontalista da moeda e do crédito, segundo a qual empréstimos criam depósitos e depósitos criam reservas (Hein, 2008, pp. 44-47). Como o volume de meios de pagamento é constituído por depósitos a vista e reservas bancárias, segue-se que a oferta de moeda é não apenas uma variável endógena como também perfeitamente elástica ao nível da taxa de juros definida pelo Banco Central.

Figura 6.1 Comportamento da Taxa de juros LIBOR expressa em US$ dólar no período compreendido entre 15 de agosto e 31 de dezembro de 2008.

Fonte: USD LIBOR interest rates in 2008 (global-rates.com).

Essa teoria a respeito da endogeneidade da oferta de moeda tornou-se hegemônica entre os economistas pós-keynesianos nos últimos 15 anos, em grande medida devido ao esforço de autores como Marc Lavoie e Louis-Phillipe Rochon em desenvolver os aspectos teóricos e institucionais da teoria horizontalista. Em particular, as duas edições (2014, 2022) do livro “Post-Keynesian Economics: new foundations” de autoria de Marc Lavoie fazem uma apresentação detalhada e bastante convincente da teoria horizontalista.

Uma implicação tácita da teoria horizontalista da moeda e do crédito é uma redução da importância da preferência pela liquidez, elemento central no sistema teórico de Keynes. O equilíbrio com desemprego resulta, como vimos, de uma taxa de juros de longo-prazo excessivamente alta, a qual reflete não apenas as convenções prevalecentes no mercado financeiro a respeito do comportamento futuro da taxa de juros fixada pela autoridade monetária como também a preferência pela liquidez dos agentes que se expressa no prêmio de liquidez dos ativos de longa maturidade relativamente aos ativos de curta maturidade. Para que os agentes estejam dispostos a pagar pela posse de liquidez é necessário, contudo, que a oferta de ativos perfeitamente líquidos não seja ilimitada. A esse respeito Keynes afirma na sua Teoria Geral que:

“(…) É improvável que um ativo, cuja oferta pode ser facilmente aumentada ou cujo desejo pode ser facilmente desviado por uma mudança em seu preço relativo, possua o atributo de liquidez na mente dos donos da riqueza. O próprio dinheiro perde o atributo de liquidez se se espera que sua oferta futura sofra mudanças bruscas” (Keynes, 1936, p. 241, nota de rodapé 1) [Tradução do autor]

No caso dos bancos comerciais em particular, a teoria horizontalista da moeda e do crédito tem uma implicação empiricamente testável, qual seja, os bancos comerciais não irão manter reservas em excesso ao exigido pelo Banco Central dado que podem tomar emprestado as reservas que necessitam junto a autoridade monetária a taxa de juros por ela fixada, quando isso for necessário. O problema é que essa previsão da teoria não é amparada pelos fatos. Como mostra Koo (2022, p. 269), os bancos comerciais privados dos Estados Unidos, Japão, área do Euro e Reino Unido aumentaram significativamente as reservas voluntárias nos seus respectivos bancos centrais desde 2008. Em 2021 as reservas voluntárias representavam, 15.9% do PIB nos Estados Unidos, 85,9% do PIB no Japão, 29.8% do PIB na área do Euro e 40,9% do PIB no Reino Unido. Dados do Federal Reserve a respeito das reservas emprestadas para os bancos comerciais americanos no período 1959-2020 mostram que os bancos comerciais só recorrem ao empréstimo de reservas no Banco Central apenas em situações emergenciais (Koo, 2022, p. 354). A evidência empírica disponível, portanto, mostra que Bancos possuem preferência pela liquidez, a qual se expressa num montante significativo de reservas voluntárias mantidas no Banco Central.

A figura 6.2 abaixo mostra o comportamento das reservas bancárias em excesso ao mínimo exigido pelo Federal Reserve no período compreendido entre janeiro de 2000 e janeiro de 2020. É interessante observar que no período pré-crise financeira internacional de 2008 o volume de reservas bancárias em excesso no Federal Reserve era muito pequeno, inferior a 5% das reservas totais dos bancos comerciais. O único ponto fora do padrão se observou em setembro de 2001, o qual pode ser facilmente explicado pelo aumento da percepção de incerteza derivado do ataque as torres gêmeas em Nova Iorque no dia 11 de setembro de 2001. Essa situação muda radicalmente a partir de setembro de 2008, quando a razão entre as reservas excedentes e as reservas totais dos bancos comerciais depositadas no Federal Reserve aumenta para mais de 80%, num contexto em que a Fed Funds Rate foi reduzida para patamares próximos a zero por centro ao ano. Esse comportamento é uma clara evidência de que os bancos possuem preferência pela liquidez pois estão dispostos a manter grandes quantidades de ativos perfeitamente líquidos (as reservas bancárias) mesmo quando a remuneração delas é praticamente nula.

Fonte: Federal Reserve Economic Data (https://fred.stlouisfed.org). Elaboração do autor a partir dos dados coletados por Vitor Dotta.

Embora nas economias monetárias modernas a maior parte das transações sejam efetuadas por intermédio da transferência eletrônica de depósitos entre os bancos comerciais, uma pequena, mas ainda relevante parte dos pagamentos é feita em espécie. Isso significa que podem ocorrer vazamentos de depósitos para fora do sistema bancário caso o volume de saques de dinheiro em espécie seja superior ao volume de depósitos em papel-moeda feitos num determinado dia. Como os bancos comerciais não emitem a moeda legal, apenas um substituto próximo para ela que é o depósito a vista, então haverá uma saída líquida de recursos das reservas bancárias junto ao Banco Central para o público na forma de dinheiro em espécie. Para lidar com a diferença diária entre saques e depósitos em espécie, os bancos comerciais mantem uma parte de suas reservas em dinheiro nas agências bancárias. A atuação do Banco Central como emprestador de última instância garante que qualquer correntista poderá sacar o valor integral de seus depósitos a vista em espécie se assim o desejar, razão pela qual o papel-moeda e os depósitos a vista são tidos pelo público como substitutos perfeitos, e a proporção de moeda mantida na forma de dinheiro em espécie explica-se apenas pelos custos de transação associados a pequenos pagamentos. Em outras palavras, se o público confiar na capacidade e disposição das autoridades monetárias em garantir a conversibilidade dos depósitos a vista em papel-moeda a taxa de 1:1 então não haverá nenhum motivo para uma corrida bancária, ou seja, uma situação em que os depositantes tentam sacar seus depósitos a vista o mais rapidamente possível dos bancos comerciais antes que os saques sejam suspensos por falta de liquidez. No entanto, um episódio de corrida bancária ocorreu em setembro de 2007 com o Northern Rock Bank no Reino Unido após o Banco receber uma assistência emergencial de liquidez do Banco da Inglaterra, a qual foi comunicada ao público. Os depositantes fizeram então enormes filas na sede do banco na tentativa de retirar seus depósitos, originando a primeira corrida bancária no Reino Unido em 150 anos.

Em suma, a teoria horizontalista da moeda e do crédito tem implicações a respeito do comportamento dos bancos comerciais que não são respaldadas pelos fatos observador. A citação abaixo de Koo (2022, p. 361) é bastante clara sobre isso.

“Para contrair empréstimos junto ao FED, os bancos também tiveram de apresentar garantias de alta qualidade para garantir que os fundos dos contribuintes não fossem colocados em risco. Embora muitos economistas sem experiência em supervisão bancária, incluindo aqueles sobre a folha de pagamento dos bancos centrais, muitas vezes falem como se as reservas estivessem disponíveis gratuitamente do banco central à taxa de juros em vigor, qualquer banco que contraia empréstimos do banco central enfrenta uma miríade de custos, e aqueles que tomam empréstimos com muita frequência encontrarão auditorias extremamente desagradáveis. Isso explica por que as reservas emprestadas constituíam apenas 0,86% das reservas bancárias antes do lançamento do QE em 2008. (…) A noção de que um banco pode criar dinheiro do nada porque o Banco Central está sempre pronto para fornecer reservas “sob demanda” é, portanto, absurda” [tradução do autor]

Referências

Carvalho, F.C. (2015). Liquidity Preference and Monetary Economies. Routledge: Londres.

Hein, E. (2008). Money, Distribution Conflict and Capital Accumulation. Palgrave Macmillan: Londres.

Keynes, J,M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: undestanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Wiley: West Sussex.

Lavoie, M. (2022). Post-Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Cheltenham.

Spain and Brazil: Common Challenges

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José Luis Oreiro

Professor, Department of Economics, University of Brasilia

Jesus Ferreiro Aparício

Professor at the Faculty of Economics of the University of the Basque Country

The recent visit of the President of the Government of Spain, Pedro Sanchez, to Brazil is a good opportunity to revisit the obstacles to the economic development process that both countries face. In the period between 1990 and 2022, the ratio between the GDP per capita of Spain and Brazil, measured in purchasing power parity, remained stable, at around 2.6 times. This means that the GDP per capita growth rate in both countries was similar, around 1.43% p.a during this period.

In the period 1995-2007, Spain shows a faster growth of its GDP per capita, increasing from 2.60 to 2.90 the ratio between its GDP per capita and the Brazilian GDP per capita. The international financial crisis of 2008, however, represented an interruption in its development process for Spain, with GDP per capita remaining stagnant until 2022 at levels lower than those observed in 2007. Brazil, on the other hand, goes through the 2008 Crisis relatively unscathed, maintaining a reasonable pace of growth, until fall into the great recession of 2014-2016, which would result in a seven-year period of stagnation.

In 2023, the Spanish economy, like the Brazilian one, showed remarkable dynamism, especially when compared to its European partners. While for the European Union and the Eurozone, the European Commission forecasts a growth rate of 0.6% in 2023, Spain would have grown at a rate of 2.5%, behind only Croatia and Malta. As far as job creation is concerned, it would have grown by 1.1% in the euro area and 1% in the European Union, well below Spain, whose job creation (1.9%) is only lower than that of Ireland, Croatia and Malta.

These good figures, which make Spain one of the economic locomotives of Europe, hide its markedly cyclical nature. If we look at the behaviour of the Spanish economy from a long-term perspective, the conclusion we reach is very different, that is, a clear loss of dynamism over the last two decades.

As a result of its entry into the European Union in 1986, the Spanish economy gained a strong boost that led it to bring its real per capita income closer to the European average. Thus, between 1986 and 2005, Spain’s real GDP per capita increased by 76%, which meant that in 2005 it reached 78.5% of the Euro area average and 92.7% of the European Union average.

The outbreak of the International Financial Crisis of 2008 marked a turning point in Spain’s economic development process. From 2008 to 2023, Spain’s real GDP per capita would have grown by only 3.8%, well below the average of the eurozone (9%) or the European Union (13.5%), meaning that in 2023 Spain’s per capita income would have fallen to 75% of the eurozone’s per capita income and 83.1% of the European Union’s per capita income. Thus, if in 2007 Spain occupied the 13th place in the ranking of European Union countries (including the United Kingdom) by per capita income, in 2023 its position was 15th, having been surpassed by Cyprus and Malta. In fact, if the European Commission’s forecasts come true, in 2025 the Spanish ranking would fall to 16th place, being overtaken by Slovenia.

Reversing this process must be a central task for the Spanish economic authorities and for society as a whole. The poor results in terms of productivity growth can be explained, among other factors, by the growing weight of low-productivity sectors, such as tourism, the current engine of the Spanish economy, and by the loss of weight of the industrial sector, and by a model of competitiveness in which competitiveness prevails through costs based on low wage costs.  This is fostered by a labour market in which non-standard contracts and employment (temporary, permanent-discontinuous, part-time) continue to be overweighted and discourages investment in physical and human capital and innovation processes.

Spain, like Brazil, has undergone an intense process of deindustrialization, with the share of the manufacturing industry in GDP falling from 17% in 1997 to just over 11% in 2022, a level that has been more or less stable since 2011.  In Brazil, the behavior of the manufacturing industry’s share in GDP was more erratic. Between 1997 and 2004, the share of the manufacturing industry increased from 13% to 15% of GDP, in a positive and expected response to the end of the exchange rate anchor in January 1999. From 2005 onwards, the process of deindustrialization began again, with the share of the manufacturing industry falling from 15% in 2005 to 11% of GDP in 2022. 

When we look at the data of the manufacturing industry by technological intensity, some interesting contrasts appear. While the share of medium and high-tech industries in the GDP of the manufacturing industry in Spain increases from 31% in 2007 to 40% in 2022, thus showing that deindustrialization in Spain has affected low-tech industries more intensely; in Brazil, the share of medium and high-tech industries in the manufacturing industry GDP fell from 35% in 2007 to 31% in 2022, indicating that in the Brazilian case it is the sophisticated part of the manufacturing industry that is being most affected by deindustrialization.

Another similarity between the Spanish and Brazilian cases is the reduction in the pace of capital accumulation in the last 15 years. In fact, gross fixed capital formation in Spain fell from just over 30% of GDP in 2007 to 21% in 2022, a drop of 9 p.p. of GDP. In Brazil, the investment rate fell from 20% of GDP in 2007 to 15% to 16.5% of GDP in 2023.

The low dynamism of the economies of Brazil and Spain in the last 15 years seems to have a common denominator, the combination of deindustrialization and a reduction in the pace of gross fixed capital formation. This outcome is far from a mystery. Growth in labor productivity requires investment in new machinery and equipment that incorporates new technologies. It turns out that the manufacturing industry is the most intensive sector of activity in machinery and equipment. So if industry doesn’t grow, neither does investment, so productivity doesn’t increase. Without productivity growth, manufacturing industry loses competitiveness in the medium and long term even in a scenario of anemic growth in real wages. So we have a vicious cycle of low investment-deindustrialization-low investment. This is the nature of the middle-income trap that affects both Brazil and Spain.


The original portuguese version of this article is published at https://valor.globo.com/opiniao/coluna/espanha-e-brasil-desafios-comuns.ghtml

Samuel Pessoa e o Subdesenvolvimento

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Por José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

Em matéria publicada na Revista Exame em 09/03/2024 (https://exame.com/economia/brasil-e-subdesenvolvido-pela-baixa-produtividade-do-trabalhador-diz-samuel-pessoa/) Samuel Pessoa em entrevista para essa revista, parafraseando o escritor Britânico Cherteston, descobriu a Inglaterra. Ele descobriu que o Brasil é subdesenvolvido por causa da baixa produtividade do trabalhador. Não sei se ele chegou a ler o texto de Celso Furtado intitulado “Elementos de uma teoria do subdesenvolvimento” no qual o maior economista brasileiro de todos os tempo define subdesenvolvimento como uma estrutura produtiva híbrida na qual uma parte se comporta como uma economia capitalista moderna e, portanto, de alta produtividade; enquanto outra parte se mantem como uma estrutura arcaica que emprega pouco ou nenhum capital por trabalhador, sendo de baixa produtividade. A baixa produtividade (média) do trabalhador resulta, portanto, da incapacidade do setor moderno ou capitalista da economia de empregar toda a força de trabalho disponível pois a expansão capitalista é feita com bases nas técnicas de produção poupadoras de mão-de-obra, adequadas para as economias maduras como os Estados Unidos e a Europa Ocidental onde a mão-de-obra excedente foi eliminada no final do século XIX. Dessa forma, as economias subdesenvolvidas são estruturas duais nas quais a estrutura de emprego é altamente heterogênea, com uma grande parte da força de trabalho empregada em setores de baixa produtividade.

Samuel Pessoa, no entanto, distorce o conceito Furtadiano de economia subdesenvolvida ao declarar que a baixa produtividade não se deve a estrutura do emprego mas (sic) a características embutidas no trabalhador como o baixo nível de escolaridade. Nas suas palavras: “A educação de qualidade dá duas coisas para o trabalhador. A primeira é a cognitiva, que seria a capacidade de resolver problemas, raciocínio lógico e comunicação clara, que você aprende nos bancos escolares. E a segunda seriam as habilidades socioemocionais, a capacidade de aguentar frustação, persistência, cálculo prospectivo, capacidade de operar em grupo. Não nascemos sabendo dessas coisas. Segundo os estudos que conheço sobre o assunto, a falta dessas qualidades é responsável por 50% da baixa produtividade do trabalhador”.

Está claro que eu não discordo da tese de que o nível educacional da força de trabalho brasileira é baixo, embora avanços importantes tenham sido obtidos nos últimos anos. O problema, contudo, não está no perfil da força de trabalho, mas na qualidade dos postos de trabalho que são oferecidos no Brasil. A estrutura de emprego no Brasil é bastante arcaica, e isso está relacionado com dois fatores : (a) o baixo estoque de capital físico por trabalhador e (b) a desindustrialização da economia brasileira.

Para entender isso, vamos começar com algumas identidades contábeis bastante simples.

O produto per-capita (Y/N) pode ser expresso da seguinte forma:

Y/N = (Y/L)*(L/N) (1)

Onde: Y/L é o produto por trabalhador e (L/N) é a taxa de participação, ou seja, o percentual da população que faz parte da força de trabalho.

Desde o advento da Revolução Industrial as diferenças no produto per-capita são fundamentalmente explicadas por diferenças na produtividade, muito embora tenha ocorrido um aumento da taxa de participação na maioria dos países no período pós segunda guerra mundial devido a absorção crescente de mulheres no mercado de trabalho

O produto por trabalhador pode ser expresso como:

Y/L = (Y/K)*(K/L) (2)

Onde Y/K é a produtividade do capital e (K/L) é a quantidade de capital por trabalhador.

A expressão (2) mostra que a produtividade do trabalhador será tão maior quanto maior for a produtividade do capital e maior for a quantidade de capital por trabalhador.

A quantidade de capital por trabalhador irá aumentar se e somente se a taxa de crescimento do estoque de capital for mais rápida do que a taxa de crescimento da força de trabalho. A taxa de crescimento do estoque de capital, por sua vez, é igual a taxa de investimento (formação bruta de capital físico dividida pelo PIB) multiplicada pela produtividade do capital, subtraindo-se a taxa de depreciação do estoque de capital.

Considerando uma taxa de investimento média de 16,5% do PIB (valor obtido em 2023), uma produtividade do capital de 0,3 e uma taxa de depreciação do estoque de capital de 4% para o caso brasileiro chegamos a uma taxa de crescimento do estoque de capital de míseros 0,95% a.a. O problema é que em 2023 a força de trabalho cresceu a uma taxa de 1,1% (https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/tag/emprego/#:~:text=No%20acumulado%20do%20ano%2C%20a,crescimento%20de%201%2C5%25.); ou seja, o estoque de capital por trabalhador no Brasil diminuiu em 2023 devido a baixa taxa de crescimento do estoque de capital decorrente da baixa taxa de investimento.

Por que a taxa de investimento no Brasil é baixa? Por duas razões. Em primeiro lugar, o custo do capital no Brasil é alto devido ao elevado patamar da taxa de juros livre de risco, que no Brasil é a taxa Selic. O custo do capital de terceiros também é elevado devido ao elevadíssimo spread bancário. Quando o custo do capital é elevado, são poucos os projetos de investimento cuja taxa interna de retorno supera o custo médio ponderado do capital. Dessa forma, o investimento será baixo.

A segunda razão é que o setor que utiliza mais intensamente máquinas e equipamentos, que é a indústria de transformação está encolhendo no Brasil tanto como proporção do PIB como em termos de valor adicionado. Os setores que se expandem, o setor de serviços e o agronegócio são relativamente pouco intensivos em capital, gerando assim uma baixa demanda por investimentos em máquinas e equipamentos. Dessa forma, a desindustrialização da economia brasileira nos últimos 20 anos cria um viés de baixa na demanda por máquinas e equipamentos, o que acaba limitando o potencial de crescimento da produtividade do trabalho.

Com efeito, como podemos observar na figura abaixo, a taxa de crescimento da formação bruta de capital fixo e a taxa de crescimento do PIB da indústria de transformação apresentaram uma forte correlação entre 2003 e 2022 indicando a existência de uma armadilha de baixo investimento-baixo crescimento da indústria de transformação.

Elaboração do autor a partir de dados do IPEADATA.

Em suma, a baixa produtividade do trabalhador está mais relacionada com a baixa formação de capital e a desindustrialização da economia brasileira. Para aumentar a produtividade é necessário aumentar a taxa de investimento e a participação da indústria no PIB. Uma melhoria no nível educacional da força de trabalho é bem-vinda, mas só terá efeito sobre a produtividade se tiver impacto positivo na formação de capital e/ou na participação da indústria de transformação. Do contrário iremos gerar legiões de desempregados ou subempregados com formação superior, tipo engenheiro trabalhando como motorista da Uber. Mas aumentar o nível educacional da força de trabalho terá pouco efeito prático enquanto o custo do capital no Brasil for muito elevado. Esse é o principal entrave ao desenvolvimento econômico do Brasil.

Não a PEC 65/2023 : O Banco Central é uma Instituição típica de Estado, não uma empresa

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Por José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

A competente jornalista Maria Clara do Prado escreveu na sua coluna de quinta-feira, dia 07 de março (ver https://valor.globo.com/opiniao/coluna/pec-poe-em-xeque-vinculo-entre-bc-e-tn.ghtml), no Valor Econômico uma série de críticas pertinentes e preocupantes sobre a PEC 65/2023 cujo objetivo é dar autonomia financeira para o Banco Central do Brasil, o qual deixaria de fazer parte do governo em sentido amplo para ser uma empresa pública. A justificativa apresentada pelo presidente do Banco Central é que isso permitiria melhorar os salários dos funcionários da instituição que estariam muito defasados com relação aos que podem ser obtidos no sistema financeiro privado. No entanto o centro da proposta, como apontado no artigo da colunista do Valor, consiste “no uso de receitas de senhoriagem para o financiamento de suas despesas (do BC). Entende-se aqui por senhoriagem o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros. A apuração é realizada aplicando-se uma medida de taxa de juros nominal sobre o valor da base monetária”

Como a própria colunista apontou trata-se de uma redação confusa, para dizer o mínimo. A definição está INCORRETA. Para entender isso é necessário retomar alguns conceitos básicos de economia monetária. Para começar: o que é moeda? A moeda é definida como a unidade de conta do sistema de contratos (a vista e a termo) e o instrumento utilizado para a liquidação dos mesmos no seu vencimento. A moeda não surge, portanto, como a propriedade emergente da interação dinâmica entre os agentes econômicos privados (como Paulo Guedes afirmou recentemente em mais um das suas vídeo entrevistas nas quais destila toda sua ignorância de história econômica e economia monetária) mas é uma criação do Estado. Como disse Keynes no seu Tratado sobre a Moeda (1930), o qual antecedeu a Teoria Geral (1936), é o Estado que define qual o padrão que será utilizado como unidade de conta nos contratos, o instrumento que será utilizado para liquidar os mesmos no seu vencimento e, não menos importante, o Estado é a garantia de que os contratos não podem ser descumpridos. Em outras palavras, a moeda é uma criatura do Estado (Lerner, 1947).

A moeda é criada pelo Estado por intermédio do Banco Central, ao menos desde o momento em que as economias capitalistas abandonaram o sistema de moeda-mercadoria, no qual o instrumento utilizado para a liquidação de contratos eram moedas de ouro e prata cunhadas pelo Estado, em prol do sistema de moeda fiduciária, no qual o meio de pagamento é constituído de notas de papel cujo valor intrínseco é zero. A senhoriagem nada mais é da que a diferença entre o valor de face das notas de papel (digamos uma nota de 200 reais) e o custo de produção da mesma pela Casa da Moeda (alguns míseros centavos). Essa diferença entre o valor de face e o custo de produção das cédulas é apropriada pelo Estado pois o mesmo dispõe do monopólio legal de emissão de moeda.

Ao contrário do senso-comum a moeda não é criada pela Casa da Moeda, a qual é apenas uma indústria gráfica, responsável entre outras coisas por emitir os passaportes de cidadãos brasileiros que viajam para o exterior. A moeda é criada quando o Banco Central adquire ativos, seja moeda estrangeira para aumentar as reservas internacionais, seja títulos públicos que estão na carteira dos bancos comerciais. A compra desses ativos é, por assim dizer, financiada com um crédito na conta de reservas bancárias que os bancos comerciais tem no Banco Central (Ver Carvalho et al, 2000, capítulos 1 e 6).

Aliás os bancos comerciais só podem fazer pagamentos entre si por intermédio da transferência de reservas das suas contas no Banco Central, eles não podem pagar com os passivos que eles mesmo criam, que são os depósitos a vista (Lavoie, 2022, capítulo 4). Para deixar mais claro, se ao final do dia o Banco X tem uma posição líquida negativa ( diferença entre depósitos e saques) com o banco Y então o Banco X terá que transferir para o Banco Y o valor correspondente da sua conta de reservas no Banco Central. Ao final de cada dia o Sistema Especial de Liquidação e Custódia do BC calcula a posição líquida de cada banco e exige que as posições sejam zeradas. Caso algum banco tenha uma posição líquida negativa superior ao montante de suas reservas no Banco Central, então deverá tomar emprestado reservas com outros bancos comerciais ou com o proprio Banco Central. Esse é o chamado mercado interbancário onde os bancos tomam reservas emprestadas entre si ou com o Banco Central. A taxa de juros desses empréstimos é a Selic, cujo valor é periodicamente fixado pelo Conselho de Política Monetária do Banco Central. Como o Banco Central atua como market-maker no mercado interbancário fixando o valor da taxa de juros dos empréstimos entre bancos, segue-se que ele deve estar disposto a ofertar todas as reservas que os bancos demandarem a taxa Selic. A quantidade de moeda torna-se então uma variável endógena, ou seja, ela é o resultado, ao invés da causa, do crescimento da renda nominal. Friedman e o monetarismo estão mortos.

Até o presente momento não falamos sobre as cédulas de papel. O leitor deve ter observado que as transações ocorridas no mercado interbancário são puramente digitais, ou melhor, apenas um registro contábil de débitos e créditos, no qual o Banco Central desempenha um duplo papel de casa de compensações e de emprestador de última instância.

Apesar da evolução das operações de pagamento digital (cartão de débito e PIX) muitos pagamentos ainda são feitos em cédulas de papel. Isso significa que, todos os dias, o sistema bancário recebe depósitos em papel moeda e o público realiza retiradas de papel moeda de suas contas de depósitos a vista. Para que esse sistema possa funcionar diariamente os bancos precisam ter em caixa cédulas de papel que, na verdade, são uma parte das reservas que eles possuem no banco central. Assim quando a demanda por cédulas de papel aumenta o Banco Central ordena a Casa da Moeda para imprimir mais cédulas de papel, as quais são distribuídas ao sistema bancário conforme a necessidade de cada instituição bancária.

Feitos esses esclarecimentos conceituais, voltemos a análise da PEC. O texto da PEC confunde receita de senhoriagem com os juros que o Banco Central recebe sobre os títulos públicos que ele comprou com a emissão de base monetária. A senhoriagem refere-se, como vimos, a diferença entre o valor de face das cédulas de papel e seu custo de produção. Dada a ampliação dos pagamentos por meio digital a quantidade de cédulas de papel em circulação está caindo, de maneira que essa receita é desprezível. A receita que importa é a receita com a carteira de títulos públicos possuída pelo Banco Central, e é aqui que mora o detalhe escabroso da proposta da PEC.

O Banco Central do Brasil é proibido por lei a emitir títulos para financiar suas operações normais de política monetária. Caso o Banco Central esgote toda a sua carteira de títulos com operações compromissadas então o Tesouro Nacional será obrigado a fazer um aporte de capital no Banco Central na forma de títulos públicos, aumentando o capital próprio do banco no lado do passsivo, e a carteira livre do Banco Central no lado do ativo. Isso não ocorre, contudo, quando o Banco Central dispõe na sua carteira de títulos livres, ou seja, títulos que não estão sendo utilizados nas operações compromissadas, as quais consistem na venda de títulos públicos que estão na carteira do banco central com um compromisso de recompra em alguma data futura (a qual varia de 1 a 28 dias). Nessas operações o Banco Central irá recomprar os títulos que vendeu a um preço que é aproximadamente igual ao valor da selic durante o prazo da operação. Tudo se passa como se o sistema bancário estive fazendo um empréstimo de curto-prazo para o Banco Central, pagando a selic proporcional ao período do empréstimo.

Via de regra esse tipo de operação gera um resultado líquido zero para o Banco Central porque ele vai pagar para os bancos comerciais a mesma taxa de juros que recebe do Tesouro Nacional. O lucro auferido pelo banco central vem de duas fontes. A primeira é dos juros recebidos pela sua carteira livre. Tratam-se de títulos públicos na posse do Banco Central que não estão sendo utilizados nas operações compromissadas. Se a carteira livre for de, digamos, 300 bilhões de reais e a Selic média ao longo de 2024 for de 10% então o Banco Central se apropria de uma receita de 30 bilhões de reais. A segunda fonte é o ganho de capital que o Banco Central aufere pela valorização das reservas internacionais em termos da moeda corrente do país. No governo Bolsonaro o real se desvalorizou cerca de 30% com respeito ao dólar. Como as reservas internacionais do Brasil são de aproximadamente 350 bilhões de dólares, temos uma receita de 105 bilhões de dólares, ou seja, algo como 525 bilhões de reais ao câmbio de hoje.

Pois bem, o leitor já deve ter percebido a cretinice a proposta de emenda constitucional. Essas receitas do Banco Central derivam-se exclusivamente de seu papel como Instituição de Estado, responsável pela administração do sistema de meios de pagamento, criação de moeda e custodiante das reservas internacionais do Brasil. A PEC quer tornar uma instituição típica de Estado numa empresa pública para distribuir os seus, por assim dizer, lucros para os funcionários do Banco Central. Acontece que esse dinheiro pertence ao Estado Brasileiro e como tal tem sido devolvido, até recentemente, ao Tesouro Nacional para o abatimento da dívida pública. Sem esse instrumento, o Brasil vai criar a sua versão do Euro, ou seja, teremos uma moeda sem um Estado para garantir a confiabilidade na mesma. Receio que o resultado disso será o enriquecimento de alguns, com prejuízo para o restante da sociedade brasileira, pois será necessária um aumento da carga tributária para substituir essa receita que o Banco Central, até recentemente, transferia a cada seis meses para o Tesouro Nacional (no governo Bolsonaro foi criada uma conta de resultados no Banco Central no qual os superávits de um ano são usados para financiar eventuais déficits em outros anos, de maneira a evitar que o Tesouro Nacional tenha que fazer um aporte de capital para o Banco Central na forma de títulos públicos toda a vez que o Banco Central tem prejuízo).

Eu não discordo de que os salários dos funcionários do Banco Central estejam defasados, aliás o funcionalismo público federal acumula uma perda de mais de 30%, boa parte da mesma gerada no governo Bolsonaro que não corrigiu os salários dos servidores públicos pela inflação passada (a famosa granada do Guedes no bolso dos servidores públicos). Mas isso não se resolve com essa PEC, mas com a reestruturação do plano de carreira e de salários dos servidores do Banco Central. Coisa que alías não precisa de uma PEC para ser implementada, basta um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional.

Em suma, essa PEC soa como “algo podre no reino na Dinamarca”.

Referências

Carvalho, F.C; et al (2000). Economia Monetária e Financeira: Teoria e Prática. Editora Campus: Rio de Janeiro.

Lavoie, M. (2022). Post-Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Cheltenham.

Lerner, A. (1947). “Money as a Creature of State”. The American Economic Review Vol. 37, No. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association (May, 1947) , pp. 312-317 

Keynes, J.M. (1930). A Treatise on Money. Harcourt Brace and Company: Nova Yorque.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Programa da Disciplina “Leituras de Desenvolvimento Econômico” (Tópicos Especiais em Economia Política) do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade de Brasília

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Caros leitores,

Tenho observado uma grande lacuna na formação dos alunos do curso de pós-graduação em economia, não só na Universidade de Brasília como também em outros programas de pós-graduação, no que diz respeito ao conhecimento dos artigos e livros seminais da Economia do Desenvolvimento Econômico. A maioria dos discentes nunca teve contato com os textos originais dos fundadores da disciplina de Desenvolvimento Econômico como Rostow, Lewis, Rosenstein-Rodan, Hirschman, Polanyi, Gershenskron, Prebisch, entre outros. Isso sem contar autores mais recentes como Amsden e Reinert que atualizaram a Teoria do Desenvolvimento Econômico para o contexto atual da globalização e da experiência bem sucedida dos Estados Desenvolvimentistas do Leste da Ásia.

No final do ano passado reuni um grupo de alunos da pós-graduação em economia da UnB para dar início a um grupo de estudos sobre o tema, mas infelizmente a ideia não foi adiante por falta de tempo de ambas as parte.

Dessa forma, decidi ofertar no primeiro semestre de 2024 uma disciplina extra na pós-graduação em economia da Universidade de Brasília para tratar dessa temática. Como não havia prazo hábil para criar uma nova disciplina, a solução de curto-prazo foi ofertar o conteúdo da disciplina de “leituras em desenvolvimento econômico” com o nome de “Tópicos Especiais em Desenvolvimento Econômico”, a qual já constava na lista de disciplinas optativas do programa de pós-graduação.

Aqueles e aquelas que desejarem se inscrever na disciplina como alunos regulares ou especiais, o programa do curso podem ser obtido em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=63. Caso algum aluno do programa de pós-graduação em economia da UnB tenha feito essa disciplina, mas com outro conteúdo, eu já pedi para a secretaria do programa de pós-graduação a matrícula numa disciplina com código diferente.

Em tempo, a disciplina extra que irei ofertar (além da disciplina de Macroeconomia 1 na área de Economia Política, Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, vejam https://jlcoreiro.wordpress.com/2024/02/27/programa-de-macroeconomia-1-da-area-de-economia-politica-desenvolvimento-e-meio-ambiente-do-programa-de-pos-graduacao-em-economia-da-universidade-de-brasilia/) será aulas às quartas-feiras no horário de 18 as 20 horas na sala 06/10 da FACE/UnB.

Sejam bem vindo(a)s.

José Luis Oreiro

Dados do PIB divulgados pelo IBGE mostram crescimento mediano, de má qualidade e não-sustentável

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José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

O IBGE acabou de divulgar os dados do PIB no acumulado do ano de 2023 (Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/39303-pib-cresce-2-9-em-2023-e-fecha-o-ano-em-r-10-9-trilhoes ) A economia brasileira apresentou um crescimento de 2,9% no acumulado de 2023 e de 0,0% na comparação entre o quarto trimestre de 2023 com o terceiro trimestre. Trata-se de um crescimento mediano do PIB, compatível com um crescimento de apenas 2,2% do PIB per capita, um nível bom mas insuficiente para o Brasil fazer o catching-up com relação as economias de alta renda.

Do lado da demanda, observamos que o crescimento foi puxado pelo consumo das famílias o que apresentou um crescimento de 3,1% em 2023. A decepção veio da formação bruta de capital fixo, que apresentou uma queda 3% em quatro trimestres. Com isso da taxa de investimento da economia brasileira recuou de 17,8% do PIB em 2022 para 16,5% do PIB em 2023. Esse comportamento da taxa de investimento deve acender um sinal de alerta para a equipe econômica do governo no que se refere a sustentabilidade da atual trajetória de crescimento. Isso porque o crescimento com estabilidade de preços só é possível se a demanda agregada e a capacidade produtiva estiverem crescendo em linha uma com a outra.

O problema é que a redução da taxa de investimento entre 2022 e 2023 fez com que a taxa de crescimento do PIB compatível com a estabilidade de preços se reduzisse de 2,43% para 2,0% [cálculos do autor]. Dessa forma, um crescimento de 2,9% do PIB em 2023 não é sustentável a médio prazo pois irá levar a um aumento da pressão inflacionária, produzindo um fim prematuro do atual ciclo de queda da taxa Selic. Nesse contexto, a equipe econômica deveria pensar em algum tipo de flexibilização do atual arcabouço fiscal de maneira a permitir um incremento considerável do investimento em infraestrutura do governo central ao longo de 2024. Para que a economia brasileira possa crescer de forma sustentada a, pelo menos, 3% a.a a taxa de investimento precisa ser aumentada para 20% do PIB.

Do lado da oferta, a indústria cresceu abaixo do PIB, apresentando um crescimento de 1,6% ao longo do ano de 2023. No entanto, quando desagregamos os dados de crescimento da indústria verifica-se que o mesmo foi puxado pela indústria extrativa (petróleo e gás natural e de minério de ferro) que apresentou um crescimento de 8,7% e pela indústria de serviços de utilidade pública como Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos que apresentou um crescimento de 6,5%. A indústria de transformação, que é o setor mais intensivo em tecnologia e em máquinas e equipamentos, com maior encadeamento para frente e para trás na matriz produtiva apresentou uma queda de 1,3% causado principalmente pela queda na fabricação de: produtos químicos; máquinas e equipamentos; metalurgia; indústria automotiva; ou seja, pela queda dos produção dos bens manufaturados mais intensivos em tecnologia.

Sendo assim, o processo de desindustrialização prematura da economia brasileira continua de vento em popa, apesar de todo o discurso da equipe econômica sobre uma neo-industrialização da economia brasileira. Os dados de 2023 nos mostram que no que se refere a mudança estrutural da economia brasileira na direção de uma economia mais sofisticada e baseada no conhecimento, ao invés da produção e exportação de produtos primários (minério de ferro, soja e carne), o governo demonstrou até agora mais boas intenções do que resultados práticos.

O destaque do PIB do lado da oferta foi a agropecuária que apresentou um crescimento de 15,1% ao longo do ano de 2023 puxado pelo crescimento da produção de soja (27,1%) e milho (19,0%), que alcançaram níveis recordes na série histórica. Deve-se ressaltar que a produção de soja é destinada quase que inteiramente para a exportação, contribuindo muito pouco para o abastecimento do mercado interno e, portanto, para a redução do custo de vida do povo brasileiro. Já algumas lavouras que tem uma maior importância para o abastecimento do mercado doméstico registraram queda na estimativa de produção anual, como, por exemplo, trigo (-22,8%), laranja (-7,4%) e arroz (-3,5%).

Os dados do PIB pelo lado da oferta mostram um crescimento estruturalmente ruim. O Brasil continua na sua trajetória de se tornar – se é que já não se tornou – um grande fazendão cercado de serviços de baixa intensidade tecnológica e baixa capacitação profissional por todos os lados. Essa é o caldo de cultura perfeito para um eventual retorno do Bolsonarismo ao poder, talvez em outros trajes, nas eleições de 2026. O governo precisa empreender uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico e dar menos importância para querelas insignificantes sobre o resultado primário de 2024 antes que seja tarde demais.

Programa de Macroeconomia 1 da Área de Economia Política, Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa de Pós-Graduação em economia da Universidade de Brasília

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Caros leitores,

Como faço habitualmente desde 2019, no primeiro semestre de 2024 irei lecionar a disciplina de Macroeconomia 1 da área de Economia Política, Desenvolvimento e Meio Ambiente do programa de pós graduação em economia da Universidade de Brasília [ a lista de oferta de 2024.1 pode ser vista em https://ppgeco.unb.br/lista-de-oferta/)

Este ano estou fazendo uma reestruturação completa da disciplina com base no recente manual publicado pelo meu amigo Peter Skott, membro do grupo de pesquisa macroeconomia estruturalista do desenvolvimento (Ver https://sdmrg.com.br/researchers/14), intitulado Structuralist and Behavioral Macroeconomics (https://www.amazon.com/Structuralist-Behavioral-Macroeconomics-Peter-Skott-ebook/dp/B0CCJY175N)

As aulas terão início no dia 19 de março e serão realizadas as terças-feiras no horário de 16 às 20 horas na sala 06/23 da FACE/UnB. O programa da disciplina pode ser baixado gratuitamente em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=62.

A disciplina está aberta para a participação de alunos especiais (https://saa.unb.br/pos-graduacao/aluno-especial-posgrad). Aqueles que morarem no Distrito Federal (o curso só está disponível na modalidade presencial) e tiverem interesse em cursar a disciplina devem entrar em contato com a secretaria da pós-graduação em economia da UnB para saber quais os procedimentos de inscrição. Via de regra a matrícula de alunos especiais é feita na primeira semana de aulas da pós-graduação.

Como as aulas do meu curso vão começar na terça-feira dia 19 de março, aqueles que forem se inscrever como alunos especiais podem assistir a primeira aula mesmo que a sua inscrição ainda não tenha sido processada.

Sejam bem vindo(a)s todos e todas

José Luis Oreiro

Stages of Economic Development and Tokyo Consensus: A Critical Review of Koo´s Pursued Economy (2022)

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Stages of Economic Development and Tokyo Consensus: A Critical Review of Koo´s Pursued Economy (2022)

José Luis Oreiro

Associate Professor at Economic Department of University of Brasilia and of the Graduate Program in Economic Integration of the University of Basque Country (Bilbao-Spain), Level I Researcher at National Council for Scientific and Technological Development and Coordinator of the Structuralist Development Macroeconomics Research Group

At the beginning of 2024 I have been dedicating, among other activities, to reading the book “Pursued economy: understanding and overcoming the challeging new realities for advanced economies” authored by Richar Koo (https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Koo), currently chief economist at the Nomura Research Institute in the city of Tokyo, Japan.

The aim of the book is to analyze the problem of the secular stagnation of high-income economies (Japan, Western Europe and the United States) in the last 30 years, resulting from the bursting of the Japanese real estate bubble in 1991 and the international financial crisis in 2008. This theme had already been addressed in his 2008 book entitled “The holy grail of macroeconomics: lesson ́s from Japan ́s great recession” where the author presented the concept of “balance sheet recession”. In his new book, Koo extends the analysis made in the 2008 book by incorporating a theory of the stages of economic development, largely based on Lewis (1954) and Rostow (1960), to his macroeconomic framework based on Keynes (1936) and Minsky (1982), as well as some ideas from the theory of functional finance (although none of these influences are acknowledged by the author).

But let’s get to the point. The idea of a balance sheet recession is quite simple. During the expansion phase of a speculative bubble, firms and/or households are increasing their degree of leverage by borrowing to buy assets whose spot market price increases cumulatively due to the combination of bank credit expansion and short-term inelasticity of the supply of these assets. In general, the object of the speculative bubble is real assets such as real estate (commercial and residential), whose elasticity of supply is low in the short term. As long as demand for real estate grows faster than supply, prices will rise, fueling the bubble and, in this way, the leverage of private sector players. The increase in the price of real estate in the spot market will stimulate the production of new units, thereby increasing gross fixed capital formation due to increased residential investment. The increase in investment stimulates the creation of income and employment, causing the economy to enter a period of accelerated growth, as we can see in the Spanish case presented in figure 1 below.

Source: World Bank Economic Indicators. Author’s elaboration.

When the bubble bursts, as occurred in Spain and other high-income economies after the bankruptcy of Lehman Brothers on September 15, 2008, asset prices suffer a sudden and violent fall, thus reducing the net worth of companies and households, thus increasing their degree of indebtedness. In this context the private sector, in Koo’s words, will change its behaviour, instead of seeking profit maximization, private sector decision-makers will pursue debt minimization, thus reducing investment and consumption spending. The fall in private sector spending will lead to a contraction in the level of output and employment, which will be cushioned by the government’s countercyclical policy. In this way, the private sector as a whole will be able to move from a deficit financial position to a financial surplus position, which will allow it to gradually reduce its leverage. The necessary counterpart to this process, however, is an increase in the government’s financial deficit (G-T) and/or an increase in the deficit of the rest of the world with the economy under consideration.

In the Spanish case, as we can see in the figure below, extracted from Koo (2022, p. 37), the private sector went from a deficit position of approximately 9% of GDP in 2007 to a surplus position of almost 11% of GDP in 2013. This colossal reversal in the financial position of the private sector was followed by a deterioration in the financial position of the central government, which went from a surplus of almost 3% of GDP in 2007 to a deficit close to 12% of GDP in 2010. Even more striking was the reversal in Spain’s current account balance, which went from a deficit of 9% of GDP in 2007 to a surplus of 3% of GDP in 2013.

Figure 2 Financial Surplus or Deficit by sector in Spain as % GDP (1996-2021).

Private sector consumer and investment demand will remain weak for the period of time needed to fully realize its deleveraging process. In this period, the traditional monetary policy, i.e., the reduction of the interest rate, will have zero or negligible effect on consumption and investment spending, i.e., the private sector will maintain its surplus position even with very low interest rate levels. In other words, in a balance sheet recession monetary policy is ineffective. Economic activity can only be stimulated through fiscal expansion or through an increase in net exports. In the case of Spain, the formidable reversal of the current account balance from a deficit of 9% of GDP in 2007 to a surplus of 2% of GDP in 2013 proved to be of fundamental importance for Spain to resume economic growth in the period 2014-2019, although at a pace clearly lower than that observed in the period (1996-2007) [ See Figure 1].

The point made by Koo in his new book is that the balance sheet recession is the symptom of a deeper problem hitting high-income economies. It is an exhaustion of lucrative investment opportunities in the expansion and modernization of the capital stock of the private sector – notably in the manufacturing sector – due to the reduction in the profit squeeze caused by increased international competition in the markets for manufactured goods due to the rise of developing economies in East Asia.  notably China. This depletion of investment opportunities is the cause of the secular stagnation of high-income economies after the 2008 international financial crisis, since under these conditions the private sector becomes a net saver, unwilling to increase its spending even in a situation where interest rates are close to zero.

In chapter 3 of his book, Koo develops his theory of the stages of economic development to present the genesis of the problem of secular stagnation of high-income economies. According to Koo, economic development is a three-stage process. In the first stage, which Rostow (1960) called take-off, the country undergoes a process of structural change induced by the investments required for its industrialization. At this stage there is a large reserve of labour in the subsistence sector, usually in agriculture, which is gradually transferred to urban centres where it will be employed in the modern or capitalist sectors, whether in the manufacturing industry or in services. This structural excess of labour force means that real wages remain stable while local entrepreneurs introduce the technologies already existing in the most advanced economies to offer domestic consumers products like those imported, but cheaper, due to lower wages and/or the existence of high import tariffs.

Industrialization during this phase can be driven by both import substitution (the case of Latin America) and export promotion (the case of East Asia). Historically, the export promotion model has been shown to be more efficient than the import substitution model in maintaining the pace of capital accumulation and allowing industrializing economies to reach the so-called “Lewis’s point,” where the entire labour force has been transferred to the modern sector of the economy.

Once Lewis’s point is reached, the economy enters a new phase of economic development, which Rostow (1960) called the “age of mass consumption,” a phase in which the engine of economic growth is no longer investment for export or import substitution, but consumption. This is possible because once the Lewis point is reached, the continuation of capital accumulation will now result in a rise in real wages, given the inelasticity of the labour supply. The continuous rise in real wages has two effects. On the demand side, the increase in the standard of living of the working classes will allow an increase in consumer demand, stimulating companies to invest in expanding their productive capacity (investment accelerator effect). On the supply side, rising labor costs will spur firms to develop new technologies that allow them to increase labor productivity in ways that defend their profit margins from steady wage growth. In this context, companies will invest in the modernization of their production capacity to be able to produce the same goods more efficiently. Rising consumer incomes will also lead to a diversification of consumption, creating a demand for new products. In this way, companies will also increase their investments in research and development with the aim of creating new products that stimulate consumers’ desire to purchase different goods. This stage of the economic development process corresponds to the “Golden Years” of capitalism (1950-1975) [See Marglin and Schor, 1990, chapter 1] in which high-income economies enjoyed accelerated economic growth, low unemployment, rising real wages, and reduced social inequalities. During this phase of the economic development process, even workers with little formal education can find good jobs in the manufacturing industry and thus enjoy a materially comfortable standard of living.

The third phase of economic development is a result of globalization. As more and more countries are integrated into the international flow of trade and investment, firms in high-income countries realize that they can achieve a higher rate of return by moving some of their manufacturing activities to countries where wages are lower. In this way, high-income economies are once again faced with an elastic supply of labour because their companies can invest abroad to sell to their markets, rather than produce locally. In this context, the opportunities for profitable investment in high-income economies are dramatically reduced, leading to a fall in the investment rate. In addition, increased international competition will generate a demand for restraint in wage growth in high-income countries. Historically, this containment occurred in the early 1980s when, through a combination of contractionary fiscal and monetary policies, the unemployment rate in high-income countries increased dramatically relative to the trend observed in the post-World War II period. High unemployment has led to the weakening of trade unions and labour market reforms aimed at “flexibilization”. The result of this process has been a stagnation of real wages in high-income countries for a period of more than thirty years, together with an increase in levels of social inequality.

The reduction in lucrative investment opportunities has been accompanied by a reduction in the investment rate and growth in consumer spending, as well as an intense process of deindustrialization of high-income economies. At this stage of the economic development process, high-income economies are faced with a chronic problem of insufficient effective demand, which is initially solved by the process of financial liberalization (initiated in the mid-1970s in the United States and in the 1980s in European countries and Japan), which allows the emergence and spread of speculative bubbles. These bubbles have the effect of stimulating, albeit temporarily and artificially, private sector consumer spending and investment, thus making it possible to maintain a certain level of economic growth.

Dialectically, however, the maintenance, albeit at lower levels, of the growth of the high-income economies accelerates the growth of the countries of East Asia, which are still in the first phase of the economic development process and, therefore, are making extensive investments in the manufacturing sector with a view to exporting to the high-income countries. While high-income economies were being “hunted” by the developing economies of East Asia, they continued to provide the means to make their predators stronger over time.

In chapter 5 of his book, Koo presents his proposal for high-income countries to address the problems that afflict them in this third phase of economic development. His proposal can be understood as a proposal for a new political and economic consensus, which in the absence of any other name I will call the Tokyo Consensus, as a counterpoint, albeit partial to the Washington Consensus.

At the end of chapter 5, Koo writes that “Political parties must adjust their stances to remain relevant in the new environment. Conservatives will have to drop their insistence on balanced budgets when the private sector is a net saver, and progressives will have to abandon their focus on organized labour and their opposition to to supply-side reforms if they hope to attract investments. Making the labour market more flexible also means a better social safety net will have to be provided for workers who might need it” (2022, p.226).

In short, Koo advocates a compromise solution between conservatives (liberals) and progressives (Keynesian developmentalists) to restore economic prosperity to high-income countries and prevent the rise of far-right parties.

What does this commitment consist of? On the one hand, Koo argues, it makes no sense to insist on fiscal austerity policies in countries where the private sector as a whole (businesses and households) is a net saver. In these circumstances, the government must necessarily be the agent that incurs a financial deficit, otherwise the economy will enter a spiral of contraction in the level of income and employment, which will make it impossible for the government to adjust its accounts. In addition, periods in which interest rates are exceptionally low are times when the cost of carrying public debt is also very low, so that the fiscal imbalance does not have major consequences. Last but not least, the government, by spending on infrastructure or research and development of new technologies, will be contributing positively to the increase of the rate of profit in high-income economies, which should stimulate private investment and the repositioning of these economies in an international scenario characterized by greater competition in both trade and capital flows. Fiscal policy must therefore return to its role as a stabilizer of the level of aggregate demand.

The other side of the compromise is the adoption of a microeconomic agenda of deregulation, tax cuts, and increased spending on education. This last element does not present major problems for the progressive agenda, except for the fact that Koo considers that increasing spending on education should be seen as the only possible alternative, in the context of this phase of development, for workers to be able to defend their standard of living in a context of stagnant wages and job insecurity. Koo argues that increased regulation of labor markets and the power of trade unions, a traditional slogan of progressive parties, will only reinforce the trend toward shrinking lucrative investment opportunities in high-income countries, accentuating rather than solving problems related to stagnant wages and worsening income distribution. At this stage of the economic development process, workers in high-income countries need to acquire skills that will enable them to take up jobs in “knowledge-based” sectors, which require higher levels of formal education.

The reduction of taxes, notably inheritance taxes, is aimed, in Koo’s view, to reduce inefficiency in the allocation of resources in high-income societies because a lot of time, effort and money are dedicated to tax evasion instead of making investments in technological innovation.

Deregulation is the point least developed by Koo. On this, he only argues that it is necessary for the government to encourage the emergence of innovative entrepreneurs, and excessive regulation can prevent or hinder this.

After reading the first five chapters of Hoo’s book, I was left with the distinct impression that the author, after all, is proposing to sacrifice economic orthodoxy to save liberalism. Economic orthodoxy argues strongly for governments to maintain balanced budgets to ensure macroeconomic stability, without which growth would not be possible. Koo says that’s a lot of nonsense. There is nothing wrong with running fiscal deficits in a context where the private sector as a whole is in surplus, even more so at the current stage of development in high-income economies where there is a chronic shortage of investment opportunities for the private sector. Under these conditions, government spending does not crowd-out private investment, but it can even stimulate it. Nor does it make sense to worry about the increase in public debt, since it is only the necessary counterpart to the deleveraging of the private sector. However, it is necessary to preserve and increase the rate of profit in high-income countries. This requires a program of microeconomic reforms such as flexibilization of labour markets, deregulation, and the reduction of the tax burden.  The focus of the economic policy of governments in high-income countries should therefore be on economic growth, not on reducing social inequalities (Koo, 2022, pp.198-199). In fact, the author defends the thesis that the statistics of social inequality in high-income countries should be interpreted more carefully, as they reflect more the emergence of successful innovative entrepreneurs (wealth creation) rather than the plundering of existing wealth by the more favoured classes, as is common in predominantly agricultural societies.

I don’t particularly agree with Koo’s idea. While the United States has successful innovative entrepreneurs on the list of the country’s wealthiest people, one should not underestimate the fact that most extremely wealthy individuals are a long way from being Schumpeterian entrepreneurs. The super-rich are a heterogeneous class of individuals made up of heirs, financial market agents, lobbyists, landowners and real estate owners, rentiers, and… some innovative entrepreneurs like Elon Musk, Bill Gates, Bezos etc. The immense fortune these individuals have amassed cannot be attributed to their innovation efforts alone, or for the most part.

Moreover, as Robert Skidelsky and Edward Skidelsky argue in their book “How Much Is Enough? Money and the good life” (2012), the relationship between happiness and the accumulation of material goods is non-linear: An increase in the material standard of living is associated with an increase in happiness up to a certain level of income, after which it becomes innocuous. Elon Musk has a lot more money than he would be able to spend by the end of his life if he retired today. Clearly, it is not material well-being that motivates him to continue running his business, but the sense of power and uniqueness that his position in the social pyramid gives him. I don’t see why that kind of motivation should be rewarded with a fortune of hundreds of billions of dollars. Finally, as Koo himself writes in his book, the United States government was responsible for most of the investment in research and development of new technologies in the period between 1953 and 1979 (Koo, 2022, p.212).

In short, I have some agreement and some disagreement with the Tokyo consensus. In any case, this is a significant step forward with respect to the Washington consensus.

References

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 28.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: Understanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Willey: West Sussex.

Marglin, S; Schor, J.B. (1990). The Golden Age of Capitalism: Reinterpreting the Post War Experience. Clarendon Press: Oxford.

Minsky, H.(. (1982). Can “It” happen aggain? Essays on Instability and Finance. M.E. Sharpe: Armonk.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge University Press: Cambridge.

Skidelsky, R. Skidelsky, E. (2012). How Much is enough? Money and Good Life. Other Books.

Os Estágios do Desenvolvimento Econômico e o Consenso de Tóquio: uma leitura de “Pursued Economy” de Richard Koo

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No início de 2024 tenho me dedicado, entre outras atividades, a leitura do livro “Pursued economy: understanding and overcoming the challeging new realities for advanced economies” de autoria de Richar Koo (https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Koo), atualmente economista chefe da Nomura Research Institute na cidade de Tóquio, Japão.

O objetivo do livro é analisar o problema da estagnação secular das economias de alta renda (Japão, Europa Ocidental e Estados Unidos) nos últimos 30 anos, resultante do estouro da bolha imobiliária japonesa em 1991 e da crise financeira internacional em 2008. Essa temática já havia sido abordada em seu livro de 2008 intitulado “The holy graal of macroeconomics: lesson´s from Japan´s great recession” onde o autor apresentou o conceito de “recessão de balanço”. Em seu novo livro, Koo estende a análise feita no livro de 2008 incorporando uma teoria dos estágios do desenvolvimento econômico, largamente baseada em Lewis (1954) e Rostow (1960), ao seu arcabouço macroeconômico baseado em Keynes (1936) e Minsky (1982), bem como em algumas ideias da teoria das finanças funcionais [embora nenhuma dessas influências seja reconhecida pelo autor, que peca por achar que está inventando teorias que já foram inventadas].

Mas vamos ao ponto. A ideia de recessão de balanço é bastante simples. Durante a fase de expansão de uma bolha especulativa, as empresas e/ou as famílias estão aumentando o seu grau de alavancagem, tomando empréstimos para comprar ativos cujo preço no mercado a vista aumenta de forma cumulativa devido a combinação entre expansão do crédito bancário e inelasticidade de curto prazo da oferta desses ativos. Em geral, o objeto da bolha especulativa são ativos reais como imóveis (comerciais e residenciais), cuja elasticidade da oferta é baixa no curto prazo. Enquanto a demanda por imóveis crescer mais rapidamente do que a oferta, os preços irão subir, alimentando a bolha e, dessa forma, a alavancagem dos agentes do setor privado. O aumento do preço dos imóveis no mercado a vista irá estimular a produção de novas unidades, aumentando assim a formação bruta de capital fixo devido ao aumento do investimento residencial. O aumento do investimento estimula a criação de renda e de emprego, fazendo com que a economia entre num período de crescimento acelerado, como podemos visualizar no caso Espanhol apresentado na figura 1 abaixo.

Fonte: World Bank Economic Indicators. Elaboração do autor.

Quando a bolha estoura, como ocorreu na Espanha e outras economias de alta renda após a falência do Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, os preços dos ativos sofrem uma queda súbita e violenta, reduzindo assim o patrimônio líquido das empresas e das famílias, aumentando assim o seu grau de endividamento. Nesse contexto o setor privado, nas palavras de Koo, irá mudar o seu comportamento, ao invés de buscar a maximização de lucros, os tomadores de decisão do setor privado irão perseguir a minimização de dívidas, reduzindo assim os gastos com investimento e consumo. A queda dos gastos do setor privado dará origem a uma contração do nível de produção e de emprego, a qual será amortecida pela política anticíclica do governo. Dessa forma, o setor privado como um todo será capaz de passar de uma posição financeira deficitária para uma posição financeira superavitária, o que permitirá ao mesmo reduzir gradualmente a sua alavancagem. A contrapartida necessária desse processo, contudo, é o aumento do déficit financeiro do governo (G-T) e/ou um aumento do déficit do resto do mundo com a economia em consideração.

No caso espanhol, como verificamos na figura abaixo, extraída de Koo (2022, p. 37), o setor privado passou de uma posição deficitária de aproximadamente 9% do PIB em 2007 para quase 11% do PIB em 2013. Essa reversão colossal na posição financeira do setor privado foi seguida por uma deterioração da posição financeira do governo central, o qual passou de um superávit de quase 3% do PIB em 2007 para um déficit próximo de 12% do PIB em 2010. Ainda mais impressionante foi a reversão ocorrida no saldo em conta-corrente da Espanha, que passou de um déficit de 9% do PIB em 2007 para um superávit de 3% do PIB em 2013.

Figura 2 Superávit ou Déficit Financeiro por setor na Espanha como % PIB (1996-2021).

A demanda de consumo e investimento do setor privado continuará fraca pelo período de tempo necessário para a completa realização do seu processo de desalavancagem. Nesse período a política monetária tradicional, ou seja, a redução da taxa de juros terá efeito nulo ou negligenciável sobre os gastos de consumo e investimento, ou seja, o setor privado manterá a sua posição superavitária mesmo com níveis muito baixos de taxa de juros. Em outros termos, numa recessão de balanço a política monetária é ineficaz. A atividade econômica só pode ser estimulada por intermédio de uma expansão fiscal ou por intermédio de um aumento das exportações líquidas. No caso espanhol, a formidável reversão do saldo em conta-corrente de um déficit de 9% do PIB em 2007 para um superávit de 2% do PIB em 2013 se mostrou de importância fundamental para a Espanha retomar o crescimento econômico no período 2014-2019, embora num ritmo claramente inferior ao observado no período (1996-2007) [ Ver figura 1].

O ponto levantado por Koo em seu novo livro é que a recessão de balanços é o sintoma de um problema mais profundo que atinge as economias de alta renda. Trata-se de um esgotamento das oportunidades lucrativas de investimento na ampliação e modernização do estoque de capital do setor privado – notadamente no setor manufatureiro – devido a redução da taxa de lucro sobre tais investimentos (profit squeeze), causada pelo aumento da concorrência internacional nos mercados de produtos manufaturados devida a ascensão das economias em desenvolvimento no leste da Ásia, notadamente a China. Esse esgotamento das oportunidades de investimento é a causa da estagnação secular das economias de renda alta após a crise financeira internacional de 2008, uma vez que, nessas condições, o setor privado torna-se um poupador líquido, mostrando-se indisposto a aumentar seus gastos mesmo numa situação em que as taxas de juros estão próximas de zero.

No capítulo 3 de seu livro, Koo desenvolve a sua teoria dos estágios de desenvolvimento econômico, para apresentar a gênese do problema de estagnação secular das economias de alta renda. Segundo Koo o desenvolvimento econômico é um processo que possui três estágios. O primeiro estágio, a qual Rostow (1960) denominava de decolagem, o país passa por um processo de mudança estrutural induzida pelos investimento requeridos para a sua industrialização. Nesse estágio existe uma grande reserva de mão de obra no setor de subsistência, geralmente na agricultura, a qual é gradativamente transferida para os centros urbanos onde será empregada nos setores modernos ou capitalistas, seja na indústria de transformação ou nos serviços. Esse excesso estrutural de força de trabalho faz com que os salários reais permaneçam estáveis enquanto os empresários locais introduzem as tecnologias já existentes nas economias mais avançadas para oferecer para os consumidores domésticos produtos similares aos importados, porém mais baratos, devido aos salários mais baixos e/ou a existência de elevadas tarifas de importação.

A industrialização durante essa fase pode ser impulsionada tanto pela substituição de importações (o caso da América Latina) como pela promoção de exportação (o caso do leste da Ásia). Historicamente o modelo de promoção de exportações se mostrou mais eficiente do que o modelo de substituição de importações em manter o ritmo de acumulação de capital e permitir que as economias em processo de industrialização alcançassem o assim chamado “ponto de Lewis”, onde toda a força de trabalho foi transferida para o setor moderno da economia.

Uma vez alcançado o ponto de Lewis, a economia entra numa nova fase de desenvolvimento econômico, a qual Rostow (1960) chamava de “era do consumo de massas”, uma fase em que o motor do crescimento econômico deixa de ser o investimento para exportação ou para a substituição de importações e passa a ser o consumo. Isso é possível porque uma vez alcançado o ponto de Lewis, a continuidade da acumulação de capital irá agora resultar numa elevação do salário real, dada a inelasticidade da oferta de mão-de-obra. A elevação continua do salário real tem dois efeitos. Do lado da demanda o aumento do padrão de vida das classes trabalhadoras irá permitir um aumento da demanda de consumo, estimulando as empresas a investir na ampliação da sua capacidade produtiva (efeito acelerador do investimento). Do lado da oferta, a elevação do custo da mão-de-obra irá estimular as empresas a desenvolver novas tecnologias que permitam o aumento da produtividade do trabalho de maneira a defender suas margens de lucro do crescimento constante dos salários. Nesse contexto, as empresas irão investir na modernização da sua capacidade produtiva para conseguir produzir os mesmos bens de forma mais eficiente. O aumento da renda dos consumidores também levará a uma diversificação do consumo, criando uma demanda por novos produtos. Dessa forma, as empresas também irão aumentar seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento com o objetivo de criar novos produtos que estimulem o desejo dos consumidores em adquirir bens diferentes. Esse estágio do processo de desenvolvimento econômico corresponde aos “Anos Dourados” do capitalismo (1950-1975) no qual as economias de alta renda desfrutaram de crescimento econômico acelerado, desemprego baixo, aumento do salário real e redução das desigualdades sociais. Durante essa fase do processo de desenvolvimento econômico, mesmo trabalhadores com pouco nível de educação formal conseguem encontrar bons empregos na indústria de transformação e assim desfrutar de um padrão de vida materialmente confortável.

A terceira fase do desenvolvimento econômico é decorrência da globalização. A medida que um número cada vez maior de países é integrado ao fluxo internacional de comércio e de investimento, as empresas dos países de alta renda percebem que podem obter uma taxa de retorno mais alta transferindo parte de suas atividades manufatureiras para países onde os salários são mais baixos. Dessa forma, as economias de renda alta voltam a se defrontar com uma oferta elástica de mão-de-obra pois as suas empresas podem investir no exterior para vender para seus mercados, ao invés de produzir localmente. Nesse contexto, as oportunidades de investimento lucrativo nas economias de alta renda são dramaticamente reduzidas, levando a uma queda da taxa de investimento. Além disso, o aumento da concorrência internacional irá gerar uma demanda por contenção ao crescimento dos salários nos países de renda alta. Historicamente, essa contenção ocorreu no início da década de 1980 quando por intermédio de uma combinação de políticas fiscal e monetária contracionistas, a taxa de desemprego nos países de renda alta aumentou dramaticamente com respeito a tendência observada no período pós segunda guerra mundial. O desemprego elevado levou ao enfraquecimento dos sindicatos e a realização de reformas no mercado de trabalho visando a sua “flexibilização”. O resultado desse processo foi uma estagnação do salário real nos países de renda alta por um período de mais de trinta anos, em conjunto com um aumento dos níveis de desigualdade social.

A redução das oportunidades lucrativas de investimento veio acompanhada de uma redução da taxa de investimento e do crescimento dos gastos de consumo, além de um intenso processo de desindustrialização das economias de renda alta. Nessa fase do processo de desenvolvimento econômico as economias de renda alta passam a se defrontar com um problema crônico de insuficiência de demanda efetiva, o qual é inicialmente resolvido pelo processo liberalização financeira (iniciado em meados dos anos 1970 nos Estados Unidos e na década de 1980 nos países europeus e no Japão) o qual permite o surgimento e propagação de bolhas especulativas. Essas bolhas tem o efeito de estimular, ainda que de forma temporária e artificial, os gastos de consumo e investimento do setor privado, viabilizando assim a manutenção de um certo nível de crescimento econômico.

Dialeticamente, contudo, a manutenção, ainda que em níveis mais baixos, do crescimento das economias de renda alta acelera o crescimento dos países do leste da Ásia, que estão ainda na primeira fase do processo de desenvolvimento econômico e, portanto, estão realizado amplos investimentos no setor manufatureiro com vistas a exportação para os países de renda alta. Embora as economias de renda alta estivessem, na verdade, sendo “caçadas” pelas economias em desenvolvimento do leste da Ásia, elas continuaram fornecendo os meios para tornar seus predadores mais fortes ao longo do tempo.

No capítulo 5 do seu livro, Koo apresenta a sua proposta para os países de renda alta enfrentarem os problemas que os afligem nessa terceira fase do desenvolvimento econômico. Sua proposta pode ser entendida como uma proposta para um novo consenso político e econômico, o qual na ausência de outro nome irei denominar de Consenso de Tóquio, como contra-ponto, ainda que parcial, ao Consenso de Washington.

No final do capítulo 5 Koo escreve que “Political parties must adjust their stances to remain relevant in the new environment. Consservatives will have to drop their insistence on balanced budgets when the private sector is a net saver, and progressives will have to abandon their focus on organized labor and their opposition to to supply-side reforms if they hope to attract investments. Making the labor market more flexible also means a better social safety net will have to be provided for workers who might need it” (2022, p.226).

Em suma, Koo defende uma solução de compromisso entre conservadores (liberais) e progressistas (desenvolvimentistas keynesianos) para restaurar a prosperidade econômica dos países de renda alta e evitar a ascensão dos partidos de extrema-direita.

Em que consiste esse compromisso? De um lado, argumenta Koo, não faz sentido insistir nas políticas de austeridade fiscal em países nos quais o setor privado como um todo (empresas e famílias) é um poupador líquido. Nessas circunstâncias o governo deve necessariamente ser o agente que incorre num déficit financeiro, do contrário a economia irá entrar numa espiral de contração do nível de renda e emprego, o qual irá inviabilizar a tentativa do governo de ajustar suas contas. Além disso, períodos nos quais as taxas de juros são excepcionalmente baixas são momentos em que o custo de carregamento da dívida pública também é muito baixo de maneira que o desequilíbrio fiscal não possui maiores consequências. Por fim, mas não menos importante, o governo ao realizar gastos de investimento em infraestrutura ou na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias estará colaborando positivamente para o aumento da taxa de lucro nas economias de renda alta, o que deverá estimular o investimento privado e o reposicionamento dessas economias num cenário internacional caracterizado por uma maior concorrência tanto no comércio como nos fluxos de capitais. A política fiscal deve, portanto, retornar ao seu papel de estabilizador do nível de demanda agregada.

O outro lado do compromisso consiste na adoção de uma agenda microeconômica de desregulação, redução de impostos e aumento dos gastos com educação. Esse último elemento não apresenta maiores problemas para a agenda progressista, exceto pelo fato de que Koo considera que o aumento dos gastos com educação deve ser visto como a única alternativa possível, no contexto dessa fase do desenvolvimento, para os trabalhadores conseguirem defender seu padrão de vida num contexto de salários estagnados e precarização dos postos de trabalho. Koo argumenta que o aumento da regulação nos mercados de trabalho e do poder dos sindicatos, uma bandeira tradicional dos partidos progressistas, irá apenas reforçar a tendência a redução das oportunidades lucrativas de investimento nos países de renda alta, acentuando, ao invés de resolver, os problemas relacionados a estagnação dos salários e piora da distribuição de renda. Nessa fase do processo de desenvolvimento econômico os trabalhadores dos países de renda alta precisam adquirir habilidades que lhes permitam ocupar postos de trabalho nos setores “baseados em conhecimento”, os quais exigem níveis mais elevados de educação formal.

A redução de impostos, notadamente os impostos sobre heranças, tem por objetivo na visão de Koo, reduzir a ineficiência na alocação de recursos nas sociedades de alta renda pois muito tempo, esforço e dinheiro são dedicados a evasão tributária ao invés da realização de investimentos em inovação tecnológica.

A desregulação é o ponto menos desenvolvido por Koo. Sobre isso ele apenas argumenta que é necessário que o governo estimule o surgimento de empresários inovadores e uma regulamentação excessiva pode impedir ou dificultar isso.

Após a leitura dos cinco primeiros capítulos do livro de Hoo fiquei com a nítida impressão de que o autor, no final das contas, está propondo sacrificar a ortodoxia econômica para salvar o liberalismo. A ortodoxia econômica defende com unhas e dentes a necessidade dos governos manterem orçamentos equilibrados para garantir a estabilidade macroeconômica, sem a qual não seria possível o crescimento. Koo diz que isso é uma grande bobagem. Não há nada de errado em ter déficits fiscais num contexto em que o setor privado como um todo é superavitário, ainda mais no estágio atual de desenvolvimento das economias de renda alta onde existe uma escassez crônica de oportunidades de investimento para o setor privado. Nessas condições o gasto do governo não desloca (crowd-out) o investimento privado, mas pode até mesmo estimulá-lo. Também não faz sentido se preocupar com o aumento do endividamento público, uma vez que ele é apenas a contrapartida necessária da desalavancagem do setor privado. No entanto, é necessário preservar e aumentar a taxa de lucro nos países de renda alta. Isso exige um programa de reformas microeconômicas como a flexibilização dos mercados de trabalho, a desregulamentação e a redução da carga tributária. O foco da política econômica dos governos dos países de renda alta deverá ser, portanto, o crescimento econômico não a redução das desigualdades sociais (Koo, 2022, pp.198-199). Aliás o autor defende a tese de que as estatísticas de desigualdade social nos países de renda alta devem ser interpretadas com mais cuidado, pois elas refletem mais o surgimento de empresários inovadores bem sucedidos (criação de riqueza) ao invés da pilhagem da riqueza existente por parte das classes mais favorecidas, como é comum em sociedades predominantemente agrícolas.

Eu particularmente não concordo com essa ideia de Koo. Embora os Estados Unidos possuam empresários inovadores bem sucedidos na lista das maiores fortunas desse país, não se deve subestimar o fato de que a maior parte dos indivíduos extremamente ricos está bem longe de passar pelo figurino de empresário Schumpeteriano. Os super-ricos são uma classe heterogênea de indivíduos composta por herdeiros, agentes do mercado financeiro, lobistas, proprietários de terra e imóveis, rentistas e … alguns empresários inovadores como Elon Musk, Bill Gates, Bezos etc. A imensa fortuna que esses indivíduos acumularam não pode ser atribuída apenas, ou na sua maior parte, aos seus esforços de inovação.

Além disso, como argumentam Robert Skidelsky e Edward Skidesky em seu livro “O quanto é suficiente? O amor pelo dinheiro e a defesa da boa vida” (2017), a relação entre felicidade e acumulo de bens materiais é não-linear: Um aumento do padrão material de vida está associado a um aumento da felicidade até um certo nível de renda, após o qual torna-se inócuo. Elon Musk tem muito mais dinheiro do que seria capaz de gastar até o final da sua vida caso se aposentasse hoje. Claramente não é o bem-estar material que o motiva a continuar administrando seus negócios, mas a sensação de poder e de singulariedade que sua posição na piramide social lhe proporcionam. Não vejo porque esse tipo de motivação deva ser recompensado com uma fortuna de centenas de bilhões de dólares. Por fim, como o próprio Koo escreve em seu livro, o governo dos Estados Unidos foi o responsável pela maior parte do investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias no período compreendido entre 1953 e 1979 (Koo, 2022, p.212).

Em suma, tenho algumas concordâncias e outras discordâncias com relação ao consenso de Tóquio. De qualquer forma, trata-se de um avanço significativo com respeito ao consenso de Washington.

Referências

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimeted Supplies of Labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 28.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: Understanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Willey: West Sussex.

Minsky, H.(. (1982). Can “It” happen aggain? Essays on Instability and Finance. M.E. Sharpe: Armonk.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge University Press: Cambridge.

Skidelsky, R. Skidelsky, E. (2017). Quanto é suficiente? o amor pelo dinheiro e a defesa da boa vida. Civilização Brasileira: São Paulo.


Números da economia mostram acertos do governo Federal, e o desafio é manter o ritmo em 2024 (Site A Vírgula, 15/02/2023)

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O Brasil deve fechar o ano fiscal com uma inflação na casa de 4,7%, taxa de desemprego próxima de 7% e crescimento econômico em 3%

Uma grande surpresa para parte dos analistas, a economia sob o terceiro governo Lula e com Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda encerrou o primeiro ano de mandato com mais a comemorar do que lamentar.

As principais taxas macroeconômicas mostraram que a política fiscal mais ampliada, com gastos maiores, investimentos em infraestrutura e pagamentos de precatórios, por exemplo – o que ao cabo aumentou o déficit público em 2023 – não prejudicou o país.

O Brasil deve fechar o ano fiscal com uma inflação na casa de 4,7%, taxa de desemprego próxima de 7% e crescimento econômico em 3%. Para o economista Ricardo Machado Ruiz, doutor em Economia pela The New School for Social Research e professor da UFMG, o que aconteceu no Brasil é chamado no mundo econômico de “soft landing”.

“Soft landing” – ou “aterrissagem suave” em português – é a tarefa difícil, muitas vezes inatingível, de reduzir a inflação após um aperto na política monetária, sem desencadear uma recessão. Para combater a inflação, as autoridades aumentam as taxas de juros, tornando o crédito mais caro.

“Conseguimos o feito raro de aliar queda da inflação com crescimento da economia, ainda que de forma lenta, mas real. Para 2024, por exemplo, a projeção da inflação é de 3,5%. Ninguém previu isso na passagem de 2022 para 2023. Foi um ano de surpresas em todos os sentidos. Tanto na política como na economia. Mantivemos os empregos e aumentamos o poder de compra da população sem realizar gastos fiscais elevados. Inclusive com o déficit público dentro do que foi planejado antes de Lula assumir”, avaliou o economista.

Alguns fatores externos explicam o sucesso inicial: a grande onda inflacionária que assolou o mundo entre 2020 e 2022 começou a perder força em 2023, ainda que de forma tênue. Os Estados Unidos pararam de aumentar sua taxa básica de juros e no Brasil, de forma tímida, iniciou-se a queda de juros por parte do Banco Central. Há aqui um princípio de fim da pressão monetária que segurava os investimentos no país.

Outro ponto de destaque do governo Lula III é o superavit da balança comercial. Em 2023, o Brasil vendeu US$ 339,673 bilhões para o exterior, alta de 1,7% em relação a 2022. As compras do exterior somaram US$ 240,835 bilhões, recuo de 11,7% na mesma comparação. Apenas em dezembro a balança comercial registrou superávit de US$ 9,36 bilhões.

“Tudo isso foi muito surpreendente se analisarmos como o governo começou pressionado. Dessa forma, em um primeiro momento, vimos o governo Lula remontando uma série de políticas públicas que foram implantadas por ele: Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, reorganização de ministérios como saúde e transporte; enfim. Temos um primeiro semestre com essas três dimensões: tentativa de golpe; negociação com forças que perderam a eleição em 2022; e reorganização da máquina pública como um todo. Após a estabilização inicial, a partir do segundo trimestre, mesmo sob pressão do Congresso Nacional, o governo consegue resultados econômicos surpreendentes”, avaliou Ruiz.

José Luís da Costa Oreiro, doutor em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília avalia que, agora, o grande desafio do governo Lula é manter o ritmo inicial.

De acordo com o economista, uma série de fatores presentes em 2023 não estarão em 2024. “Um dos exemplos é o agronegócio. Ano passado o aumento da produção agropecuária ficou em 20% diante de condições climáticas muito favoráveis. Este ano tivemos o El Niño e tanto a produção de grãos como de carne serão afetadas por ele. Esse desempenho altamente favorável não se repetirá”, afirmou Oreiro.

O outro ponto de observação para 2024 é que não haverá uma expansão fiscal do mesmo tamanho da ocorrida em 2023. Com a aprovação do Arcabouço Fiscal e a pretensão de déficit zero, o espaço para aumento do gasto público, principalmente em investimento, é bem menor.

Da mesma forma, avalia José Luís da Costa Oreiro, os ganhos com a redução da inflação já foram esgotados. “Tivemos uma queda significativa de 2022 para 2023, de mais de 3%, e ela levou a um aumento do salário real, mas isso não vai acontecer na mesma magnitude em 2024. Mesmo com projeções de analistas para uma inflação de 3,5%, acredito que deva ficar em 4% ou mais, não sendo muito mais baixa do que o último ano, o que não vai aumentar muito o poder de consumo das pessoas”.

Outro fator inibidor do crescimento econômico do país é a atual política de taxa de juros do Banco Central, como analisou Arlindo Vilaschi, professor de Economia na Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Economia.

“Qualquer análise sobre a economia neste terceiro governo Lula deve ser ponderada pelo fato de que os graus de liberdade dos governos dentro da política monetária, seja ele de esquerda ou de direita, tendem a zero. O Banco Central tem uma postura reacionária não condizente com a realidade da população brasileira sob a justificativa de um controle prévio da inflação.

Pra Vilaschi, mesmo em queda há vários meses, a política de juros praticada no Brasil tem duas facetas: um patamar de juros básicos muito elevados e, por outro lado, há spreads bancários intactos.

Os spreads bancários referem-se à diferença entre a taxa de juros que os bancos cobram aos clientes para empréstimos e a taxa de juros que pagam aos depositantes.

“Desta forma, a política monetária onera demais o governo se ela pratica uma taxa de juros muito elevada. Diante deste quadro geral, o que aconteceu no primeiro ano foi uma boa gestão do governo nessas pequenas brechas que ele tem para tocar a economia. Foi muito importante recuperar o Bolsa Família, que é o que gera um efeito de demanda interna alavancando pequenas e médias empresas. Daqui para frente o desafio é seguir explorando essas brechas para gerar mais empregos e renda”, avaliou Vilaschi.

Articulista de A Vírgula, Rodrigo Medeiros ponderou que em um ritmo de crescimento menor, é grande o desafio de manter empregos e qualifica-los. 

“Ainda assim, muitos comemoram a taxa de desemprego de 7,6% no trimestre encerrado em outubro de 2023, segundo divulgou o IBGE. A taxa composta de subutilização laboral ficou em 17,6% para o respectivo trimestre, sendo que a taxa de informalidade foi de 39,1% para a população ocupada. A taxa de subutilização caiu desde 2021, porém a informalidade se manteve estavelmente alta. O nosso mercado laboral é estruturalmente precário, um ambiente de incubação de extremismos”, escreveu para A Vírgula

Breve resenha do livro “Spain and the Independence of the United States: an intrincic Gift”

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Terminei de ler o magnifico livro de Thomas Chavez “”Spain and the Independence of the United States”. A tese central do livro é que se Espanha nao tivesse declarado guerra ao Reino Unido em 1779 – após tres anos de meticulosa preparação militar em conjunto com um apoio escondido mas amplo aos rebeldes das treze colonias – os EUA e a França teriam sido derrotados pelo Reino Unido e os EUA continuariam ainda por décadas colonia da Grã-Bretanha. Foi a marinha da Espanha que fez os ingleses perderem a superioridade naval e a intervenção espanhola tornou uma guerra localizada num conflito global em varios teatros de operação: América Central, Vale do rio Mississipi, Golfo do México, Caribe, Mediterrâneo e atlântico norte. Embora as tropas espanholas nao tenham atuado no teatro de operações das 13 colonias, elas lutaram contra os ingleses em varios lugares drenando homens e recursos que os ingleses poderiam ter usado para acabar com a rebelião de suas colonias. Se os EUA é líder do mundo livre, sua liberdade foi um presente dado pela Espanha (até porque os Estados Unidos, pasmem, nunca pagou para a Espanha os empréstimos feitos a partir de todo o Império Espanhol na América Latina … boas instituições kkkkkk). Claro que Espanha atuou em prol dos seus interesses estratégicos. O Reino Unido era a maior ameaça ao Imperio Espanhol na América. Neutralizar essa ameaça, fazendo com que a Inglaterra perdesse seu Império na América do Norte era prioridade máxima do Reinado de Carlos III, o grande (Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_III_de_Espanha.) Ele viveu para ver seus planos se realizarem.

Reindustrialização como alavanca para a retomada do desenvolvimento econômico no Brasil (Revista Economistas, Ano XIV, N. 50, 22/12/2023)

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Link: https://online.flippingbook.com/view/115126805/

José Luis Oreiro*

O desenvolvimento econômico é definido como um processo de mudança estrutural com incorporação de progresso técnico no qual o valor adicionado por-trabalhador aumenta de forma cumulativa ao longo do tempo, permitindo um aumento dos salários reais e do padrão de vida da população, o qual envolve, entre outros elementos, uma redução secular da jornada de trabalho, permitindo assim que a classe trabalhadora possa dedicar uma parcela maior de tempo para atividades extraeconômicas (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2015). A mudança estrutural é definida como a transferência de mão-de-obra de setores com menor valor adicionado por trabalhador para setores com maior valor adicionado por trabalhador. Historicamente esse processo de mudança estrutural esteve associado com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB e no emprego total das economias capitalistas. A incorporação de progresso técnico, por sua vez, exige o investimento em novas máquinas e equipamentos, os quais incorporam as novas tecnologias decorrentes do avanço da fronteira tecnológica resultante dos investimentos públicos e privados em Pesquisa e Desenvolvimento (Mazzucato, 2014). Também é necessário que ocorra um aumento contínuo, do número médio de anos de escolaridade da população, notadamente da parcela da população com mais de 25 anos (Ros, 2013, capítulo 1).

Numa amostra com 87 países para o período 1970-2008, Ros (2013) mostra que, considerando apenas os determinantes próximos do crescimento (Maddison, 1988), a taxa de crescimento do capital por trabalhador apresenta a maior influência (positiva) sistemática sobre o crescimento do valor adicionado por trabalhador, sendo a principal variável explicativa para a alta performance dos países de crescimento elevado da amostra. O nível inicial de educação (1970) e a taxa de progresso da educação, ou seja, a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos, embora possuam coeficientes positivos e estatisticamente significativos, nas equações de regressão, tem uma contribuição significativamente menor para o crescimento do valor adicionado per-capita. Contudo, quando se substitui a taxa de crescimento do capital por trabalhador e a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos pela taxa de crescimento da participação do emprego industrial no emprego total no período 1970-2008 chega-se à conclusão de que a taxa de crescimento do emprego industrial é a variável que isoladamente tem a maior influência sistemática sobre a taxa de crescimento do valor adicionado per-capita. Em outras palavras, a indústria de transformação é o motor do crescimento de longo-prazo (Thirlwall, 2013, pp. 43-53).

Entre 1999 e 2008 o Brasil experimentou um processo de aceleração do crescimento do PIB real o qual passou de 2,19% a.a em 1999 para 4,81% a.a, ambos os valores calculados pela média móvel de 5 anos. Durante esse mesmo período, a participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes, na média móvel de 5 anos, passa de 14,91% em 1999 para 16,97% em 2008. A partir da crise financeira internacional de 2008, contudo, se inicia um processo de desaceleração do crescimento da economia brasileira, o qual irá se aprofundar a partir de 2014, quando exibe um valor de 3,38% na média móvel de 5 anos, chegando a -0,64% a.a em 2018. Esse movimento foi acompanhado de um intenso processo de desindustrialização da economia brasileira, no qual a participação da indústria de transformação a preços correntes cai de 16,97% em 2008 para 12,28% em 2018, ambos os valores calculados com base na média móvel de 5 anos (Ver figura 1). De 2019 a 2022 observa-se uma recuperação parcial do crescimento real do PIB brasileiro, o qual atinge a marca de 1,52% a.a na média móvel de 5 anos em 2022, valor 30% inferior ao verificado em 1999. A participação da indústria de transformação no PIB se estabilizou em torno de 12%, valor 19,51% mais baixo do que o verificado em 1999.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Quando calculamos a correlação entre as séries de participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes e taxa real de crescimento do PIB real para o período 1999-2022 verificamos que o valor encontrado é de 0.82, o que caracteriza a existência de uma forte correlação positiva entre as séries. Como a participação da indústria de transformação reflete a estrutura e composição da produção, sendo assim uma variável de natureza estrutural, podemos considerar a mesma como variável independente num exercício de regressão linear simples entre as duas séries em consideração. Os resultados dessa regressão podem ser visualizados na figura 2 abaixo.

Tanto o cálculo da correlação entre as duas séries de tempo como o exercício de regressão deixam pouca margem para a dúvida de que a desaceleração do crescimento da economia brasileira nos últimos 15 anos tem na desindustrialização uma de suas principais causas. Resta saber quais as causas desse processo de mudança estrutural.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Com a eleição de Luis Inacio Lula da Silva em 30 de outubro de 2022 o debate sobre o processo de desindustrialização da economia brasileira foi finalmente desinterditado. Após anos a fio de discussões jurássicas sobre o sacrossanto “Teto de Gastos”, o novo governo aparenta estar disposto a retomar a agenda de desenvolvimento econômico e encarar de frente o fato, hoje indiscutível, de que o Brasil vivenciou, no período 1991-2019, conforme tabela abaixo, o mais intenso processo de desindustrialização no mundo, maior inclusive do que a verificada pela economia da Argentina.

Tabela I: Participação da Indústria de Transformação no PIB, Países Selecionados (1991-2019)

Continente/País19912019Var (%)
América do Sul21,3712,46-8,91
Argentina24,3813,50-10,88
Brasíl21,8310,33-11,50
Colombia17,9013,54-4,36
Europa 18,9115,33-3,58
Alemanha24,8419,55-5,29
Dinamarca14,6413,40-1,24
Espanha(*)16,2610,91-5,35
Itália19,0914,88-4,21
Suiça19,7417,92-1,82
Leste da Ásia 24,3222,64-1,69
Coréia do Sul25,1825,220,04
Japão (**)23,4620,05-3,41

Fonte: Banco Mundial. Elaboração do Autor. (*) A partir de 1995; (**) A partir de 1994.

Os dados apresentados na tabela I acima nos permitem tirar algumas conclusões. A primeira é que a desindustrialização, embora seja um fenômeno comum aos países da amostra, não é algo inevitável. Com efeito, a participação da indústria do PIB da Coréia do Sul manteve-se estável no período analisado, ao passo que países de renda alta como a Dinamarca e a Suíça apresentaram uma pequena queda da participação da indústria no PIB. Em segundo lugar, as grandes economias da América do Sul não só passaram por um processo de desindustrialização mais intenso do que o observado nos países europeus, como ainda reduziram a sua participação da indústria no PIB a um patamar inferior ao verificado nos países da Europa e do Leste Asiático, os quais tem uma renda per-capita muito mais alta do que as economias da América do Sul. Em suma, a desindustrialização da América do Sul é um fenômeno diferente da desindustrialização observada nos países de renda alta.

Para que possamos entender a natureza da diferença entre os dois processos, temos inicialmente que retomar a discussão feita no início deste artigo sobre a natureza do processo de desenvolvimento econômico. Vimos que o desenvolvimento econômico tem como um de seus determinantes a mudança estrutural, ou seja, a transferência de mão de obra dos setores com menor valor adicionado por-trabalhador para os setores de maior valor adicionado por-trabalhador. Trata-se do que é denominado de “sofisticação produtiva” na literatura novo-desenvolvimentista ou “complexidade econômica” por Hidalgo e Hausmann (2009). Nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico, aquilo de Rostow (1960) denominou de “decolagem”, ocorre uma grande transferência de mão-de-obra da agricultura para a indústria. É a fase da “Revolução Industrial” na qual a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego aumentam de forma contínua, proporcionando uma “aceleração do crescimento” do PIB per-capita. Todos os países de renda alta passaram, em algum momento, por esse processo.

A partir de certo nível de renda per-capita, contudo, ocorre uma diversificação crescente da demanda de consumo das famílias, as quais passam a demandar uma quantidade cada vez maior de serviços, muitos dos quais são direta ou indiretamente ligados a indústria. Nesse contexto, a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego irá começar um processo de declínio “natural”, o qual pode ser retardado por “políticas neo-mercantilistas” que visem ampliar as exportações de produtos manufaturados para compensar a queda relativa da demanda doméstica. Essas políticas parecem ter sido bem-sucedidas nos casos da Dinamarca e Suíça, países de renda alta da Europa que tiveram uma redução modesta ou pequena da participação da indústria de transformação no PIB.

Esse não foi o caso dos países da América do Sul, notadamente o Brasil, os quais se desindustrializaram antes de se tornarem países de renda alta ou de terem se tornado economias maduras (Kaldor, 1967), ou seja, economias nas quais a mão-de-obra já foi totalmente transferida do setor tradicional ou de subsistência para o setor moderno ou capitalista. Trata-se daquilo que Rodrik (2016) denominou de desindustrialização prematura. Com base na análise da estrutura do mercado de trabalho do Brasil e na avaliação da qualidade do emprego feita por Oreiro et al (2023) pode-se claramente perceber que o Brasil está muito longe de ter ultrapassado o ponto de Lewis (1954) no qual toda a mão-de-obra já foi transferida para o setor moderno da economia, de forma que a desindustrialização brasileira é de natureza precoce.

Ao contrário da desindustrialização natural, fenômeno associado a mudança na composição da demanda de consumo nos países de renda alta, a desindustrialização precoce está associada com a adoção de políticas econômicas neoliberais associadas ao consenso de Washington a partir da década de 1990.

Com efeito, as economias da América do Sul adotaram políticas de liberalização comercial e financeira a partir dos anos 1990 com a redução generalizada das alíquotas de importação, abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos, sobrevalorização cambial como instrumento básico de controle da inflação, redução da participação do Estado na economia por intermédio da privatização de empresas estatais e redução do financiamento estatal para o investimento em infraestrutura e atualização tecnológica do parque industrial.

No caso Brasileiro, Oreiro, Manarin e Gala (2020) avaliam os determinantes da redução da participação da indústria de transformação no PIB para o período 1998-2017. A partir de um modelo econométrico no qual a participação da indústria de transformação no PIB está determinada pela competitividade preço (taxa real de câmbio) e competitividade extra preço (hiato tecnológico), os autores mostram que cerca de 40% da desindustrialização verificada na economia brasileira deve-se a sobrevalorização da taxa de câmbio e 60% devem-se ao aumento da distância da indústria brasileira com respeito a fronteira tecnológica.

Não existe nada de natural ou inevitável num processo de desindustrialização que resultou de câmbio sobrevalorizado e aumento do hiato tecnológico. O desafio para a reindustrialização do Brasil passa pela adoção de políticas corretas que neutralizem essas causas. Dessa forma, se faz necessário uma mudança no regime de política macroeconômica no Brasil que permita a obtenção de uma taxa real de câmbio estável, competitiva e sustentável no médio de longo-prazo (Frenkel, 2014). Esse novo regime de política macroeconômica deve envolver a introdução de controles a entrada de capitais estrangeiros, imposto de exportação de commodities e desindexação da economia (Oreiro e Costa Santos, 2023) para permitir a obtenção da meta de inflação definida pelo conselho monetário nacional com níveis mais baixos de taxa de juros.

A redução do hiato tecnológico exige a adoção de políticas industriais seletivas baseadas no princípio da reciprocidade (Amsden, 2004, p. 38), ou seja, os incentivos dados as empresas industriais para aumentarem a sua capacitação tecnológica tem que estar atrelados a obtenção de padrões de desempenho monitoráveis, por natureza redistributivos e concentrados nos resultados, principalmente em termos de aumento das exportações e conquista de mercados externos.

Referências

Amsden. A (2004). A Ascenção do Resto: os desafios ao ocidente de economias com industrialização tardia. São Paulo: Editora Unesp.

Bresser-Pereira, L.C; Oreiro, J.L; Marconi, N. (2015). Developmental Macroeconomics: new-developmentalism as a growth strategy. Londres: Routledge

Frenkel, R. (2014). “How to manage a sustainable and stable competitive real exchange” In: Bresser-Pereira, L.C; Kregel, J; Burlamaqui, L. (Eds). Financial Stability and Growth: Perspectives of Financial Regulation and New-Developmentalism. Londres: Routledge Hidalgo, C. A.; Hausmann, R. (2009). The building blocks of economic Complexity. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(26), 10570–10575.

Lewis, W. A. (1954). “Economic development with unlimited supplies of labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, 28: 139-91


Oreiro, J. L. C.
; Santos, J. F. C. (2023).” The Unfinished Stabilization of the Real Plan”. In: Fernando Ferrari Filho; Luiz Fernando de Paula. (Org.). Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies. 1ed.Chentenham: Edward Elgar, v. 1, p. 61-81.


Oreiro, J. L. C.
Gabriel, L. F. ; Damato, S. ; Silva, K. M. (2023). LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION. Panoeconomicus, v. 70, p. 601-625,

Oreiro, J. L., Manarin, L. L., Gala, P. (2022). Deindustrialization, economic complexity, and exchange rate overvaluation: the case of Brazil (1998-2017). PSL Quarterly Review, 73(295), 313–341

Mazzucato, M. (2014). O Estado Empreendor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo. Editora Schwarcz.

Rodrik, D. (2016). “Premature Deindustrialization”. Journal of Economic Growth, Vol.21, Issue 1, pp. 1-33.

Ros, J. (2013). Rethinking Econonomic Development, Growth and Institutions. Oxford: Oxford University Press.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge. Cambridge University Press.

Thirwall, A.P (2013). Economic Growth in an open Developing Economy. Edward Elgar: Cheltenham

 

2023: O Ano da Graça de Fernando Haddad

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O ano era 2018. Eleições Presidenciais. A besta do apocalipse, aquele quem não devemos dizer o nome, o filho do cão liderava as pesquisas para a presidência da República. A candidatura de Ciro Gomes, a qual eu inicialmente apoiava por ser mais próxima do projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (https://epoca.globo.com/economia/noticia/2018/02/quem-sao-os-conselheiros-economicos-dos-pre-candidatos-presidencia.html), que Bresser-Pereira e eu trabalhavamos a quase uma década, não decolava. Eu inclusive havia sido foco do, por assim dizer, “fogo amigo” de membros do inner core da campanha de Ciro Gomes que plantaram na Folha de São Paulo, por intermédio da Jornalista Daniela Lima, a mentira descabida de que eu estava me encontrando na surdina com banqueiros para discutir os projetos de Ciro Gomes para um mandato presidencial (https://www.facebook.com/jose.oreiro.3/posts/pfbid0UAQnnC23meGuQoespbRtgoALKD2UrRjxPnp5haZ9KpEcoGESuEgG6jA3JjMmHjHwl). Fui oposição ao governo Dilma Rousseff desde o início pois já previa o seu desastre, não por pedaladas fiscais (que coisa ridícula), mas pela sua incapacidade de administrar uma crise clássica sobre a distribuição de renda, que desembocou num “esmagamento de lucros” e no colapso da acumulação de capital (turbinada pelos efeitos da operação lava-jato comandada por aquela amostra da (sic) sapiência sulista, Sérgio Moro) no segundo semestre de 2014 (sobre isso ver https://www.scielo.br/j/ea/a/SxFbPNLxcStN6BKL7JTjtcT/). A única alternativa civilizada e honrada que me restava era votar no meu colega professor universitário Fernando Haddad.

Eu não conhecia o Haddad pessoalmente em 2018. Tudo o que sabia dele era que fora professor da USP, mas tinha se transferido (argh) pro Insper, comandado pelo ultra-liberal-ex-marxista Marcos Lisboa, ex-orientado da Maria da Conceição Tavares (argh), que era casado uma única vez com a mesma mulher e que era Cristão Ortodoxo. Como me disse certa vez meu colega e atual chefe de departamento na UnB, Roberto Ellery (sory chefe por te entregar), Haddad tinha cara de rico e professor da USP, tudo o contrário para se pleitear a Presidência da República (a não ser quando voce se chama Fernando Henrique Cardoso, tem lindos cabelos brancos, fala françês fluentemente e, por puro acaso da história, faz o único plano de estabilização da inflação da história do Brasil que funciona, o Plano Real).

Um belo dia antes do primeiro turno das eleições presidenciais, Joaquim Andrade, decano do departamento de economia da UnB, liga para o meu celular e pede, todo constrangido, se eu poderia assinar um manifesto em apoio a candidatura de Fernando Haddad para a presidência da República. Depois de hesitar por 0,00000000000 milésimo de segundo (Uma eternidade, como podem ver) eu declarei meu apoio incondicional e irrestrito ao professor da USP. Fiz sem esperar nada em troca a não ser a vitória da civilização contra a barbárie. Eu e outras centenas de economistas assinamos um manifesto em prol de Fernando Haddad para a Presidência da República (https://pt.org.br/economistas-lancam-manifesto-pro-haddad-premio-nobel-assina/). Infelizmente perdemos, e o mal absoluto governou o Brasil por 4 tenebrosos anos. Confesso que foi a única vez na minha vida que pensei em renunciar a cidadania brasileira e ir trabalhar na Espanha como professor da Universidade do País Basco em Bilbao (Da qual agora sou professor visitante: https://www.ehu.eus/es/web/doktoregoa/doctorado-integracion-economica/profesorado?p_cod_idioma=es&p_cod_proceso=doctorate&p_nav=605&p_cod_propuesta=1972&p_redirect=dameProfesorAjeno&p_idp=740329&p_dpa=740329). As negociações avançaram bastante, mas no final as questões familiares me fizeram ficar no Brasil a despeito do que ocorreu nas eleições de 2018.

Não é necessário falar aqui do governo do Coiso, pois me dediquei com afinco, neste espaço, não sem risco de ordem pessoal, a criticar ao mesmo e a seu gênio do mal, o por assim dizer, economista Paulo Guedes, Czar da Economia durante os tempos obscuros (um, entre muitos exemplos, pode ser encontrado em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/597197-a-embromacao-de-paulo-guedes-artigo-de-jose-luis-oreiro).

Pela Graça de Deus Todo Poderoso Luis Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente da República Federativa do Brasil no segundo turno das eleições de 2022. Fui convidado para fazer parte do governo de transição na equipe do Planejamento comandada pela minha colega e co-autora da UFRJ Esther Dweck (https://corecondf.org.br/conselheiros-do-corecon-df-fazem-parte-do-governo-de-transicao/?doing_wp_cron=1702865054.7510869503021240234375). Por questão de sigilo contratualmente acordado não posso expor os documentos a que tive acesso do governo do Coiso com as barbaridades que Paulo Guedes planejava contra o povo pobre e humilde do Brasil caso a besta do apocalipse tivesse sido reeleita. Mas asseguro que foi pela Misericórdia de Deus que nos livramos do imprestável.

Todo esse longo intróito foi para contextualizar o leitor sobre como Fernando Haddad, a quem eu havia conhecido em carne e osso em 2019 no Insper, assumiu o cargo de Ministro da Fazenda. Durante o governo de transição se especulou sobre quem seria o Ministro da Fazenda de Lula. Um jornal basco, de forma irresponsável, chegou a noticiar o meu nome como possível ministro da fazenda numa entrevista que eu dei antes do segundo turno das eleições quando em encontrava em Bilbao para uma banca de Tese de Doutorado na Universidade do País Basco (https://jlcoreiro.wordpress.com/category/el-correo-espanol/). Apesar de eu ter desmentido essa possibilidade durante a entrevista, o fato é que a mesma foi usada pelos meus inimigos dentro e fora do PT para queimar meu nome para qualquer cargo possível no futuro governo Lula III. Paciência, o Senhor deu o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor.

Após várias especulações, nenhuma delas fundadas, O Presidente Lula anuncia Fernando Haddad como o novo Ministro da Fazenda, algo que eu na entrevista para o jornal Basco já havia antecipado como inevitável. E ai o mercado financeiro teve uma TPM. Disseram que Haddad não era economista (Como se Antonio Palocci não fosse médico), ressuscitaram um sincericidio do Haddad dizendo que ele só havia estudado dois meses de economia (https://www.reuters.com/article/fact-check-haddad-economia-idUSL6N32Z0C3/), que o Haddad era comunista e iria transformar o Brasil numa Venezuela (https://www.youtube.com/watch?v=9aHLFNYfj0w).

Ataques de Bolsominions raivosos não são de espantar ninguem, mas eis que os auto-proclamados pais do Plano Real, Edmar Bacha, Arminio Fraga e Pérsia Arida em carta aberta ao Presidente Eleito Luis Inacio Lula da Silva datada de 17 de novembro de 2022 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/11/vai-cair-a-bolsa-aumentar-o-dolar-paciencia.shtml) criticaram as declarações de irresponsabilidade fiscal do novo governo ao afirmar que iria revogar o sacrosanto “Teto de Gastos” – essa relíquia da alquimia e do terraplanismo econômico que só foi adotada no Brasil e ainda mais como norma constitucional. Para os país do Plano Real a revogação do Teto de Gastos iria conduzir o Brasil a um “buraco negro fiscal” (obs: isso não existe em nenhum livro texto sério de economia) e faria com que o país virasse uma espécie de Venezuela, como era o desejo dos Bolsonaristas raivosos acampados em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, marchando que nem uns idiotas barrigudos e fisicamente despreparados e cantando hino nacional para pneu de caminhão. Eu e um conjunto de outros economistas Keynesianos e Desenvolvimentistas, sob a liderança intelectual do professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira fizemos uma contra-carta (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/11/18/carta-aberta-ao-presidente-lula/), refutando um a um os argumentos dos pais do Plano Real (By the way, passado mais de um ano, acertamos em cheio nossas previsões).

O novo governo assume a Presidência da República em 01/01/2023 sob a desconfiança generalizada do mercado financeiro a respeito da competência e seriedade de Fernando Haddad. Os eventos de 08 de janeiro dão uma trégua para o novo governo, mas a PEC da transição havia liquidado em definitivo a herança maldita de Michel Temer, o Teto de Gastos. Faltava algo para por no lugar. Haddad e sua equipe de não-economistas desenham um arcabouço fiscal que combinava uma regra de gastos com uma regra de resultado primário e (talvez) uma regra de dívida pública. Eu imediatamente me pronunciei contra o arcabouço afirmando que a ideia tinha um erro genético pois implicava num sistema sobre-determinado, ou seja, mais equações do que incógnitas (https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/6255). Falei com o Ministro por Whatsapp. Ele me assegurou que a variável de ajuste seria a arrecadação do governo e que o Ministério da Fazenda havia mapeado várias fontes de renúncia fiscal – muitas deles questionáveis do ponto de vista juridico – que poderiam render aos cofres públicos mais de 200 bilhões de reais de arrecadação sem que fosse necessário aumentar a carga tributária de jure. Como direito tributário não é minha praia, dei ao Ministro meu voto de confiança e não mais tratei do assunto por intermédio da imprensa, fazendo voluntariamente um voto de silêncio em favor do governo.

Os resultados do PIB do primeiro e do segundo trimestre de 2023 vieram bem acima do esperado do mercado financeiro. A inflação apresentou sinais consistentes de queda e o Ultra-Mega-Conservador Banco Central do Brasil, contra meus próprios prognósticos, começa um processo de redução lenta, gradual e segura da taxa de juros selic a partir de meados de 2023. Outra vitória do estilo conciliador de Fernando Haddad.

No segundo semestre de 2023 o Ministério da Fazenda se dedica a duas agendas cruciais para o país. A primeira, aprovar a reforma tributária dos impostos indiretos, extensamente discutida mas nunca implementada, nos últimos 40 anos. Para isso o Ministro da Fazenda escalou a maior autoridade brasileira no assunto, Bernard Appy. A segunda foi começar a cobrar impostos sobre o andar de cima, colocando na mesa a discussão sobre a tributação dos fundos de investimento off-shore e fundos específicos. A discussão posta em setembro de 2023 gerou uma reação dos endinheirados do Brasil que usando os seus think-thank regiamente pagos conseguiram a proeza de publicar na Folha de São Paulo um artigo que dizia que a população brasileira deveria se ajoelhar em agradecimento aos super-ricos pelas miganhas que eles permitiam cair de suas mesas. Essa afronta a decência, ao bom senso e a ciência econômica por rebatida veementemente por mim e por meu velho companheiro de armas Luiz Fernando de Paula em artigo publicado no site GNN (https://jornalggn.com.br/politica-fiscal/ser-rico-nao-e-pecado-mas-tem-que-pagar-imposto/). Ao que tudo indica nossa contra-ofensiva contra os endinheirados foi um êxito pois nunca mais nenhum deles se atreveu a retomar o assunto.

Eis que chegamos ao final de 2023. Haddad insiste em algo que ele sabe muito bem que não vai conseguir obter, a meta de resultado primário zero para 2024 (https://horadopovo.com.br/o-compromisso-do-haddad-nao-pode-ser-com-o-erro-diz-oreiro-sobre-meta-de-deficit-zero/). Disse isso em alto e bom som para o público e para ele em privado. Ele tem seu ponto. Sabe que as convenções do mercado financeiro são difíceis de serem mudadas, ainda quando estão erradas. Não se trata de conseguir uma meta de resultado primário zero em 2024 – todos sabemos que é impossível – mas passar o recado que o governo está comprometido com isso para não gerar turbulência desnecessária no mercado financeiro. Eu entendo a posição mas sou ferrenhamente partidário da ideia de que o melhor desinfetante é a luz do sol: o governo deve sempre e em todo o momento ser claro e transparente nas suas ações e intenções, reconhecendo os erros quando for necessário.

Eis que na última sexta-feira, diz 15 de dezembro, a câmara dos deputados aprova em dois turnos a PEC da reforma tributária que deverá seguir para promulgação presidencial antes do Natal. O homem que era visto como uma escolha muito ruim para o ministério da Fazenda de Lula 3 consegue aprovar a maior reforma constitucional – e a única que terá efeito positivo inquestionável sobre o desenvolvimento econômico do Brasil nos próximos 10 a 20 anos – da história do Brasil desde 1988. Um golaço de placa para quem era tido como perna de pau. Eu nunca o reputei dessa forma, embora não poucas vezes tenha discordado dele. Só me resta reconhecer a sua vitória. Ave César!

Participação do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento na 7h International Astril Conference (25-26 de Janeiro, Universitá degli Studi Roma Tre, Roma, Itália)

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O grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, o maior grupo de pesquisa heterodoxo do Brasil (www.sdmrg.com.br), sediado no Departamento de Economia da Universidade de Brasília, irá organizar duas sessões especiais na Sétima Conferência Internacional da Astril (Associazone Studi e Richerche Interdisiciplinare Sul Lavoro) a ser realizado no Departamento de Economia da Universitá degli Studi Roma Tre, na cidade de Roma, Itália, no período de 25 a 26 de janeiro de 2024.

Vejam abaixo as sessões e os papers que serão apresentados, dois deles de autoria de alunos do curso de graduação em economia da UnB e um de autoria de um aluno do programa de doutorado em economia da UnB.

Structural Change and the Political Economy of Climate Change Session Proposal

Topic 3: Structural change, employment displacement, and social benefits

The Structural Development Macroeconomics Research Group (SDMRG) was founded back in 2008, in the aftermath of the “Great financial crisis”, and currently has more than thirty members from academic to policy circles in South America, Europe, and the United States (http://www.sdmrg.com.br/home). For the upcoming 7th ASTRIL conference, we would like to propose 2 hybrid sessions of 4-5 papers each:

SESSION 1

  1. What drives oil dependence in the EU? An empirical assessment of technology-push and demand-pull factors (Federica Cappelli, University of Ferrara, In person)

European Union (EU) continues to depend heavily on fossil fuels since oil constitutes more than one-third of total energy available. We aim to understand what factors foster or reduce oil dependence in European countries, focusing on the role of environmental policies and eco-innovations. We exploit network analysis to represent the international oil trade network, allowing us to uncover different aspects of oil dependency. This information is then used within a proper econometric framework, which covers the period from 1999 to 2019 and accounts for the presence of cross-sectional dependence. Results indicate that both demand-pull and technology-push factors play a role in alleviating European countries’ dependency on oil, but, at the same time, the relative importance depends on how we define the concept of oil dependency.

  • Endogenous political cleavages and the social dimension of climate change (Marwil J. Davila-Fernandez, University of Siena, In person)

The ongoing transformation of the social base supporting political choices is happening in the context of raising demand for greater efforts to reduce carbon emissions. Our research question lies in the intersection between these two major themes. We develop a heterogeneous agent’s model that differentiates between left- and right-wing voting preferences in two main political dimensions: Economic-Distributive and Socio-Cultural. A continuous-time version of the discrete- choice approach describes the composition of the population over time. The model is compatible with the emergence of

“left-left”, “left-right”, “right-left”, and “right-right” coalitions, each associated with a carbon tax choice and whether to tax the skill premium. Through induced technical change, taxing emissions influences the development of carbon- neutral production techniques, impacting output and ultimately feeding political attitudes. Human capital accumulation results in a wage differential that influences production and feedback on inequality. We numerically study the implications of secularisation and the asymmetric effects of carbon taxes on low/high-skilled workers to green transition. It is shown that achieving absolute decoupling is a two-part problem. Reaching a consensus for implementing a carbon tax is only the first step. A sufficiently strong element of induced technical change favouring carbon-neutral production techniques is also necessary to avoid reducing living standards.

  • Policy coordination for ecological structural change: A macroeconomic model (Chiara Grazini, University of Tuscia, In person)

Ecological transition is based on ecological structural change that requires innovative macroeconomic policies, and this article proposes macroeconomic modelling to provide a baseline analytical framework to tackle this issue. Ecological policy coordination entails integrating the traditional tools of monetary and fiscal policies with typical industrial policies. Specifically, the macroeconomic modelling introduces an eco-Keynesian cross and an eco-3 equation model: ecological degrowth is the most straightforward approach to attaining environmental sustainability. The eco-3 equation model shows ecological macroeconomic policies’ positive role in fostering win-win environmental and social sustainability strategies and mitigating energy inflation by stimulating an ecological structural change. In the current geopolitical context of rising energy prices, mainstream monetary policy alone can merely reinstate the economy to its initial equilibrium and, in some instances, exacerbate the situation due to financial speculation. The imperative for policy coordination becomes even more pronounced. The coordination between less austere monetary stimulating green finance and ecological industrial and fiscal policies could not only overcome the inflationary shock but enable the economy to achieve the goal of sustainable and inclusive development.

  • The impact of trade liberalization and exchange rate undervaluation on exports, imports and balance of Latin American countries: An essay in honor of A. P. Thirlwall (Marcos Campo, University of Brasilia, Virtual)

This work aims to analyse the impact of trade liberalisations in the 80s and 90s on developing countries’ exports, imports, and trade balances. It expands and updates the study conducted by A. Santos-Paulino and A. P. Thirlwall in 2004 on the same topic but focuses on the case of Latin America. The mainstream premise that trade integration between countries always promotes development is disputed by some structuralist economic theories, especially in the context of developing nations. Critics argue that while implementing trade liberalisation reforms can improve a nation’s reach in international commerce, it also has a greater potential for foreign goods to infiltrate the national market. This can create an imbalance in the balance of payments and potentially lead to a foreign currency crisis, an issue historically associated with Latin American economies. We test this hypothesis using data from seven Latin American countries between 1970 and 2019 to estimate econometric models for exports, imports, and trade balance. Following the 2004 seminal paper, the econometric models include a dummy variable for liberalisation, which becomes positive in the year when liberalisation occurred, and the following years, to measure the impact of these reforms on the stated variables. A variable for the exchange rate undervaluation capturing the effect of the level of exchange rate value instead of the rate of change of exchange rate was also included in the analysis. Although the inherent uniqueness of each Latin American economy makes generalising the results difficult, the findings of the estimations support the idea that this type of trade liberalisation can produce currency imbalances that may lead to crises, as witnessed in the region in past decades.

SESSION 2

  1. Political conflict, green capabilities and growth patterns in a Kaleckian small open economy (Julia Juarez, National Autonomous University of Mexico, In person)

The paper presents a Kaleckian model that discusses the condition for sustainable development, defined as a sustainable growth path in three dimensions: economic, social, and environmental. There are three actors in the model: green capitalists (G), brown capitalists (B) and workers (reds, R), whose different alliances define the level of three key parameters in the model: taxes, social expenditure and public investment in green capabilities, all defined as shares in GDP. Three political coalitions are formed: green-red, green-brown and red-brown. It is shown that the GR coalition can produce sustainable and inclusive growth. However, acute trade unbalances compromise growth in the medium term. The magnitude of the disequilibrium will depend very much on the capacity of public investment to boost non-price competitiveness based on green capabilities. The GB alliance, in turn, produces sustainable but not inclusive growth. In this case, the external imbalance will be less acute than with the GR coalition, but the budget deficit will remain high and unsustainable in the long run. Finally, the RB coalition will generate a path that is unsustainable from the point of view of the environment. In contrast, it may produce stable growth with some income redistribution in periods of high demand for commodity exports. We apply the model to the Latin American case and identify different patterns in the region in terms of the key parameters of the model.

  • Socio-environmental conflicts as a source of change in mining activities: the case of Chile (Gabriel Palazzo, Institute of Development Studies, In person)

Responding to climate change requires transitioning at pace and scale to low-carbon energy sources. Leading world economies are committing to the transition. However, the transition to a new energy system will require a considerable supply of minerals, whose extraction is associated with multiple environmental and social problems. In Chile, one of the main critical mineral suppliers of the world, 50% of all medium and large-scale mining is disputed by civil society. Our paper shows that those conflicts block mineral extraction in Chile and force mining companies and the government to negotiate with local communities. We compiled an unprecedented dataset that geo-localises and connects socio- environmental conflicts and show evidence of their impacts. In addition, we document how the regulation of mining activities has been forced to change because of the evolution of socio-environmental conflicts and the conquest of rights by indigenous people.

  • Bibliometric perspectives on the development in the Latin America and the Caribbean (Maria L. Almeida- Luz, University of Brasília, Virtual)

The evolution of development studies in Latin America and the Caribbean can be traced through various topics, interdisciplinary approaches, and methodological pluralism. This study applies bibliometric analysis to explore research patterns systematically and quantitatively in the academic literature. The analysis employs co-citation, bibliographic coupling, and co-occurrence networks to identify patterns, thematic clusters, and influential contributions within the scholarly discourse. The objective is to uncover historical and contemporary complexities, providing insights into potential directions for future research and policy considerations. Temporal dynamics underscore the importance of

historical context, while a consistent regional focus reflects a commitment to understanding the unique challenges Latin American and Caribbean countries face. Emerging themes, including extractive, renewable energy, and globalization, indicate responsiveness to contemporary realities. The study observes the region’s dynamic evolution of development studies, reflecting changes in its socio-political and economic landscape. Scholars have shifted focus from early examinations of historical legacies and colonization to contemporary explorations of democracy, social inequality, and globalization’s impact. This evolution emphasizes the need for a comprehensive understanding incorporating diverse perspectives, methodologies, and historical contexts. The synthesized overview of the development discourse in the region can guide future research and inform decision-making, contributing not only to academic scholarship but also offering practical implications for policymakers addressing the multifaceted challenges, opportunities, and progress in Latin America and the Caribbean.

  • A green new developmentalism strategy for a forest transition (Daniel M. Teixeira, University of Brasilia, Virtual)

The relationship between economic scale and its impacts on the environment is neither linear nor stable across economies and over time since it depends on the technologies adopted in a given production structure. In this context, the land-use change process in a country or region of sustained forest recovery after a long decline in forest cover in the early stages of economic development is called forest transition. Specifically concerning the forest sector, public policies should unlock investments in sustainable forest management to increase its contribution to the supply of food, fibres, and forest raw materials with the potential to replace fossil resources, as well as to capture and store carbon and provide other significant environmental services. This study aims to discuss the relationship between ecological structural change, forest transition, and the implications for a green new developmentalism strategy. This discussion takes place in the Brazilian context, where various policy instruments exist to combine forest protection and sustainable use while simultaneously achieving carbon emission reduction goals. Furthermore, forest policy management is decentralized among federal, state, and municipal governments, affirming the literature’s recommendation that the state’s role in a national eco-developmental strategy involves policy coordination, providing information during policy management, harmonizing policy instruments, and supporting all actors in identifying opportunities for economic diversification that contribute to environmental sustainability. Consequently, it is suggested that the national eco-developmental strategy must have a high priority on the governmental agenda.

  • Reindustrializing Brazil: a comprehensive analysis of industrial trajectory, policies and a forward- looking agenda (Luiza N. de Sousa, University of Brasilia, Virtual)

This study presents a thorough exploration of the trajectory of Brazil’s industrial sector, focusing on the nuanced process of deindustrialization and delving into the historical evolution of industrial policies, with particular attention to recent initiatives dating back to Lula’s first government and their outcomes. Embracing a heterodox viewpoint rooted in sector- specific economic growth and Kaldorian principles, the paper underscores the pivotal role of the industrial sector as a driver of overall economic prosperity. The paper advocates for a strategic industrial policy agenda to navigate Brazil towards reindustrialization, fostering sustained, long-term economic growth. By dissecting the industrial sector’s trajectory and examining Brazil’s prevailing industrial policy agenda, alongside insights from some developed nations actively pursuing reindustrialization, this study goes beyond analysis to propose a forward-looking industrial policy plan. Tailored to address Brazil’s unique challenges and opportunities, this study serves as a roadmap for policymakers, offering actionable recommendations to revitalize the industrial landscape.

Aumento de ritmo de corte da Selic volta ao radar do mercado (Folha de São Paulo, 11/09/2023)

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Link da matéria: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/12/aumento-do-ritmo-de-corte-da-selic-volta-ao-radar-do-mercado.shtml


Aumento do ritmo de corte da Selic volta ao radar do mercado. Economistas esperam que Copom reduza Selic em 0,5 ponto, a 11,75%, na última reunião do ano
11.dez.2023 às 7h00A possibilidade de o Banco Central acelerar o ritmo de corte de juros em 2024 voltou ao radar dos economistas com a redução dos riscos externos, o câmbio mais favorável e a perspectiva de queda das projeções de inflação para os anos seguintes.
Para o último encontro do ano, na quarta-feira (13), há consenso de que o Copom (Comitê de Política Monetária) fará um novo corte de juros de 0,5 ponto porcentual, levando a taxa básica (a Selic) para 11,75% ao ano.
A expectativa é que a decisão venha acompanhada de uma mensagem branda no comunicado.
Economistas ouvidos pela Folha estimam que o alívio registrado no ambiente internacional desde a última reunião, em novembro, dê mais conforto para o BC seguir sua estratégia pela quarta reunião consecutiva.
Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, destaca que os juros dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, os chamados Treasuries, cederam significativamente e que se consolidou uma visão do comportamento mais benigno da inflação global.
Esse cenário colaborou para a apreciação cambial —o dólar encerrou as negociações na sexta-feira (8) cotado a R$ 4,929, ante R$ 5 no cenário de referência do Copom na última reunião.
Folha Mercado
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Como a taxa de câmbio impacta diretamente o modelo usado pelo BC, as projeções de inflação para 2024 e 2025 devem vir mais baixas. Nos cálculos de Damico, o índice deve recuar em torno de 0,1 e 0,2 ponto porcentual. Na última reunião, as estimativas do Copom situavam-se em 3,6% em 2024 e 3,2% em 2025.
Apesar das projeções mais baixas, o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman espera que o Copom ressalte que as estimativas ainda estão acima do centro da meta de inflação (3%), justificando a posição de segurar os juros em terreno contracionista —acima do neutro (que não estimula nem desestimula a economia).
Na visão dele, a melhora no câmbio “ajuda, mas não é a salvação da lavoura”.
Entre os “ventos favoráveis”, os economistas citam a continuidade do processo de desinflação e a materialização da desaceleração da atividade econômica —ainda que o último dado do PIB (Produto Interno Bruto) tenha surpreendido, com crescimento de 0,1%.
Para Daniel Karp, economista sênior do Santander, houve “um conservadorismo um pouco exacerbado por parte do BC na questão do risco global” no encontro passado e um receio prematuro com a situação.
Embora espere que o Copom reconheça a melhora no ambiente externo, ele diz acreditar que o tema ainda será tratado com cautela.
Karp também ressalta que o colegiado do BC poderia ser mais enfático quanto à melhora da inflação corrente e classifica como “conservadora” a afirmação de que o processo tem ocorrido conforme o esperado, uma vez que a autoridade monetária vem sendo surpreendida em suas projeções.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) registrou desaceleração a 0,24% em outubro.
Com isso, ficou em 4,82% no acumulado de 12 meses —próxima do teto da meta (4,75%). O dado de novembro será divulgado nesta terça (12), dia da primeira sessão do Copom.
Na próxima reunião, a atenção do mercado estará voltada, sobretudo, à sinalização dos próximos passos.
Desde agosto, quando o colegiado do BC iniciou o ciclo de afrouxamento da política monetária, o Copom tem dito que “os membros do comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões”.
Essa indicação corresponde a dois encontros subsequentes. Enquanto uma fatia do mercado financeiro espera a repetição da mensagem, outra parcela prevê um ajuste na comunicação com o objetivo de antecipar mudanças no plano de voo.
“Uma forma de deixar a porta aberta para aceleração do pace [ritmo], sem criar muitos ruídos, é trocar o plural de ‘próximas reuniões’ pelo singular. Assim, o mercado entende que [o indicativo] é só para janeiro”, diz Damico, que vê possibilidade de um corte de 0,75 ponto porcentual na segunda reunião de 2024, em março.
Já para o economista do Santander, há uma probabilidade pequena de o BC aumentar o ritmo de corte de juros no ano que vem.
“Cada vez que ele [Copom] vai avançando no passo de 0,5 ponto porcentual, mais difícil fica de acelerar [o ritmo de cortes], porque já está mais próximo da taxa [terminal]”, diz Karp.
Para mudar seu cenário-base, ele diz que é preciso que se consolide de maneira mais significativa a melhora do ambiente global, que a atividade econômica perca ainda mais força e que as expectativas de inflação caminhem em direção às metas perseguidas pelo BC.
Entre os fatores de risco para alta da inflação, alguns economistas citam a resiliência do mercado de trabalho. No trimestre até outubro, a taxa de desemprego do Brasil recuou a 7,6% e o contingente da população ocupada com algum tipo de trabalho foi estimado em 100,2 milhões, de acordo com o IBGE.


O professor associado da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro considera que os dados não refletem a realidade do país e fala em “desemprego disfarçado”, com trabalhadores subutilizados.
Ele também diz que o último resultado do PIB coloca “um pouco de água morna na banheira”, mostrando que a economia está perdendo tração.
Para Oreiro, o fraco investimento das empresas em capacidade produtiva e a queda do vigor da indústria de transformação são sinais claros de fraca demanda.
Na visão dele, isso seria suficiente para o colegiado do BC fazer um corte de 0,75 ponto porcentual já no próximo encontro do Copom —cenário que não espera que se concretize.
“Eu gostaria que o Copom acelerasse [o ritmo de corte], não creio que vá. É uma discussão que vai ganhar força no primeiro semestre de 2024, quando vierem os dados do primeiro trimestre, que podem ser de crescimento negativo”, diz.
“Até porque não vamos ter a contribuição extremamente positiva do agronegócio no PIB por conta do El Niño [fenômeno climático]”, afirma.

Outra divergência entre os economistas se refere ao cenário fiscal. Damico vê avanço na questão, com a tramitação no Congresso da Reforma Tributária e aprovação de medidas com potencial de aumentar a arrecadação do país.
Já Schwartsman diz que a incerteza fiscal continua, diante da possibilidade de o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterar no ano que vem a meta de déficit zero, mas que o BC “vai se fazer de sonso” para a questão.

Apesar da surpresa positiva com o PIB trimestral, economia brasileira perde tração ao longo de 2023

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Por José Luis Oreiro

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem (05/12/2023) dos dados do PIB referentes ao terceiro trimestre de 2023 (Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38535-pib-varia-0-1-no-3-trimestre-de-2023). Segundo o IBGE o PIB brasileiro a preços de mercado apresentou uma elevação de 0,1% com respeito ao segundo trimestre, contrariando as expectativas dos analistas do mercado financeiro que previam uma queda de 0,2 % no terceiro trimestre na comparação com o trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior o PIB apresentou um crescimento de 2,0% e no acumulado em 12 meses um crescimento de 3,1% sem ajuste sazonal.

O governo comemorou o resultado, ressaltando que o mesmo se deve a boa condução da política econômica, embora o Ministro da Fazenda Fernando Haddad tenha feito a ressalva, em entrevista concedida a jornalistas em Berlim, que o Banco Central precisava continuar fazendo a sua parte, ou seja, continuar com o processo de redução da taxa de juros em 0,5 p.p a cada reunião do COPOM.

Creio que qualquer economista com um senso mínimo de honestidade intelectual concorda que os cenários que alguns analistas traçavam no final de 2022 para o governo Lula eram absolutamente estapafúrdios (sobre isso ver https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/11/5052854-economistas-desenvolvimentistas-rebatem-carta-de-arminio-malan-e-bacha.html), uma vez que projetavam um (sic) colapso da economia brasileira, com a taxa de câmbio sofrendo uma maxidesvalorização e a inflação disparando para níveis superiores a 10% a.a, caso o governo abandonasse, como abandonou com a PEC da Transição, o sacrossanto “Teto de Gastos”. Essa reliquia da alquimia e terraplanismo econômico foi substituído por um arcabouço fiscal de caráter infraconstitucional que, embora apresente sérios problemas de concepção (Sobre isso eu comentei no artigo https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/6255), é muito mais flexível do que o teto de gastos, permitindo que a despesa primária da governo apresente um crescimento mínimo de 0,6% a.a no pior cenário possível em termos de crescimento das receitas do governo. Mesmo a possibilidade concreta do governo não ser capaz de cumprir a meta de déficit primário zero para 2024 não está tendo nenhum efeito desruptivo nos mercados financeiros e na inflação, com o dólar devendo fechar 2023 abaixo de R$5,00 e a inflação em torno de 4,5% a.a. Não foi dessa vez que a economia brasileira entrou num “buraco negro” ou virou a Argentina.

Feitas essas considerações, não devemos fechar os olhos para a realidade e achar que a economia brasileira está navegando bem de vento em popa. Conforme podemos verificar na Tabela I abaixo, quando comparamos o PIB do primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2023 com o mesmo período do ano anterior, observa-se uma nítida perda de fôlego da economia Brasileira. Com efeito, no primeiro trimestre de 2023 a economia brasileira cresceu 4,22% com relação ao mesmo período de 2022. No segundo trimestre o ritmo de crescimento caiu para 3,46%, ao passo que no terceiro trimestre o crescimento foi de apenas 1,95%. Em suma, ao longo de 2023, o ritmo de crescimento trimestral do PIB (na comparação com o mesmo período de 2022) caiu 53,79%.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

O cenário fica ainda mais preocupante quando olhamos o comportamento do PIB da indústria de transformação e a formação bruta de capital fixo. Em todos os trimestres de 2023 o PIB da indústria de transformação caiu relativamente ao mesmo período do ano anterior, aprofundando assim o processo de desindustrialização da economia brasileira. Até o presente momento o discurso do governo em prol de uma “neo-industrialização” não se traduziu num plano estruturado com objetivos, metas e instrumentos capaz de alavancar de forma robusta e sustentada o crescimento da produção da indústria de transformação. Medidas pontuais não serão capazes de reverter o declínio da indústria brasileira, condenando o país a estagnação econômica no médio e longo prazo.

O comportamento da formação bruta de capital fixo é igualmente preocupante. Como sabemos a expansão da capacidade física de produção de bens e serviços é condição necessária para o crescimento sustentado do PIB com estabilidade da taxa de inflação. Embora a formação bruta de capital fixo tenha apresentado um crescimento de 1,44% no primeiro trimestre de 2023 na comparação com o mesmo período de 2022, nos trimestres seguintes a formação bruta de capital fixo apresentou uma contração de 1,77% e 6,76% na comparação com os respectivos trimestres de 2022. Esses dados devem acender um sinal de alerta para o governo de que sem um esforço grande de aumento do investimento público em obras de infraestrutura, o investimento do setor continuará patinando devido as externalidade negativas que a deterioração contínua da infraestrutura tem sobre os incentivos ao investimento do setor privado. A não ser no mundo fantástico de Paulo Guedes, o investimento público e o investimento privado são complementares e cabe ao governo a tarefa de realizar investimentos em infraestrutura, os quais não serão feitos, ao menos na magnitude necessária, pelo setor privado. Para tanto será necessário, a meu juízo, um tratamento a parte para os investimentos em infraestrutura no arcabouço fiscal de Fernando Haddad.

O único componente do PIB que apresentou um comportamento exuberante foram as exportações. Em todos os trimestres de 2023, as exportações apresentaram um crescimento expressivo com respeito ao mesmo período de 2022, sendo que nos dois últimos trimestres o crescimento foi em torno de 10%. Isso seria um motivo de comemoração caso esse crescimento estivesse associado a um crescimento robusto do PIB da indústria de transformação. Se assim fosse seria um sinal inequívoco de que a indústria brasileira de transformação está conquistando mercados externos, ou seja, está aumentando a sua competitividade nos mercados internacionais. Mas os dados mostram que esse não é o caso. O aumento exuberante das exportações está acompanhado pela queda do PIB da indústria de transformação, o que nos leva a conclusão de que esse comportamento das exportações deve-se ao aumento das exportações de bens primários. Sendo assim, a conclusão lógica inescapável é que o processo de reprimarização da pauta de exportações continua a todo o vapor, com a economia brasileira se afundando cada vez mais na condição de economia periférica, ou seja, de economia exportadora de bens primários e importadora de bens manufaturados.

Em suma, apesar da surpresa positiva de curto prazo, os dados do PIB brasileiro recém divulgados mostram uma desaceleração do ritmo crescimento e da continuidade do processo de regressão estrutural da economia brasileira (desindustrialização + reprimarização da pauta de exportações). O governo precisa apresentar urgentemente um plano de desenvolvimento produtivo da economia brasileira e executa-lo o mais rapidamente possível. Não faze-lo é brincar com a sorte e abrir uma janela para o retorno do bolsonarismo, provavelmente em outros trajes, nas eleições de 2026.

Contagem regressiva para entrega de emendas ao PLDO (Correio Braziliense, 16/11/2023)

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Com fim do prazo para envio de propostas ao PLDO de 2024, amanhã (17/11), crescem as chances de a mudança da meta fiscal ficar para o primeiro trimestre do ano que vem

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Edla Lula 

Amanhã, termina o prazo para apresentação de emendas ao Projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, que tramita na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional. Ao que tudo indica, o governo não vai encaminhar, via lideranças da base, a alteração na nova meta fiscal, o que faz prevalecer a vontade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que briga por manter o objetivo de zerar o saldo nas contas públicas.

No momento, segundo disse a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, após reunião com Haddad e Esther Dweck, ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, a equipe econômica está debruçada sobre o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas referente ao quinto bimestre de 2023. O documento será apresentado na próxima quarta-feira (22/11), e os técnicos dos três ministérios, nesses dias, cruzam os números referentes a despesas e receitas para revisarem suas estimativas.

Assim, a discussão sobre a meta fiscal, na CMO, ficará com o Parlamento, já que o deputado petista Lindbergh Farias (RJ), protocolou duas emendas alterando a meta fiscal do próximo ano. Uma permitindo deficit primário de 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) e outra, com previsão de até 1% de saldo negativo. Ainda não estão contabilizadas as emendas já protocoladas no sistema.

economia pib

Especialistas se dividem ao analisar qual seria a melhor posição do governo: deixar a decisão com o Congresso ou assumir o controle do debate. Mas o consenso entre eles é que a meta fiscal de deficit zero, em 2024, só será cumprida se houver cortes de despesas e a esperada revisão dos gastos improdutivos e de baixo impacto na atividade econômica. Mas a piora do resultados das estatais tendem a aumentar o rombo fiscal.

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), acredita que, diante da frustração de receitas ao longo desse ano e da evidente sinalização de que o governo não poderá cortar gastos em 2024, Haddad deveria assumir a dianteira e apresentar parâmetros mais condizentes com a realidade atual. “Haddad é o ministro. Por isso, a liderança dessa discussão tem que ficar com ele. E quanto mais rápido ele resolver essa questão (do deficit), melhor será para ele e para o país”, argumentou o acadêmico.

Oreiro criticou a alteração da meta fiscal no ano que vem, quando for apresentado o relatório de receitas e despesas do primeiro bimestre de 2024. O ideal, para o especialista, seria que a equipe econômica revisse a meta agora e deixasse explícito qual o cenário econômico com o qual o governo trabalha. “O compromisso do Haddad não pode ser com o erro. Se ele errou em abril, com previsões otimistas e metas ambiciosas, pode rever agora. Porque credibilidade não é anunciar metas ambiciosas, mas é anunciar metas factíveis”, disse.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, opinou que o melhor caminho seria não mexer na meta de maneira alguma. “A meta, para que a credibilidade do governo e o arcabouço fiscal não sejam maculados, tem de ser mantida”, pondera. “Mesmo que não se atinja a meta zero, é preciso buscá-la, para que as medidas já tomadas e as que tramitam no Congresso tenham força. Se a meta for rompida, deve-se fazer valer o próprio conjunto de mecanismos previstos na Lei Complementar 200/2023”, completou, referindo-se à Lei que criou o novo regime fiscal para o país, batizado de arcabouço fiscal, que prevê penalidades como a suspensão de gastos ou contratações, caso o governo não cumpra o resultado fiscal estabelecido pela LDO.

Contingenciamento no radar

Tudo indica que cresce a possibilidade de “contingenciamento” de despesas para fazer cumprir o arcabouço fiscal logo no início do próximo ano, na avaliação de Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá aguardar o ministro da Fazenda até março, quando sai o relatório fiscal de despesas e receitas bimestrais”, apostou o analista, que prevê rombo fiscal de 1,5% do PIB em 2024.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, fez alerta sobre a arrecadação, que não deverá aumentar com a economia desacelerando, pois o PIB crescerá menos no ano que vem do que neste ano, em torno de 2%, pelas estimativas da MB. Ele contou que manteve, por enquanto, a previsão de deficit primário para 2024 em 0,7% do PIB, com viés de alta diante da perspectiva de aumento da meta fiscal antes mesmo de ela ter sido aprovada. “Isso é piso. O rombo fiscal deverá ser maior, de fato. Está caminhando para ficar acima de 1% do PIB, como será neste ano. A hora que o governo chancela um número elevado, vai ser difícil conseguir entregar menos em ano eleitoral”, explicou.

Minhas impressões sobre o livro “O Ultimo Exorcista” de autoria do Padre Gabriele Amorth

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Recentemente vi o filme “O Exorcista do Papa” na Netflix (https://www.primevideo.com/-/pt/detail/O-Exorcista-do-Papa/0K0TH02HMDXPVM8NQHWG407TQT) com  Russell Crowe interpretando o papel do Padre Gabriele Amorth, exorcista do Vaticano desde 1986 até sua morte em 2016. O filme me levou a comprar o livro “O último exorcista: minha batalha contra Satanás” de autoria do próprio padre Gabriele.

Como católico praticante e razoavelmente instruído na Doutrina da Igreja sei que o mal existe e que é um mistério que a razão humana não é capaz de compreender. A Igreja chama de “misterium iniquitatis”, o mistério da iniquidade e atribui a um anjo caído – Lucífer – a origem do mal na criação a qual, por sair das mãos de Deus, é boa. Mas também sou um cientista – ainda que de uma soft science, a economia – e como tal só posso levar a realmente a sério as hipóteses cuja falsidade podem ser comprovadas por métodos empíricos. Digo isto para que fique claro que, ao contrário do afirmado recentemente por um cientista político razoavelmente famoso como controverso, não sou um “coroinha” ou “rato de sacristia”, na expressão do ex-governador Leonel Brizola. Nunca presenciei nada que não pudesse ser explicado por intermédio da razão e nem tenho o desejo ou a curiosidade de presenciar pois como fiel leigo não tenho poder de exorcizar o mal, como tem os sacerdotes da Igreja Católica Apostólica Romana quando tem a expressa permissão dos seus bispos diocesanos.

Isso posto, vamos ao livro. O primeiro ponto que me chamou atenção foi a figura do padre Gabriele. Apesar de sentir a vocação para o sacerdócio desde a infância, levou uma vida, por assim dizer, normal para o seu tempo. Lutou contra os nazistas na segunda guerra mundial, tendo sido condecorado por coragem em campo de batalha; concluiu os estudos superiores na área de direito e teve uma breve carreira política no Partido Democrata Cristão da Itália. Sua opção pelo sacerdócio ao invés do matrimonio não foi, nas suas palavras, uma opção teórica pois teve suas “aventuras” com mulheres. Em suma, Padre Gabriele tem claramente o perfil de uma pessoa equilibrada e bem resolvida com suas opções de vida e, por assim dizer, bem pé no chão, não afeito a crendices ou trejeitos de quem escolhe o sacerdócio para fugir do mundo e esconder sua orientação sexual.

O segundo ponto que me chamou a atenção é que ele não escolheu ser exorcista, ele simplesmente obedeceu uma ordem do vigário de Roma, Cardeal Ugo Poletti, que estava a procura de um ajudante para o exorcista oficial da diocese de Roma, o Padre Cândido Amantini. Isso ocorreu em 1986, quando Padre Gabriele tinha 61 anos.

Um terceiro ponto é que, salvo algumas situações extraordinárias, os rituais de exorcismo realizados por Padre Gabriele não tinham nada de espetacular como estamos acostumados a ver nos filmes sobre exorcistas. É verdade que os possuídos se debatem, xingam, espumam e uivam, mas todos esses fenômenos podem ser reflexos de algum distúrbio psíquico. Então como é possível diferenciar uma enfermidade psiquiátrica de uma possessão diabólica? Padre Gabriele afirma no seu livro que a única maneira é iniciar o rito do exorcismo. Se o, por assim dizer, paciente, tiver apenas uma doença psiquiátrica então o exorcismo não terá nenhum efeito sobre o paciente e este deverá ser encaminhado a um médico psiquiátrico que poderá cuidar do caso com os métodos científicos adequados. A imensa maioria dos exorcismos realizados pelo padre Gabriele serve apenas como triagem para uma consulta psiquiátrica. Mas existem casos, alguns mas não poucos, em que o paciente chegava ao padre Gabriele depois de ter passado por tratamento psiquiátrico o qual, ao invés de surtir um efeito positivo sobre a sanidade do paciente, apenas piorava os sintomas. Quando a ciência não é capaz de dar conta é porque a causa não é natural, mas espiritual. O remédio a ser administrado serão sessões semanais de exorcismo que poderão durar meses ou anos até a libertação final do paciente. Não existe uma fórmula mágica para expulsar os demônios, trata-se de uma longa batalha contra os espíritos do mal, e nem sempre o exorcista vence.

Um quarto ponto, muito interessante, é que padre Gabriele, tal como no filme “O Exorcista do Papa”, entende que a Igreja Católica cometeu um erro grave com a Santa Inquisição. Na sua visão a maioria das mulheres queimadas como bruxas na fogueira da inquisição eram apenas almas atormentadas pelos demônios, as quais, portanto, deveriam ser tratadas pela Igreja por intermédio de exorcismos, ao invés de serem queimadas na fogueira. Eu nunca tinha visto um padre católico expressar em público uma opinião tão forte e ao mesmo tempo tão sensata sobre o período sombrio da história da Igreja que foi dominado pelo Santo Ofício.

Por fim, Padre Gabriele afirma que satanás se infiltrou dentro da Igreja por intermédio dos padres que praticam a pedofilia contra as crianças, as quais eles deveriam ensinar o amor a Deus e proteger das ciladas do demônio. Essa parece ser a estratégia do diabo para destruir a Igreja, tirar a confiança dos fiéis nos sacerdotes e assim impedir que a graça de Deus, dispensada por intermédio dos sacramentos, principalmente a confissão e a eucaristia possam chegar as novas gerações de Cristãos. Essa ignominia está afastando um número cada vez maior de pessoas da Igreja de Cristo, criando uma verdadeira quinta coluna dentro da barca de Pedro. Cabe ao Papa e aos bispos de todo o mundo purgar a podridão do sacerdócio antes que seja tarde demais.

Por fim, deve-se ressaltar que o maior remédio contra o demônio é uma fé provada com obras na palavra de Cristo e uma devoção forte a sua mãe, Maria Santíssima. Segundo o Padre Gabriele nada humilha mais os demônios do que ser expulsos pela intercessão de uma criatura.

A dívida pública brasileira é motivo de preocupação? | José Luís Oreiro | De Olho no Câmbio 28

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Numa semana atribulada depois da fala do Presidente Lula sobre cumprimento da meta fiscal e da entrevista coletiva do ministro da Fazenda Fernando Haddad sobre o mesmo assunto, a dívida pública brasileira é tema do De Olho no Câmbio. Nosso convidado é José Luís Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele analisa o atual grau de endividamento brasileiro e seus efeitos práticos sobre a economia e, em especial, sobre a cotação do dólar.

Link da entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=cvGz96kH_kE&t=394s

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Economia: O Calcanhar de Aquiles do Projeto Autoritário de Bolsonaro (Capítulo publicado no livro “100 Vozes pela Democracia”)

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José Luis Oreiro*

Qualquer pessoa sensata, nessa altura dos acontecimentos, sabe que Jair Bolsonaro não só não tem nenhum compromisso com a democracia, como deseja se instalar no Palácio do Planalto de maneira definitiva, como um caudilho aclamado pelas hostes que o apoiam, ainda que elas não representem a maioria do eleitorado brasileiro. A questão em aberto é saber como e em que condições Bolsonaro poderia se tornar um caudilho sem um golpe de Estado clássico por intermédio da intervenção direta das forças armadas contra o Estado Democrático de Direito. Uma repetição do golpe de 1964 não parece estar a disposição de Bolsonaro em função da antipatia dos governos dos Estados Unidos e da França (país com o qual o Brasil tem fronteira terrestre via Guiana Francesa) ao mandatário brasileiro e também, mas não menos importante, a existência de uma parcela significativa de oficiais legalistas no Alto Comando das Forças Armadas Brasileiras.

O projeto autoritário de Bolsonaro tem contra si dois obstáculos significativos. O primeiro é a inaptidão revelada de Bolsonaro para governar. Ao longo dos mais de três anos de mandato de Bolsonaro não só não se viu nenhuma iniciativa prepositiva por parte do seu governo que tenha sido bem-sucedida – a reforma da previdência só foi aprovada devido ao empenho pessoal do então presidente da câmara dos deputados, Rodrigo Maia, quem também foi o responsável pela aprovação do Auxílio Emergencial durante a pandemia do Covid 19 – como também foram vários os momentos nos quais o Chefe do Poder executivo atuou ativamente para a instabilizar seu próprio governo, participando de atos políticos contra os poderes constituídos, falando impropérios em público, faltando assim com o decoro exigido pelo mais alto cargo da República, e externando publicamente sua falta de paciência com os deveres exigidos a qualquer pessoa que se disponha a servir ao país como Presidente da República. A visão que Bolsonaro passa para o público é de ser um homem mais interessado em aparecer para os seus simpatizantes em eventos pouco ortodoxos, do que alguém que está disposto a “arregaçar as mangas da camisa” e trabalhar duro pelo bem do Brasil.

O segundo obstáculo é dado pela situação atual da economia brasileira. O assim chamado índice de Miséria Econômica, calculado a partir da soma das taxas de inflação e desemprego, encontra-se desde março de 2021 acima do pico observado em agosto de 2016, mês no qual Dilma Rouseff foi definitivamente afastada do cargo de Presidente da República (Ver Figura 1 Abaixo), na série histórica que tem origem em março de 2012.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Em outubro de 2014, quando Dilma Rouseff foi reeleita para o cargo de Presidente da República, o índice de miséria Brasil encontrava-se em 12,71, muito abaixo dos valores acima de 20 registrados no início de 2022. Importante também observar que o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rouseff foi antecedido por um período de crescimento contínuo do índice de miséria, o qual alcançou o nível de 18,42 em dezembro de 2015 (um aumento de quase 50% no índice de miséria em pouco mais de um ano), mês no qual o então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou um dos pedidos de impeachment da Presidente da República. Sem esse aumento do índice de miséria seria extremamente improvável, para não dizer impossível, que fosse criado no Brasil o clima político para o impeachment.

Apesar do índice de miséria estar atualmente muito acima dos níveis observados nos meses que antecederam o impeachment de Dilma Rouseff, as pesquisas de opinião tem mostrado não só uma notável resiliência da popularidade de Bolsonaro, como ainda a consolidação de uma intenção de voto que flutua em torno de 30% do eleitorado! Como economista tenho que admitir que essa resiliência de Bolsonaro me intriga. O PIB brasileiro no final de 2021 se encontrava abaixo do nível observado no final de 2013, perfazendo assim quase uma década de estagnação econômica. O padrão de vida da população brasileira, medido pelo PIB per-capita em US$, encontra-se abaixo do valor de 2009, um recuo de quase 15 anos! No entanto, 30% dos eleitores brasileiros não só estão contentes com o governo Bolsonaro, como ainda estão dispostos a lhe dar um novo mandato.

A explicação simplista para esse paradoxo por parte dos assim chamados setores progressistas da sociedade brasileira é de que o Brasil tem 30% de fascistas na sua população, por isso a popularidade de Bolsonaro não cai. Embora eu não duvide da existência de um percentual expressivo de “fascistas” no eleitorado brasileiro, essa explicação não me convence. Isso porque em 2018 Bolsonaro foi bem-sucedido em desviar o foco da discussão política da situação econômica brasileira, marcada por desemprego elevado e miséria crescente, para a “agenda de costumes”. Nesse contexto, Bolsonaro se apresentou como o “mito” que iria salvar o Brasil do (sic) “comunismo” e da degradação moral perpetrada pela “esquerda” contra a família e contra os valores Cristãos do povo Brasileiro.

Lembro de uma conversa que tive em Berlim em outubro de 2019 com meu colega espanhol Jesus Ferreiro, professor da Universidade do País Basco (Espanha), durante um encontro internacional no qual ambos participamos. A conversa fluiu em torno da comparação de Bolsonaro com o Generalíssimo Francisco Franco. A ditadura de Franco durou quase 40 anos na Espanha. O lema de seu governo era “Por Dios y por la Patria”, algo similar ao “Deus acima de tudo e Brasil acima de todos” de Bolsonaro. Mas a comparação entre as duas figuras resultava patética: enquanto Francisco Franco era um militar de carreira, com um currículo invejável de vitórias em campo de batalha, tendo chegado ao posto de General com 33 anos, vencido duas guerras (a Guerra Colonial no Marrocos Espanhol e Guerra Civil Espanhola), ser uma pessoa de poucas palavras e extremamente educado, com um único casamento e católico praticante até a sua morte; Bolsonaro era um militar indisciplinado, reformado do exército por insubordinação quando ainda era tenente, casado três vezes, com filhos fora do casamento, e ainda por cima apóstata, pois recebeu um segundo batismo fora da Igreja Católica. Esse, por assim dizer, currículo torna Bolsonaro a pessoa menos indicada para liderar uma “Revolução Conservadora”. Mas o povo brasileiro enxergou Bolsonaro mais indicado para salvar o Brasil da “degradação moral” do que o “careta” Fernando Haddad.

Bolsonaro é um enigma e é necessário decifrá-lo para que não nos devore. Minha intuição é de que é fundamental abrir os olhos dos eleitores brasileiros para a grave situação econômica do Brasil, que Bolsonaro não só não fez nada para amenizar como ainda tomou e toma atitudes que agravam a mesma por acentuar o isolamento diplomático do Brasil no mundo. O Presidente Franklin Roosevelt certa vez disse que nunca se deve jogar no campo escolhido pelo adversário. Bolsonaro escolheu jogar no campo dos “costumes”, muito embora não seja pessoalmente qualificado para isso. Nós que defendemos a democracia precisamos jogar no campo da economia e atrair Bolsonaro para jogar nesse campo. Se assim o fizermos, com a Graça de Deus, iremos expulsar os “bárbaros” de Roma nas eleições de 2022.


José Luis Oreiro é Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB, Brasil) e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (UPV/Bilbao, Espanha), Pesquisador Nível I do CNPq, Membro da Post Keynesian Economics Society (Reino Unido) e da European Association for Evolutionary Political Economy, Líder e  membro do Grupo de pesquisa macroeconomia estruturalista do desenvolvimento cadastrado no diretório dos grupos de pesquisa no CNPq e certificado pela Universidade de Brasília.

Desocupação menor que 2 dígitos não significa mercado de trabalho aquecido, diz Oreiro (Hora do Povo, 14/10/2023)

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Por Hora do Povo  Publicado em 14 de outubro de 2023

Economista José Luis Oreiro. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Link: https://horadopovo.com.br/desocupacao-menor-que-2-digitos-nao-significa-mercado-de-trabalho-aquecido-diz-oreiro/

Segundo o economista, “para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic”

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), analisa neste artigo o mercado de trabalho no Brasil e alerta que “uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido”.

“Isso porque, segundo ele, “em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego”.

Oreiro afirma o Brasil ainda possui um grande contingente de mão-de-obra se o ritmo de crescimento econômico for mantido, “para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic”.

O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL: ESTAMOS PRÓXIMOS DO PLENO-EMPREGO?

JOSÉ LUIS OREIRO

Recentemente foi divulgada nova pesquisa da PNAD contínua mostrando que a taxa de desocupação no Brasil chegou a 7,8% da força de trabalho, o menor número verificado na série desde fevereiro de 2015, no início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff. Considerando que entre fevereiro de 2016 a abril de 2022, ou seja, por um período superior a 6 anos, a taxa de desocupação ficou acima dos 10% da força de trabalho, trata-se sem sombra de dúvida de um bom resultado.

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No entanto, devemos ter uma certa cautela na interpretação desse resultado. Uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido. Isso porque, em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego. No primeiro caso, postos de trabalho estarão sendo criados porque as empresas estarão produzindo e vendendo mais bens e serviços de forma que irão necessitar de mais trabalhadores. No segundo caso, a redução do desemprego terá sido o resultado de pessoas que simplesmente desistiram de procurar emprego e se retiraram da força de trabalho. Nesse caso, temos um aumento dos trabalhadores desalentados, os quais não aparecem nas estatísticas oficiais de desocupação.

A figura 1 abaixo apresenta a média móvel em 12 meses da taxa de desocupação e da taxa de participação na força de trabalho no período compreendido entre dezembro de 2012 e agosto de 2023.

Após atingir um pico de 63,67% em janeiro de 2020, a taxa de participação declina para o valor mínimo da série de 58,43% em fevereiro de 2021, devido as medidas de distanciamento social combinadas com o auxílio emergencial no contexto da pandemia do covid-19. O avanço da vacinação contra a Covid-19 ao longo de todo o ano de 2021 e no primeiro semestre de 2022 permitiu o gradual relaxamento das medidas de distanciamento social com a reabertura do setor de serviços, o que permitiu um aumento da média móvel da taxa de participação para 62,48% da força de trabalho em dezembro de 2022. No mesmo período a taxa de desocupação caiu de 14,28% da força de trabalho (fevereiro de 2021) para 9,17% da força de trabalho em dezembro de 2022. A redução do desemprego foi, portanto, acompanhada por um aumento da taxa de participação, o que mostra que foram gerados postos de trabalho em volume mais do que suficiente para absorver os trabalhadores que haviam saído da força de trabalho durante o período da pandemia.

O que soa estranho, contudo, é que após ter atingido um pico em dezembro de 2022, num patamar inferior ao verificado no período pré-pandemia, a média móvel da taxa de participação começa novamente a cair, atingindo um nível de 61,77% em agosto de 2023, um valor 1,9 p.p mais baixo do que o verificado em janeiro de 2020 e 0,71 p.p mais baixo do que em dezembro de 2022. Entre dezembro de 2022 e agosto de 2023 a média móvel da taxa de desocupação cai de 9,17 % da força de trabalho para 8,23%, ou seja, uma redução de 0,94 p.p. Dessa forma, 75,5% da redução da taxa de desocupação observado nesse período se deu pelo movimento de saída de pessoas da força de trabalho, e menos de 25% se deveu a criação de novos empregos.

Esses dados nos mostram que o mercado de trabalho não está tão aquecido como se poderia vislumbrar a primeira vista. Se a taxa de participação voltasse instantaneamente ao nível verificado pré-pandemia, a taxa de desocupação estaria próxima de 10% da força de trabalho, número similar a média da taxa de desocupação verificada entre março de 2012 e agosto de 2023. Daqui se segue que o Brasil ainda possui uma grande contingente de mão-de-obra desocupada que só poderá ser empregada no setor moderno da economia brasileira (empregos com carteira de trabalho) se o ritmo de crescimento econômico for mantido em torno de 3 a 3,5% ao ano nos próximos anos.

Para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic, uma vez que em 2024 (i) dificilmente poderemos contar com um aumento significativo da produção de grãos, tal como ocorrido em 2023, devido ao fenômeno climático do El niño e (ii) a implantação do Novo Arcabouço Fiscal deverá produzir uma política fiscal neutra do ponto de vista da demanda agregada, ou seja, uma situação em que o impulso fiscal será, na melhor cenário igual a zero, quando não negativo.

Reproduzido do blog do autor: https://jlcoreiro.wordpress.com/

Claudia Goldin recebe Nobel por estudos sobre desigualdade de gênero no trabalho (Correio Braziliense, 10/10/2023)

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Professora da Universidade Harvard, de 77 anos, analisou mais de 200 anos de dados e se tornou referência no assunto. Premiação é exaltada por economistas mulheres, mas não entre homens

Rosana Hessel +

postado em 10/10/2023 04:30

Economista foi a terceira mulher a receber a premiação, mas a primeira a ser laureada sozinha – (crédito: Carlin Stiehl/Getty Images via AFP)

A economista norte-americana Claudia Goldin, 77 anos, professora da Universidade Harvard, foi nomeada pelo Banco Central da Suécia para o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas de 2023. Goldin é a terceira mulher a receber a premiação, que existe desde 1968, mas é a primeira a ser laureada sozinha. Ela recebeu a indicação pela pesquisa “que nos permitiu avançar sobre os papéis históricos e contemporâneos das mulheres no mercado de trabalho”, segundo a Academia Sueca, responsável pelo Nobel.

“Ao longo do último século, a proporção de mulheres com trabalho remunerado triplicou em muitos países de rendimento elevado. Esta é uma das maiores mudanças sociais e económicas no mercado de trabalho dos tempos modernos, mas permanecem diferenças significativas entre homens e mulheres. Foi pela primeira vez na década de 1980 que um pesquisador adotou uma abordagem abrangente para explicar a origem dessas diferenças”, destacou o comunicado da Academia, sediada em Estocolmo.

“É um prêmio muito importante, não só para mim, mas para muitas pessoas que trabalham com este tema e que tentam compreender por que essas desigualdades tão grandes permanecem”, apesar das “grandes evoluções”, declarou Goldin, em uma entrevista por telefone com a AFP. A nova vencedora explicou, em coletiva de imprensa organizada pela Universidade de Harvard, que trabalhou arduamente para mudar a representação das mulheres na economia. Ela disse estar “pessoalmente preocupada” com a reversão do direito ao aborto nos Estados Unidos, mas afirmou à AFP que evita misturar política com o trabalho.

Até então, apenas duas mulheres haviam conquistado o Nobel de Economia: a americana Elinor Ostrom (2009) e a franco-americana Esther Duflo (2019). Após a divulgação do resultado, nesta segunda-feira (9/10), mulheres economistas comemoram a indicação, que não foi muito bem recebida entre os homens.

“A Claudia Goldin é pioneira no estudo do papel das mulheres no mercado de trabalho. Ela é referência para qualquer análise sobre o hiato salarial entre homens e mulheres nas mais variadas profissões. Em termos de políticas públicas, ela defende o papel do governo como provedor de child care (creches) — falta que atinge, sobretudo, mulheres negras e latinas aqui nos Estados Unidos”, destacou a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), renomado think tank de Washington. Ela lembrou que Goldin “é autora ou coautora de todos os estudos de referência e tem uma importância enorme que os homens não reconhecem”.

Silêncio sepulcral

Segundo Monica de Bolle, no PIIE, houve um silêncio sepulcral entre os demais economistas do sexo oposto, que ficaram extasiados, no ano passado, quando o economista Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), e outros e outros dois norte-americanos, Douglas Diamond e Philip Dybvig, ganharam o Nobel de Economia por suas pesquisas sobre bancos e crises financeiras.

Para a economista brasileira, esse prêmio solo de Goldin é “extremamente importante”, porque essa profissão é muito “ingrata com as mulheres”. “É um campo minado onde predominam homens e brancos e isso fica evidente até mesmo no PIIE, onde praticamente não houve manifestações como no ano passado”, destacou. “Essa é a primeira vez que uma mulher ganha um Nobel sozinha. As outras duas ganharam com outros homens. A economia é um campo minado onde predominam os homens e os homens brancos”, frisou.

Referência no assunto

A economista Janaína Feijó, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destacou a importância da premiação de Claudia Goldin. “Ela é uma referência nos estudos sobre desigualdade de gênero no mercado de trabalho ao longo dos séculos e foi por meio dos estudos dela que houve uma maior disseminação do assunto, que é mais latente atualmente”, afirmou a estudiosa sobre o assunto que a economista norte-americana se especializou.

“A verdade é que quem não pesquisa nessa área de desigualdade de gênero não conhece o trabalho da Goldin, porque existem poucas mulheres que seguem a carreira acadêmica. Ela tem um trabalho muito relevante e essa premiação é um marco não só para os Estados Unidos, porque ela atualizou bases de estudos que eram subestimadas e fez uma correção nas metodologias antes utilizadas”, destacou Feijó.

“Hoje todas as mulheres economistas estão felizes com essa premiação, pois uma das contribuições de Goldin é a análise que ela fez sobre o efeito da pílula anticoncepcional para as mulheres, que permitiu a postergação da maternidade e gerou um quadro menos desigual no mercado de trabalho entre homens e mulheres”, ressaltou.

Pílula anticoncepcional

“Embora a pílula tenha sido muito importante, Claudia Goldin continuou procurando as razões da persistência das desigualdades no mercado de trabalho entre homens e mulheres e mostrou que, mesmo com experiência e nível de conhecimento idênticos, as diferenças salariais aumentam entre homens e mulheres após a maternidade. A disparidade cresceu muito, porque a mulher acaba tendo que equilibrar o trabalho com a família, enquanto para os homens, isso não muda após a paternidade”, explicou.

Monica de Bolle lembrou ainda que, entre os cotados para o Nobel estavam os economistas Daron Acemoglu, e Olivier Blanchard, ambos professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Acemoglu, de natureza turco-americana, foi coautor do best seller Por que as nações fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza, de 2012. O francês Blanchard, foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2008 a 2015 e é um dos economistas que estão desenhando a reforma fiscal da União Europeia.

Escolha surpreendeu

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), reconheceu que foi uma surpresa a escolha de Claudia Goldin para o Prêmio Nobel de Economia. “Imagino que a escolha representa duas coisas. Em primeiro lugar, há uma preocupação da Academia com questões que sejam mais palatáveis para as pessoas comuns. Então, ela está tratando do problema que é o da discriminação de gênero, que é bastante debatido nas sociedades ocidentais e também aqui no Brasil. E, depois, eu também acho que há uma crise na ciência econômica, que se originou em 2008, com a crise financeira internacional e com a incapacidade da teoria convencional, do mainstream, de explicar o fenômeno. E, aí, eles estão privilegiando mais esses trabalhos que são mais aplicados e que você não tem tanta divergência do ponto de vista teórico, porque, basicamente, são trabalhos aplicados e empíricos”, afirmou o economista.

Desigualdade

Em escala mundial, cerca de 50% das mulheres participam do mercado de trabalho, contra 80%, no caso dos homens. Elas ganham menos “e têm menos opções de chegar ao topo da carreira”, de acordo com Randi Hjalmarsson, membro do comitê do Nobel. “Claudia Goldin foi buscar nos arquivos e coletou mais de 200 anos de dados relativos aos Estados Unidos, o que lhe permitiu mostrar como e por que as diferenças de renda e na taxa de emprego entre homens e mulheres evoluíram com o tempo”, afirmou Hjalmarsson.

O Mercado de Trabalho no Brasil : Estamos próximos do pleno-emprego?

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Recentemente foi divulgada nova pesquisa da PNAD contínua mostrando que a taxa de desocupação no Brasil chegou a 7,8% da força de trabalho, o menor número verificado na série desde fevereiro de 2015, no início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff. Considerando que entre fevereiro de 2016 a abril de 2022, ou seja, por um período superior a 6 anos, a taxa de desocupação ficou acima dos 10% da força de trabalho, trata-se sem sombra de dúvida de um bom resultado.

No entanto, devemos ter uma certa cautela na interpretação desse resultado. Uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido. Isso porque, em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego. No primeiro caso, postos de trabalho estarão sendo criados porque as empresas estarão produzindo e vendendo mais bens e serviços de forma que irão necessitar de mais trabalhadores. No segundo caso, a redução do desemprego terá sido o resultado de pessoas que simplesmente desistiram de procurar emprego e se retiraram da força de trabalho. Nesse caso, temos um aumento dos trabalhadores desalentados, os quais não aparecem nas estatísticas oficiais de desocupação.

A figura 1 abaixo apresenta a média móvel em 12 meses da taxa de desocupação e da taxa de participação na força de trabalho no período compreendido entre dezembro de 2012 e agosto de 2023.

Após atingir um pico de 63,67% em janeiro de 2020, a taxa de participação declina para o valor mínimo da série de 58,43% em fevereiro de 2021, devido as medidas de distanciamento social combinadas com o auxílio emergencial no contexto da pandemia do covid-19. O avanço da vacinação contra a Covid-19 ao longo de todo o ano de 2021 e no primeiro semestre de 2022 permitiu o gradual relaxamento das medidas de distanciamento social com a reabertura do setor de serviços, o que permitiu um aumento da média móvel da taxa de participação para 62,48% da força de trabalho em dezembro de 2022. No mesmo período a taxa de desocupação caiu de 14,28% da força de trabalho (fevereiro de 2021) para 9,17% da força de trabalho em dezembro de 2022. A redução do desemprego foi, portanto, acompanhada por um aumento da taxa de participação, o que mostra que foram gerados postos de trabalho em volume mais do que suficiente para absorver os trabalhadores que haviam saído da força de trabalho durante o período da pandemia.

O que soa estranho, contudo, é que após ter atingido um pico em dezembro de 2022, num patamar inferior ao verificado no período pré-pandemia, a média móvel da taxa de participação começa novamente a cair, atingindo um nível de 61,77% em agosto de 2023, um valor 1,9 p.p mais baixo do que o verificado em janeiro de 2020 e 0,71 p.p mais baixo do que em dezembro de 2022. Entre dezembro de 2022 e agosto de 2023 a média móvel da taxa de desocupação cai de 9,17 % da força de trabalho para 8,23%, ou seja, uma redução de 0,94 p.p. Dessa forma, 75,5% da redução da taxa de desocupação observado nesse período se deu pelo movimento de saída de pessoas da força de trabalho, e menos de 25% se deveu a criação de novos empregos.

Esses dados nos mostram que o mercado de trabalho não está tão aquecido como se poderia vislumbrar a primeira vista. Se a taxa de participação voltasse instantaneamente ao nível verificado pré-pandemia, a taxa de desocupação estaria próxima de 10% da força de trabalho, número similar a média da taxa de desocupação verificada entre março de 2012 e agosto de 2023. Daqui se segue que o Brasil ainda possui uma grande contingente de mão-de-obra desocupada que só poderá ser empregada no setor moderno da economia brasileira (empregos com carteira de trabalho) se o ritmo de crescimento econômico for mantido em torno de 3 a 3,5% ao ano nos próximos anos.

Para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic, uma vez que em 2024 (i) dificilmente poderemos contar com um aumento significativo da produção de grãos, tal como ocorrido em 2023, devido ao fenômeno climático do El niño e (ii) a implantação do Novo Arcabouço Fiscal deverá produzir uma política fiscal neutra do ponto de vista da demanda agregada, ou seja, uma situação em que o impulso fiscal será, na melhor cenário igual a zero, quando não negativo.

É verdade que o Nordeste vive as custas do Sul-Sudeste? Uma análise dos desequilíbrios comerciais entre as regiões do Brasil

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José Luis Oreiro (*)

No início de agosto de 2023 o Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, numa polêmica entrevista para o jornal O Estado de São Paulo afirmou que “[o Brasil funciona como um] “produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”, [referindo-se aos estados nordestinos] (Ver https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2023/08/09/zema-nao-se-desculpa-por-fala-contra-o-nordeste-e-diz-que-tem-gente-fazendo-intriga.ghtml).

Muito provavelmente o governador de Minas Gerais deveria estar se referindo aos repasses que o governo federal faz para os estados e municípios brasileiros como, por exemplo, os repasses do FPEM (Fundo de Participação de Estados e Municípios), Fundeb, Funcef, ITR, Cide-Combustíveis, entre outros, os quais são majoritariamente apropriados pelos estados e municípios da Região Nordeste conforme podemos visualizar na Tabela Abaixo.

Fonte: Ministério da Fazenda. Dados coletados por Kérssia Kamenach. Elaboração do autor.

Na figura acima fica claro que a região nordeste recebeu, no período 2017-2021, uma média de R$ 41 bilhões (aproximadamente 8 bilhões de Euros) a mais de repasses da União do que a Região Sudeste, que concentra a maior parte da população do país, e R$ 8 bilhões a mais do que a Região Sul. Dessa forma, o governo federal estaria (sic) cuidando melhor das vaquinhas que dão pouco leite (o nordeste) comparativamente as vaquinhas que dão muito leite (o sudeste e o sul) [ ver https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2023/08/09/zema-nao-se-desculpa-por-fala-contra-o-nordeste-e-diz-que-tem-gente-fazendo-intriga.ghtml%5D

Esse tipo de afirmação, ainda que amparada em números, é falaciosa porque foca em apenas um dos lados dos repasses do governo federal, o lado da transferência de renda, sem atentar para o destino que é dado a essas transferências. Em outras palavras, o que as diferentes regiões do país fazem os repasses que obtém do governo federal? A resposta é muito simples: o dinheiro das transferências do governo federal é usado pela região nordeste para ajudar a financiar os imensos déficits comercias que a região nordeste tem com as regiões sul e sudeste, conforme podemos ver na tabela abaixo.

Fonte: Ministério da Fazenda. Dados coletados por Kérssia Kamenach. Elaboração do autor.

A figura acima apresenta o saldo de comércio inter-regional (exportações e importações entre as regiões brasileiras) para o período 2017-2021. Como podemos constatar facilmente na figura a região Nordeste apresenta déficits comerciais crescentes no período, enquanto as regiões sul e sudeste apresentam superávits comerciais crescentes. Na média do período a região nordeste teve um déficit comercial com as demais regiões do Brasil de R$ 245 bilhões por ano, tendo recebido de repasses da União uma média de R$ 126 bilhões, o suficiente para financiar apenas 51,4% do seu déficit comercial.

O que aconteceria se, seguindo a lógica do governador Romeu Zema, o governo federal reduzisse os repasses para a região Nordeste? Será que a situação econômica das regiões sul e sudeste iria melhorar porque os governos dessas duas regiões teriam mais dinheiro para “investir”?

Caso os repasses a região nordeste fossem reduzidos o resultado seria uma redução da renda líquida da população do nordeste o que levaria a uma redução dos seus gastos de consumo. Como a maior parte da indústria manufatureira – incluindo bens de consumo não duráveis, semi-duráveis e duráveis – se encontra nas regiões sul e sudeste então o resultado seria uma redução das exportações de produtos manufaturados dessas regiões para o nordeste, o que levaria a uma destruição dos empregos industriais nessas regiões. Como o emprego industrial paga salários elevados e as regiões sul e sudeste tem pouco vazamento de demanda para as demais regiões do país, o efeito multiplicador da contração das exportações para o nordeste seria bastante elevado, fazendo com que muito provavelmente a contração da renda e do emprego nas regiões sul e sudeste seja maior do que a contração da renda e do emprego do nordeste. No final do processo todas as regiões do país sairiam perdendo, mas os maiores perdedores em termos relativos seriam precisamente as regiões sul e sudeste.

A fala do governador Romeu Zema expõe de uma forma cristalina o “terraplanismo econômico” da ultra-direita brasileira. Não é de estranhar, portanto, que, dado que Jair Bolsonaro está inelegível por 8 anos, o nome de Romeu Zema seja visto como uma alternativa para a ultra-direita brasileira tentar voltar ao poder em 2026. Quanto a essa possibilidade me vem a mente a frase do Almirante Blas de Lezo ao derrotar a tentativa da Inglaterra de tomar Cartagena de Indias (Colombia) em 1741: “Vieram com a arrogância de sempre, foram derrotados pelos métodos de sempre”.

(*) O autor agradece o trabalho de Kerssia Kamenach, doutoranda em economia pela Universidade de Brasília, na tarefa de compilação da base de dados utilizada nesta publicação.

Ensaios Críticos sobre a Modern Money Theory

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Foto: João Pedro Heringer Machado

Link da dissertação de mestrado: http://joseluisoreiro.com.br/site/link/539790fa2fc923d3b6076014620ce862d2e9ccfa.pdf

Resumo: O objetivo desta dissertação é oferecer críticas a duas afirmações centrais da Modern
Money Theory (MMT). Primeiro, que a tributação é suficiente para que o setor privado aceite
usar a moeda que o Estado deseja emitir e, segundo, que um Estado que possui soberania sobre
a própria moeda não enfrenta restrições financeiras. O primeiro capítulo apresenta a MMT, com
seus elementos de influência e contribuições originais. O segundo capítulo critica a primeira
afirmação a partir da teoria monetária pós-keynesiana ao mostrar que a tese da MMT não é
suficiente quando se consideram as características de uma economia moderna que se organiza
por meio de mercados e os agentes precisam lidar com a incerteza que permeia várias decisões
importantes. Além disso, a dolarização de alguns países Latino-Americanos é apresentada como
contraexemplo a essa tese da MMT. O último capítulo demonstra que, mesmo com soberania
sobre a própria moeda, o limite para o gasto que um Estado pode realizar é dependente de qual
o tipo de relação vigente entre o Tesouro e o Banco Central, com a afirmação da MMT sendo
válida somente para o caso em que o Tesouro adquire títulos públicos diretamente em um
mercado primário.

Palavras chave: macroeconomia, economia monetária, política fiscal, economia póskeynesiana, história econômica.

Banca Examinadora

Prof. Dr. José Luis da Costa Oreiro (Universidade de Brasília e Universidade do País Basco)

Prof. Dr. Luciano Dias de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa)

Prof. Dr. Manoel Carlos de Castro Pires (Universidade de Brasília)

Data da Defesa: 13/09/2023

Horário: 15:00

Resultado: Aprovada.

Ser rico não é pecado, mas tem que pagar imposto! (Site GGN, 08/09/2023)

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por José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula

Somos o sétimo país mais desigual do mundo – atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, Rep. Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Link: https://jornalggn.com.br/politica-fiscal/ser-rico-nao-e-pecado-mas-tem-que-pagar-imposto/

Em artigo publicado na Folha em 03/09/2023, “Ser rico não é pecado”, João Camargo, Presidente do Conselho da Esfera Brasil, sustenta que a taxação dos chamados “fundos exclusivos”, que aplicam seus recursos (para clientes de alta renda) em fundos offshores localizados em geral em paraísos fiscais no exterior, não só é ineficaz como compromete a capacidade do empreendedor brasileiro, gerando menor crescimento econômico. 

O governo federal estima um montante de mais de R$ 1 trilhão aplicado nesses fundos, que praticamente não sofrem tributação, pois os rendimentos são mantidos por anos no exterior e só pagam imposto quando entram no Brasil. O projeto de lei encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional estabelece uma alíquota de 15% do IRPF para renda entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano, e 22,5% para renda superior a R$ 50 mil, a mesma alíquota máxima aplicada em aplicações financeiras de curso prazo no Brasil.

João Camargo sustenta que num mundo globalizado, a experiência mundial mostra que o rico consegue alocar seu dinheiro em lugares mais atrativos de forma quase instantânea, o que acaba resultando em queda da arrecadação e piora nos indicadores sociais, uma vez que desestimula o investimento que gera riqueza, inovação e emprego. Do ponto de vista moral não se deve penalizar o “protagonista de uma jornada de sucesso”.

O Brasil, como se sabe, é um dos países mais desiguais no mundo. Segundo relatório da PNUD/ONU de 2019, somos o sétimo país mais desigual do mundo – atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Um dos fatores que contribui para isso é a alta regressividade da estrutura tributária brasileira, uma vez que os super-ricos são aqueles que pagam relativamente menos impostos, em função de várias isenções fiscais. De fato, a maior parte da renda dos muito ricos não está sujeita ao IRPF, beneficiados pela isenção sobre lucros e dividendos distribuídos e alíquotas mais baixas de tributação exclusiva sobre rendimentos financeiros.

Portanto, nossa primeira observação ao referido artigo é que o Brasil, na comparação internacional, é um ponto fora da curva em termos da regressividade de sua estrutura tributária. Nada mais natural que o governo acabe com um privilégio injustificável, criando um “come-cotas’ sobre os fundos exclusivos tal como todos os demais fundos de investimentos no país.

Do ponto de vista moral, é imperativo que os super-ricos passem a pagar mais impostos como proporção de sua renda em relação aqueles pagos pela classe média, dando assim sua justa contribuição para o bem-estar da sociedade brasileira, tal como fazem na maioria dos países. Ser rico não é pecado, mas tem que pagar imposto!

A segunda observação é relativa à argumentação supostamente técnica do autor de que a experiência internacional mostra a ineficácia da taxação de fortunas. Aqui claramente há uma confusão em relação ao imposto sobre rendimentos dos fundos off-shore (uma variável de fluxo)  com a proposta de criação de imposto sobre grandes fortunas (uma variável de estoque). Como se diz popularmente, troca-se alhos por bugalhos!

Por fim, gostaríamos de fazer algumas considerações sobre desigualdade de renda e crescimento econômico. É conhecida a frase atribuída ao Ministro Delfim Netto (ele nega a autoria) de que “é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir”. Dessa forma, o efeito colateral de um maior dinamismo econômico seria precisamente uma maior desigualdade na distribuição de renda.

Numa amostra de 87 países para o período 1970-2008, Jayme Ros, em seu livro publicado pela Oxford University Press, “Rethinking Economic Development, Growth and Institutions”, encontrou uma relação inversa entre crescimento do PIB per-capita e o índice de Gini de concentração de renda, controlando para uma série de variáveis institucionais e geográficas. Ou seja, países com maior desigualdade na distribuição de renda são precisamente os países que crescem menos.

Dessa forma, podemos concluir que a justiça social não é apenas um imperativo moral e ético, mas também uma política sensata para estimular o crescimento econômico.


José Luís Oreiro – Professor de Economia da FACE/UnB e Coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Research Group (SDMRG).

Luiz Fernando de Paula – Professor de Economia do IE/UFRJ, Coordenador do GEEP/IESP-UERJ e Vice-Coordenador do SDMRG.

Defesa nacional terá R$ 52,8 bilhões para equipamentos e tecnologias (Agência Brasil 07/09/2023)

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Até 2026, serão alocados R$ 27,8 bi por meio do PAC

Projetos de defesa nacional e monitoramento das fronteiras vão receber R$ 52,8 bilhões nos próximos anos, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desse total, R$ 27,8 bilhões serão alocados até 2026 e outros R$ 25 bilhões depois desse período. 

Os investimentos do PAC serão direcionados a equipamentos aéreos, navais e terrestres, como aeronaves cargueiro, caças Gripen, helicópteros leves e de médio porte, construção de submarinos e navios-patrulha, viaturas blindadas, e implantação de sistemas de controle de faixa de fronteira. Segundo o Ministério da Defesa, atualmente, o setor representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e gera 2,9 milhões de empregos, diretos e indiretos.

O valor total destinado ao Eixo Defesa é considerado adequado pelo professor José Luis da Costa Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, é importante que o Brasil invista em equipamentos. “As Forças Armadas brasileiras são muito mal equipadas. Esse investimento é importante não só para a garantia da soberania territorial brasileira e profissionalização do Exército, mas também para que a gente possa desenvolver uma tecnologia na indústria da defesa, que vai gerar bons empregos”, avalia. 

Foto: José Luis Oreiro

O Exército terá R$ 12,4 bilhões para ações de pesquisa, desenvolvimento e aquisição de equipamentos. Uma das frentes é a compra de 714 viaturas blindadas sobre rodas e sobre lagartas com sistemas de armas e comunicações. Também está prevista a compra de 10 helicópteros de emprego geral e nove veículos aéreos não tripulados, além da modernização de seis helicópteros Pantera. 

Os recursos também vão servir para o desenvolvimento do Programa Estratégico Astros, que promove pesquisa, desenvolvimento e implantação de uma unidade de mísseis táticos de cruzeiro de longo alcance. 

Para a Marinha, os recursos previstos para seis projetos são de R$ 20,6 bilhões. 

Entre eles está a construção do primeiro submarino nuclear do país, previsto para estar concluído em 2029, além da construção do estaleiro e da base naval para esse submarino. Outros três submarinos convencionais de propulsão diesel-elétrica também estão previstos 

Para Oreiro, ter um submarino movido a propulsão nuclear é importante para a defesa do Brasil. “Somos um país que tem uma enorme plataforma continental e o Brasil precisa ter uma arma de capacidade de dissuasão. Essa é a grande vantagem do submarino nuclear, ele pode ficar submerso por meses a fio e isso dá um potencial de dissuasão contra ameaça de qualquer inimigo externo”, diz.  

Também está prevista a continuação das obras do Complexo Naval de Itaguaí (RJ) e a construção de 11 navios e quatro fragatas, que serão usados em ações de inspeção naval e fiscalização e para a proteção do tráfego marítimo. 

As ações para a Aeronáutica terão R$ 17,bilhões. Entre elas está a aquisição e produção de 34 aeronaves de caça multiemprego (F-39 Gripen NG), para ampliar a capacidade da FAB nas tarefas de controle aeroespacial, interdição, inteligência, reconhecimento e proteção da força. Em maio deste ano, foi inaugurada a linha de produção da aeronave Gripen na fábrica da Embraer, na cidade de Gavião Peixoto, interior de São Paulo. 

Outras nove aeronaves tipo cargueiro estão no orçamento. O objetivo é a realização de missões de transporte aéreo logístico em território nacional ou global, reabastecimento, evacuação aeromédica e combate a incêndio em voo. 

Também estão previstos no PAC R$ 2,4 bilhões para projetos do Estado-Maior, como a compra de helicópteros leves e de médio porte, que servirão para missões de treinamento, e operações em ambientes marítimos na Marinha.

Segundo o professor Oreiro, além da importância do ponto de vista do desenvolvimento econômico, o investimento na Defesa é fundamental para a soberania nacional, especialmente no momento global atual. “Em um contexto de transição geopolítica e de muita instabilidade como estamos vendo, com o acirramento da rivalidade entre China e Estados Unidos, é bom o Brasil ter o mínimo de capacidade de autodefesa, coisa que no momento não temos”. 

Edição: Maria Claudia

Ser rico não é pecado? Em algumas circunstâncias é sim, e pode ser uma fonte de ineficiência econômica.

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“Não é dos teus bens que tu dás aos pobres, é uma pequenina parcela do que lhes pertence que tu lhes restituis, porque é um bem comum dado para uso de todos que tu usurpas só para ti” (Santo Ambrósio).

Santo Ambrósio

Na edição de domingo (03/09/2023) o Sr. João Camargo, Presidente do Conselho da Esfera Brasil, assina um artigo crítico a medida provisória que prevê a taxação dos chamados “fundos exclusivos”, utilizados pelos endinheirados, para manter as suas fortunas em fundos de investimento off-shores, geralmente em paraísos fiscais, onde conseguem escapar da tributação que a maioria de nós mortais da classe média trabalhadora composta por gente honesta que paga seus impostos (a maioria silenciosa para usar as palavras do Camarada Richard Nixon) está submetida. A argumentação do artigo está dividida em duas partes. A primeira, pretensamente de caráter mais técnico, foca na ideia de que a tributação proposta em Medida Provisória pelo Presidente Lula, é ineficiente pois irá (pasmem) induzir uma fuga de capitais do Brasil para locais onde os mesmos já se encontravam antes do Presidente da República pensar em editar a Medida Provisória. A segunda, de caráter moral, é que a sociedade brasileira não pode tributar os endinheirados porque todos nós outros, sejamos pobres ou da classe média, devemos nossos empregos e nossa vida a essa classe de pessoas que é injustiçada nas narrativas promovidas pela esquerda comunista que deseja que todos os cidadãos sejam igualmente pobres. Segundo o autor os 99,9% da sociedade brasileira que não possui fundos off-shores deveria, na verdade, em sinal de agradecimento, ficar de joelhos, submissa, e dar graças a esse gente de bom coração que, ao poder desfrutar de todos os prazeres lícitos, e muitos ilícitos, da vida é que nos dá de comer a partir das migalhas que caem das suas mesas.

Esse artigo é patético e não mereceria nenhuma resposta caso não tivesse sido publicado pela Folha de São Paulo, um jornal que se diz progressista (pero no mucho). Além do mais, minha consciência católica faz com que, citando Don Miguel de Unamuno (https://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_de_Unamuno), “no quería hablar porque me conosco, pero se me ha tirado de la lengua y como aquél que calla otorga devo hacerlo“.

Foto: Don Miguel de Unamuno

Vamos começar pela parte pretensamente técnica. O autor deliberadamente e de forma claramente desonesta quer induzir o leitor ao erro ao confundir o imposto sobre os rendimentos (uma variável de fluxo) dos fundos off-shore com a proposta de criação do imposto sobre grandes fortunas (uma variável de estoque). Os argumentos que o autor apresenta ao longo da primeira parte do texto apontam para a ineficiência arrecadatória do imposto sobre grandes fortunas (coisa que eu e boa parte dos economistas profissionais de esquerda e de direita concordam) como argumento contra o imposto sobre os rendimentos dos fundos off-shore. O autor usa inclusive o (péssimo) exemplo do ator Francês Gerard Depardieu que mudou o seu domicílio fiscal para a (sic) Bélgica para pagar menos impostos. Na verdade, Gerard Depardieu mudou seu domicílio fiscal para a Rússia de Vladimir Putin (https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2014/05/gerard-depardieu-declara-renda-na-russia-para-pagar-menos-imposto.html) não para a Bélgica, para pagar um imposto de renda de 6% como autônomo. Apesar de ter mudado seu domicilio eleitoral para a Rússia, aquele paraíso de democracia e defesa dos direitos humanos, e ter se tornado cidadão russo, o ex-francês continua ganhando seu dinheiro (pasmem) na França, tendo sido protagonista da Série Marseille lançada pela Netflix em 2016. Em outras palavras, a França é um excelente lugar para se ganhar dinheiro honesto com trabalho mas na hora de dar a sua cota de contribuição para a sociedade Gerard Depardieu prefere financiar Vladimir Putin e suas aventuras no leste da Europa.

Mas retornemos ao ponto inicial: o autor de forma deliberada e desonesta faz o leitor acreditar que a Medida Provisória aprovada pelo Presidente Lula na semana passada cria o Imposto sobre Grandes Fortunas. Isso é uma mentira descabida. O que a Medida Provisória faz é criar um “come-cotas” sobre os fundos exclusivos e off-shore tal qual todos os demais fundos de investimentos – nos quais a classe média aplica suas economias para trocar de carro, fazer uma viagem para o exterior ou pagar a universidade dos filhos – pagam. Em outras palavras, a MP editada pelo Presidente da República simplesmente acaba com um PRIVILÉGIO INJUSTIFICÁVEL dos endinheirados. Eles agora serão tratados pela Receita Federal como qualquer cidadão brasileiro, sem nenhuma benesse só por serem ricos.

A segunda parte do artigo deveria ser motivo de vergonha para o autor, mas dado que o Brasil já conseguiu eleger Bolsonaro como Presidente da República esse povo perdeu todo o senso de vergonha e de ridículo. O seguinte trecho vai merecer meu comentário econômico e moral:

“O brasileiro que construiu seu patrimônio deve ser admirado como protagonista de uma história de sucesso. Ele não apenas representa um exemplo de realização, como contribui, muito concretamente, para o desenvolvimento nacional. É ele quem investe, empreende, assume riscos, inova, cria riquezas, gera empregos e paga enormes somas de tributos. Ele é a máquina que produz crescimento econômico”.

Vamos por partes. Ninguém no governo, e muito poucos fora dele, estão defendendo a expropriação dos meios de produção. Até onde eu saiba o único partido que defende a implantação do comunismo no Brasil é o PSTU. Existe um debate sim sobre taxação de grande fortunas, mas como o próprio nome diz trata-se de “grandes” fortunas, não o apartamento e/ou a casa de praia ou de campo da classe média trabalhadora. Tão pouco se está discutindo um aumento da tributação sobre os rendimentos das aplicações financeiras de quem já paga um monte de impostos. O que se discute é precisamente fazer com que os super ricos, que pagam como proporção da sua renda, muito menos imposto que a classe média trabalhadora, faça a sua justa contribuição para o bem comum da sociedade brasileira pagando impostos, como proporção da sua renda, que sejam mais altos do que os pagos pela classe média. Trata-se de pura e simples progressividade tributária, nada que ver com expropriação dos meios de produção.

Passemos agora a uma análise sociológica da classe que possui fundos de investimento off-shores. O autor do artigo quer fazer os leitores acreditarem que se trata de uma classe de empresários schumpeterianos que implantaram inovações bem sucedidas em seus negócios, ou seja, pessoas análogas ao Bill Gates e o Steve Jobs. Pois bem, quantos Bill Gates e Steve Jobs o Brasil produziu nos últimos 30 anos? Salvo melhor juízo, nenhum. Os super-ricos brasileiros são uma classe social composta por herdeiros de super-ricos, magnatas do mercado financeiro (os quais vivem as custas da mais alta taxa de juros do planeta Terra), grileiros e empresários que tem negócios não muito Republicanos com qualquer que seja o governo de plantão. Essa classe não paga imposto de renda sobre lucros distribuídos, desfruta de generosas isenções fiscais concedidas ao longo de mais de 40 anos pelos governos estaduais e federal e ainda tem tratamento tributário diferenciado ao mandar o seu dinheiro para o exterior onde será usado para financiar a aquisição de ativos em outros países que não o Brasil. Eu não vejo nada de patriótico ou meritório nesse tipo de comportamento. Pelo contrário, trata-se de um comportamento que poderíamos classificar como rapina feita sob a proteção do Estado Brasileiro.

Mas voltemos nossa atenção agora ao título do artigo “Ser rico não é pecado”. Como católico e estudioso da Doutrina Social da Igreja Católica posso afirmar que esse título é uma meia-verdade. De fato, a Igreja Católica não condena a propriedade privada, mas alerta para o princípio da destinação universal dos bens, a qual foi confirmada pela Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II (https://pt.wikipedia.org/wiki/Gaudium_et_Spes), a qual afirma que:

“Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade (8). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros (9). De resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias. Assim pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando que os homens têm obrigação de auxiliar os pobres e não apenas com os bens supérfluos (10). Aquele, porém, que se encontra em extrema necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que necessita (11). Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres – «alimenta o que padece fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o» (12) – repartam realmente e distribuam os seus bens, procurando sobretudo prover esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes permitam ajudar-se e desenvolver-se a si mesmos” (Gaudium et Spes, 69).

Nos Santos Evangelhos não faltam passagens nas quais Jesus Cristo alerta aos seus discípulos sobre o perigo das Riquezas para a salvação eterna do Homem. Uma das mais famosas é a que descorre sobre o Jovem rico. Lemos no Evangelho de São Mateus 19:16-30 que:

 Jovem Rico

16 Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?”

17 Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos”.

18 “Quais?”, perguntou ele.

Jesus respondeu: “‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, 19 honra teu pai e tua mãe’[a] e ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’[b]”.

20 Disse-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda?”

21 Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me”.

22 Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.

23 Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. 24 E lhes digo ainda: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

Em suma, ser rico pode ser pecado sim, caso a riqueza não esteja sendo usada para o bem comum da sociedade. Aqueles que, sendo ricos, procuram maneiras, ilegais ou não, de evadir da justa contribuição, por intermédio do sistema de impostos, para que o Estado seja capaz de prover os bens públicos e a assistência social necessária para aliviar a situação dos mais necessitados estão cometendo um pecado grave. Isso não tem nada que ver com o comunismo, mas é o Cristianismo na sua essência mais elementar.

Quero finalizar esse artigo fazendo algumas considerações sobre desigualdade de renda e crescimento econômico. Creio que todo(a)s conhecem a frase atribuída ao Ministro Delfim Netto (ele nega a autoria) de que “é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir”. Dessa forma, o efeito colateral do dinamismo econômico seria precisamente uma maior desigualdade na distribuição de renda. Numa amostra de 87 países para o período 1970-2008 Ros (2013, p.28) encontrou uma relação inversa entre crescimento do PIB per-capita e o índice de Gini de concentração de renda, controlando para uma série de variáveis institucionais e geográficas; ou seja, os países com maior desigualdade na distribuição de renda são precisamente os países que crescem menos, e quanto maior a desigualdade menor é a taxa de crescimento. Dessa forma, podemos concluir que a justiça social não é apenas um imperativo moral e ético, principalmente numa sociedade majoritariamente Cristã como é a sociedade Brasileira, mas também uma política sensata para estimular o crescimento econômico.

Referências

Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford

Com o fim do teto de gastos, desafio econômico do Brasil é aprovar a Reforma Tributária e retomar investimentos em programas sociais (Jornal da Ciência, 30/08/2023)

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Para especialistas, País ainda tem dificuldades em atrelar as políticas econômicas com demandas sustentáveis; reivindicações por melhor prática de juros e reestruturação de impostos também está presente na “Carta de Curitiba”, manifesto público da SBPC em defesa da Democracia

Link: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/com-o-fim-do-teto-de-gastos-desafio-economico-do-brasil-e-aprovar-a-reforma-tributaria-e-retomar-investimentos-em-programas-sociais/

Nos últimos seis anos, o Brasil viveu uma política econômica que reduziu consideravelmente os investimentos em programas sociais sob a justificativa de contenção dos gastos públicos. Essa política foi consequência da Emenda Constitucional 95, promulgada em dezembro de 2016, que estabeleceu um teto para despesas e investimentos públicos até 2036. Agora, porém, com a aprovação na última semana do novo marco fiscal, o País pôs fim a uma regra orçamentária que poderia durar por 20 anos, mas precisa agora olhar para a cobrança de impostos e priorizar um desenvolvimento mais sustentável.

“O teto de gastos foi inventado no Governo Temer com base numa alegada gastança no Governo Dilma. De fato, houve um aumento no déficit das contas públicas em 2015 e 2016, só que esse aumento foi resultado de uma violenta queda de arrecadação que o governo brasileiro teve em 2015 e 2016 devido à recessão econômica. Só que ele foi uma grande amarra do dinheiro público, que acabou maltratando as políticas assistenciais. Por exemplo, o programa Farmácia Popular, que foi praticamente foi desmontado em 2022”, explica o professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro.

Foto: José Luis Oreiro.

O especialista detalha que foram decisões constantes que enfraqueceram o desenvolvimento econômico do País. A primeira, entre 2015 e 2016, foi o corte de 35% dos investimentos públicos pelo Ministério da Fazenda. Depois, no final de 2016, foi a aprovação do teto de gastos, que proibia o aumento das despesas públicas além da inflação por duas décadas.

Esse cenário de estagnação foi perceptível pelo PIB, o Produto Interno Bruto, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos em uma determinada área geográfica. Enquanto o teto de gastos esteve em vigor, o PIB brasileiro não conseguia alcançar os patamares obtidos antes da crise de 2015.

“O PIB brasileiro só recuperou o pico obtido no segundo trimestre de 2014, no segundo trimestre de 2022, ou seja, foram oito anos de estagnação econômica. Na história mais recente do Brasil, dos últimos 40 ou 50 anos, certamente foi o pior momento da nossa economia”, afirma Oreiro.

O professor reforça que o fim do teto de gastos não significa que o Governo Federal possa agir com descontrole nas contas públicas; ao contrário, a nova regra fiscal aprovada conseguiu combinar flexibilidade com credibilidade.

“Essa proposta combina duas coisas que eu acho que são muito boas: por um lado, ela dá mais flexibilidade para o governo aumentar os gastos, o investimento em infraestrutura e os gastos com saúde, educação e assistência social, mas ela também ela dá credibilidade à política fiscal no sentido de que o governo também não pode fazer tudo o que quer, ou seja, você tem um limite para o aumento de gastos que é de 70% do aumento da receita do governo.”

Oreiro defende que, após a preocupação com o teto de gastos, o próprio passo das políticas econômicas é a aprovação da Reforma Tributária. “O que está sendo proposto agora é uma reforma dos tributos indiretos, tanto federais como estaduais e municipais. Então, você vai eliminar uma série de impostos, como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) e vai criar dois novos impostos, o Imposto sobre Bens e Serviços e a Contribuição sobre Bens e Serviços.”

O especialista defende que, além de proporcionar uma simplificação do sistema tributário brasileiro, a Reforma Tributária também proporcionará facilidades nas formas de cobrança de impostos, o que facilitará a gestão para as empresas, que devem economizar com gastos envolvendo contadores, advogados e demais profissionais administrativos e contábeis.

Diretor do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Fernando Gaiger concorda que a prioridade econômica do Governo Federal agora é a Reforma Tributária, até porque os debates sobre mudanças nas cobranças de impostos existem há, pelo menos, 30 anos.

Entretanto, o especialista questiona alguns pontos da atual proposta da Reforma, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados em julho e está em debate no Senado Federal. Para Gaiger, a questão está na redução da arrecadação de setores como saúde, educação e transporte.

“O que mais me incomoda nessa ideia de beneficiar serviços educacionais, de saúde e alguns medicamentos é que vai contra o Estado de Bem-Estar Social, que é justamente ter saúde e educação providas pelo setor público. Quando você dá subsídio no tributo indireto, você está apoiando o consumo privado. Quem é progressista não vê essa armadilha. Pensa: ‘Ah, eu estou diminuindo os preços de saúde e educação’. Não, você está mercadorizando uma oferta que nos países centrais e desenvolvidos foi desmercadorizada, valorada e, com isso, você dificulta o crescimento da saúde pública em termos proporcionais à saúde privada”, analisa.

Segundo o especialista, mesmo que a economia nacional vá bem e, com isso, cresça o investimento em saúde, a partir do momento em que se reafirma um comportamento societário de valoração do consumo privado, o serviço público sempre ficará atrás, o que é problemático em setores sociais, como saúde e educação.

“Isso existe também na nossa cultura, vide o próprio presidente Lula que começou no sindicalismo reclamando dos planos de saúde e, quando fica doente, vai para um hospital privado. Então, há uma valorização pela oferta privada, e a população é assim. Nós tivemos um crescimento real do gasto público em saúde nos governos anteriores de Lula e Dilma, mas perdemos espaço relativo na oferta, ou seja, no uso da saúde pública. Por quê? Porque a população também estava com mais grana e tem essa ideia de que o privado é melhor. Mas quem usa plano de saúde sabe que ele tem problemas também e, de vez em quando, a gente se maravilha com os serviços do SUS (Sistema Único de Saúde), né? Então, como você vai contra uma cultura privada, mas você a beneficia nos tributos?”

Governo Federal precisa analisar decisões econômicas de gestões passadas

Além da Reforma Tributária, outras questões precisam de um olhar atento do Governo Federal. Para o economista José Luis Oreiro, a Reforma Trabalhista aprovada em 2017 precisa ser revista, já que gerou algumas situações de maior precarização do trabalho. Outro ponto é a privatização da Eletrobras, realizada em 2022.

“Na verdade, foi uma privatização esdrúxula, porque o governo continua com 43% das ações, mas só tem direito a 10% dos votos. Isso não faz nenhum sentido numa economia capitalista, você ter um poder decisório que é muito menor do que a sua participação no capital da empresa.”

O segundo ponto defendido por Oreiro tem a ver com as recentes questões envolvendo o presidente Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O Governo Federal vem afirmando que mesmo com as melhorias econômicas do País neste ano, elas não estão sendo consideradas no cálculo dos juros, uma decisão que tem Campos Neto como um dos principais agentes.

“Desde 1808, quando o Brasil deixou de ser uma colônia e chegou a família real portuguesa no Rio de Janeiro, Dom João VI fundou o Banco do Brasil, que foi a nossa primeira autoridade monetária, por assim dizer. Bom, desde 1808 até Jair Bolsonaro, todos os chefes de Estado do Brasil tiveram a liberdade para nomear o presidente da autoridade monetária. O único chefe de Estado que não teve condições de fazer essa nomeação foi o Lula, agora em 2023. Então, de certa forma, a gente pode considerar a lei que deu autonomia ao Banco Central como um golpe antecipado em cima do Lula, ou seja, vamos amarrar as mãos do presidente para que não possa fazer o que ele quiser”, afirma.

Outra questão apresentada por Oreiro refere-se ao perfil do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Para o economista, Campos Neto não age com comportamentos técnicos, mas sim como uma pessoa politicamente engajada com o bolsonarismo, algo que foi provado, inclusive, com mensagens do presidente do Banco Central em grupos de WhatsApp com ex-ministros de Bolsonaro.

“Eu não tenho dúvida de que a demora na redução da taxa de juros fez parte de uma estratégia política premeditada antes das eleições para atrapalhar, por assim dizer, o desempenho econômico do governo Lula. As críticas que o presidente fez ao Banco Central se mostraram completamente acertadas, ele pautou o debate da redução de juros no Brasil e conseguiu a sua primeira vitória agora com a redução da taxa Selic em 0,5% em meio ponto percentual na última reunião de agosto no Copom (Comitê de Política Monetária)”, diz.

Como último ponto de crítica, o especialista alerta para que o Governo Federal não esqueça de atrelar o crescimento econômico ao desenvolvimento sustentável, algo que questiona nos anúncios feitos na última semana sobre o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento.

“Uma coisa que me chamou atenção no PAC foi que 62% dos investimentos são em energia, não eletricidade, são em combustíveis fósseis. O governo me parece que ainda tem uma cabeça desenvolvimentista velha. E não do novo desenvolvimentismo verde. Porque a gente precisa não só reindustrializar a economia, mas também conseguir superar os desafios da transição climática.”

Carta de Curitiba alerta para os panoramas econômicos.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou em julho a “Carta de Curitiba”, um manifesto público de defesa da democracia “e tudo que ela implica”. O documento foi votado e aprovado por unanimidade na Assembleia Geral de Sócios da SBPC, realizada durante a 75ª Reunião Anual da SBPC.

Entre diferentes temas em prol do desenvolvimento do País, a Carta alerta para o panorama econômico. “O desenvolvimento econômico é imprescindível. Para tanto, deve-se baixar a taxa de juros, que não tem comparação com nenhuma economia do planeta, e que não se justifica, dado que nossa inflação não decorre de excesso de demanda; além disso, a taxa hiper elevada que o Banco Central vem praticando acarreta despesas anuais enormes, desviando para os poucos rentistas dinheiro que poderia atender a necessidades prementes de nossa sociedade”, reivindica.

Outro ponto importante é a revisão dos impostos no Brasil. “Uma reforma tributária que alcance a renda e a propriedade, a exemplo do que se faz nos países avançados e nas principais democracias, é essencial, a fim de termos os recursos indispensáveis à promoção da vasta agenda que consolide nossa democracia”. Confira o documento completo.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência

O confisco salarial dos servidores públicos

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Hoje fui informado que no PLOA 2024 está previsto um reajuste salarial de 1% para os servidores públicos. Como a meta de inflação para 2024 definida pelo Conselho Monetário Nacional – formado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela Ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo Bolsonarista que ocupa a Presidência do Banco Central, Roberto Campos Neto – é de 3%; isso significa que o governo planeja (sic) zerar o déficit público – na verdade, o déficit primário, o qual exclui o pagamento de juros da dívida pública – por intermédio de um confisco de 2% dos salários reais dos servidores públicos federais DA UNIÃO. Os servidores dos poderes legislativo e judiciários – cujos salários são muito mais altos do que os servidores públicos da União – já tiveram reajustes aprovados para 2024 e 2025 em patamares muito superiores ao 1% proposto pelo Ministério da Gestão e Inovação na PLOA de 2024. A PLOA prevê um montante de 1,5 Bilhões de reais para o reajuste dos servidores públicos da União, num contexto em que as despesas com pagamento de juros da dívida pública para 2024 – o qual não está sujeito ao arcabouço fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda e aprovado pelo Congresso Nacional – será superior a 700 bilhões de reais. A prática de confisco dos salários dos servidores públicos da União foi inaugurada pelo Ministro da Fazenda Paulo Guedes – quem definia os servidores públicos como parasitas – e aparentemente está sendo continuada, ainda que em um grau menor – pela equipe econômica do Governo Lula, eleito pela maioria do povo brasileiro para desfazer as sandices feitas pelo “homem do Rolex”. Espero que o Presidente da República tenha o bom senso de, pelo menos, dar um reajuste salarial para os servidores públicos da União equivalente a meta de inflação para 2024. É pouco dinheiro – especialmente quando comparado com o pagamento de juros – falta só um pouco de boa vontade.

Webinário Internacional do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento

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O grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento irá realizar no dia 06 de setembro as 14:00 (horário de Brasília) o seu primeiro webinário internacional do segundo semestre de 2023. Os pesquisadores Daniel Moura e José Luis Oreiro, do programa de pós-graduação em economia da Universidade de Brasília, irão apresentar o artigo “ENVIRONMENTAL SUSTAINABILITY AND THE ECONOMIC COMPLEXITY: POLICY IMPLICATIONS FOR A NEW DEVELOPMENTALISM STRATEGY” aprovado para a 35th European Association for Evolutionary Political Economy conference, que será realizada na Universidade de Leeds, Reino Unido, no período de 13 a 15 de setembro de 2023.

O artigo será comentado pelo professor Giulio Guarini da Universidade de Tuscia (Itália) e pelo Professor Tarcísio Mariano do Instituto de Física da Universidade de Brasília.

O texto a ser apresentado pode ser obtido no link: https://www.researchgate.net/publication/373421579_ENVIRONMENTAL_SUSTAINABILITY_AND_THE_ECONOMIC_COMPLEXITY_POLICY_IMPLICATIONS_FOR_A_NEW_DEVELOPMENTALISM_STRATEGY

O webinário será transmitido ao vivo, em ingles, pelo canal do grupo de pesquisa no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=OJaOXGn1B7E.

Aqueles que desejarem fazer peguntas (ingles ou portugues). para os participantes poderão faze-lo por intermédio do chat do canal do youtube

Acelerar la inversión: así es el ambicioso proyecto de Lula en Brasil (Sputinik, 16/08/2023)

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hace 10 horas (actualizado: hace 8 horas)

Real brasileño (imagen referencial) - Sputnik Mundo, 1920, 16.08.2023

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Camila Bentancor Santana

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El Gobierno de Brasil reeditará un ambicioso programa de inversiones ya aplicado en los Gobiernos de Lula y Dilma Rousseff con la intención de generar cuatro millones de empleos. En un diálogo con Sputnik, el economista José Luis Oreiro advirtió cómo el plan puede chocar contra el déficit fiscal del país y las dificultades para recaudar.

El Gobierno de Brasil inició un nuevo Programa de Aceleración del Crecimiento (PAC) que pretende invertir más de 1,7 billones de reales (más de 340.000 millones de dólares) en todos los estados brasileños con el objetivo de aumentar las inversiones, garantizar infraestructura prioritaria para el país, mejorar la competitividad y crear empleo.

El programa, que se desarrollará en alianza tanto con el sector público como con el privado, tuvo ediciones previas en las anteriores administraciones de Lula (2003-2011) y Dilma Rousseff (2011-2016).


“Volvemos a un planeamiento de medio a largo plazo, una cosa que en Brasil se ha perdido con los Gobiernos de Michel Temer (2016-2019) y Jair Bolsonaro (2019-2023)”, aseguró en un diálogo con Sputnik el economista brasileño José Luis Oreiro.

Brasil registró una tasa de inversión de 17,7% en el primer trimestre del 2023, de acuerdo a datos del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE). Sin embargo, esta fue inferior a la observada en el mismo periodo de 2022, cuando superó el 18%.

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“Para que Brasil pueda retomar el sendero de crecimiento es necesario incrementar la inversión. Nuestra tasa de inversión está más o menos en 18% pero necesitamos crecer más”, aseguró Oreiro.

Según datos del instituto, durante el primer trimestre de 2023 el Producto Bruto Interno (PIB) de Brasil creció 1,9% en comparación con el trimestre anterior y 4% en comparación al mismo periodo de 2022. Si se consideran los cuatro trimestres previos a marzo, el PIB subió 3,3%.

Para el experto, la tasa de crecimiento del país también debería alcanzar el 4% de manera sostenida.

“El objetivo es acelerar el paso de crecimiento a cerca del 4%, de manera sostenible, que no sea simplemente un stop and go, que sea un crecimiento sostenible y también sustentable para que Brasil pueda cumplir lo acordado en París sobre la cuestión de la transición climática”, apuntó Oreiro.

¿De qué trata el programa al que apuesta el Gobierno?

La nueva edición del PAC contempla nueve ejes de inversión: transporte eficiente y sustentable; infraestructura social inclusiva; ciudades sustentables y resilientes; agua para todos; inclusión digital y conectividad; transición y seguridad energética; innovación para la industria de defensa; educación, ciencia y tecnología y salud.

El programa prevé inversiones totales por 1,7 billones de reales, de los que 1,4 billones serán invertidos antes que finalice el mandato de Lula. A partir de 2026 habrá una inversión de más de 320.000 millones de reales (64.000 millones de dólares). Del total, 371.000 millones de reales (74.000 millones dólares aproximadamente) serán recursos del Presupuesto General de la Unión.

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El propio Lula da Silva sostuvo que el país está en el “camino correcto” y que con esta iniciativa se podrá, entre otros logros, “generar más de cuatro millones de empleos” en todo Brasil”.

Para Oreiro, que también es docente de Economía en la Universidad de Brasilia, la tasa de desempleo de Brasil —que alcanza el 8% según datos del IBGE— “no es muy alta” en comparación con Europa. El problema, sin embargo, está en la calidad de esos empleos que se generan.

“El problema de los países latinoamericanos no es tanto la tasa de desempleo sino la calidad del empleo, entonces cuando miras las estadísticas de Brasil alrededor del 40% de los que están trabajando son trabajadores informales, no tienen contratos de trabajo y no tienen sus derechos laborales asegurados”, apuntó.

A su vez, agregó que “por ser trabajadores informales en general están trabajando en ocupaciones de menor productividad”. Para modificar eso y fomentar el empleo formal, Brasil necesita acelerar el crecimiento, consideró.

Sin embargo, a los ojos del economista, la aplicación del PAC puede llegar a tener dificultades frente a la nueva regla fiscal que se tramita en el Congreso con el objetivo de acabar con el déficit y generar superávit de las cuentas públicas a partir de 2025.

“No está claro cómo compatibilizar el programa de aceleración de crecimiento que ha sido propuesto por el Gobierno, en que solo el Gobierno central va a tener que invertir en los próximos cuatro años 371.000 millones de reales, que son aproximadamente unos 80.000 millones de dólares. ¿Cómo va a conciliar esto con la regla fiscal que está siendo ahora votada en el Senado?”, se cuestionó Oreiro.

La nueva regla pretende vincular el gasto a la recaudación y fija una meta para la deuda pública durante los próximos cuatro años. Por esto, el economista advirtió que el Gobierno de Brasil deberá hacer recaudaciones extraordinarias para poder cumplir con el PAC. “Para que se puedan realizar los gastos previstos tiene que haber espacio en el presupuesto del Gobierno Central”, subrayó.

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Oreiro señaló que el Ministerio de Hacienda, encabezado por Fernando Haddad, “tiene una estrategia jurídica” para conseguir esos fondos apelando a incrementar la recaudación impositiva en sectores que actualmente evaden tributos. Para el experto, no puede decirse aún si esta táctica tendrá éxito.

Otro de los puntos que el especialista indicó como una debilidad del programa fue su diseño, que contempla inversiones en el sector energético vinculado al uso de combustibles fósiles como la extracción de petróleo y gas por parte de la estatal Petrobras.

“Cuando ves la composición de las inversiones, considerando que Brasil y todo el mundo se plantea la cuestión de la transición climática, y ves que un 62% de las inversiones y energía son para combustibles fósiles, te quedas con una sensación de que aún no han captado lo que tiene que hacerse”, apuntó.

Sindicatos empresariais defendem a simplificação de impostos no País (Tribuna do Norte, 11/08/2023)

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A reforma tributária precisa simplificar o processo fiscal e não aumentar impostos. É o que afirmam especialistas em economia e interlocutores de vários segmentos do setor produtivo de comércio, bens serviços e turismo que se reúnem em Natal nesta semana para a 38ª edição do Congresso Nacional de Sindicatos Empresariais (CNSE). O evento é promovido pelo do Sindicato do Comércio Varejista do RN (Sindilojas/RN) e  Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomercio/RN) e acontece no Centro de Convenções da capital potiguar, reunindo quase 1.200 representantes sindicais e empresariais de todo o Brasil. Nesta quinta-feira (10), o CNSE contou com palestras e debates sobre temas como cenário econômico, reforma sindical e fontes de custeio de atividades, negociações coletivas e perspectivas para o RN e o País. Essa é a segunda vez que Natal é o palco do congresso, realizado uma vez por ano, nas principais capitais do comércio no País.

Nesta quinta-feira, uma das palestras teve o tema “Cenário Econômico: Perspectivas e Ameaças” com análise das perspectivas de reforma tributária, cenários de inflação e programas de estímulo ao comércio, com os economistas Guilherme Mercês, Marcelo Portugal e José Luiz Oreiro. 

Para o palestrante Guilherme Mercês, ex-secretário de Fazenda do Rio de Janeiro e atual diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o Brasil se recupera de duas situações que mexeram estruturalmente na economia: a pandemia de covid-19, com desemprego e queda de renda, e conflitos geopolíticos, que acabam afetando o País. 

“No Brasil temos perspectivas melhores por dois motivos principais: a redução da taxa de juros que começou e deve continuar. Tem o programa Desenrola para aliviar a dívida das famílias. Essa combinação dos dois vai abrir espaço para consumo e o varejo e o comércio devem sentir isso ao longo do tempo, principalmente em 2024. Temos discussões importantes como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, apesar de estar no início”, aponta. “Houve um passo importante na Câmara mas tem muito caminho pela frente. Vale lembrar que só estamos discutindo uma Emenda Constitucional, é a moldura de um quadro. Depois é que vamos discutir a pintura que são as alíquotas, formas de cobrança. Essa discussão será fundamental. Duas coisas são unânimes: precisamos de uma reforma tributária que simplifique o sistema e acabe com esse manicômio tributário que vivemos há décadas, mas todos estão de acordo que ninguém mais aguenta a carga tributária”, cita.

Na avaliação do presidente do Sindilojas/RN, Gilberto Costa os empresários no Rio Grande do Norte têm encontrado dificuldades em virtude da situação fiscal e econômica do Estado. Costa relembrou o aumento de 18% para 20% de ICMS promovido pelo Governo do Estado em 2022, alertando que o RN foi na contramão de estados vizinhos. Ele cita que uma perspectiva positiva é a reforma tributária, em discussão no Congresso, com possibilidade do comércio ser impactado positivamente.

“Viajamos e percebemos que o pior cenário é o do RN. Outros estados estão em ritmo diferente. Os nossos vizinhos estão num ritmo distinto. Nós precisamos de uma linha para desenvolvimento do Estado. Estamos parados. Entre as dificuldades estão a carga tributária: é o único Estado que aumentou 2 pontos no ICMS e os vizinhos não. Isso já é um peso”, disse. Ele afirma que a reforma tributária é algo a longo prazo. “Ainda não temos uma posição exata, mas a perspectiva é melhorar. O problema do Brasil é a quantidade de impostos e a burocracia. E essa reforma não pode aumentar imposto”, defende.

O presidente da Fecomercio/RN, Marcelo Queiroz, corrobora: “a reforma tributária, que é urgente e importante, não pode aumentar impostos. Ela precisa simplificar e, no máximo, manter o que já existe, não pode ter aumento. Nos preocupa essa incerteza de não sabermos os percentuais do IVA”. 

Inflação menor deve aliviar varejo 

Enquanto potências internacionais vivem momento marcado por alta dos juros e desaceleração econômica, o Brasil tem uma das menores inflações do mundo. De acordo com  Guilherme Mercês, esse é um sinal de que as medidas adotadas pelo Banco Central tiveram um impacto positivo e devem provocar a queda de juros nos próximos meses. Para o economista, a perspectiva é positiva principalmente para famílias e empresas que se endividaram durante a crise sanitária iniciada em 2020.

“A pandemia causou uma queda acentuada de receita e de empregos. O resultado? Famílias e empresas se endividaram muito. O endividamento das famílias saiu de 60% para quase 80%. Tivemos um aperto no orçamento familiar, que explica essa baixa no consumo, principalmente no varejo. Com a queda da taxa de juros, a gente deve ver um alívio não só para as famílias, mas também para as empresas, que ficaram devendo bilhões em dívidas tributárias federais” explicou o economista.

O saldo positivo na geração de empregos também colabora para um momento de otimismo no comércio, mas o convidado José Luis Oreiro aproveitou o espaço do debate para alertar sobre a qualidade dessa mão de obra. “De fato, a taxa de desocupação vem caindo. No primeiro trimestre o mercado de trabalho brasileiro tinha 107 milhões de postos de trabalho. A questão é que, destes, só 35 milhões eram empregos formais. Ou seja, a maior parte está sem carteira de trabalho assinada, sem direitos e garantias”, comentou o especialista.

Para Marcelo Portugal, essa perspectiva positiva também depende da manutenção dos pilares macroeconômicos por parte do governo e deve ser encarado com cautela. “Temos que tomar cuidado para não reduzir a taxa de juros rápido demais e ter problemas no futuro. Essa descompressão monetária, o remédio, tem de ser usado de forma que a doença não volte. Em julho, a inflação deve ser baixa mais uma vez; mas muito pela manipulação dos preços, como a Petrobras vem fazendo com os combustíveis”, disse. 

Além disso, o economista também acredita que o impacto da agenda econômica adotada pelo governo brasileiro vai além das questões financeiras. “Os preços têm uma lógica e devem ser determinados pelo mercado, então acho que existe uma tendência razoável de perdermos esses pilares econômicos. A economia brasileira depende de renda e crédito, mas também de boas expectativas e vontade de comprar. Não adianta a pessoa ter dinheiro e crédito, mas achar que vai perder o emprego”, afirmou.

Novo arcabouço fiscal 

No caso do Regime Fiscal Sustentável, também conhecido como  arcabouço fiscal, que estabelece novas regras para a gestão do orçamento público, Marcelo Portugal considera a medida um retrocesso. “A carga tributária vai subir, e alguém aqui vai ter que pagar mais imposto. Com o teto, os gastos públicos não podiam crescer mais que a inflação; agora, a tendência é que eles aumentem cada vez mais”, explicou.

Para José Luis Oreiro, o teto de gastos é um dos responsáveis pela estagnação da economia a partir do segundo semestre de 2014. “A gente observa que, até aquele momento, o Brasil vinha crescendo uma média de 3% por ano. De lá para cá, sofremos uma perda permanente de PIB, que não vamos conseguir recuperar nunca mais”, afirmou Oreiro. 

Para economista, Copom reduziu taxa de juros por causa da pressão da sociedade (Brasil de Fato, 03/08/2023

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Economista José Oreiro analisou no programa o contexto da redução da Taxa Selic

Redação

Brasil de Fato|Recife(PE) |

 03 de Agosto de 2023 às 15:26

Movimentos populares realizaram atos contra a taxa de juros e o presidente do Banco Central – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

Comitê de Política Monetária(Copom) anunciou o primeiro corte na taxa de juros em três anos, na quarta-feira (03). A redução já era esperada por setores do mercado e cobrada pelo governo federal, movimentos populares e parte de empresários do varejo. 

A taxa, que estava mantida até então em 13,75% ao ano, foi reduzida em 0,5 ponto percentual, passando para 13,25%. Em nota, o Copom afirmou que a diminuição se deve à melhora no quadro inflacionário. Afirmou também que foi iniciado um novo ciclo de política monetária, com expectativas de novos cortes nas próximas reuniões. 

“O que aconteceu ontem foi resultado da pressão da sociedade, que teve início a partir da iniciativa do presidente Lula, que colocou o problema dos juros na agenda de discussão política. O tempo mostrou que ele estava correto. E foi fundamental a troca de dois diretores do conselho de política monetária. Dois diretores que foram agora indicados pelo governo”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília. 

Leia mais:::Comitês e movimentos populares fazem mutirão para pressionar Banco Central pela queda nos juros::

Oreiro participou ao vivo da edição desta quinta-feira do programa Central do Brasil, para falar sobre o contexto da redução da taxa de juros no país. 

“Me parece que a estratégia que foi anunciada ontem pelo Copom de uma redução de 0,5 ponto percentual por reunião é uma velocidade de redução adequada”, analisou. 

Foi a primeira reunião do Comitê com a participação de Gabriel Galípolo, diretor de política monetária, e Ailton Aquino, da direção de fiscalização. Eles assumiram recentemente as duas funções e foram indicados pelo governo Lula. 

Para Oreiro,  algumas coisas básicas mudam a partir de agora, como a referência para os juros cobrados no cartão de crédito, nos empréstimos diretos ao consumidor e também pode incentivar a retomada de investimentos no país.

Leia mais:::Rotativo, consignado e crediário: mulheres relatam impacto de juros altos no orçamento familiar::

Mesmo assim, ele analisa, o Brasil permanece com a maior taxa de juros do mundo e que a saída é, na avaliação dele, mudar os indexadores da economia nacional

“O que eu acho necessário para o Brasil conseguir ter taxas de juros e inflação mais baixas é uma desindexação generalizada da economia. Por exemplo, todo ano o contrato de aluguel é reajustado com base no IGP-M. Só que ele é um índice que capta fundamentalmente a evolução dólar. Quando há uma forte desvalorização do câmbio, o IGP-M aumenta muito, e isso faz com que IPCA aumente muito por causa da indexação. Com isso, o Banco Central reage subindo juros”, apontou. 

A entrevista completa está disponível no YouTube do Brasil de Fato

Deve-se rever a autonomia do Banco Central? (Le Monde Diplomatique, 01/08/2023)

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A inflação atual no Brasil é impulsionada não por uma economia superaquecida, mas por um conflito distributivo entre o setor comercializável e o não comercializável. Manter altos níveis de taxa de juros reais de curto prazo não resolverá o problema e aumentará o hiato de produção já existente na economia

José Luis Oreiro e Maurício Andrade Weiss

1 de agosto de 2023

Link: https://diplomatique.org.br/deve-se-rever-a-autonomia-do-banco-central/

*José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (Bilbao, Espanha), pesquisador Nível I do CNPq e líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; e Maurício Andrade Weiss é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

Armadilha da Renda Média, Reindustrialização e Política Industrial

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No primeiro semestre de 2023 tive o privilégio de orientar dois excelentes trabalhos monográficos relacionados a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. O primeiro, escrito por MÁRCIO MAGALHÃES BAIÃO JÚNIOR tem como título “A ARMADILHA DA RENDA MÉDIA – UMA ANÁLISE SOBRE AS TRAJETÓRIAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA” e pode ser acessado no link: http://joseluisoreiro.com.br/site/link/77c5a6310c37b031f89753612da915292b5fbb60.pdf. O examinador externo foi o professor Guilherme Jonas Costa da Silva do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. A avaliação final foi SS (nota 10,00 no padrão da UnB).

O segundo, escrito por Luiza Nascimento Evangelista de Sousa, recém regressa de um período de intercâmbio na Áustria, tem como título “POLÍTICA INDUSTRIAL E A REINDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL: UM MOTOR PARA O CRESCIMENTO ECONÔMICO” e pode ser acessada no link : http://joseluisoreiro.com.br/site/link/d30c5ff554a77336e60877dc6130a492b783d323.pdf. O examinador externo foi o professor Gabriel Palazzo da Universidade de Buenos Aires. A defesa foi realizada em inglês e a avaliação final foi SS.

Ambas as defesas foram gravadas e estão disponíveis no canal SDMRG no Youtube.

Boa leitura.

Reforma tributária aprovada na Câmara é primeiro passo para reindustrialização do país, avalia economista (Brasil 61, 07/07/2023)

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Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A reforma tributária, aprovada pela Câmara dos Deputados, é um “passo importante” para o processo de reindustrialização do país. Isso porque, na avaliação do economista José Luis Oreiro, as mudanças propostas vão devolver a competitividade para o setor. “A expectativa é que a reforma tributária, somada à redução da taxa de juros — outro componente importante para o custo da indústria é o custo do capital — vão devolver competitividade a nossa indústria de transformação e vão nos permitir iniciar o processo da reindustrialização da economia brasileira”, argumentou.

O especialista acredita ainda que o país vai voltar a gerar empregos no setor industrial, em médio e longo prazo. “É o setor que paga os salários mais altos e tem os empregos de melhor qualidade, porque são os empregos que exigem maior intensidade tecnológica”, acrescentou.

A indústria brasileira participa com 10% do valor adicionado do PIB nacional e contribui com 30% dos impostos indiretos cobrados no país, segundo dados do IBGE. Segundo Oreiro, as novas leis tributárias devem representar um alívio fiscal ao setor produtivo

“O nosso sistema tributário não tem equidade horizontal, ou seja, a ideia de que os setores da atividade econômica têm que pagar a mesma carga de imposto. Na verdade, a indústria é o setor que mais paga impostos indiretos no Brasil, isso devido, por exemplo, à concentração de um grande número de impostos como o IPI e o imposto de propriedade industrial”, exemplificou.

Em nota oficial publicada nesta sexta-feira (7), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz considerar a aprovação da reforma tributária “uma conquista para todo o país”. “Aguardada há mais de 30 anos, a modernização do sistema de tributos sobre o consumo permitirá ao contribuinte, cidadãos e empresários pagar os seus impostos de forma mais racional e transparente, de acordo com regras claras e compatíveis”, resumiu a entidade.

Para a CNI, é crucial que a reforma tributária avance com celeridade no Senado, “mantendo os pontos positivos da proposta aprovada pela Câmara dos Deputados”. “O modelo que defendemos elimina o principal obstáculo para o Brasil crescer de forma sustentada, por remover travas ao investimento e promover um ambiente de negócios que favoreça o crescimento das empresas, a geração de emprego e a melhora da renda do brasileiro”, elencou o presidente Robson Braga de Andrade no comunicado.

Fim da cumulatividade

No entendimento da CNI, um dos principais gargalos do atual sistema tributário está nos impostos que incidem sobre impostos cobrados sobre bens e serviços. Essa distorção, considera a entidade, representa uma tributação adicional e oculta, que vai se acumulando em cada etapa da cadeia de consumo, da matéria prima até o produto finalizado chegar no consumidor. “O IVA Dual põe fim à cumulatividade ao criar um sistema claro e racional de créditos tributários que, finalmente, conseguirão ser aproveitados pelas empresas de todos os setores da economia”, celebra.

Jose Luis Oreiro reforça que o fim da cumulatividade vai reduzir os custos das empresas com contadores e advogados tributaristas. “Com a instituição do imposto de bens e serviços que vai ser cobrado no destino e não na origem, vai ser eliminado um monte de cumulatividades. Além de simplificar o processo de arrecadação, você vai ter só uma alíquota do imposto sobre o produto industrializado em todo o Brasil, simplificando a legislação tributária. É a única reforma que de fato aumenta a competitividade da indústria brasileira tanto no mercado doméstico quanto no mercado internacional”, sustentou.

De acordo com o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Tributária na Câmara, já passava da hora de mudar o sistema tributário “mais complexo, burocrático e complicado do mundo”.

“É uma reforma que vai dar à economia brasileira competitividade, eficiência produtiva. E o resultado disso é que vamos ter um sistema tributário moderno, um sistema que é padrão internacional e nunca mais o povo brasileiro vai pagar imposto do imposto ou imposto escondido. Ele saberá quanto custa o produto e quanto custa o imposto, e a consequência disso é que o povo brasileiro vai ter produtos e serviços mais baratos. O povo brasileiro vai poder sonhar com o novo emprego porque o Brasil vai voltar a disputar com o mercado interno, que hoje é dominado pelos importados que geram emprego lá fora”, garantiu.

Fonte: Brasil 61

link: https://brasil61.com/n/reforma-tributaria-texto-aprovado-na-camara-e-primeiro-passo-para-a-reindustrializacao-do-pais-pind234103

Desenvolvimento Econômico Ambientalmente Sustentável (Valor Econômico, 21/06/2023)

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José Luis Oreiro[1]

Daniel Mourada Costa Teixeira[2]

Helder Lara Ferreira Filho[3]

O funcionamento da economia envolve a extração de recursos naturais, sob a forma de matéria-prima e energia, a serem consumidos pela sociedade, e o lançamento de rejeitos ao meio ambiente, que os neutralizará por meio de mecanismos próprios dos ecossistemas. Durante a maior parte da história, essa relação com o meio ambiente obedeceu à sua capacidade de suporte. Contudo, o processo de desenvolvimento econômico, da maneira que conhecemos desde o início da Revolução Industrial, ou seja, um processo de mudança estrutural na direção de setores e atividades econômicas com maior valor adicionado per-capita, tem causado desequilíbrios substanciais e crescentes em termos ambientais, colocando em risco o funcionamento da economia, bem como o bem-estar e a sobrevivência da humanidade. Por isso, na grande maioria dos países, a agenda atual de desenvolvimento econômico converge com a ambiental, justamente para dar sustentabilidade a esse processo.

A adoção de tecnologias limpas – ao invés daquelas intensivas em carbono – pode fazer com que o desenvolvimento econômico seja acompanhado de uma degradação ambiental constante ou, até mesmo, decrescente. Esse processo é possível somente como resultado de uma mudança estrutural ecológica na direção de atividades e setores da economia que utilizem essas tecnologias e sejam ambientalmente mais eficientes. Nesse contexto, a literatura de complexidade econômica argumenta que a ampliação contínua da sofisticação produtiva é uma condição essencial para desencadear essa mudança, pois reflete a capacidade da economia em gerar e absorver novas tecnologias, com melhores técnicas e capacidades. De fato, há evidências empíricas robustas de que o aumento da complexidade econômica leva a melhor performance ambiental. Isso se daria, dentre outras razões, por conta do uso mais eficiente de energia e menor geração de determinados poluentes. Ainda vale destacar que, em decorrência dos ganhos de produtividade e eficiência, juntamente com os efeitos de transbordamento dos segmentos, com maior nível tecnológico e mais ambientalmente eficiente, para os demais; a mudança estrutural ecológica é capaz de fomentar a aceleração do desenvolvimento econômico nessa transição. Em outras palavras, não existe trade-off de longo-prazo entre desenvolvimento e conservação ambiental.

Contudo, o investimento na geração e adoção de tecnologias limpas não ocorre espontaneamente na quantidade necessária para desencadear a mudança estrutural ambientalmente requerida por conta da elevada incerteza inerente a esse tipo de investimento em atividades de natureza altamente experimental, a qual desestimula o espírito animal do setor privado. Somado a isso, há diversas falhas de mercado que impedem os investidores de capturarem os retornos que poderiam ser gerados: externalidades tecnológicas positivas na forma de aprendizado coletivo, desenvolvimento de habilidades ou efeitos de aglomeração; dificuldade no estabelecimento do preço do carbono, resultando em um custo privado da emissão de carbono bem inferior ao seu custo social; e a natureza de bem público global da redução de carbono, encorajando o surgimento de free-riders.

A solução para essa questão passa pela institucionalização de um mecanismo de interação entre os setores privado e público, além de um mix política fiscal, industrial, comercial e regulatória que, não só induzam os agentes privados a internalizar os benefícios sociais e os custos de investimentos em tecnologias sustentáveis em suas atividades; como também permita ao Estado liderar, por intermédio de seus investimentos, a mudança estrutural ecológica naqueles setores e atividades nos quais a incerteza dificulte ou impossibilite o investimento privado. Devido às diversas demandas geradas pelas metas de redução de emissões e progresso tecnológico, somadas à diversidade de mecanismos envolvidos nas falhas de mercados apontadas, é recomendado que essas políticas sejam formuladas e coordenadas dentro de uma ampla estratégia nacional de desenvolvimento verde.

Nesse contexto, o Estado tem o papel de prover informações para os demais agentes, identificando oportunidades de diversificação setorial da economia que contribuam para as metas de sustentabilidade ambiental, como as emissões de carbono. Também deve antecipar as tendências tecnológicas de longo prazo, fomentar a consolidação de mercados para novos produtos e prover os incentivos necessários para que a economia se beneficie da mudança estrutural em curso, possibilitando que surjam firmas nacionais pioneiras nos setores ambientalmente sustentáveis. Vale ressaltar que essas empresas podem adquirir vantagens competitivas à nível internacional, decorrentes do pioneirismo, ampliando seus mercados, dominando tecnologias de fronteira, aumentando a escala de produção e ditando novas tendências de mercado.

Por outro lado, uma aproximação excessiva entre os formuladores de política e os empresários pode aumentar os riscos de corrupção e de processos de rent-seeking. Sendo assim, deve-se estabelecer estruturas de governança para que isso seja evitado, como a criação e fortalecimento de conselhos, fóruns de coordenação entre os setores público e privado, agências de desenvolvimento, organizações sem fins lucrativos e instituições de representação que facilitem a troca de conhecimento entre os atores. Nessas instâncias seriam implementados os mecanismos de transparência e accountability das políticas públicas. Também devem ser criados protocolos que reconheçam eventuais erros de execução e revisem a política adequadamente e de forma periódica. Por fim, é recomendável que essa estratégia nacional, no caso Brasileiro, possua um alto status na agenda do governo de turno, devendo ser gerida pelo vice-presidente, ministério ou agência com alta capacidade de articulação política e ascendência sobre os demais membros do governo.

Como se pode perceber, gerar desenvolvimento econômico em bases ambientalmente sustentáveis não é uma tarefa simples. A crescente divergência de renda per-capita a nível internacional verificada nos últimos 200 anos (a assim chamada “grande divergência”) mostra que o desenvolvimento econômico é privilégio de poucos países. No século XXI, no qual a preocupação ambiental é cada vez mais urgente, o Estado não pode se furtar de pensar nesses termos para que o Brasil tenha alguma chance de se tornar um país de renda alta, ambientalmente sustentável e socialmente inclusivo.


[1] Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

[2] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília.

[3] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília.

Desindustrialização no Brasil não ocorreu de forma natural, diz especialista (Correio Braziliense, 20/06/2023)

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“A reforma tributária é o primeiro passo para a reindustrialização, mas não é a solução final”, destacou o economista José Luis Oreiro

(crédito: Ed Alves/CB/DA PRESS)

“A reforma tributária é o primeiro passo para a reindustrialização, mas não é a solução final”, destacou o economista, ao criticar que a indústria brasileira está sendo penalizada com alta carga tributária, o que leva o país a um processo inverso de industrialização.

Oreiro criticou as elevadas taxas de juros definidas pelo Banco Central — que hoje está em 13,75%. “A reforma precisa atuar para propiciar a redução da taxa de juros e também manter um câmbio baixo.”

Oreiro ressaltou ainda que a indústria no Brasil é tratada com diferença, em relação aos tributos pagos, e afirmou que o processo de desindustrialização brasileira não é natural, como ocorre em outros países de renda alta. De acordo com o economista, o Brasil está desmobilizando a força industrial há muitos anos, e um dos motivos é o fato de ser ela um dos setores que mais sofre com fiscalização e arrecadação de impostos. Com essa prática, a indústria se tornou mais primitiva, o que impacta diretamente na força de trabalho, porque uma das maiores consequências da desinstalação é a falta da geração da força de renda.

“A indústria recebe tratamento diferenciado de outros setores, é onde mais ocorrem fiscalização e tributo mais alto, por isso a necessidade de uma reforma para corrigir esse processo”, alerta o professor.

Boas notícias na economia mudam avaliação de Haddad na base petista (Correio Braziliense, 18/06/2023)

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Divergências com o ministro da Fazenda, como as manifestadas pela presidente do PT, Gleisi Hoffman, parecem ter ficado para trás. Visão do mercado financeiro também mudou

Rosana Hessel

(crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Dentro do PT, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vinha recebendo críticas de vários parlamentares, inclusive, da presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PR). Ela admite ter divergências com Haddad, como ficou evidente nas discussões sobre a reoneração dos combustíveis com impostos federais, no início do ano. Agora, a deputada tem procurado apoiar o ministro na tramitação do novo arcabouço fiscal, e procura se posicionar como crítica número dois do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Em uma postagem recente, ao concordar com a crítica do ministro à aprovação da prorrogação da desoneração da folha de pagamento de alguns setores por quatro anos pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na semana passada, a parlamentar usou o argumento do chefe da equipe econômica, de que a medida vai aumentar os gastos anuais em R$ 9,4 bilhões até 2027. “Já vimos que isso não funciona, não cria empregos nem beneficia o trabalhador e, por isso, precisa ser tratado com responsabilidade. @Haddad_Fernando tem razão em querer em deixar para um segundo momento esse debate”, escreveu.

Bicho papão

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), considera que havia um pessimismo muito grande no mercado financeiro em relação a Haddad e, agora, há um sentimento de que ele não é o “bicho papão” que foi pintado.

“O pessoal achava que o Haddad seria uma espécie de Arno Augustin (ex-secretário do Tesouro Nacional no governo Dilma Rousseff, apontando como o criador das polêmicas pedaladas fiscais), mas quem conhece minimamente o ministro sabe que ele é a direita do PT”, explica Oreiro.

“Ele sempre teve um discurso de responsabilidade fiscal, e, portanto não iria cometer nenhuma aventura, mas também tinha ciência de que a regra do teto de gastos era insustentável e que seria preciso utilizar mecanismos distintos de curto prazo para recuperar a destruição deixada por Bolsonaro, com servidores sem reajuste e nenhum espaço para aumento de investimentos”, pontuou.

‘Fim de calvário’ e ‘reação defasada’: economistas avaliam melhora de perspectiva pela S&P (Folha de São Paulo on line, 15/06/2023)

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5.jun.2023 às 18h38Ouvir o texto Diminuir fonte Aumentar fonteDouglas GavrasSÃO PAULO”Fim de ida ao calvário dos maus pagadores”, “reação defasada” e “gols da equipe econômica”. Para analistas consultados pela Folha, a revisão para “positiva” da perspectiva do Brasil pela agência de classificação de risco S&P Global Rating na quarta-feira (14) deve ser vista como um bom sinal.
Eles ponderam, no entanto, que o Banco Central deveria sinalizar o início de redução dos juros para manter boas projeções de crescimento e que o governo precisa ainda entregar resultados fiscais concretos, caso o país queira seguir na trajetória de recuperar o grau de investimento.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (dir.), e Gabriel Galípolo; eles sorriem, são homens brancos, de cabelos lisos e castanhos, usam ternos escuros, camisas brancas e gravatas amarela e vermelha, respectivamenteO ministro da Fazenda, Fernando Haddad (dir.), e Gabriel Galípolo – Pedro Ladeira – 17.mai.23/Folhapress
A revisão da perspectiva da nota do Brasil foi comemorada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atribuiu o resultado a medidas tomadas pela pasta e pelos demais Poderes —acrescentando que “faltava o Banco Central” contribuir para a queda dos juros básicos (hoje em 13,75%).
Sinais de maior crescimento e estabilidade na condução da política fiscal e monetária são fatores apontados pela S&P. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou que o país poderá recuperar o grau de investimento em 2026.
Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, a questão mais importante da revisão feita pela agência de risco é que ela marca uma mudança significativa para a classificação dos títulos brasileiros.

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“Marca o fim de uma ida ao ‘calvário dos maus pagadores’, que se iniciou com a profunda crise gerada por erros de política econômica cometidos ainda no segundo mandato do presidente Lula [2007-2010].”
Mendonça de Barros, que também já foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações, avalia que o clima em relação ao desempenho da economia mudou positivamente, mas com ponderações.
“Mudou, na questão da credibilidade do governo, mas não na questão de crescimento como mostrou hoje [quinta, 15], de maneira muito clara, o crescimento de setor de serviços anunciado pelo IBGE.”
Segundo o gerente da PMS (Pesquisa Mensal de Serviços), do IBGE, Rodrigo Lobo, os serviços prestados às famílias atingiram um aparente teto e não avançam.

O professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro considera que as agências reagem de maneira defasada em comparação ao mercado. Ao se considerar o prêmio de risco, que caiu nos últimos meses, não há razão para desconfiar da capacidade de o país pagar seus compromissos externos, diz.
“Durante a transição para o governo Lula, os economistas liberais diziam que o Brasil ia entrar em um buraco negro e isso não aconteceu. O que prova é que o diagnóstico feito por eles, que controlaram a política econômica desde o impeachment da [ex-presidente] Dilma Rousseff, vem de uma teoria errada.”
Ele também avalia que a volta do Brasil ao grau de investimento pode não ser tão relevante quanto pode parecer em um primeiro momento, podendo apreciar o câmbio e trazer um excedente de capital especulativo ao país.
“Para manter o clima otimista, é preciso que o Banco Central ao menos sinalize que vai iniciar o ciclo de redução dos juros e que não ocorra alguma mudança drástica na economia internacional. Isso pode começar a gerar um clima de conforto e aumento da popularidade que vai destravar ações no Congresso e reduzir o poder de barganha do centrão.”


Já o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, avalia que a notícia é positiva e confirma a visão de que o lado fiscal estaria sendo bem cuidado por Haddad.”O arcabouço não é a ‘última bolacha do pacote’, mas nasceu em boas bases, com uma regra de gastos e compromisso com superávit primário a médio prazo. Isso é bom e a S&P está reconhecendo.”
Salto pondera que a volta do Brasil ao grau de investimento depende da recuperação da economia, da retomada dos acordos comerciais, do controle da inflação e da redução do juro real —que poderá estimular investimentos— criam ambiente propício para um ciclo positivo.
“A gestão fiscal é o grande desafio. Após aprovar o arcabouço fiscal, não custa lembrar, ele terá de ser observado, e os gastos precisarão ser controlados. Não tem mágica. O desafio, no fundo, é ter uma política econômica equilibrada.”
Salto, que já foi secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, acrescenta que a virada de vento na economia, para uma perspectiva mais otimista, é embasada.
“Há motivos para otimismo, porque a economia está numa boa trajetória. Com o fiscal equilibrado, os juros vão diminuir bastante, motivando o investimento. Caberá ao Estado reorganizar os gastos públicos. A Fazenda, sem dúvida, se destaca neste momento como uma área que está conseguindo marcar gols. O mercado vê isso e o resto do mundo também.”
Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale também vê como positiva a mudança de viés da agência de risco, que ele classifica como fruto de uma trajetória “minimamente equilibrada” nos últimos meses, após um começo “tortuoso”.
“Houve entendimento da importância da questão fiscal, em que pese ela estar longe de ser solucionada. Há uma ideia de que Haddad conseguiu se desvencilhar do mau sinal que deu no começo do ano”, diz.
Vale não vê riscos na questão da meta de inflação ou algum obstáculo para a reforma tributária. “Isso não significa que tudo esteja certo. O governo precisa ainda entregar resultados fiscais concretos nos próximos anos e precisamos acompanhar como será o Banco Central após as mudanças que serão feitas.”
Ele também diz acreditar que a volta do país ao grau de investimento deverá acontecer apenas em um outro governo, que faça ajustes que o presidente Lula tende a evitar.
“A ideia da Fazenda de atacar a questão das garantias no crédito é um bom caminho de reforma microeconômica, ainda é um governo em construção e não dá para comparar com o período [do ex-ministro da Fazenda Antonio] Palocci. Vai ter que entregar muito mais para se aproximar daquele momento.”

O que está por trás da cultura de juros altos? (Valor Econômico, Caderno EU&, 09/06/2023)

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https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/06/09/o-que-esta-por-tras-da-cultura-de-juros-altos.ghtml


Fui um dos economistas entrevistados para essa materia do caderno Eu& do Valor Econômico. Falei sobre déficit, divida pública indexação e a estabilização inacabada do Plano Real. O Brasil precisa de uma Reforma Monetária que estabeleça o Real como a única unidade de conta dos contratos da economia brasileira. Só assim poderemos ter juros e inflação mais baixos.

O que está por trás da cultura de juros altos?
Brasil convive com taxas elevadas há quatro décadas, e isso por si já torna mais difícil mudar o parâmetro
Em fevereiro, ao criticar a manutenção da taxa Selic em 13,75%, o presidente Lula se referiu a uma “cultura de juros altos” que existiria no Brasil. A expressão não é nova. Foi usada pelo industrial José Alencar em 2003, quando era vice-presidente do próprio Lula, por ocasião de uma reunião do Copom que baixou a taxa em 2,5 pontos. Na época, Alencar propôs uma “cruzada nacional” para reduzir os juros. Em 2011, Paulo Skaf, então presidente da Fiesp, repetiu a fórmula, em um momento de expectativa por uma alta que poderia chegar a um ponto percentual.
Não só os políticos consideram que o Brasil tem taxas altas em todas as etapas da curva de juros. Uma busca por teses, dissertações, artigos científicos e comentários de imprensa encontra facilmente centenas de tentativas de explicar essa particularidade, publicadas desde a década de 1980 até hoje. Não bastasse a taxa básica estar sempre entre as mais altas do planeta em termos reais, empresas e famílias também pagam juros inimagináveis em outros países. De acordo com levantamento feito pelo Procon, em janeiro o juro médio para empréstimos pessoais era de aproximadamente 143% ao ano para pessoas físicas. Para empresas, segundo dados do Banco Central, a média está em cerca de 25%.
A ideia de que o Brasil vive uma “cultura dos juros altos” expressa a percepção de que a taxa molda, em certa medida, o sistema financeiro e até mesmo a economia real do país. “Essa expressão é interessante, porque reflete como convivemos com os juros altos nas nossas transações concretas, para fazer um empréstimo, comprar uma casa, um carro, ou nas aplicações financeiras. Esperamos juros altos dos dois lados, ao aplicar e ao pagar. É um hábito, parte do dia a dia”, afirma o economista Fabio Bittes Terra, da Universidade Federal do ABC e coautor do livro “Selic: o mercado brasileiro de dívida pública”.
Quarenta anos de queixas, debates e pesquisas sobre o juro brasileiro renderam análises variadas sobre causas e consequências. Pelo lado das primeiras, citam-se o desequilíbrio fiscal persistente, as necessidades de financiamento do Estado, o histórico de inflação elevada e a necessidade de atrair capital estrangeiro. Para o economista Fernando de Holanda Barbosa, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV), que publica pesquisas sobre as taxas de juros brasileiras desde a década de 1980, a noção de “cultura dos juros altos”, na verdade, é reflexo da sucessão de crises fiscais que o país enfrenta desde o início da década de 1960, sem jamais resolver de forma permanente.
Barbosa enumera essas crises: a da segunda metade dos anos 1970, que desembocou na moratória da dívida na década seguinte; as turbulências dos anos 90, quando o Brasil padeceu com surtos de fuga de capital no México, na Rússia e nos tigres asiáticos; a profunda recessão iniciada em 2014. Esta última, diz, não teve suas consequências fiscais devidamente combatidas por nenhum dos governos posteriores, que apenas “empurraram o problema adiante”.
A situação reflete, por sua vez, uma outra cultura, argumenta Barbosa: a dos privilégios. Os déficits do governo são causados pela facilidade com que grupos de pressão se apropriam de nacos do orçamento público. Nesse cenário, a própria taxa de juros acaba servindo à perpetuação de vantagens para segmentos sociais. “Os juros altos no Brasil não são uma loucura, uma coisa absurda que acontece por acaso. São produzidos pela sociedade, à medida que grupos de interesse conseguem garantir privilégios. Não é culpa do Banco Central ou seu presidente”, afirma.
Segundo o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília, não há um mecanismo direto que leve do déficit fiscal ou da dívida pública à taxa de juros. Se a Selic, taxa de curto prazo, responde à necessidade de manter a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, os juros de prazos mais longos expressam as expectativas do mercado financeiro para a política monetária dos anos seguintes. “Um déficit fiscal pode levar a uma economia sobreaquecida, com excesso de demanda, e isso exige que o Banco Central eleve os juros, para retirar demanda da economia. Não é uma questão de déficit ou dívida”, argumenta. “O experimento natural foi a pandemia, quando o governo fez um déficit de R$ 800 bilhões e os juros reais ficaram negativos”, diz.


Para Oreiro, o que relaciona a situação fiscal à inflação é o “impulso fiscal”, a diferença no resultado primário (estrutural) de um ano para o seguinte. “Houve um impulso forte de 2019 para 2020, que evitou uma queda ainda maior do PIB durante a pandemia. Hoje, porém, a economia brasileira opera com capacidade ociosa e não tem como um impulso fiscal trazer pressão inflacionária”, diz.


Fernando de Holanda Barbosa: “Quando o risco-país cair, certamente a taxa de juros vai cair também” — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Contudo, o que Lula e seus predecessores dizem ao evocar a ideia de “cultura” dos juros altos aponta mais para as consequências do que para as causas: a economia brasileira teria se acostumado com a permanência dessa particularidade e até mesmo se tornado dependente dela. Essa dependência se manifesta na complexa trama de aplicações que mantêm ganhos reais significativos apesar de atreladas à taxa básica, que em outros países remunera de forma modesta.
Segundo Terra, o Brasil tem uma parcela desproporcionalmente alta de ativos financeiros vinculados à taxa básica. “As pessoas se acostumaram a procurar a Selic como elemento de remuneração dos seus investimentos financeiros, bem mais do que a renda variável ou outras formas de investimento, não financeiros, como o ouro, o mercado imobiliário ou as ações”, explica. O fenômeno começa pela dívida pública federal, em que cerca de 40% dos títulos têm taxa flutuante e respondem a variações da Selic. No mercado financeiro, predominam contratos vinculados ao DI (depósito interfinanceiro), que acompanha de perto a taxa do Banco Central.
A prevalência de títulos indexados à Selic produz um ciclo vicioso, por ser um fator que reduz a eficácia da política monetária, através do “efeito-contágio” da política monetária sobre a dívida pública, diz Barbosa. Quando o governo decide aumentar ou baixar os juros para controlar a inflação, o custo da dívida sobe ou desce proporcionalmente, em razão dos títulos indexados. Outro efeito paralelo é enfraquecer o efeito-riqueza, pelo qual, para a dívida pré-fixada, o aumento dos juros reduz o valor de títulos já existentes, de taxa menor. A consequência é que os detentores de papéis sentem que sua riqueza diminuiu e têm menos condições de consumo, o que reforça o mecanismo pelo qual os juros esfriam uma economia. Com os títulos atrelados à Selic, ocorre o inverso: os detentores desses papéis veem seu retorno aumentar com a alta dos juros e, por isso, têm mais condições de consumir, o que implica um aquecimento, e não um esfriamento, da economia.
O resultado desses dois efeitos é que os tratamentos anti-inflacionários do BC, por meio da taxa de juros, têm que ser mais fortes do que o normal, na tentativa de contrabalançar a eficácia diminuída dos mecanismos de transmissão. Barbosa observa, no entanto, que, além da frequente necessidade de manter uma política monetária contracionista para controlar a inflação, a própria taxa de juros dita “natural” do Brasil é alta.
A taxa natural é um conceito que representa os juros necessários para manter investimento e poupança equilibrados quando a economia está em pleno emprego. Em economias pequenas e abertas, como a brasileira, ela é a taxa praticada no mercado internacional, acrescida do prêmio que os investidores exigem pelo risco que acreditam ter ao colocar recursos naquele mercado. Assim, o que mantém a taxa natural alta é, em grande medida, o risco-país, índice que expressa a diferença entre o juro pago nos títulos do Tesouro americano e o dos títulos brasileiros, com a sigla EMBI+. Atualmente, o risco-Brasil gira em torno de 250 pontos base, ou 2,5 pontos percentuais. Em momentos de otimismo com a economia e a situação fiscal do país, chegou a ficar abaixo de 140 pontos, em 2007 e 2012.
“Esse problema deveria ser enfrentado fazendo desaparecer a crise fiscal. Com isso, o risco-país cairia. E quando o risco-país cair, certamente a taxa de juros vai cair também”, diz Barbosa. A emissão de títulos da dívida é uma alternativa para a impressão de moeda pura e simples no financiamento do déficit, diz. Esta última foi a receita praticada no Brasil durante décadas, com a inflação galopante como resultado, e até hoje um problema para a Argentina. “Quem compra esses papéis? Em geral, a poupança privada. Com isso, ela deixa de financiar investimento produtivo para financiar o governo”, resume. “É por isso que a consolidação fiscal permitiria aumentar o investimento: quando a poupança privada for ao sistema financeiro, vai encontrar papéis do setor privado voltados para o financiamento do investimento.”
O economista da FGV julga, no entanto, que nem o arcabouço fiscal anunciado pelo atual governo nem o teto de gastos instituído em 2016 seriam capazes de levar os juros a um patamar mais compatível com o que é praticado ao redor do mundo. Ambas as iniciativas são gradualistas, prevendo que o equilíbrio das contas públicas só será atingido dentro de alguns anos. Barbosa crê que para tornar a dívida sustentável é preciso chegar logo a um superávit entre 3% e 4% do PIB.
José Luis Oreiro: “Não é uma questão de déficit ou dívida” — Foto: Luis Ushirobira/Valor


“As pessoas acreditam que uma consolidação fiscal que pode chegar a 5% do PIB é inviável politicamente. Mas sustento que só depois de um esforço como essa terapia de choque será possível voltar a ter uma expansão em torno de 4%. Se um governo seguir esse caminho logo em seu primeiro ano, ao final do mandato vai colher os louros do crescimento mais acelerado”, diz.
Sejam quais forem as causas da duradoura era de juros altos brasileira, as análises são unânimes na avaliação de que essa característica financeira molda, em parte, a economia do país como um todo. Ao oferecer rentabilidade alta para investimentos de baixo risco, favorece a escolha pela riqueza financeira, no fenômeno que alguns economistas denominam “rentismo”. Esse direcionamento é uma das causas da baixa taxa de investimento em infraestrutura, expansão da capacidade produtiva ou inovação.
Descendo um pouco mais na cadeia causal, encontramos a insuficiente geração de empregos de qualidade, a alta taxa de informalidade e a perda de competitividade do setor produtivo. Como esses problemas permanecem por períodos prolongados, alguns analistas falam em “histerese” – conceito da física que descreve a tendência de um sistema a perdurar em um estado, na ausência de novos estímulos. Na economia, designa uma situação em que uma economia que roda abaixo do potencial, com desemprego alto e investimento insuficiente, se torna incapaz de retornar ao crescimento em ritmo satisfatório, entre outros motivos por que os trabalhadores perdem qualificação e as empresas ficam para trás na competição internacional.
Do outro lado da curva, se o juro pago pelo Estado aos investidores é alto, a taxa que recai sobre comerciantes, famílias e pequenos produtores, as chamadas taxas do varejo, são muitas vezes ditas “estratosféricas”. Entre as causas para o alto spread bancário, citam-se o risco de inadimplência, o forte endividamento das famílias e a baixa concorrência entre bancos. Um problema também renitente é o pouco efeito das variações da taxa básica da economia sobre aquelas praticadas no varejo: se o crédito bancário para empreendedores chega a cobrar 2,5% de juros ao mês e o cheque especial pode ultrapassar 200% ao ano, qual é a diferença, na vida prática, de uma Selic a 13,75%, a 13,5% ou 13,25%?
De acordo com Terra, os juros do varejo, seja para o consumidor ou o empresário, teriam pouca variação, porque a sensibilidade às mudanças da taxa do atacado é baixa. A causa está, entre outras, nas características que compõem a ideia da cultura de juro alto. “As pessoas estão habituadas a pagar juros altos, porque o juro sempre foi alto no Brasil. Em geral, as famílias estão endividadas não porque querem, mas porque a renda no país é baixa, então é preciso apelar muito ao crédito para comprar as coisas ou resolver os fins de mês”, afirma.
Por outro lado, uma redução da Selic teria mais efeito sobre o custo de financiamento de projetos na economia real e a remuneração de investimentos que, embora vinculados à economia real, respondem às variações da taxa básica por meio do CDI (certificado de depósito interbancário), como LCIs (letras de crédito imobiliário) e LCAs (letras de crédito agrícola) pós-fixadas. Como a remuneração no mercado de dívida teria uma pequena queda, o custo de oportunidade de colocar recursos na economia real também cairia discretamente.
Por outro lado, segundo Terra, o efeito da variação da Selic sobre o custo de financiamento das empresas pode ser enfraquecido ou anulado pelo risco fiscal embutido na TLP (taxa de longo prazo), usada pelo BNDES em seus empréstimos. Como a TLP é parcialmente atrelada às NTN-B (Notas do Tesouro Nacional), títulos que pagam um valor fixo somado ao IPCA, se os agentes econômicos entenderem que há um importante risco fiscal no futuro, a queda da Selic pode não se traduzir em queda da remuneração das NTN-B, o que se refletiria na taxa cobrada pelo BNDES.
Isto não significa que o crescimento será baixo sempre que os juros estiverem altos, alerta Terra. A taxa de retorno dos investimentos é determinada por outros fatores e, se for maior do que o retorno de investimentos financeiros, pode atrair capital produtivo. De acordo com o economista da UFABC, isto aconteceu no Brasil entre 2004 e 2008, quando a Selic esteve quase sempre acima de 11% e mesmo assim houve um ciclo de crescimento, com a taxa de investimento no maior nível desde a década de 1980. “Havia uma expectativa de retorno alta, porque iniciativas como a valorização do salário mínimo e a política de transferência de renda davam ao empresário a perspectiva de mais consumo”, explica. “O aumento do pequeno varejo e os investimentos em bens duráveis tiveram crescimento expressivo, enquanto o setor externo puxava a economia.”
Ainda assim, certos investimentos de maior risco ou mais longo prazo, como em mercados inovadores, continuam fora do alcance, porque nesses casos o investidor exigiria um retorno altíssimo. Oreiro acrescenta que o período de juros menos atraentes pode não ter levado a uma era de grande investimento no setor produtivo, mas trouxe forte onda de investimentos em imóveis. “Tivemos uma bolha imobiliária”, comenta.
Esses anos também compuseram o coração de um longo período de superávits primários, iniciado em 1998, que perdurou até 2013. O superávit era parte do tripé macroeconômico adotado no fim da década de 1990 para manter a estabilidade da economia brasileira, junto com o câmbio flutuante e as metas de inflação. A adoção do tripé foi acompanhada de um ajuste fiscal, que permitiu chegar aos superávits. Nesse intervalo de 15 anos, a Selic teve uma queda paulatina, passando de 42% em outubro de 1998 para 8,75% em julho de 2009 e 7,25% em outubro de 2012.
Outra mudança ocorrida em torno de 1998 foi que, com a adoção do regime de metas de inflação, em 1999, o papel estabilizador da Selic se transformou, em parte. Até então, a personagem principal no esforço de segurar o nível de preços era a “âncora cambial”, ou seja, a taxa controlada, quase fixa, de câmbio entre real e dólar, que evitava uma alta exagerada dos preços no Brasil porque os produtos importados se mantinham acessíveis. Nesse cenário, os juros básicos tinham muitas vezes o papel de evitar a perda de divisas, oferecendo a investidores estrangeiros uma remuneração muito acima do que conseguiriam em outros mercados.


O Real é o “grande corte histórico” na trajetória dos juros, segundo Oreiro, por causa do controle sobre o câmbio. Entre 1994, quando o plano Real e a âncora cambial foram adotados, e 1999, a Selic teve grande volatilidade, subindo e caindo ao sabor do mercado financeiro internacional. Em 1998, no intervalo de apenas nove meses, foi fixada em valores que variaram de 19% a 38%. Com a crise cambial no início de 1999, chegou a 45%. Em termos reais, a taxa básica de juros permaneceu entre 20% e 25% nesses anos. Após a adoção do tripé macroeconômico, quando assumiu quase integralmente a função de perseguir a meta de inflação, a Selic desceu, em termos reais, para cerca de 10%.


Oreiro acrescenta que, apesar de ter desindexado os contratos com prazo abaixo de um ano, o Real manteve a indexação de contratos mais longos. “Até hoje, o Brasil mantém a institucionalidade do tempo da inflação alta no sistema de contratos. […] Essa indexação aumenta a inércia inflacionária, o que exige uma dosagem maior de juros para colocar a inflação na meta”, lamenta.


“A principal diferença entre os dois períodos é que, com a âncora cambial, os juros existem quase apenas para atrair capital estrangeiro, então eles vão a reboque do movimento internacional de liquidez, principalmente em um país com poucas reservas cambiais, como era o Brasil, e enfrentando um conjunto de crises externas. Como o câmbio é administrado e não flutua, quem flutua é o juro. E muito”, declara Terra. “Com o câmbio flexível, é possível dosar o uso dos juros. Mesmo se houver uma grande desvalorização, a maior preocupação é com o impacto inflacionário.”


A inflação é frequentemente considerada o grande mal econômico da história do Brasil e, no caso dos juros altos, não é diferente. A correção monetária existe no Brasil desde 1964, com a instituição das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), títulos de longo prazo que deveriam proteger seus detentores da alta dos preços. Com a inflação anual passando de 15,6% em 1974 a 40% em 1978, 77% em 179 e 100% em 1980, a corrida para resguardar depósitos e aplicações da alta dos preços se intensificou. Começava aí o processo que levaria à hiperinflação, aos planos de estabilização frustrados, à “ciranda financeira” e à indexação da economia.
Na maior parte dos casos, uma economia cuja inflação sai de controle acaba recorrendo a uma moeda estrangeira ou uma nova divisa, lastreada em ativos mais estáveis. Aqui, não foi assim. Enquanto nos países vizinhos os contratos passavam a ser atrelados majoritariamente ao dólar, a “dolarização”, o Brasil encontrou um preço de referência doméstico, segundo Terra. “O Brasil foi o único país que fez isso. Mas como? Usando a taxa de juros como um farol, para guiar a marcação de todos os preços da economia”, diz. No início dos anos 1980, estabeleceu-se uma relação pela qual o BC, ao liquidar as posições dos bancos, rolava a dívida pública para refinanciar o Tesouro Nacional no curto prazo, e não apenas para controlar os juros praticados no mercado e a inflação. Os depósitos de particulares, por sua vez, eram corrigidos para repor a inflação.
“Com isso, o Tesouro conseguia refinanciar a dívida e o Banco Central marcava a taxa de juros. Ao mesmo tempo, os bancos ganham ao intermediar os recursos entre as pessoas e o BC, e também no ‘floating inflacionário’ [a desvalorização da moeda entre depósito e saque]. E nessa circulação de títulos públicos de curto prazo, os correntistas ganham uma imensa fonte de proteção contra a inflação. Esse processo durou mais de uma década”, resume Terra. Contudo, o sistema tinha um perdedor, na figura da parcela da população mais pobre sem acesso a uma conta bancária. Essas pessoas sofriam com o “imposto inflacionário”, que desvalorizava seus salários no curto intervalo que levava para gastar em compras. Na década de 1980, a população bancarizada não chegava a 40%.
Só a estabilização financeira viria a encerrar esse sistema, a partir de 1994, mas ao custo de resgatar um setor bancário em que vários apresentaram problemas graves de solvência. Na última década, houve duas tentativas de reduzir o patamar dos juros. A primeira ocorreu no governo de Dilma Rousseff, entre agosto de 2011 e março de 2013. Na ocasião, o governo também usou os bancos públicos para tentar baixar as taxas cobradas dos clientes particulares. O esperado pelo governo era que os concorrentes privados se sentissem obrigados pela competição a seguir o mesmo comportamento. O BC também tolerou uma inflação constantemente na margem superior da meta de inflação, que na época era de dois pontos percentuais. “O governo Dilma cometeu muitos erros nesse processo. O maior provavelmente foi não se esforçar para que a inflação convergisse para a meta. Com o IPCA a 6% e os juros a 7,5%, o juro real, de repente, estava em 1,5%. O investidor viu que a taxa não compensava o risco de colocar dinheiro no país”, diz Terra.
A aceleração da Selic, a partir de então, foi vertiginosa, chegando a 14,25% em 2015, quando o país já enfrentava uma profunda recessão. Os juros só voltariam a cair em outubro do ano seguinte, quando a economia ensaiava uma recuperação claudicante e o IPCA apontava que ficaria abaixo de 3,5% no ano seguinte. Os cortes puseram o juro básico em 6,5% de março de 2018 a junho de 2019, quando a pandemia, um período excepcional, levou bancos centrais mundo afora a cortar ainda mais os juros, e o Brasil não foi exceção: em agosto de 2020, a Selic chegou a 2%.
De um lado, tratava-se de um momento de economia estagnada, penando para se recuperar da recessão: entre 2017 e 2019, o crescimento anual ficou teimosamente em torno de 1,1%. A inflação se manteve baixa, em cerca de 3,5%, e o desemprego atingia a casa de 12,6% em 2017. Do outro lado, 2016 foi o ano da aprovação da rigorosa, e agora malsucedida, regra de controle fiscal, a emenda constitucional 95, mais conhecida como teto de gastos. Embora não tenha durado muito e em seu primeiro ano tenha permitido uma expansão dos gastos públicos, em vez da contração esperada para os anos seguintes, o teto serviu ao para emitir um sinal de consolidação futura para o mercado.
“O Brasil estava em um marasmo econômico, o que normalmente permite a queda dos juros. Então a sociedade aceitou um juro nominal de 6%, o que correspondia a aproximadamente 3% de juro real, algo incomum no Brasil”, comenta Terra. “Mas é preciso acrescentar um grão de sal: se o crescimento estava em 1%, quem alocava seus investimentos ao juro real de 3% está se beneficiando muito, relativamente ao acréscimo de riqueza do país. Mesmo nesse momento, mantivemos o costume dos juros de pouco risco rendendo bem acima da atividade econômica.”
O último ciclo de alta da Selic, iniciado em março de 2021, procurou responder à alta dos preços que se seguiu à crise de cadeias de produção na retomada pós-pandemia. O BC brasileiro começou a elevação antes de suas contrapartes nos países desenvolvidos e foi mais agressivo na política monetária. Para Oreiro, os indicadores atuais da inflação sugerem que um novo ciclo de baixa já poderia ter começado. “Só agora os juros reais americanos saíram do negativo. Na Europa, a inflação está mais alta do que aqui e as regras fiscais foram suspensas. Nem a inflação, nem a situação fiscal explicam que o juro real seja tão mais alto no Brasil. Então o que explica?”

Reduzir jornada de trabalho: sonho que não será fácil para a indústria brasileira, diz especialista (Sputinikk Brasil, 10/06/2023)

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10:18 10.06.2023 (atualizado: 11:33 10.06.2023)

Linha de montagem de indústria automotiva no Rio de Janeiro. - Sputnik Brasil, 1920, 10.06.2023

© Folhapress / Daniel Marenco

Uma organização internacional vai montar um plano piloto no Brasil para testar os efeitos da semana de trabalho de quatro dias, algo que já foi tentado com algum sucesso em outros países. No entanto, o economista José Luis Oreiro alertou à Sputnik que o modelo pode ser difícil de aplicar na indústria, que não investe em tecnologia há décadas.

A possibilidade de reduzir a jornada de trabalho começa a ser pauta de vários países sul-americanos, principalmente depois que o Chile deu o primeiro passo na região em abril de 2023 ao reduzir a jornada máxima de trabalho semanal para 40 horas. A partir de então, o assunto passou a circular também em sindicatos e câmaras empresariais de países vizinhos, como Argentina ou Uruguai.

O mesmo está acontecendo no Brasil, onde um plano-piloto montado por um organismo internacional poderia lançar as bases para uma rediscussão do tema. De fato, a organização 4 Day Week (Quatro dias por semana) se propõe a iniciar um plano na maior economia da região latino-americana para testar como o novo sistema funcionaria em empresas que se registram voluntariamente.

“O piloto de quatro dias nos permite alcançar os mesmos resultados de produtividade e vários outros ganhos com menos tempo de trabalho. As empresas que fazem a transição para uma semana de trabalho de 32 horas percebem aumentos de produtividade, melhor atração e retenção de talentos, envolvimento mais profundo do cliente e melhor saúde, bem-estar e felicidade dos colaboradores”, relata a organização.

O projeto, que começaria em setembro de 2023 com as empresas que aderirem, propõe para o Brasil um programa “100-80-100”, denominação para “100% do salário, trabalhando 80% do tempo e mantendo 100% da produtividade”.

Os promotores deste modelo já o aplicaram no Reino Unido. Lá, conforme promovem, participaram 2.900 trabalhadores de 61 empresas, dos quais 92% “continuaram com a semana de quatro dias” após o programa. A organização garante ainda que 39% dos trabalhadores se sentem menos estressados ​​e que 51% consideram mais fácil conciliar a vida familiar com o trabalho.

Ainda assim, a experiência britânica pode não se traduzir exatamente no Brasil. Em diálogo com a Sputnik, o economista José Luis Oreiro lembrou que no país lusófono, ao contrário do território europeu e de outras nações onde esta experiência foi realizada, a jornada de trabalho não é de 40 horas semanais, mas de 44. “Você trabalha oito horas diárias de segunda a sexta-feira e quatro ao sábado de manhã”, sublinhou, considerando que esta diferença deve poder adiar os efeitos positivos verificados nas experiências europeias.

O economista considerou ainda que o sucesso deste tipo de experiência pode variar de acordo com o setor da economia em que é realizada. Nesse sentido, ele alertou que, embora seja viável no setor de serviços, a redução de jornada pode se tornar mais difícil no setor industrial.

Oreiro destacou que a indústria brasileira “está há 15 anos estagnada porque não são feitos investimentos em atualização tecnológica“. Sem a aquisição em larga escala de maquinários de última geração, seria muito difícil alcançar o aumento de produtividade que a redução de horas exige para ser bem-sucedida, ponderou o especialista.

O economista não acredita que, apesar de o assunto ter entrado na agenda pública, a redução da jornada possa ser incorporada de forma significativa à agenda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Embora a redução da jornada de trabalho não pareça ser uma das prioridades do atual governo no Brasil, Lula não se opôs ao tema.

Em entrevista ao UOL Notícias, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse: “É plenamente factível levar toda a jornada máxima para 40 horas semanais. O correto, porém, é nascer isso das lutas sociais. E não simplesmente o governo mandar o projeto de lei propondo isso. Precisa haver um processo de mobilização e por isso minha provocação para os sindicatos”.

Melhorar o transporte, uma medida alternativa

Oreiro considerou que o governo do líder do Partido dos Trabalhadores (PT) poderia aplicar algumas medidas mais concretas que, na prática, funcionem como uma melhoria na produtividade e bem-estar da mão de obra do gigante sul-americano.

Segundo o economista, é comum o trabalhador brasileiro perder “entre três ou quatro horas por dia” no deslocamento de ida e volta ao trabalho. Um sistema de transporte mais eficiente poderia, ele considerou, melhorar o bem-estar dos funcionários, sem maiores custos para as empresas.

Uma proposta para a Renovação da Frota de Automóveis do Brasil

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Em matéria publicada hoje no Correio Braziliense (https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/06/5099564-haddad-programa-para-baratear-carros-sera-voltado-para-onibus-e-caminhoes.html) le-se que o Ministro da Fazenda Fernando Haddad vai se encontrar com o Presidente Lula para propor uma repaginação do programa para baratear os carros populares no sentido de focar o transporte de carga (caminhões) e de pessoas (ônibus). Essa proposta do Ministro Haddad tem uma série de problemas. Em primeiro lugar, vai aumentar a dependência do transporte de cargas por caminhão, o que é um erro do ponto de vista da garantia da ordem constitucional no Brasil dada a manifestada penetração do Bolsonarismo entre os motoristas de caminhão, como ficou patente no final de 2022. Em segundo lugar, a forma mais eficiente de promover o transporte de cargas e pessoas num país continental como o Brasil é por intermédio de ferrovias. O Brasil precisa desenvolver uma rede de ferrovias para o transporte de cargas que não se limite ao atual modal de corredores de exportação de produtos primários, mas seja ampliado para o transporte de produtos manufaturados entre as regiões produtoras e seus mercados consumidores. Além disso, é notória a virtual inexistência de transporte de passageiros por intermédio de ferrovias, algo que é uma idiosincrasia brasileira, pois mesmo países em desenvolvimento com renda per-capita inferior a brasileira possuem uma malha ferroviária de transporte de passageiros, coisa inexistente em nosso país. Em terceiro lugar, ônibus e caminhões são veículos altamente poluentes pois são movidos a óleo diesel, o que vai na direção contrária ao objetivo de fazer uma transição para uma economia de baixo carbono. Por fim, mas não menos importante, a indústria automobilística brasileira se encontra com elevada capacidade ociosa, sendo necessário um empurrão de demanda por automóveis para evitar o colapso deste importante setor da indústria manufatureira, o qual tem grandes encadeamentos para frente e para trás na cadeia produtiva, sendo assim capaz de gerar muitos empregos indiretos, além dos empregos diretos gerados na produção de veículos.

Isso posto, minha proposta é a seguinte. A frota de automóveis brasileira está muito velha, com uma idade média superior a 10 anos. Esses automóveis são altamente poluentes, pouco econômicos e, portanto, são grandes emissores de CO2 na atmosfera. Sendo assim, o governo poderia instituir um programa de compra de carros com mais de 15 anos de uso ao preço da tabela FIPE com a condição de que o dinheiro obtido com a venda desses automóveis para o governo seja obrigatoriamente usado na aquisição de um carro zero quilômetro híbrido ou elétrico. O BNDES faria o financiamento da diferença entre o preço do carro zero e o valor recebido do governo pelo carro usado, por um prazo de 5 anos, tendo como garantia o carro zero (contrato de leasing). Por fim, os carros usados adquiridos pelo governo seriam transformados em sucata e vendidos para empresas privadas para a reciclagem do material usado na sua fabricação.

Nesse formato, o programa do governo cumpriria o objetivo de (i) estimular a demanda por automóveis e a ocupação da capacidade ociosa da indústria automobilística no Brasil, criando empregos diretos e indiretos e (ii) reduzir a emissão de CO2 na atmosfera devido ao uso de carros altamente ineficientes no que se refere a emissão de CO2. Além disso, nesse caso, não há concessão de subsídio por parte do governo para a indústria automobilística. Os carros seriam vendidos ao preço de tabela das montadoras. Contudo, devido a existência de economias de escala na produção industrial, o surgimento de um volume elevado de demanda por automóveis novos deverá levar a uma redução do custo marginal de produção das montadoras, permitindo assim uma queda dos preços de venda. Lembrando que a indústria automobilística é o claro exemplo de indústria dependente de escala.

Índice de Variação de Aluguéis Residenciais sobe 0,76% em abril (Brasil 61, 08/05/2023)

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Foto: Diogo Moreira/Agência Brasil.

O Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (IVAR) subiu 0,76% no mês de abril de 2023. O resultado representa uma desaceleração em relação à taxa registrada em março, quando houve elevação de 0,97%. Com esse resultado, a taxa acumulada em 12 meses passou de 8,90% em março deste ano para 8,84% no mês de abril.

O economista José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, explica quais motivos levaram a esse cenário de desaceleração do Índice de Variação de Aluguéis. “A razão da desaceleração do Índice de Aluguéis, que capta  a inflação dos aluguéis está diretamente relacionada ao comportamento do IGPM. Por lei os contratos de aluguéis devem ser reajustados anualmente pelo Índice Geral de Preço de Mercado.”  

De março para abril, duas das quatro cidades componentes do IVAR apresentaram queda no indicador. No último mês, Rio de Janeiro registrou queda de 0,25%. Já em Belo Horizonte foi notada uma redução de 3,83%. Por outro lado, São Paulo teve uma elevação de 2,30%, enquanto Porto Alegre, de 1,24%.

Quando a comparação é feita entre abril deste ano com o mesmo mês do ano passado, Rio de Janeiro e Belo Horizonte voltam a apresentar queda no indicador. Enquanto a capital fluminense passou de 10,24% para 9,63%, a mineira passou de 14,79% para 10,48%. Já São Paulo subiu de 7,32% para 8,41%; enquanto Porto Alegre passou de 6,95% para 7,40%.

Tendência de redução

Conforme o economista Oreiro, a tendência para os próximos meses é de redução no índice.

“O IGPM acumulado nos últimos 12 meses tem desacelerado, inclusive no mês passado ele teve variação negativa e o Índice caiu  basicamente por duas razões. Em primeiro lugar, porque houve uma valorização do real frente ao dólar como IGPM. Quando há uma valorização do real frente ao dólar, então muitas mercadorias caem de preço porque elas são importadas ou bem extracionável, então o seu preço acaba ficando mais barato em reais”.

O IVAR é o indicador que mede a evolução mensal dos valores de aluguéis residenciais do mercado de imóveis no Brasil. A próxima divulgação pelo FGV-IBRE está prevista para o dia 7 de junho próximo.

Fonte: Brasil 61

Link: https://brasil61.com/n/indice-de-variacao-de-alugueis-residenciais-sobe-0-76-em-abril-bras238208

Economista aponta necessidade urgente da reindustrialização do país (Hora do Povo, 01/05/2023)

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Por Hora do Povo  Publicado em 1 de maio de 2023

José Luis Oreiro. Foto: FGV

José Luís Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília, defende, em artigo que reproduzimos na íntegra, que “o Brasil” para “retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização”.

Com dados, o economista mostra que “a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB”, iniciada com a era neoliberal dos anos 80/90.

“No período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos”, sustentou.

“Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos”, aponta Oreiro.

“No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020”.

Oreiro desmonta a tese de que a perda da indústria de transformação seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. Ele afirma que este “não é o caso do Brasil”.

Segundo o economista, “a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil”, asseverou.

Por que o Brasil está se tornando economicamente irrelevante?

JOSÉ LUIS OREIRO*

A edição do jornal O Estado de São Paulo de hoje (30 de abril de 2023) apresenta uma matéria muito interessante intitulada “Economia brasileira perde relevância e tem a menor participação no PIB global em mais de 40 anos” (Ver: https://www.estadao.com.br/economia/economia-brasileira-perde-relevancia-e-tem-a-menor-participacao-no-pib-global-em-mais-de-40-anos/) na qual se apresentam dados que mostram a perda de relevância da economia Brasileira no cenário mundial nos últimos 40 anos. Segundo a matéria, que ser baseia em dados do FMI, a economia brasileira passou de cerca de 4% do PIB mundial em 1980, para cerca de 2,3% do PIB mundial ao final de 2023, uma queda de 42,5% na participação do Brasil na economia mundial num período de 43 anos.

Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos. Com efeito, como observamos na figura abaixo, que apresenta a média móvel decenal do crescimento do PIB per-capita brasileiro entre 1930 e 2017, no período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Essa aceleração do crescimento da economia brasileira ocorreu simultaneamente com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB, a qual passou de 15% em 1947 para quase 22% em 1975, conforme figura abaixo extraída de Marconi e Rocha (2011). Desde então, a economia brasileira vem presenciando um processo de desindustrialização precoce ou prematura, a qual está claramente relacionada com a perda de dinamismo da economia brasileira nos últimos 40 anos.

Fonte: Marconi e Rocha (2011)

No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua, conforme figura abaixo construída a partir de dados do Banco Mundial, com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020.

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Fonte: Banco Mundial

Esses dados mostram que a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB, ou seja, com a desindustrialização. Alguns economistas acreditam que a desindustrialização seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. De fato, existe uma desindustrialização que podemos classificar como “natural” resultante da combinação da diversificação da pauta de consumo com o aumento da participação dos serviços com o aumento da renda per-capita (Lei de Engel) e do crescimento mais acelerado da produtividade do trabalho na indústria relativamente aos demais setores de atividade econômica. Essa combinação de fatores explica porque a partir de um certo patamar de renda per-capita a participação do emprego industrial no emprego total e do valor adicionado na indústria no PIB começam a declinar. Essa desindustrialização natural, contudo, é um fenômeno de economias maduras nas quais a mão-de-obra foi totalmente transferida do setor de subsistência para o setor moderno, de maneira que os diferenciais de produtividade entre os setores de atividade econômica são relativamente pequenos. Nesse caso, a economia atinge um estado de maturidade (Kaldor, 1967) no qual o crescimento do PIB per-capita depende mais do avanço da fronteira tecnológica e do aumento do nível geral de produtividade do que da transformação da estrutura de emprego e produção permitida pela industrialização. Está claro que esse não é o caso do Brasil. A desindustrialização no Brasil tem início, no entanto, sem que a economia brasileira tivesse conseguido ultrapassar o “ponto de Lewis”, ou seja, com um percentual expressivo da força de trabalho alocada em atividades precárias ou de subsistência conforme podemos observar no quadro abaixo.

Source: Oreiro et al (2023).

Nesse contexto, tentar superar a perda de dinamismo por intermédio de um aumento massivo dos gastos com educação, como defendem alguns economistas, irá apenas atuar no sentido de aumentar a qualificação da mão-de-obra desempregada ou subempregada. Ros (2013), com base numa amostra de 87 países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que o nível educacional – medido pelo número de anos de estudo da força de trabalho com mais de 25 anos – e a participação do emprego industrial no emprego total possuem uma correlação alta (0,65) de maneira que podemos considerar as duas variáveis como complementares. Isso significa que para que seja possível um aumento do nível educacional da força de trabalho é necessário aumentar a participação do emprego industrial no emprego total, até porque as empresas que demandam uma mão-de-obra mais educada e qualificada são, em sua maioria, empresas do setor industrial ou empresas do setor de serviços que atendem as demandas do setor industrial.

Fonte: Ros (2013, p. 22)

Não é de admirar, portanto, o desinteresse cada vez maior de parte da sociedade brasileira pela formação universitária: um país que, nos últimos 40 anos, se tornou um grande fazendão pariu uma sociedade na qual uma parcela expressiva de cidadãos acha que os gastos do Estado Brasileiro com ensino superior e com ciência e tecnologia não passam de “boquinha” e “mamata” para “vagabundos”, “maconheiros” e “comunistas’.

A grande mídia, nos últimos 40 anos, criou bordões como “o agro é pop”, o “agro é tudo”. Constantemente somos bombardeados por propaganda subliminar que tenta convencer a sociedade brasileira que o agronegócio é uma máquina de prosperidade e de que a economia brasileira precisa desse setor para (sic) se desenvolver. Na verdade, contudo, a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com a perda de importância das exportações de manufaturados nas exportações totais, ou seja, com a reprimarização da pauta de exportações, como podemos visualizar na figura abaixo:

Fonte: Banco Mundial.

O agronegócio está bem longe de ser uma máquina de desenvolvimento como quer fazer parecer a grande mídia. Conforme dados apresentados na Tabela abaixo extraída do blog Valor Adicionado, a agropecuária é o setor que apresentou em 2020 a menor remuneração mensal do trabalho entre todos os setores de atividade econômica, menor inclusive do que a construção civil, cerca de 47% da remuneração paga na indústria de transformação e apenas 53% da remuneração média do trabalho no Brasil. Definitivamente o “agro não é pop”.

Em suma, para que o Brasil possa retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização. A evidência empírica recente parece apontar também para a existência de uma relação positiva entre industrialização e democracia (https://preprints.apsanet.org/engage/api-gateway/apsa/assets/orp/resource/item/61bbcb3e02c2146464287888/original/industrialization-and-democracy.pdf), de tal maneira que a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil.

Referências

Kaldor, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. New york State school of industrial and labor relations, Cornell University, Ithaca.

Marconi, N; Rocha, M. (2011). “Desindustrialização Precoce e Sobrevalorização da Taxa de Câmbio”. Texto para Discussão 1681, IPEA-DF.

OREIRO, J. L. C.GABRIEL, L. F. ; DAMATO, S. ; SILVA, K. M. (2023). “LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION”. Panoeconomicus, no prelo.

Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford.

*JOSÉ LUIS OREIRO, possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). Atualmente é professor adjunto do departamento de economia da Universidade de BrasÍlia.

Artigo reproduzido do site do autor: https://jlcoreiro.wordpress.com/

Norte e Centro-Oeste têm maior crescimento de empresas exportadoras (Portal Vermelho, 05/04/2024)

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Embora o dado seja positivo, as desigualdades regionais despontam também nesse quesito. As regiões Sudeste e Sul são as maiores concentradoras de firmas exportadoras

por Iram Alfaia

Publicado 05/04/2024 12:01 | Editado 05/04/2024 12:20

(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, diz que o governo trabalha para que todas as regiões do país possam exportar e melhorar a participação das micro e pequenas empresas (MPEs) no mercado internacional.

A fala do ministro faz referência ao estudo da Secretária de Comércio Exterior (Secex) segundo o qual as regiões Norte e Centro-Oeste foram as que tiveram o maior aumento percentual de novas empresas brasileiras exportadoras em 2023.

Embora o crescimento nessas regiões seja positivo, as desigualdades regionais despontam também nesse quesito.

As regiões Sudeste e Sul são as maiores concentradoras de empresas exportadoras, sendo 83,6% no caso das microempresas, 88,3% nas pequenas e 87,7% nas médias e grandes.

“É nesse sentido que lançamos no ano passado a Política Nacional da Cultura Exportadora (PNCE). A ideia é justamente elevar a participação das MPEs no mercado internacional, com mais cidades de todas as regiões exportando”, afirma o ministro.

Alckmin destaca o fato das MPEs exportarem, predominantemente, produtos manufaturados, o que aumenta a qualidade e a competitividade da pauta exportadora brasileira, que é um dos objetivos centrais da Nova Indústria Brasil.

“Além de exportar mais, temos que incluir as pequenas empresas. Expandir para o Brasil inteiro exportar. Nós temos uma tarefa grande. Exportar com valor agregado, pois se a gente pegar a pauta de exportação brasileira, temos soja, petróleo bruto e minério de ferro. Isso é 40% da exportação brasileira, três produtos. Então, nós precisamos agregar valor, diversificar mais, ter mais destinos para o nosso comércio exterior”, explica.

O economista José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB), alega que existe a diferença de escala entre as regiões, isto é, as populações do Sudeste e Sul são muito maiores do que o Centro-Oeste e Norte.

“Assim não podemos analisar os dados sem controlar o tamanho da população. Ou seja, temos que calcular o número de firmas exportadoras por habitantes para ver se existe uma desigualdade muito grande. A priori eu não sei se existe”, observa o economista ao Portal Vermelho.

Estudo

De acordo com o levantamento, o Brasil alcançou o recorde de 28.524 firmas vendendo para o exterior – total 2% superior a 2022.

O relatório da Secex mapeia esse crescimento a partir do porte das empresas (micro, pequenas, médias e grandes), cruzando com informações sobre produtos exportados, destino (blocos e países) e origem (regiões e Estados).

No recorte regional, o maior crescimento percentual ficou com o Norte: 8,8%. Na sequência aparecem Centro-Oeste (8%), Sul (2,6%) e Sudeste (1,4%).

O Nordeste teve uma pequena queda no total (-1,6%), índice puxado pelo recuo no número de micro e grandes empresas participando do comércio exterior: -3,9% e -2,4%, respectivamente. Em compensação, a região registrou o maior crescimento percentual em relação às empresas exportadoras de pequeno porte: 7,5%.

Já entre as empresas de grande porte, a maior alta percentual se deu no Centro-Oeste (11%); enquanto as microempresas tiveram destaque no Norte – crescimento de 10%.

Com informações do MCDI

A ignorância confiante de Deirde McCloskey sobre o papel da Teoria do Valor no Pensamento Econômico

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Por José Luis Oreiro

Não sou assinante da Folha de São Paulo, mas apenas do Valor Econômico, único jornal que leio com certa regularidade para me atualizar sobre a conjuntura econômica do Brasil. Fiquei sabendo por outras pessoas a respeito da última coluna da Sra. McCloskey na Folha de São Paulo onde ela apresenta uma crítica a Teoria do Valor Trabalho de Marx para tentar denegrir a reputação profissional da economista Maria Mazzucato a quem ela denomina de economista marxista. Recentemente eu li o livro O Estado Empreendedor de Mazzucato e não vi nada lá que tive algo que ver com Marx. O marco teórico de Mazzucato é uma síntese entre o Pensamento de John Maynard Keynes sobre a influência da incerteza sobre a tomada de decisão e as ideias de Joseph Schumpeter sobre a inovação tecnológica e o processo de destruição criativa como o motor do capitalismo. A tese central de Mazzucato é que a inovação tecnológica, principalmente aquela de caráter desruptivo, envolve uma dose alta e não-mensurável de incerteza que inviabiliza a tomada de decisão por parte do setor privado, razão pela qual o Estado tem um papel fundamental no financiamento e planejamento do progresso tecnológico. Isso não tem nada que ver com Karl Marx ou com a teoria do valor trabalho.

Antes de apresentar os argumentos críticos de McCloskey a teoria do valor-trabalho, temos que entender o que é uma teoria do valor e qual o seu propósito. A teoria do valor é uma teoria a respeito da determinação das relações de troca ou do preço relativo das mercadorias, ou seja, do preço da mercadoria A em termos da mercadoria B. Se conhecermos a relação de troca entre as mercadorias será possível comparar magnitudes de mercadorias diferentes, reduzindo essas magnitudes a um denominador comum. A teoria do valor trabalho estabelece apenas que esse denominador comum é o trabalho, mais especificamente a quantidade de horas de trabalho direta e indiretamente necessárias para a produção das mercadorias. Assim se são necessárias 4 horas de trabalho para produzir uma cadeira (incluindo os insumos e instrumentos utilizados na produção da mesma) e 12 horas de trabalho para produzir uma mesa então a relação de troca será de 3:1, ou seja, tres cadeiras serão trocadas por uma mesa supondo uma economia de concorrência livre na qual os trabalhadores possam migrar do setor produtor de mesas para o setor produtor de cadeiras ou vice-versa sem nenhum custo.

Essa teoria foi originalmente formulada por David Ricardo em seu “Principios de Economia Política e Tributação” publicado originalmente em 1817. Não há nada na teoria de Ricardo que diga que o trabalho é a fonte do valor das mercadorias e que, portanto, os trabalhadores tem direito de se apropriar de todo o fruto do seu trabalho. O capital é visto como necessário ao processo produtivo por consistir num adiantamento dos meios de subsistência dos trabalhadores e no conjunto dos meios de produção. Como tal o capital deveria ter uma remuneração proporcional ao volume aplicado na produção, sendo essa proporção da pela taxa de lucro, a qual em condições de concorrência livre, deveria ser igual para todos os setores da economia.

Os salários, por sua vez, seriam determinados pelo preço natural do trabalho entendido por Ricardo como o valor – em termos de horas trabalhadas – dos meios de subsistência necessários para a reprodução da força de trabalho. Importante notar que a subsistência aqui não é definida em termos estritamente fisiológicos, mas histórico-institucionais: trata-se do valor do salário real que cada sociedade, em cada momento histórico específico, considera como sendo o mínimo necessário para a reprodução da força de trabalho. Em suma, o salário de subsistência é uma convenção social.

Marx avançou onde Ricardo parou. Para Marx a origem do excedente social – entendido como a diferença entre o produto social e o consumo necessário para a reprodução em escala simples do sistema produtivo – seria gerado pela apropriação da mais-valia, ou seja, da diferença entre o valor que os trabalhadores adicionam no processo produtivo e o valor de reprodução da força de trabalho. Em outras palavras, Marx afirmava que em condições de concorrência livre o número de horas trabalhadas era maior do que o necessário para repor os meios de produção utilizados na produção das mercadorias e a reprodução da força de trabalho. Esse sobre-trabalho não remunerado é a origem do lucro.

Qual a crítica de McCloskey a essa teoria? No artigo da FSP ela diz que a teoria do valor trabalho está errada porque (sic) as decisões econômicas são tomadas com base nos resultados futuros, não com base no passado. Assim (sic) os custos fixos (por exemplo, o custo com máquinas e equipamentos utilizados no processo produtivo) por serem custos afundados não seriam relevantes para a determinação dos preços relativos. Essa é a afirmação mais idiota ou mal intencionada que já li de um colega economista. Qualquer empresário, ao determinar os preços pelos quais espera vender seus produtos, precisa embutir uma margem de lucro que seja suficientemente alta para lhe proporcionar uma taxa de lucro desejada sobre o capital investido. Se a taxa de lucro se mostrar sistematicamente menor do que a desejada então o empresário irá encerrar seu negócio e mudar para uma atividade mais lucrativa.

Em segundo lugar, o que custos afundados tem que ver com preços relativos? A teoria do valor trabalho diz que as mercadorias são trocadas a proporção da quantidade de trabalho necessária para a sua produção, o que inclui os meios de produção usados hoje para a produção dessas mercadorias. Está claro que o progresso técnico pode reduzir a quantidade de trabalho requerido para a produção dos equipamentos necessários para a produção de uma mercadoria, mas a menos que o progresso técnico seja diferenciado no interior do setor de bens de capital, então todas as mercadorias seriam igualmente beneficiadas, mantendo-se inalteradas as suas relações de troca.

Se a senhora McCloskey tivesse ao menos se dado o trabalho de ler o capítulo 1 dos Principios de Economia Política e Tributação de Ricardo então ela saberia que existe sim um problema grave de consistência interna com a teoria do Valor Trabalho. Para que as mercadorias sejam trocadas a proporção da quantidade de trabalho necessária para a sua produção é necessário que a proporção entre trabalho direto e trabalho indireto seja igual em todos os ramos de produção, do contrário, as relações de troca irão depender da taxa de lucro, criando assim um problema de circularidade lógica: para conhecer a taxa de lucro geral do sistema precisaremos conhecer os preços relativos, mas estes não podem ser determinados sem conhecer a taxa de lucro (Ver http://joseluisoreiro.com.br/site/link/fb90d279f318b7e6c8834c62b50003783ccd2861.pdf).

Marx estava perfeitamente ciente desse problema, e tentou resolve-lo ao tratar da questão da transformação de valores em preços de produção. Muito sucintamente, os preços de produção são o conjunto de preços que permite a obtenção de uma taxa uniforme de lucro em todos os setores de atividade produtiva, ao mesmo tempo que garantem a reprodução em escala simples da atividade produtiva, incluindo a reprodução da força de trabalho. Se a teoria do valor trabalho for correta a relação entre os preços de produção das n mercadorias produzidas dentro do sistema deve ser igual a razão entre as quantidades de trabalho direta ou indiretamente necessárias para a sua produção. Marx acreditou ser capaz de demonstrar essa equivalência. Para tanto ele considerou uma economia com 5 setores totalmente independentes entre si (ver https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=http%3A%2F%2Fjoseluisoreiro.com.br%2Fsite%2Flink%2Fa3b5e6ec7aa2af68cd579725133977e92aaed305.ppt&wdOrigin=BROWSELINK). Nesse contexto, Marx foi capaz de mostrar que a soma dos valores (em horas de trabalho) produzidas pelos 5 setores era igual a soma dos preços de produção. Acontece que a solução de Marx para o problema da transformação é apenas um caso particular. No caso mais geral no qual os setores de atividade econômica são inter-dependentes – como ocorre em qualquer tipo de análise insumo-produto – então não é possível mostrar a equivalência entre valores e preços de produção. Coube ao economista italiano Piero Sraffa no seu “Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias” que a teoria do valor é, na verdade, desnecessária: pode-se determinar os preços de produção sem qualquer referência a quantidade de trabalho direta ou indiretamente necessária para a produção das mercadorias. Além disso, a origem do excedente não se deve (a nível de teoria pura) a exploração da força de trabalho, mas a existência de uma mercadoria cuja produção seja superior a quantidade dessa mercadoria utilizada como insumo em todas as demais n-1 mercadorias produzidas dentro do sistema. Basta que uma única mercadoria tenha essa propriedade para que seja possível definir uma taxa de lucro uniforme e positiva para todo o sistema econômico.

Na parte final do seu artigo McCloskey afirma que a teoria do valor correta é a teoria marginal segundo a qual os preços são determinados pela produtividade marginal dos fatores de produção. Aqui McCoskey, deliberadamente ou não, está confundindo a teoria do valor com a teoria da distribuição de renda. A teoria neoclássica do Valor estabelece que os preços das mercadorias são determinados pelas condições de equilíbrio entre oferta e demanda em todos os mercados, o assim chamado equilíbrio geral Walrasiano. As condições de existência de um vetor de preços de equilíbrio para todos os mercados foram estabelecidas apenas na década de 1950 com o trabalho de K. Arrow e G. Debreu. A solução apresentada por eles, contudo, demanda a existência de mercados contingentes completos, ou seja, que existem mercados para todos os produtos definidos não apenas por intermédio de seus atributos físicos como também do tempo e do estado da natureza a ele associado. Nesse tipo de economia não existe incerteza, justamente o problema que é destacado por Mazzucato como essencial para entender o papel do Estado no processo de inovação tecnológica.

A teoria neoclássica da distribuição é que estabelece que os fatores de produção são remunerados de acordo com suas produtividades marginais, desde que a tecnologia de produção apresente retornos constantes de escala e que prevaleça a concorrência perfeita em todos os mercados de fatores. Ora a nova teoria do crescimento econômico já demonstrou por A + B que retornos constantes de escala são incompatíveis com o crescimento sustentado da produtividade do trabalho e da renda per-capita, logo a hipótese de retornos constantes é simplesmente absurda. Além disso, a simples experiência mostra que os mercados de trabalho e de capital estão (e sempre estiveram) muito longe da concorrência perfeita, razão pela qual a ideia de que os fatores de produção são remunerados com base na sua produtividade marginal é uma ideia absurda que é reproduzida até os dias atuais por razões puramente ideológicas de se retratar o capitalismo como um sistema justo, no qual cada um é remunerado de acordo com sua contribuição para o sistema.

O capitalismo é injusto por isso precisa ser socialmente regulado. Não se trata de defender a coletivização dos meios de produção como ocorreu na Revolução Bolchevique na Rússia em 1917. Sabemos que esse experimento de “socialismo real” foi um rotundo fracasso. Mas entre uma economia centralmente planificada e uma economia de livre-mercado existem 50 tons de cinza que compõe um mosaico de formas diferentes de regulação do capitalismo. Cada sociedade deve escolher o tom de cinza mais apropriado para a sua realidade.

Uma anomalia para a teoria horizontalista da moeda e do crédito: Bancos comercias estão mantendo reservas muito superiores ao requerimento compulsório

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Por José Luis Oreiro

Nas economias monetárias modernas os pagamentos referentes aos contratos a vista ou a termo são realizados majoritariamente por intermédio do sistema bancário através de ordens de transferência eletrônica de fundos entre as contas de depósitos a vista que os agentes possuem no sistema bancário. Apenas uma fração pequena e decrescente dos pagamentos é efetuada em papel-moeda.

Todos os dias ordens de pagamento são emitidas contra contas de depósito a vista mantidas pelos agentes em diferentes bancos comerciais. Dessa forma, ao final do dia, alguns bancos poderão ter um fluxo líquido negativo entre depósitos e saques das contas correntes, ao passo que outros terão um fluxo líquido positivo. Num sistema de crédito puro, ou seja, num sistema em que todos os pagamentos são efetuados por intermédio da transferência eletrônica de depósitos de um banco para o outro, o valor agregado das transferências líquidas é necessariamente igual a zero, pois o depósito que foi transferido de um banco será necessariamente depositado em outro.

Os depósitos a vista são uma obrigação que os bancos emitem contra si mesmos quando concedem um empréstimo. Com efeito, quando um banco comercial avalia que um determinado tomador de crédito é confiável e decide conceder um empréstimo, o valor dele é creditado na conta de depósito a vista do tomador no banco que concedeu o empréstimo. A partir desse momento o tomador pode emitir ordens de pagamento para liquidar obrigações contratuais, transferindo o valor referente as mesmas para as contas de depósito a vista de outros agentes, muitos dos quais podem possuir contas de depósito a vista em outros bancos comerciais.

Embora os bancos possam conceder empréstimos a agentes e instituições não-bancárias por intermédio de obrigações que eles criam contra si mesmos, os pagamentos entre bancos tem obrigatoriamente que ser feitos na moeda corrente da economia (Carvalho, 2015, p.69), cujo monopólio de emissão é do Banco Central. Dessa forma, para viabilizar o funcionamento do sistema de pagamentos, os bancos comerciais precisam manter reservas em moeda corrente no Banco Central para que, no final de cada dia, eventuais saldos negativos entre depósitos e saques de depósitos a vista possam ser zerados com a transferência de reservas dos bancos deficitários para os bancos superavitários.

Num sistema de crédito puro não há vazamentos de depósitos para fora do sistema bancário de maneira que a posição líquida agregada entre depósitos e saques entre bancos comerciais é igual a zero. Nesse tipo de sistema, a princípio os bancos comerciais não teriam muito incentivo para manter grandes reservas no Banco Central porque os bancos deficitários podem tomar emprestado as reservas que necessitam junto aos bancos superavitários no assim chamado mercado interbancário, pagando a taxa de juros relativa a esse tipo de empréstimo. Como todo empréstimo, no entanto, os bancos deficitários precisam apresentar garantias para os bancos superavitários para se habilitarem a tomar emprestado as reservas que necessitam. Caso exista desconfiança quanto a solvência dos bancos deficitários devido a elevada inadimplência dos empréstimos concedidos por eles (non-performing loans), os bancos superavitários podem ter dúvidas sobre a capacidade dos bancos deficitários pagarem os empréstimos, situação na qual a execução das garantias pode se mostrar insuficiente ou até mesmo inviável. Nesse caso, os bancos superavitários irão se mostrar pouco dispostos a emprestar as reservas que os bancos deficitários necessitam, aumentando assim o valor da taxa de juros dos empréstimos entre bancos. Em situações limite de desconfiança a taxa de juros dos empréstimos do mercado interbancário pode se tornar tão elevada a ponto de inviabilizar esses empréstimos, o que resultaria na paralização do sistema de meios de pagamento.  

Esse tipo de situação não é apenas uma curiosidade teórica, mas ocorreu de fato com a erupção da crise financeira internacional de 2008 após a falência do Banco de Investimentos Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008. A figura 6.1 abaixo mostra o comportamento da taxa de juros LIBOR (London Interbank Offered Rate), que consiste na taxa de juros referencial diária, calculada com base na média das taxas de juros oferecidas para grandes empréstimos entre bancos internacionais que operam no mercado de Londres. Entre meados de agosto e início de setembro de 2008 a LIBOR se encontrava num patamar baixo e estável ligeiramente acima de 2% a.a para operações de crédito overnight, ou seja, para empréstimos de um dia. O aumento da percepção de incerteza devido a falência do Lehman Brothers se expressou não só num aumento do significativo da Libor, que aumentou quase 300%, como também numa maior instabilidade dessa taxa até meados de outubro de 2008.

Em situações em que o mercado interbancário colapsa devido a desconfiança mútua entre os bancos, a solução é o Banco Central atuar como emprestador de última instância, ou seja, emprestar as reservas que os bancos deficitários precisam para zerar efetuar os pagamentos devidos aos bancos superavitários. Geralmente, os bancos comerciais podem acessar livremente as linhas de crédito do banco central a taxa de juros fixada pela autoridade monetária. Esse acesso permite que, na maior parte do tempo, as taxas de juros prevalecentes no mercado interbancário apresentem apenas pequenas flutuações em torno da taxa de juros para empréstimos de reservas fixada pelo Banco Central.

A possibilidade de os bancos comerciais tomarem emprestado as reservas que necessitem do Banco Central a taxa por ele estipulada é o pilar central da teoria horizontalista da moeda e do crédito, segundo a qual empréstimos criam depósitos e depósitos criam reservas (Hein, 2008, pp. 44-47). Como o volume de meios de pagamento é constituído por depósitos a vista e reservas bancárias, segue-se que a oferta de moeda é não apenas uma variável endógena como também perfeitamente elástica ao nível da taxa de juros definida pelo Banco Central.

Figura 6.1 Comportamento da Taxa de juros LIBOR expressa em US$ dólar no período compreendido entre 15 de agosto e 31 de dezembro de 2008.

Fonte: USD LIBOR interest rates in 2008 (global-rates.com).

Essa teoria a respeito da endogeneidade da oferta de moeda tornou-se hegemônica entre os economistas pós-keynesianos nos últimos 15 anos, em grande medida devido ao esforço de autores como Marc Lavoie e Louis-Phillipe Rochon em desenvolver os aspectos teóricos e institucionais da teoria horizontalista. Em particular, as duas edições (2014, 2022) do livro “Post-Keynesian Economics: new foundations” de autoria de Marc Lavoie fazem uma apresentação detalhada e bastante convincente da teoria horizontalista.

Uma implicação tácita da teoria horizontalista da moeda e do crédito é uma redução da importância da preferência pela liquidez, elemento central no sistema teórico de Keynes. O equilíbrio com desemprego resulta, como vimos, de uma taxa de juros de longo-prazo excessivamente alta, a qual reflete não apenas as convenções prevalecentes no mercado financeiro a respeito do comportamento futuro da taxa de juros fixada pela autoridade monetária como também a preferência pela liquidez dos agentes que se expressa no prêmio de liquidez dos ativos de longa maturidade relativamente aos ativos de curta maturidade. Para que os agentes estejam dispostos a pagar pela posse de liquidez é necessário, contudo, que a oferta de ativos perfeitamente líquidos não seja ilimitada. A esse respeito Keynes afirma na sua Teoria Geral que:

“(…) É improvável que um ativo, cuja oferta pode ser facilmente aumentada ou cujo desejo pode ser facilmente desviado por uma mudança em seu preço relativo, possua o atributo de liquidez na mente dos donos da riqueza. O próprio dinheiro perde o atributo de liquidez se se espera que sua oferta futura sofra mudanças bruscas” (Keynes, 1936, p. 241, nota de rodapé 1) [Tradução do autor]

No caso dos bancos comerciais em particular, a teoria horizontalista da moeda e do crédito tem uma implicação empiricamente testável, qual seja, os bancos comerciais não irão manter reservas em excesso ao exigido pelo Banco Central dado que podem tomar emprestado as reservas que necessitam junto a autoridade monetária a taxa de juros por ela fixada, quando isso for necessário. O problema é que essa previsão da teoria não é amparada pelos fatos. Como mostra Koo (2022, p. 269), os bancos comerciais privados dos Estados Unidos, Japão, área do Euro e Reino Unido aumentaram significativamente as reservas voluntárias nos seus respectivos bancos centrais desde 2008. Em 2021 as reservas voluntárias representavam, 15.9% do PIB nos Estados Unidos, 85,9% do PIB no Japão, 29.8% do PIB na área do Euro e 40,9% do PIB no Reino Unido. Dados do Federal Reserve a respeito das reservas emprestadas para os bancos comerciais americanos no período 1959-2020 mostram que os bancos comerciais só recorrem ao empréstimo de reservas no Banco Central apenas em situações emergenciais (Koo, 2022, p. 354). A evidência empírica disponível, portanto, mostra que Bancos possuem preferência pela liquidez, a qual se expressa num montante significativo de reservas voluntárias mantidas no Banco Central.

A figura 6.2 abaixo mostra o comportamento das reservas bancárias em excesso ao mínimo exigido pelo Federal Reserve no período compreendido entre janeiro de 2000 e janeiro de 2020. É interessante observar que no período pré-crise financeira internacional de 2008 o volume de reservas bancárias em excesso no Federal Reserve era muito pequeno, inferior a 5% das reservas totais dos bancos comerciais. O único ponto fora do padrão se observou em setembro de 2001, o qual pode ser facilmente explicado pelo aumento da percepção de incerteza derivado do ataque as torres gêmeas em Nova Iorque no dia 11 de setembro de 2001. Essa situação muda radicalmente a partir de setembro de 2008, quando a razão entre as reservas excedentes e as reservas totais dos bancos comerciais depositadas no Federal Reserve aumenta para mais de 80%, num contexto em que a Fed Funds Rate foi reduzida para patamares próximos a zero por centro ao ano. Esse comportamento é uma clara evidência de que os bancos possuem preferência pela liquidez pois estão dispostos a manter grandes quantidades de ativos perfeitamente líquidos (as reservas bancárias) mesmo quando a remuneração delas é praticamente nula.

Fonte: Federal Reserve Economic Data (https://fred.stlouisfed.org). Elaboração do autor a partir dos dados coletados por Vitor Dotta.

Embora nas economias monetárias modernas a maior parte das transações sejam efetuadas por intermédio da transferência eletrônica de depósitos entre os bancos comerciais, uma pequena, mas ainda relevante parte dos pagamentos é feita em espécie. Isso significa que podem ocorrer vazamentos de depósitos para fora do sistema bancário caso o volume de saques de dinheiro em espécie seja superior ao volume de depósitos em papel-moeda feitos num determinado dia. Como os bancos comerciais não emitem a moeda legal, apenas um substituto próximo para ela que é o depósito a vista, então haverá uma saída líquida de recursos das reservas bancárias junto ao Banco Central para o público na forma de dinheiro em espécie. Para lidar com a diferença diária entre saques e depósitos em espécie, os bancos comerciais mantem uma parte de suas reservas em dinheiro nas agências bancárias. A atuação do Banco Central como emprestador de última instância garante que qualquer correntista poderá sacar o valor integral de seus depósitos a vista em espécie se assim o desejar, razão pela qual o papel-moeda e os depósitos a vista são tidos pelo público como substitutos perfeitos, e a proporção de moeda mantida na forma de dinheiro em espécie explica-se apenas pelos custos de transação associados a pequenos pagamentos. Em outras palavras, se o público confiar na capacidade e disposição das autoridades monetárias em garantir a conversibilidade dos depósitos a vista em papel-moeda a taxa de 1:1 então não haverá nenhum motivo para uma corrida bancária, ou seja, uma situação em que os depositantes tentam sacar seus depósitos a vista o mais rapidamente possível dos bancos comerciais antes que os saques sejam suspensos por falta de liquidez. No entanto, um episódio de corrida bancária ocorreu em setembro de 2007 com o Northern Rock Bank no Reino Unido após o Banco receber uma assistência emergencial de liquidez do Banco da Inglaterra, a qual foi comunicada ao público. Os depositantes fizeram então enormes filas na sede do banco na tentativa de retirar seus depósitos, originando a primeira corrida bancária no Reino Unido em 150 anos.

Em suma, a teoria horizontalista da moeda e do crédito tem implicações a respeito do comportamento dos bancos comerciais que não são respaldadas pelos fatos observador. A citação abaixo de Koo (2022, p. 361) é bastante clara sobre isso.

“Para contrair empréstimos junto ao FED, os bancos também tiveram de apresentar garantias de alta qualidade para garantir que os fundos dos contribuintes não fossem colocados em risco. Embora muitos economistas sem experiência em supervisão bancária, incluindo aqueles sobre a folha de pagamento dos bancos centrais, muitas vezes falem como se as reservas estivessem disponíveis gratuitamente do banco central à taxa de juros em vigor, qualquer banco que contraia empréstimos do banco central enfrenta uma miríade de custos, e aqueles que tomam empréstimos com muita frequência encontrarão auditorias extremamente desagradáveis. Isso explica por que as reservas emprestadas constituíam apenas 0,86% das reservas bancárias antes do lançamento do QE em 2008. (…) A noção de que um banco pode criar dinheiro do nada porque o Banco Central está sempre pronto para fornecer reservas “sob demanda” é, portanto, absurda” [tradução do autor]

Referências

Carvalho, F.C. (2015). Liquidity Preference and Monetary Economies. Routledge: Londres.

Hein, E. (2008). Money, Distribution Conflict and Capital Accumulation. Palgrave Macmillan: Londres.

Keynes, J,M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: undestanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Wiley: West Sussex.

Lavoie, M. (2022). Post-Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Cheltenham.

Spain and Brazil: Common Challenges

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José Luis Oreiro

Professor, Department of Economics, University of Brasilia

Jesus Ferreiro Aparício

Professor at the Faculty of Economics of the University of the Basque Country

The recent visit of the President of the Government of Spain, Pedro Sanchez, to Brazil is a good opportunity to revisit the obstacles to the economic development process that both countries face. In the period between 1990 and 2022, the ratio between the GDP per capita of Spain and Brazil, measured in purchasing power parity, remained stable, at around 2.6 times. This means that the GDP per capita growth rate in both countries was similar, around 1.43% p.a during this period.

In the period 1995-2007, Spain shows a faster growth of its GDP per capita, increasing from 2.60 to 2.90 the ratio between its GDP per capita and the Brazilian GDP per capita. The international financial crisis of 2008, however, represented an interruption in its development process for Spain, with GDP per capita remaining stagnant until 2022 at levels lower than those observed in 2007. Brazil, on the other hand, goes through the 2008 Crisis relatively unscathed, maintaining a reasonable pace of growth, until fall into the great recession of 2014-2016, which would result in a seven-year period of stagnation.

In 2023, the Spanish economy, like the Brazilian one, showed remarkable dynamism, especially when compared to its European partners. While for the European Union and the Eurozone, the European Commission forecasts a growth rate of 0.6% in 2023, Spain would have grown at a rate of 2.5%, behind only Croatia and Malta. As far as job creation is concerned, it would have grown by 1.1% in the euro area and 1% in the European Union, well below Spain, whose job creation (1.9%) is only lower than that of Ireland, Croatia and Malta.

These good figures, which make Spain one of the economic locomotives of Europe, hide its markedly cyclical nature. If we look at the behaviour of the Spanish economy from a long-term perspective, the conclusion we reach is very different, that is, a clear loss of dynamism over the last two decades.

As a result of its entry into the European Union in 1986, the Spanish economy gained a strong boost that led it to bring its real per capita income closer to the European average. Thus, between 1986 and 2005, Spain’s real GDP per capita increased by 76%, which meant that in 2005 it reached 78.5% of the Euro area average and 92.7% of the European Union average.

The outbreak of the International Financial Crisis of 2008 marked a turning point in Spain’s economic development process. From 2008 to 2023, Spain’s real GDP per capita would have grown by only 3.8%, well below the average of the eurozone (9%) or the European Union (13.5%), meaning that in 2023 Spain’s per capita income would have fallen to 75% of the eurozone’s per capita income and 83.1% of the European Union’s per capita income. Thus, if in 2007 Spain occupied the 13th place in the ranking of European Union countries (including the United Kingdom) by per capita income, in 2023 its position was 15th, having been surpassed by Cyprus and Malta. In fact, if the European Commission’s forecasts come true, in 2025 the Spanish ranking would fall to 16th place, being overtaken by Slovenia.

Reversing this process must be a central task for the Spanish economic authorities and for society as a whole. The poor results in terms of productivity growth can be explained, among other factors, by the growing weight of low-productivity sectors, such as tourism, the current engine of the Spanish economy, and by the loss of weight of the industrial sector, and by a model of competitiveness in which competitiveness prevails through costs based on low wage costs.  This is fostered by a labour market in which non-standard contracts and employment (temporary, permanent-discontinuous, part-time) continue to be overweighted and discourages investment in physical and human capital and innovation processes.

Spain, like Brazil, has undergone an intense process of deindustrialization, with the share of the manufacturing industry in GDP falling from 17% in 1997 to just over 11% in 2022, a level that has been more or less stable since 2011.  In Brazil, the behavior of the manufacturing industry’s share in GDP was more erratic. Between 1997 and 2004, the share of the manufacturing industry increased from 13% to 15% of GDP, in a positive and expected response to the end of the exchange rate anchor in January 1999. From 2005 onwards, the process of deindustrialization began again, with the share of the manufacturing industry falling from 15% in 2005 to 11% of GDP in 2022. 

When we look at the data of the manufacturing industry by technological intensity, some interesting contrasts appear. While the share of medium and high-tech industries in the GDP of the manufacturing industry in Spain increases from 31% in 2007 to 40% in 2022, thus showing that deindustrialization in Spain has affected low-tech industries more intensely; in Brazil, the share of medium and high-tech industries in the manufacturing industry GDP fell from 35% in 2007 to 31% in 2022, indicating that in the Brazilian case it is the sophisticated part of the manufacturing industry that is being most affected by deindustrialization.

Another similarity between the Spanish and Brazilian cases is the reduction in the pace of capital accumulation in the last 15 years. In fact, gross fixed capital formation in Spain fell from just over 30% of GDP in 2007 to 21% in 2022, a drop of 9 p.p. of GDP. In Brazil, the investment rate fell from 20% of GDP in 2007 to 15% to 16.5% of GDP in 2023.

The low dynamism of the economies of Brazil and Spain in the last 15 years seems to have a common denominator, the combination of deindustrialization and a reduction in the pace of gross fixed capital formation. This outcome is far from a mystery. Growth in labor productivity requires investment in new machinery and equipment that incorporates new technologies. It turns out that the manufacturing industry is the most intensive sector of activity in machinery and equipment. So if industry doesn’t grow, neither does investment, so productivity doesn’t increase. Without productivity growth, manufacturing industry loses competitiveness in the medium and long term even in a scenario of anemic growth in real wages. So we have a vicious cycle of low investment-deindustrialization-low investment. This is the nature of the middle-income trap that affects both Brazil and Spain.


The original portuguese version of this article is published at https://valor.globo.com/opiniao/coluna/espanha-e-brasil-desafios-comuns.ghtml

Samuel Pessoa e o Subdesenvolvimento

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Por José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

Em matéria publicada na Revista Exame em 09/03/2024 (https://exame.com/economia/brasil-e-subdesenvolvido-pela-baixa-produtividade-do-trabalhador-diz-samuel-pessoa/) Samuel Pessoa em entrevista para essa revista, parafraseando o escritor Britânico Cherteston, descobriu a Inglaterra. Ele descobriu que o Brasil é subdesenvolvido por causa da baixa produtividade do trabalhador. Não sei se ele chegou a ler o texto de Celso Furtado intitulado “Elementos de uma teoria do subdesenvolvimento” no qual o maior economista brasileiro de todos os tempo define subdesenvolvimento como uma estrutura produtiva híbrida na qual uma parte se comporta como uma economia capitalista moderna e, portanto, de alta produtividade; enquanto outra parte se mantem como uma estrutura arcaica que emprega pouco ou nenhum capital por trabalhador, sendo de baixa produtividade. A baixa produtividade (média) do trabalhador resulta, portanto, da incapacidade do setor moderno ou capitalista da economia de empregar toda a força de trabalho disponível pois a expansão capitalista é feita com bases nas técnicas de produção poupadoras de mão-de-obra, adequadas para as economias maduras como os Estados Unidos e a Europa Ocidental onde a mão-de-obra excedente foi eliminada no final do século XIX. Dessa forma, as economias subdesenvolvidas são estruturas duais nas quais a estrutura de emprego é altamente heterogênea, com uma grande parte da força de trabalho empregada em setores de baixa produtividade.

Samuel Pessoa, no entanto, distorce o conceito Furtadiano de economia subdesenvolvida ao declarar que a baixa produtividade não se deve a estrutura do emprego mas (sic) a características embutidas no trabalhador como o baixo nível de escolaridade. Nas suas palavras: “A educação de qualidade dá duas coisas para o trabalhador. A primeira é a cognitiva, que seria a capacidade de resolver problemas, raciocínio lógico e comunicação clara, que você aprende nos bancos escolares. E a segunda seriam as habilidades socioemocionais, a capacidade de aguentar frustação, persistência, cálculo prospectivo, capacidade de operar em grupo. Não nascemos sabendo dessas coisas. Segundo os estudos que conheço sobre o assunto, a falta dessas qualidades é responsável por 50% da baixa produtividade do trabalhador”.

Está claro que eu não discordo da tese de que o nível educacional da força de trabalho brasileira é baixo, embora avanços importantes tenham sido obtidos nos últimos anos. O problema, contudo, não está no perfil da força de trabalho, mas na qualidade dos postos de trabalho que são oferecidos no Brasil. A estrutura de emprego no Brasil é bastante arcaica, e isso está relacionado com dois fatores : (a) o baixo estoque de capital físico por trabalhador e (b) a desindustrialização da economia brasileira.

Para entender isso, vamos começar com algumas identidades contábeis bastante simples.

O produto per-capita (Y/N) pode ser expresso da seguinte forma:

Y/N = (Y/L)*(L/N) (1)

Onde: Y/L é o produto por trabalhador e (L/N) é a taxa de participação, ou seja, o percentual da população que faz parte da força de trabalho.

Desde o advento da Revolução Industrial as diferenças no produto per-capita são fundamentalmente explicadas por diferenças na produtividade, muito embora tenha ocorrido um aumento da taxa de participação na maioria dos países no período pós segunda guerra mundial devido a absorção crescente de mulheres no mercado de trabalho

O produto por trabalhador pode ser expresso como:

Y/L = (Y/K)*(K/L) (2)

Onde Y/K é a produtividade do capital e (K/L) é a quantidade de capital por trabalhador.

A expressão (2) mostra que a produtividade do trabalhador será tão maior quanto maior for a produtividade do capital e maior for a quantidade de capital por trabalhador.

A quantidade de capital por trabalhador irá aumentar se e somente se a taxa de crescimento do estoque de capital for mais rápida do que a taxa de crescimento da força de trabalho. A taxa de crescimento do estoque de capital, por sua vez, é igual a taxa de investimento (formação bruta de capital físico dividida pelo PIB) multiplicada pela produtividade do capital, subtraindo-se a taxa de depreciação do estoque de capital.

Considerando uma taxa de investimento média de 16,5% do PIB (valor obtido em 2023), uma produtividade do capital de 0,3 e uma taxa de depreciação do estoque de capital de 4% para o caso brasileiro chegamos a uma taxa de crescimento do estoque de capital de míseros 0,95% a.a. O problema é que em 2023 a força de trabalho cresceu a uma taxa de 1,1% (https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/tag/emprego/#:~:text=No%20acumulado%20do%20ano%2C%20a,crescimento%20de%201%2C5%25.); ou seja, o estoque de capital por trabalhador no Brasil diminuiu em 2023 devido a baixa taxa de crescimento do estoque de capital decorrente da baixa taxa de investimento.

Por que a taxa de investimento no Brasil é baixa? Por duas razões. Em primeiro lugar, o custo do capital no Brasil é alto devido ao elevado patamar da taxa de juros livre de risco, que no Brasil é a taxa Selic. O custo do capital de terceiros também é elevado devido ao elevadíssimo spread bancário. Quando o custo do capital é elevado, são poucos os projetos de investimento cuja taxa interna de retorno supera o custo médio ponderado do capital. Dessa forma, o investimento será baixo.

A segunda razão é que o setor que utiliza mais intensamente máquinas e equipamentos, que é a indústria de transformação está encolhendo no Brasil tanto como proporção do PIB como em termos de valor adicionado. Os setores que se expandem, o setor de serviços e o agronegócio são relativamente pouco intensivos em capital, gerando assim uma baixa demanda por investimentos em máquinas e equipamentos. Dessa forma, a desindustrialização da economia brasileira nos últimos 20 anos cria um viés de baixa na demanda por máquinas e equipamentos, o que acaba limitando o potencial de crescimento da produtividade do trabalho.

Com efeito, como podemos observar na figura abaixo, a taxa de crescimento da formação bruta de capital fixo e a taxa de crescimento do PIB da indústria de transformação apresentaram uma forte correlação entre 2003 e 2022 indicando a existência de uma armadilha de baixo investimento-baixo crescimento da indústria de transformação.

Elaboração do autor a partir de dados do IPEADATA.

Em suma, a baixa produtividade do trabalhador está mais relacionada com a baixa formação de capital e a desindustrialização da economia brasileira. Para aumentar a produtividade é necessário aumentar a taxa de investimento e a participação da indústria no PIB. Uma melhoria no nível educacional da força de trabalho é bem-vinda, mas só terá efeito sobre a produtividade se tiver impacto positivo na formação de capital e/ou na participação da indústria de transformação. Do contrário iremos gerar legiões de desempregados ou subempregados com formação superior, tipo engenheiro trabalhando como motorista da Uber. Mas aumentar o nível educacional da força de trabalho terá pouco efeito prático enquanto o custo do capital no Brasil for muito elevado. Esse é o principal entrave ao desenvolvimento econômico do Brasil.

Não a PEC 65/2023 : O Banco Central é uma Instituição típica de Estado, não uma empresa

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Por José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

A competente jornalista Maria Clara do Prado escreveu na sua coluna de quinta-feira, dia 07 de março (ver https://valor.globo.com/opiniao/coluna/pec-poe-em-xeque-vinculo-entre-bc-e-tn.ghtml), no Valor Econômico uma série de críticas pertinentes e preocupantes sobre a PEC 65/2023 cujo objetivo é dar autonomia financeira para o Banco Central do Brasil, o qual deixaria de fazer parte do governo em sentido amplo para ser uma empresa pública. A justificativa apresentada pelo presidente do Banco Central é que isso permitiria melhorar os salários dos funcionários da instituição que estariam muito defasados com relação aos que podem ser obtidos no sistema financeiro privado. No entanto o centro da proposta, como apontado no artigo da colunista do Valor, consiste “no uso de receitas de senhoriagem para o financiamento de suas despesas (do BC). Entende-se aqui por senhoriagem o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros. A apuração é realizada aplicando-se uma medida de taxa de juros nominal sobre o valor da base monetária”

Como a própria colunista apontou trata-se de uma redação confusa, para dizer o mínimo. A definição está INCORRETA. Para entender isso é necessário retomar alguns conceitos básicos de economia monetária. Para começar: o que é moeda? A moeda é definida como a unidade de conta do sistema de contratos (a vista e a termo) e o instrumento utilizado para a liquidação dos mesmos no seu vencimento. A moeda não surge, portanto, como a propriedade emergente da interação dinâmica entre os agentes econômicos privados (como Paulo Guedes afirmou recentemente em mais um das suas vídeo entrevistas nas quais destila toda sua ignorância de história econômica e economia monetária) mas é uma criação do Estado. Como disse Keynes no seu Tratado sobre a Moeda (1930), o qual antecedeu a Teoria Geral (1936), é o Estado que define qual o padrão que será utilizado como unidade de conta nos contratos, o instrumento que será utilizado para liquidar os mesmos no seu vencimento e, não menos importante, o Estado é a garantia de que os contratos não podem ser descumpridos. Em outras palavras, a moeda é uma criatura do Estado (Lerner, 1947).

A moeda é criada pelo Estado por intermédio do Banco Central, ao menos desde o momento em que as economias capitalistas abandonaram o sistema de moeda-mercadoria, no qual o instrumento utilizado para a liquidação de contratos eram moedas de ouro e prata cunhadas pelo Estado, em prol do sistema de moeda fiduciária, no qual o meio de pagamento é constituído de notas de papel cujo valor intrínseco é zero. A senhoriagem nada mais é da que a diferença entre o valor de face das notas de papel (digamos uma nota de 200 reais) e o custo de produção da mesma pela Casa da Moeda (alguns míseros centavos). Essa diferença entre o valor de face e o custo de produção das cédulas é apropriada pelo Estado pois o mesmo dispõe do monopólio legal de emissão de moeda.

Ao contrário do senso-comum a moeda não é criada pela Casa da Moeda, a qual é apenas uma indústria gráfica, responsável entre outras coisas por emitir os passaportes de cidadãos brasileiros que viajam para o exterior. A moeda é criada quando o Banco Central adquire ativos, seja moeda estrangeira para aumentar as reservas internacionais, seja títulos públicos que estão na carteira dos bancos comerciais. A compra desses ativos é, por assim dizer, financiada com um crédito na conta de reservas bancárias que os bancos comerciais tem no Banco Central (Ver Carvalho et al, 2000, capítulos 1 e 6).

Aliás os bancos comerciais só podem fazer pagamentos entre si por intermédio da transferência de reservas das suas contas no Banco Central, eles não podem pagar com os passivos que eles mesmo criam, que são os depósitos a vista (Lavoie, 2022, capítulo 4). Para deixar mais claro, se ao final do dia o Banco X tem uma posição líquida negativa ( diferença entre depósitos e saques) com o banco Y então o Banco X terá que transferir para o Banco Y o valor correspondente da sua conta de reservas no Banco Central. Ao final de cada dia o Sistema Especial de Liquidação e Custódia do BC calcula a posição líquida de cada banco e exige que as posições sejam zeradas. Caso algum banco tenha uma posição líquida negativa superior ao montante de suas reservas no Banco Central, então deverá tomar emprestado reservas com outros bancos comerciais ou com o proprio Banco Central. Esse é o chamado mercado interbancário onde os bancos tomam reservas emprestadas entre si ou com o Banco Central. A taxa de juros desses empréstimos é a Selic, cujo valor é periodicamente fixado pelo Conselho de Política Monetária do Banco Central. Como o Banco Central atua como market-maker no mercado interbancário fixando o valor da taxa de juros dos empréstimos entre bancos, segue-se que ele deve estar disposto a ofertar todas as reservas que os bancos demandarem a taxa Selic. A quantidade de moeda torna-se então uma variável endógena, ou seja, ela é o resultado, ao invés da causa, do crescimento da renda nominal. Friedman e o monetarismo estão mortos.

Até o presente momento não falamos sobre as cédulas de papel. O leitor deve ter observado que as transações ocorridas no mercado interbancário são puramente digitais, ou melhor, apenas um registro contábil de débitos e créditos, no qual o Banco Central desempenha um duplo papel de casa de compensações e de emprestador de última instância.

Apesar da evolução das operações de pagamento digital (cartão de débito e PIX) muitos pagamentos ainda são feitos em cédulas de papel. Isso significa que, todos os dias, o sistema bancário recebe depósitos em papel moeda e o público realiza retiradas de papel moeda de suas contas de depósitos a vista. Para que esse sistema possa funcionar diariamente os bancos precisam ter em caixa cédulas de papel que, na verdade, são uma parte das reservas que eles possuem no banco central. Assim quando a demanda por cédulas de papel aumenta o Banco Central ordena a Casa da Moeda para imprimir mais cédulas de papel, as quais são distribuídas ao sistema bancário conforme a necessidade de cada instituição bancária.

Feitos esses esclarecimentos conceituais, voltemos a análise da PEC. O texto da PEC confunde receita de senhoriagem com os juros que o Banco Central recebe sobre os títulos públicos que ele comprou com a emissão de base monetária. A senhoriagem refere-se, como vimos, a diferença entre o valor de face das cédulas de papel e seu custo de produção. Dada a ampliação dos pagamentos por meio digital a quantidade de cédulas de papel em circulação está caindo, de maneira que essa receita é desprezível. A receita que importa é a receita com a carteira de títulos públicos possuída pelo Banco Central, e é aqui que mora o detalhe escabroso da proposta da PEC.

O Banco Central do Brasil é proibido por lei a emitir títulos para financiar suas operações normais de política monetária. Caso o Banco Central esgote toda a sua carteira de títulos com operações compromissadas então o Tesouro Nacional será obrigado a fazer um aporte de capital no Banco Central na forma de títulos públicos, aumentando o capital próprio do banco no lado do passsivo, e a carteira livre do Banco Central no lado do ativo. Isso não ocorre, contudo, quando o Banco Central dispõe na sua carteira de títulos livres, ou seja, títulos que não estão sendo utilizados nas operações compromissadas, as quais consistem na venda de títulos públicos que estão na carteira do banco central com um compromisso de recompra em alguma data futura (a qual varia de 1 a 28 dias). Nessas operações o Banco Central irá recomprar os títulos que vendeu a um preço que é aproximadamente igual ao valor da selic durante o prazo da operação. Tudo se passa como se o sistema bancário estive fazendo um empréstimo de curto-prazo para o Banco Central, pagando a selic proporcional ao período do empréstimo.

Via de regra esse tipo de operação gera um resultado líquido zero para o Banco Central porque ele vai pagar para os bancos comerciais a mesma taxa de juros que recebe do Tesouro Nacional. O lucro auferido pelo banco central vem de duas fontes. A primeira é dos juros recebidos pela sua carteira livre. Tratam-se de títulos públicos na posse do Banco Central que não estão sendo utilizados nas operações compromissadas. Se a carteira livre for de, digamos, 300 bilhões de reais e a Selic média ao longo de 2024 for de 10% então o Banco Central se apropria de uma receita de 30 bilhões de reais. A segunda fonte é o ganho de capital que o Banco Central aufere pela valorização das reservas internacionais em termos da moeda corrente do país. No governo Bolsonaro o real se desvalorizou cerca de 30% com respeito ao dólar. Como as reservas internacionais do Brasil são de aproximadamente 350 bilhões de dólares, temos uma receita de 105 bilhões de dólares, ou seja, algo como 525 bilhões de reais ao câmbio de hoje.

Pois bem, o leitor já deve ter percebido a cretinice a proposta de emenda constitucional. Essas receitas do Banco Central derivam-se exclusivamente de seu papel como Instituição de Estado, responsável pela administração do sistema de meios de pagamento, criação de moeda e custodiante das reservas internacionais do Brasil. A PEC quer tornar uma instituição típica de Estado numa empresa pública para distribuir os seus, por assim dizer, lucros para os funcionários do Banco Central. Acontece que esse dinheiro pertence ao Estado Brasileiro e como tal tem sido devolvido, até recentemente, ao Tesouro Nacional para o abatimento da dívida pública. Sem esse instrumento, o Brasil vai criar a sua versão do Euro, ou seja, teremos uma moeda sem um Estado para garantir a confiabilidade na mesma. Receio que o resultado disso será o enriquecimento de alguns, com prejuízo para o restante da sociedade brasileira, pois será necessária um aumento da carga tributária para substituir essa receita que o Banco Central, até recentemente, transferia a cada seis meses para o Tesouro Nacional (no governo Bolsonaro foi criada uma conta de resultados no Banco Central no qual os superávits de um ano são usados para financiar eventuais déficits em outros anos, de maneira a evitar que o Tesouro Nacional tenha que fazer um aporte de capital para o Banco Central na forma de títulos públicos toda a vez que o Banco Central tem prejuízo).

Eu não discordo de que os salários dos funcionários do Banco Central estejam defasados, aliás o funcionalismo público federal acumula uma perda de mais de 30%, boa parte da mesma gerada no governo Bolsonaro que não corrigiu os salários dos servidores públicos pela inflação passada (a famosa granada do Guedes no bolso dos servidores públicos). Mas isso não se resolve com essa PEC, mas com a reestruturação do plano de carreira e de salários dos servidores do Banco Central. Coisa que alías não precisa de uma PEC para ser implementada, basta um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional.

Em suma, essa PEC soa como “algo podre no reino na Dinamarca”.

Referências

Carvalho, F.C; et al (2000). Economia Monetária e Financeira: Teoria e Prática. Editora Campus: Rio de Janeiro.

Lavoie, M. (2022). Post-Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Cheltenham.

Lerner, A. (1947). “Money as a Creature of State”. The American Economic Review Vol. 37, No. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association (May, 1947) , pp. 312-317 

Keynes, J.M. (1930). A Treatise on Money. Harcourt Brace and Company: Nova Yorque.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Programa da Disciplina “Leituras de Desenvolvimento Econômico” (Tópicos Especiais em Economia Política) do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade de Brasília

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Caros leitores,

Tenho observado uma grande lacuna na formação dos alunos do curso de pós-graduação em economia, não só na Universidade de Brasília como também em outros programas de pós-graduação, no que diz respeito ao conhecimento dos artigos e livros seminais da Economia do Desenvolvimento Econômico. A maioria dos discentes nunca teve contato com os textos originais dos fundadores da disciplina de Desenvolvimento Econômico como Rostow, Lewis, Rosenstein-Rodan, Hirschman, Polanyi, Gershenskron, Prebisch, entre outros. Isso sem contar autores mais recentes como Amsden e Reinert que atualizaram a Teoria do Desenvolvimento Econômico para o contexto atual da globalização e da experiência bem sucedida dos Estados Desenvolvimentistas do Leste da Ásia.

No final do ano passado reuni um grupo de alunos da pós-graduação em economia da UnB para dar início a um grupo de estudos sobre o tema, mas infelizmente a ideia não foi adiante por falta de tempo de ambas as parte.

Dessa forma, decidi ofertar no primeiro semestre de 2024 uma disciplina extra na pós-graduação em economia da Universidade de Brasília para tratar dessa temática. Como não havia prazo hábil para criar uma nova disciplina, a solução de curto-prazo foi ofertar o conteúdo da disciplina de “leituras em desenvolvimento econômico” com o nome de “Tópicos Especiais em Desenvolvimento Econômico”, a qual já constava na lista de disciplinas optativas do programa de pós-graduação.

Aqueles e aquelas que desejarem se inscrever na disciplina como alunos regulares ou especiais, o programa do curso podem ser obtido em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=63. Caso algum aluno do programa de pós-graduação em economia da UnB tenha feito essa disciplina, mas com outro conteúdo, eu já pedi para a secretaria do programa de pós-graduação a matrícula numa disciplina com código diferente.

Em tempo, a disciplina extra que irei ofertar (além da disciplina de Macroeconomia 1 na área de Economia Política, Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, vejam https://jlcoreiro.wordpress.com/2024/02/27/programa-de-macroeconomia-1-da-area-de-economia-politica-desenvolvimento-e-meio-ambiente-do-programa-de-pos-graduacao-em-economia-da-universidade-de-brasilia/) será aulas às quartas-feiras no horário de 18 as 20 horas na sala 06/10 da FACE/UnB.

Sejam bem vindo(a)s.

José Luis Oreiro

Dados do PIB divulgados pelo IBGE mostram crescimento mediano, de má qualidade e não-sustentável

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José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

O IBGE acabou de divulgar os dados do PIB no acumulado do ano de 2023 (Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/39303-pib-cresce-2-9-em-2023-e-fecha-o-ano-em-r-10-9-trilhoes ) A economia brasileira apresentou um crescimento de 2,9% no acumulado de 2023 e de 0,0% na comparação entre o quarto trimestre de 2023 com o terceiro trimestre. Trata-se de um crescimento mediano do PIB, compatível com um crescimento de apenas 2,2% do PIB per capita, um nível bom mas insuficiente para o Brasil fazer o catching-up com relação as economias de alta renda.

Do lado da demanda, observamos que o crescimento foi puxado pelo consumo das famílias o que apresentou um crescimento de 3,1% em 2023. A decepção veio da formação bruta de capital fixo, que apresentou uma queda 3% em quatro trimestres. Com isso da taxa de investimento da economia brasileira recuou de 17,8% do PIB em 2022 para 16,5% do PIB em 2023. Esse comportamento da taxa de investimento deve acender um sinal de alerta para a equipe econômica do governo no que se refere a sustentabilidade da atual trajetória de crescimento. Isso porque o crescimento com estabilidade de preços só é possível se a demanda agregada e a capacidade produtiva estiverem crescendo em linha uma com a outra.

O problema é que a redução da taxa de investimento entre 2022 e 2023 fez com que a taxa de crescimento do PIB compatível com a estabilidade de preços se reduzisse de 2,43% para 2,0% [cálculos do autor]. Dessa forma, um crescimento de 2,9% do PIB em 2023 não é sustentável a médio prazo pois irá levar a um aumento da pressão inflacionária, produzindo um fim prematuro do atual ciclo de queda da taxa Selic. Nesse contexto, a equipe econômica deveria pensar em algum tipo de flexibilização do atual arcabouço fiscal de maneira a permitir um incremento considerável do investimento em infraestrutura do governo central ao longo de 2024. Para que a economia brasileira possa crescer de forma sustentada a, pelo menos, 3% a.a a taxa de investimento precisa ser aumentada para 20% do PIB.

Do lado da oferta, a indústria cresceu abaixo do PIB, apresentando um crescimento de 1,6% ao longo do ano de 2023. No entanto, quando desagregamos os dados de crescimento da indústria verifica-se que o mesmo foi puxado pela indústria extrativa (petróleo e gás natural e de minério de ferro) que apresentou um crescimento de 8,7% e pela indústria de serviços de utilidade pública como Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos que apresentou um crescimento de 6,5%. A indústria de transformação, que é o setor mais intensivo em tecnologia e em máquinas e equipamentos, com maior encadeamento para frente e para trás na matriz produtiva apresentou uma queda de 1,3% causado principalmente pela queda na fabricação de: produtos químicos; máquinas e equipamentos; metalurgia; indústria automotiva; ou seja, pela queda dos produção dos bens manufaturados mais intensivos em tecnologia.

Sendo assim, o processo de desindustrialização prematura da economia brasileira continua de vento em popa, apesar de todo o discurso da equipe econômica sobre uma neo-industrialização da economia brasileira. Os dados de 2023 nos mostram que no que se refere a mudança estrutural da economia brasileira na direção de uma economia mais sofisticada e baseada no conhecimento, ao invés da produção e exportação de produtos primários (minério de ferro, soja e carne), o governo demonstrou até agora mais boas intenções do que resultados práticos.

O destaque do PIB do lado da oferta foi a agropecuária que apresentou um crescimento de 15,1% ao longo do ano de 2023 puxado pelo crescimento da produção de soja (27,1%) e milho (19,0%), que alcançaram níveis recordes na série histórica. Deve-se ressaltar que a produção de soja é destinada quase que inteiramente para a exportação, contribuindo muito pouco para o abastecimento do mercado interno e, portanto, para a redução do custo de vida do povo brasileiro. Já algumas lavouras que tem uma maior importância para o abastecimento do mercado doméstico registraram queda na estimativa de produção anual, como, por exemplo, trigo (-22,8%), laranja (-7,4%) e arroz (-3,5%).

Os dados do PIB pelo lado da oferta mostram um crescimento estruturalmente ruim. O Brasil continua na sua trajetória de se tornar – se é que já não se tornou – um grande fazendão cercado de serviços de baixa intensidade tecnológica e baixa capacitação profissional por todos os lados. Essa é o caldo de cultura perfeito para um eventual retorno do Bolsonarismo ao poder, talvez em outros trajes, nas eleições de 2026. O governo precisa empreender uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico e dar menos importância para querelas insignificantes sobre o resultado primário de 2024 antes que seja tarde demais.

Programa de Macroeconomia 1 da Área de Economia Política, Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa de Pós-Graduação em economia da Universidade de Brasília

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Caros leitores,

Como faço habitualmente desde 2019, no primeiro semestre de 2024 irei lecionar a disciplina de Macroeconomia 1 da área de Economia Política, Desenvolvimento e Meio Ambiente do programa de pós graduação em economia da Universidade de Brasília [ a lista de oferta de 2024.1 pode ser vista em https://ppgeco.unb.br/lista-de-oferta/)

Este ano estou fazendo uma reestruturação completa da disciplina com base no recente manual publicado pelo meu amigo Peter Skott, membro do grupo de pesquisa macroeconomia estruturalista do desenvolvimento (Ver https://sdmrg.com.br/researchers/14), intitulado Structuralist and Behavioral Macroeconomics (https://www.amazon.com/Structuralist-Behavioral-Macroeconomics-Peter-Skott-ebook/dp/B0CCJY175N)

As aulas terão início no dia 19 de março e serão realizadas as terças-feiras no horário de 16 às 20 horas na sala 06/23 da FACE/UnB. O programa da disciplina pode ser baixado gratuitamente em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=62.

A disciplina está aberta para a participação de alunos especiais (https://saa.unb.br/pos-graduacao/aluno-especial-posgrad). Aqueles que morarem no Distrito Federal (o curso só está disponível na modalidade presencial) e tiverem interesse em cursar a disciplina devem entrar em contato com a secretaria da pós-graduação em economia da UnB para saber quais os procedimentos de inscrição. Via de regra a matrícula de alunos especiais é feita na primeira semana de aulas da pós-graduação.

Como as aulas do meu curso vão começar na terça-feira dia 19 de março, aqueles que forem se inscrever como alunos especiais podem assistir a primeira aula mesmo que a sua inscrição ainda não tenha sido processada.

Sejam bem vindo(a)s todos e todas

José Luis Oreiro

Stages of Economic Development and Tokyo Consensus: A Critical Review of Koo´s Pursued Economy (2022)

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Stages of Economic Development and Tokyo Consensus: A Critical Review of Koo´s Pursued Economy (2022)

José Luis Oreiro

Associate Professor at Economic Department of University of Brasilia and of the Graduate Program in Economic Integration of the University of Basque Country (Bilbao-Spain), Level I Researcher at National Council for Scientific and Technological Development and Coordinator of the Structuralist Development Macroeconomics Research Group

At the beginning of 2024 I have been dedicating, among other activities, to reading the book “Pursued economy: understanding and overcoming the challeging new realities for advanced economies” authored by Richar Koo (https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Koo), currently chief economist at the Nomura Research Institute in the city of Tokyo, Japan.

The aim of the book is to analyze the problem of the secular stagnation of high-income economies (Japan, Western Europe and the United States) in the last 30 years, resulting from the bursting of the Japanese real estate bubble in 1991 and the international financial crisis in 2008. This theme had already been addressed in his 2008 book entitled “The holy grail of macroeconomics: lesson ́s from Japan ́s great recession” where the author presented the concept of “balance sheet recession”. In his new book, Koo extends the analysis made in the 2008 book by incorporating a theory of the stages of economic development, largely based on Lewis (1954) and Rostow (1960), to his macroeconomic framework based on Keynes (1936) and Minsky (1982), as well as some ideas from the theory of functional finance (although none of these influences are acknowledged by the author).

But let’s get to the point. The idea of a balance sheet recession is quite simple. During the expansion phase of a speculative bubble, firms and/or households are increasing their degree of leverage by borrowing to buy assets whose spot market price increases cumulatively due to the combination of bank credit expansion and short-term inelasticity of the supply of these assets. In general, the object of the speculative bubble is real assets such as real estate (commercial and residential), whose elasticity of supply is low in the short term. As long as demand for real estate grows faster than supply, prices will rise, fueling the bubble and, in this way, the leverage of private sector players. The increase in the price of real estate in the spot market will stimulate the production of new units, thereby increasing gross fixed capital formation due to increased residential investment. The increase in investment stimulates the creation of income and employment, causing the economy to enter a period of accelerated growth, as we can see in the Spanish case presented in figure 1 below.

Source: World Bank Economic Indicators. Author’s elaboration.

When the bubble bursts, as occurred in Spain and other high-income economies after the bankruptcy of Lehman Brothers on September 15, 2008, asset prices suffer a sudden and violent fall, thus reducing the net worth of companies and households, thus increasing their degree of indebtedness. In this context the private sector, in Koo’s words, will change its behaviour, instead of seeking profit maximization, private sector decision-makers will pursue debt minimization, thus reducing investment and consumption spending. The fall in private sector spending will lead to a contraction in the level of output and employment, which will be cushioned by the government’s countercyclical policy. In this way, the private sector as a whole will be able to move from a deficit financial position to a financial surplus position, which will allow it to gradually reduce its leverage. The necessary counterpart to this process, however, is an increase in the government’s financial deficit (G-T) and/or an increase in the deficit of the rest of the world with the economy under consideration.

In the Spanish case, as we can see in the figure below, extracted from Koo (2022, p. 37), the private sector went from a deficit position of approximately 9% of GDP in 2007 to a surplus position of almost 11% of GDP in 2013. This colossal reversal in the financial position of the private sector was followed by a deterioration in the financial position of the central government, which went from a surplus of almost 3% of GDP in 2007 to a deficit close to 12% of GDP in 2010. Even more striking was the reversal in Spain’s current account balance, which went from a deficit of 9% of GDP in 2007 to a surplus of 3% of GDP in 2013.

Figure 2 Financial Surplus or Deficit by sector in Spain as % GDP (1996-2021).

Private sector consumer and investment demand will remain weak for the period of time needed to fully realize its deleveraging process. In this period, the traditional monetary policy, i.e., the reduction of the interest rate, will have zero or negligible effect on consumption and investment spending, i.e., the private sector will maintain its surplus position even with very low interest rate levels. In other words, in a balance sheet recession monetary policy is ineffective. Economic activity can only be stimulated through fiscal expansion or through an increase in net exports. In the case of Spain, the formidable reversal of the current account balance from a deficit of 9% of GDP in 2007 to a surplus of 2% of GDP in 2013 proved to be of fundamental importance for Spain to resume economic growth in the period 2014-2019, although at a pace clearly lower than that observed in the period (1996-2007) [ See Figure 1].

The point made by Koo in his new book is that the balance sheet recession is the symptom of a deeper problem hitting high-income economies. It is an exhaustion of lucrative investment opportunities in the expansion and modernization of the capital stock of the private sector – notably in the manufacturing sector – due to the reduction in the profit squeeze caused by increased international competition in the markets for manufactured goods due to the rise of developing economies in East Asia.  notably China. This depletion of investment opportunities is the cause of the secular stagnation of high-income economies after the 2008 international financial crisis, since under these conditions the private sector becomes a net saver, unwilling to increase its spending even in a situation where interest rates are close to zero.

In chapter 3 of his book, Koo develops his theory of the stages of economic development to present the genesis of the problem of secular stagnation of high-income economies. According to Koo, economic development is a three-stage process. In the first stage, which Rostow (1960) called take-off, the country undergoes a process of structural change induced by the investments required for its industrialization. At this stage there is a large reserve of labour in the subsistence sector, usually in agriculture, which is gradually transferred to urban centres where it will be employed in the modern or capitalist sectors, whether in the manufacturing industry or in services. This structural excess of labour force means that real wages remain stable while local entrepreneurs introduce the technologies already existing in the most advanced economies to offer domestic consumers products like those imported, but cheaper, due to lower wages and/or the existence of high import tariffs.

Industrialization during this phase can be driven by both import substitution (the case of Latin America) and export promotion (the case of East Asia). Historically, the export promotion model has been shown to be more efficient than the import substitution model in maintaining the pace of capital accumulation and allowing industrializing economies to reach the so-called “Lewis’s point,” where the entire labour force has been transferred to the modern sector of the economy.

Once Lewis’s point is reached, the economy enters a new phase of economic development, which Rostow (1960) called the “age of mass consumption,” a phase in which the engine of economic growth is no longer investment for export or import substitution, but consumption. This is possible because once the Lewis point is reached, the continuation of capital accumulation will now result in a rise in real wages, given the inelasticity of the labour supply. The continuous rise in real wages has two effects. On the demand side, the increase in the standard of living of the working classes will allow an increase in consumer demand, stimulating companies to invest in expanding their productive capacity (investment accelerator effect). On the supply side, rising labor costs will spur firms to develop new technologies that allow them to increase labor productivity in ways that defend their profit margins from steady wage growth. In this context, companies will invest in the modernization of their production capacity to be able to produce the same goods more efficiently. Rising consumer incomes will also lead to a diversification of consumption, creating a demand for new products. In this way, companies will also increase their investments in research and development with the aim of creating new products that stimulate consumers’ desire to purchase different goods. This stage of the economic development process corresponds to the “Golden Years” of capitalism (1950-1975) [See Marglin and Schor, 1990, chapter 1] in which high-income economies enjoyed accelerated economic growth, low unemployment, rising real wages, and reduced social inequalities. During this phase of the economic development process, even workers with little formal education can find good jobs in the manufacturing industry and thus enjoy a materially comfortable standard of living.

The third phase of economic development is a result of globalization. As more and more countries are integrated into the international flow of trade and investment, firms in high-income countries realize that they can achieve a higher rate of return by moving some of their manufacturing activities to countries where wages are lower. In this way, high-income economies are once again faced with an elastic supply of labour because their companies can invest abroad to sell to their markets, rather than produce locally. In this context, the opportunities for profitable investment in high-income economies are dramatically reduced, leading to a fall in the investment rate. In addition, increased international competition will generate a demand for restraint in wage growth in high-income countries. Historically, this containment occurred in the early 1980s when, through a combination of contractionary fiscal and monetary policies, the unemployment rate in high-income countries increased dramatically relative to the trend observed in the post-World War II period. High unemployment has led to the weakening of trade unions and labour market reforms aimed at “flexibilization”. The result of this process has been a stagnation of real wages in high-income countries for a period of more than thirty years, together with an increase in levels of social inequality.

The reduction in lucrative investment opportunities has been accompanied by a reduction in the investment rate and growth in consumer spending, as well as an intense process of deindustrialization of high-income economies. At this stage of the economic development process, high-income economies are faced with a chronic problem of insufficient effective demand, which is initially solved by the process of financial liberalization (initiated in the mid-1970s in the United States and in the 1980s in European countries and Japan), which allows the emergence and spread of speculative bubbles. These bubbles have the effect of stimulating, albeit temporarily and artificially, private sector consumer spending and investment, thus making it possible to maintain a certain level of economic growth.

Dialectically, however, the maintenance, albeit at lower levels, of the growth of the high-income economies accelerates the growth of the countries of East Asia, which are still in the first phase of the economic development process and, therefore, are making extensive investments in the manufacturing sector with a view to exporting to the high-income countries. While high-income economies were being “hunted” by the developing economies of East Asia, they continued to provide the means to make their predators stronger over time.

In chapter 5 of his book, Koo presents his proposal for high-income countries to address the problems that afflict them in this third phase of economic development. His proposal can be understood as a proposal for a new political and economic consensus, which in the absence of any other name I will call the Tokyo Consensus, as a counterpoint, albeit partial to the Washington Consensus.

At the end of chapter 5, Koo writes that “Political parties must adjust their stances to remain relevant in the new environment. Conservatives will have to drop their insistence on balanced budgets when the private sector is a net saver, and progressives will have to abandon their focus on organized labour and their opposition to to supply-side reforms if they hope to attract investments. Making the labour market more flexible also means a better social safety net will have to be provided for workers who might need it” (2022, p.226).

In short, Koo advocates a compromise solution between conservatives (liberals) and progressives (Keynesian developmentalists) to restore economic prosperity to high-income countries and prevent the rise of far-right parties.

What does this commitment consist of? On the one hand, Koo argues, it makes no sense to insist on fiscal austerity policies in countries where the private sector as a whole (businesses and households) is a net saver. In these circumstances, the government must necessarily be the agent that incurs a financial deficit, otherwise the economy will enter a spiral of contraction in the level of income and employment, which will make it impossible for the government to adjust its accounts. In addition, periods in which interest rates are exceptionally low are times when the cost of carrying public debt is also very low, so that the fiscal imbalance does not have major consequences. Last but not least, the government, by spending on infrastructure or research and development of new technologies, will be contributing positively to the increase of the rate of profit in high-income economies, which should stimulate private investment and the repositioning of these economies in an international scenario characterized by greater competition in both trade and capital flows. Fiscal policy must therefore return to its role as a stabilizer of the level of aggregate demand.

The other side of the compromise is the adoption of a microeconomic agenda of deregulation, tax cuts, and increased spending on education. This last element does not present major problems for the progressive agenda, except for the fact that Koo considers that increasing spending on education should be seen as the only possible alternative, in the context of this phase of development, for workers to be able to defend their standard of living in a context of stagnant wages and job insecurity. Koo argues that increased regulation of labor markets and the power of trade unions, a traditional slogan of progressive parties, will only reinforce the trend toward shrinking lucrative investment opportunities in high-income countries, accentuating rather than solving problems related to stagnant wages and worsening income distribution. At this stage of the economic development process, workers in high-income countries need to acquire skills that will enable them to take up jobs in “knowledge-based” sectors, which require higher levels of formal education.

The reduction of taxes, notably inheritance taxes, is aimed, in Koo’s view, to reduce inefficiency in the allocation of resources in high-income societies because a lot of time, effort and money are dedicated to tax evasion instead of making investments in technological innovation.

Deregulation is the point least developed by Koo. On this, he only argues that it is necessary for the government to encourage the emergence of innovative entrepreneurs, and excessive regulation can prevent or hinder this.

After reading the first five chapters of Hoo’s book, I was left with the distinct impression that the author, after all, is proposing to sacrifice economic orthodoxy to save liberalism. Economic orthodoxy argues strongly for governments to maintain balanced budgets to ensure macroeconomic stability, without which growth would not be possible. Koo says that’s a lot of nonsense. There is nothing wrong with running fiscal deficits in a context where the private sector as a whole is in surplus, even more so at the current stage of development in high-income economies where there is a chronic shortage of investment opportunities for the private sector. Under these conditions, government spending does not crowd-out private investment, but it can even stimulate it. Nor does it make sense to worry about the increase in public debt, since it is only the necessary counterpart to the deleveraging of the private sector. However, it is necessary to preserve and increase the rate of profit in high-income countries. This requires a program of microeconomic reforms such as flexibilization of labour markets, deregulation, and the reduction of the tax burden.  The focus of the economic policy of governments in high-income countries should therefore be on economic growth, not on reducing social inequalities (Koo, 2022, pp.198-199). In fact, the author defends the thesis that the statistics of social inequality in high-income countries should be interpreted more carefully, as they reflect more the emergence of successful innovative entrepreneurs (wealth creation) rather than the plundering of existing wealth by the more favoured classes, as is common in predominantly agricultural societies.

I don’t particularly agree with Koo’s idea. While the United States has successful innovative entrepreneurs on the list of the country’s wealthiest people, one should not underestimate the fact that most extremely wealthy individuals are a long way from being Schumpeterian entrepreneurs. The super-rich are a heterogeneous class of individuals made up of heirs, financial market agents, lobbyists, landowners and real estate owners, rentiers, and… some innovative entrepreneurs like Elon Musk, Bill Gates, Bezos etc. The immense fortune these individuals have amassed cannot be attributed to their innovation efforts alone, or for the most part.

Moreover, as Robert Skidelsky and Edward Skidelsky argue in their book “How Much Is Enough? Money and the good life” (2012), the relationship between happiness and the accumulation of material goods is non-linear: An increase in the material standard of living is associated with an increase in happiness up to a certain level of income, after which it becomes innocuous. Elon Musk has a lot more money than he would be able to spend by the end of his life if he retired today. Clearly, it is not material well-being that motivates him to continue running his business, but the sense of power and uniqueness that his position in the social pyramid gives him. I don’t see why that kind of motivation should be rewarded with a fortune of hundreds of billions of dollars. Finally, as Koo himself writes in his book, the United States government was responsible for most of the investment in research and development of new technologies in the period between 1953 and 1979 (Koo, 2022, p.212).

In short, I have some agreement and some disagreement with the Tokyo consensus. In any case, this is a significant step forward with respect to the Washington consensus.

References

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 28.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: Understanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Willey: West Sussex.

Marglin, S; Schor, J.B. (1990). The Golden Age of Capitalism: Reinterpreting the Post War Experience. Clarendon Press: Oxford.

Minsky, H.(. (1982). Can “It” happen aggain? Essays on Instability and Finance. M.E. Sharpe: Armonk.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge University Press: Cambridge.

Skidelsky, R. Skidelsky, E. (2012). How Much is enough? Money and Good Life. Other Books.

Os Estágios do Desenvolvimento Econômico e o Consenso de Tóquio: uma leitura de “Pursued Economy” de Richard Koo

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No início de 2024 tenho me dedicado, entre outras atividades, a leitura do livro “Pursued economy: understanding and overcoming the challeging new realities for advanced economies” de autoria de Richar Koo (https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Koo), atualmente economista chefe da Nomura Research Institute na cidade de Tóquio, Japão.

O objetivo do livro é analisar o problema da estagnação secular das economias de alta renda (Japão, Europa Ocidental e Estados Unidos) nos últimos 30 anos, resultante do estouro da bolha imobiliária japonesa em 1991 e da crise financeira internacional em 2008. Essa temática já havia sido abordada em seu livro de 2008 intitulado “The holy graal of macroeconomics: lesson´s from Japan´s great recession” onde o autor apresentou o conceito de “recessão de balanço”. Em seu novo livro, Koo estende a análise feita no livro de 2008 incorporando uma teoria dos estágios do desenvolvimento econômico, largamente baseada em Lewis (1954) e Rostow (1960), ao seu arcabouço macroeconômico baseado em Keynes (1936) e Minsky (1982), bem como em algumas ideias da teoria das finanças funcionais [embora nenhuma dessas influências seja reconhecida pelo autor, que peca por achar que está inventando teorias que já foram inventadas].

Mas vamos ao ponto. A ideia de recessão de balanço é bastante simples. Durante a fase de expansão de uma bolha especulativa, as empresas e/ou as famílias estão aumentando o seu grau de alavancagem, tomando empréstimos para comprar ativos cujo preço no mercado a vista aumenta de forma cumulativa devido a combinação entre expansão do crédito bancário e inelasticidade de curto prazo da oferta desses ativos. Em geral, o objeto da bolha especulativa são ativos reais como imóveis (comerciais e residenciais), cuja elasticidade da oferta é baixa no curto prazo. Enquanto a demanda por imóveis crescer mais rapidamente do que a oferta, os preços irão subir, alimentando a bolha e, dessa forma, a alavancagem dos agentes do setor privado. O aumento do preço dos imóveis no mercado a vista irá estimular a produção de novas unidades, aumentando assim a formação bruta de capital fixo devido ao aumento do investimento residencial. O aumento do investimento estimula a criação de renda e de emprego, fazendo com que a economia entre num período de crescimento acelerado, como podemos visualizar no caso Espanhol apresentado na figura 1 abaixo.

Fonte: World Bank Economic Indicators. Elaboração do autor.

Quando a bolha estoura, como ocorreu na Espanha e outras economias de alta renda após a falência do Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, os preços dos ativos sofrem uma queda súbita e violenta, reduzindo assim o patrimônio líquido das empresas e das famílias, aumentando assim o seu grau de endividamento. Nesse contexto o setor privado, nas palavras de Koo, irá mudar o seu comportamento, ao invés de buscar a maximização de lucros, os tomadores de decisão do setor privado irão perseguir a minimização de dívidas, reduzindo assim os gastos com investimento e consumo. A queda dos gastos do setor privado dará origem a uma contração do nível de produção e de emprego, a qual será amortecida pela política anticíclica do governo. Dessa forma, o setor privado como um todo será capaz de passar de uma posição financeira deficitária para uma posição financeira superavitária, o que permitirá ao mesmo reduzir gradualmente a sua alavancagem. A contrapartida necessária desse processo, contudo, é o aumento do déficit financeiro do governo (G-T) e/ou um aumento do déficit do resto do mundo com a economia em consideração.

No caso espanhol, como verificamos na figura abaixo, extraída de Koo (2022, p. 37), o setor privado passou de uma posição deficitária de aproximadamente 9% do PIB em 2007 para quase 11% do PIB em 2013. Essa reversão colossal na posição financeira do setor privado foi seguida por uma deterioração da posição financeira do governo central, o qual passou de um superávit de quase 3% do PIB em 2007 para um déficit próximo de 12% do PIB em 2010. Ainda mais impressionante foi a reversão ocorrida no saldo em conta-corrente da Espanha, que passou de um déficit de 9% do PIB em 2007 para um superávit de 3% do PIB em 2013.

Figura 2 Superávit ou Déficit Financeiro por setor na Espanha como % PIB (1996-2021).

A demanda de consumo e investimento do setor privado continuará fraca pelo período de tempo necessário para a completa realização do seu processo de desalavancagem. Nesse período a política monetária tradicional, ou seja, a redução da taxa de juros terá efeito nulo ou negligenciável sobre os gastos de consumo e investimento, ou seja, o setor privado manterá a sua posição superavitária mesmo com níveis muito baixos de taxa de juros. Em outros termos, numa recessão de balanço a política monetária é ineficaz. A atividade econômica só pode ser estimulada por intermédio de uma expansão fiscal ou por intermédio de um aumento das exportações líquidas. No caso espanhol, a formidável reversão do saldo em conta-corrente de um déficit de 9% do PIB em 2007 para um superávit de 2% do PIB em 2013 se mostrou de importância fundamental para a Espanha retomar o crescimento econômico no período 2014-2019, embora num ritmo claramente inferior ao observado no período (1996-2007) [ Ver figura 1].

O ponto levantado por Koo em seu novo livro é que a recessão de balanços é o sintoma de um problema mais profundo que atinge as economias de alta renda. Trata-se de um esgotamento das oportunidades lucrativas de investimento na ampliação e modernização do estoque de capital do setor privado – notadamente no setor manufatureiro – devido a redução da taxa de lucro sobre tais investimentos (profit squeeze), causada pelo aumento da concorrência internacional nos mercados de produtos manufaturados devida a ascensão das economias em desenvolvimento no leste da Ásia, notadamente a China. Esse esgotamento das oportunidades de investimento é a causa da estagnação secular das economias de renda alta após a crise financeira internacional de 2008, uma vez que, nessas condições, o setor privado torna-se um poupador líquido, mostrando-se indisposto a aumentar seus gastos mesmo numa situação em que as taxas de juros estão próximas de zero.

No capítulo 3 de seu livro, Koo desenvolve a sua teoria dos estágios de desenvolvimento econômico, para apresentar a gênese do problema de estagnação secular das economias de alta renda. Segundo Koo o desenvolvimento econômico é um processo que possui três estágios. O primeiro estágio, a qual Rostow (1960) denominava de decolagem, o país passa por um processo de mudança estrutural induzida pelos investimento requeridos para a sua industrialização. Nesse estágio existe uma grande reserva de mão de obra no setor de subsistência, geralmente na agricultura, a qual é gradativamente transferida para os centros urbanos onde será empregada nos setores modernos ou capitalistas, seja na indústria de transformação ou nos serviços. Esse excesso estrutural de força de trabalho faz com que os salários reais permaneçam estáveis enquanto os empresários locais introduzem as tecnologias já existentes nas economias mais avançadas para oferecer para os consumidores domésticos produtos similares aos importados, porém mais baratos, devido aos salários mais baixos e/ou a existência de elevadas tarifas de importação.

A industrialização durante essa fase pode ser impulsionada tanto pela substituição de importações (o caso da América Latina) como pela promoção de exportação (o caso do leste da Ásia). Historicamente o modelo de promoção de exportações se mostrou mais eficiente do que o modelo de substituição de importações em manter o ritmo de acumulação de capital e permitir que as economias em processo de industrialização alcançassem o assim chamado “ponto de Lewis”, onde toda a força de trabalho foi transferida para o setor moderno da economia.

Uma vez alcançado o ponto de Lewis, a economia entra numa nova fase de desenvolvimento econômico, a qual Rostow (1960) chamava de “era do consumo de massas”, uma fase em que o motor do crescimento econômico deixa de ser o investimento para exportação ou para a substituição de importações e passa a ser o consumo. Isso é possível porque uma vez alcançado o ponto de Lewis, a continuidade da acumulação de capital irá agora resultar numa elevação do salário real, dada a inelasticidade da oferta de mão-de-obra. A elevação continua do salário real tem dois efeitos. Do lado da demanda o aumento do padrão de vida das classes trabalhadoras irá permitir um aumento da demanda de consumo, estimulando as empresas a investir na ampliação da sua capacidade produtiva (efeito acelerador do investimento). Do lado da oferta, a elevação do custo da mão-de-obra irá estimular as empresas a desenvolver novas tecnologias que permitam o aumento da produtividade do trabalho de maneira a defender suas margens de lucro do crescimento constante dos salários. Nesse contexto, as empresas irão investir na modernização da sua capacidade produtiva para conseguir produzir os mesmos bens de forma mais eficiente. O aumento da renda dos consumidores também levará a uma diversificação do consumo, criando uma demanda por novos produtos. Dessa forma, as empresas também irão aumentar seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento com o objetivo de criar novos produtos que estimulem o desejo dos consumidores em adquirir bens diferentes. Esse estágio do processo de desenvolvimento econômico corresponde aos “Anos Dourados” do capitalismo (1950-1975) no qual as economias de alta renda desfrutaram de crescimento econômico acelerado, desemprego baixo, aumento do salário real e redução das desigualdades sociais. Durante essa fase do processo de desenvolvimento econômico, mesmo trabalhadores com pouco nível de educação formal conseguem encontrar bons empregos na indústria de transformação e assim desfrutar de um padrão de vida materialmente confortável.

A terceira fase do desenvolvimento econômico é decorrência da globalização. A medida que um número cada vez maior de países é integrado ao fluxo internacional de comércio e de investimento, as empresas dos países de alta renda percebem que podem obter uma taxa de retorno mais alta transferindo parte de suas atividades manufatureiras para países onde os salários são mais baixos. Dessa forma, as economias de renda alta voltam a se defrontar com uma oferta elástica de mão-de-obra pois as suas empresas podem investir no exterior para vender para seus mercados, ao invés de produzir localmente. Nesse contexto, as oportunidades de investimento lucrativo nas economias de alta renda são dramaticamente reduzidas, levando a uma queda da taxa de investimento. Além disso, o aumento da concorrência internacional irá gerar uma demanda por contenção ao crescimento dos salários nos países de renda alta. Historicamente, essa contenção ocorreu no início da década de 1980 quando por intermédio de uma combinação de políticas fiscal e monetária contracionistas, a taxa de desemprego nos países de renda alta aumentou dramaticamente com respeito a tendência observada no período pós segunda guerra mundial. O desemprego elevado levou ao enfraquecimento dos sindicatos e a realização de reformas no mercado de trabalho visando a sua “flexibilização”. O resultado desse processo foi uma estagnação do salário real nos países de renda alta por um período de mais de trinta anos, em conjunto com um aumento dos níveis de desigualdade social.

A redução das oportunidades lucrativas de investimento veio acompanhada de uma redução da taxa de investimento e do crescimento dos gastos de consumo, além de um intenso processo de desindustrialização das economias de renda alta. Nessa fase do processo de desenvolvimento econômico as economias de renda alta passam a se defrontar com um problema crônico de insuficiência de demanda efetiva, o qual é inicialmente resolvido pelo processo liberalização financeira (iniciado em meados dos anos 1970 nos Estados Unidos e na década de 1980 nos países europeus e no Japão) o qual permite o surgimento e propagação de bolhas especulativas. Essas bolhas tem o efeito de estimular, ainda que de forma temporária e artificial, os gastos de consumo e investimento do setor privado, viabilizando assim a manutenção de um certo nível de crescimento econômico.

Dialeticamente, contudo, a manutenção, ainda que em níveis mais baixos, do crescimento das economias de renda alta acelera o crescimento dos países do leste da Ásia, que estão ainda na primeira fase do processo de desenvolvimento econômico e, portanto, estão realizado amplos investimentos no setor manufatureiro com vistas a exportação para os países de renda alta. Embora as economias de renda alta estivessem, na verdade, sendo “caçadas” pelas economias em desenvolvimento do leste da Ásia, elas continuaram fornecendo os meios para tornar seus predadores mais fortes ao longo do tempo.

No capítulo 5 do seu livro, Koo apresenta a sua proposta para os países de renda alta enfrentarem os problemas que os afligem nessa terceira fase do desenvolvimento econômico. Sua proposta pode ser entendida como uma proposta para um novo consenso político e econômico, o qual na ausência de outro nome irei denominar de Consenso de Tóquio, como contra-ponto, ainda que parcial, ao Consenso de Washington.

No final do capítulo 5 Koo escreve que “Political parties must adjust their stances to remain relevant in the new environment. Consservatives will have to drop their insistence on balanced budgets when the private sector is a net saver, and progressives will have to abandon their focus on organized labor and their opposition to to supply-side reforms if they hope to attract investments. Making the labor market more flexible also means a better social safety net will have to be provided for workers who might need it” (2022, p.226).

Em suma, Koo defende uma solução de compromisso entre conservadores (liberais) e progressistas (desenvolvimentistas keynesianos) para restaurar a prosperidade econômica dos países de renda alta e evitar a ascensão dos partidos de extrema-direita.

Em que consiste esse compromisso? De um lado, argumenta Koo, não faz sentido insistir nas políticas de austeridade fiscal em países nos quais o setor privado como um todo (empresas e famílias) é um poupador líquido. Nessas circunstâncias o governo deve necessariamente ser o agente que incorre num déficit financeiro, do contrário a economia irá entrar numa espiral de contração do nível de renda e emprego, o qual irá inviabilizar a tentativa do governo de ajustar suas contas. Além disso, períodos nos quais as taxas de juros são excepcionalmente baixas são momentos em que o custo de carregamento da dívida pública também é muito baixo de maneira que o desequilíbrio fiscal não possui maiores consequências. Por fim, mas não menos importante, o governo ao realizar gastos de investimento em infraestrutura ou na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias estará colaborando positivamente para o aumento da taxa de lucro nas economias de renda alta, o que deverá estimular o investimento privado e o reposicionamento dessas economias num cenário internacional caracterizado por uma maior concorrência tanto no comércio como nos fluxos de capitais. A política fiscal deve, portanto, retornar ao seu papel de estabilizador do nível de demanda agregada.

O outro lado do compromisso consiste na adoção de uma agenda microeconômica de desregulação, redução de impostos e aumento dos gastos com educação. Esse último elemento não apresenta maiores problemas para a agenda progressista, exceto pelo fato de que Koo considera que o aumento dos gastos com educação deve ser visto como a única alternativa possível, no contexto dessa fase do desenvolvimento, para os trabalhadores conseguirem defender seu padrão de vida num contexto de salários estagnados e precarização dos postos de trabalho. Koo argumenta que o aumento da regulação nos mercados de trabalho e do poder dos sindicatos, uma bandeira tradicional dos partidos progressistas, irá apenas reforçar a tendência a redução das oportunidades lucrativas de investimento nos países de renda alta, acentuando, ao invés de resolver, os problemas relacionados a estagnação dos salários e piora da distribuição de renda. Nessa fase do processo de desenvolvimento econômico os trabalhadores dos países de renda alta precisam adquirir habilidades que lhes permitam ocupar postos de trabalho nos setores “baseados em conhecimento”, os quais exigem níveis mais elevados de educação formal.

A redução de impostos, notadamente os impostos sobre heranças, tem por objetivo na visão de Koo, reduzir a ineficiência na alocação de recursos nas sociedades de alta renda pois muito tempo, esforço e dinheiro são dedicados a evasão tributária ao invés da realização de investimentos em inovação tecnológica.

A desregulação é o ponto menos desenvolvido por Koo. Sobre isso ele apenas argumenta que é necessário que o governo estimule o surgimento de empresários inovadores e uma regulamentação excessiva pode impedir ou dificultar isso.

Após a leitura dos cinco primeiros capítulos do livro de Hoo fiquei com a nítida impressão de que o autor, no final das contas, está propondo sacrificar a ortodoxia econômica para salvar o liberalismo. A ortodoxia econômica defende com unhas e dentes a necessidade dos governos manterem orçamentos equilibrados para garantir a estabilidade macroeconômica, sem a qual não seria possível o crescimento. Koo diz que isso é uma grande bobagem. Não há nada de errado em ter déficits fiscais num contexto em que o setor privado como um todo é superavitário, ainda mais no estágio atual de desenvolvimento das economias de renda alta onde existe uma escassez crônica de oportunidades de investimento para o setor privado. Nessas condições o gasto do governo não desloca (crowd-out) o investimento privado, mas pode até mesmo estimulá-lo. Também não faz sentido se preocupar com o aumento do endividamento público, uma vez que ele é apenas a contrapartida necessária da desalavancagem do setor privado. No entanto, é necessário preservar e aumentar a taxa de lucro nos países de renda alta. Isso exige um programa de reformas microeconômicas como a flexibilização dos mercados de trabalho, a desregulamentação e a redução da carga tributária. O foco da política econômica dos governos dos países de renda alta deverá ser, portanto, o crescimento econômico não a redução das desigualdades sociais (Koo, 2022, pp.198-199). Aliás o autor defende a tese de que as estatísticas de desigualdade social nos países de renda alta devem ser interpretadas com mais cuidado, pois elas refletem mais o surgimento de empresários inovadores bem sucedidos (criação de riqueza) ao invés da pilhagem da riqueza existente por parte das classes mais favorecidas, como é comum em sociedades predominantemente agrícolas.

Eu particularmente não concordo com essa ideia de Koo. Embora os Estados Unidos possuam empresários inovadores bem sucedidos na lista das maiores fortunas desse país, não se deve subestimar o fato de que a maior parte dos indivíduos extremamente ricos está bem longe de passar pelo figurino de empresário Schumpeteriano. Os super-ricos são uma classe heterogênea de indivíduos composta por herdeiros, agentes do mercado financeiro, lobistas, proprietários de terra e imóveis, rentistas e … alguns empresários inovadores como Elon Musk, Bill Gates, Bezos etc. A imensa fortuna que esses indivíduos acumularam não pode ser atribuída apenas, ou na sua maior parte, aos seus esforços de inovação.

Além disso, como argumentam Robert Skidelsky e Edward Skidesky em seu livro “O quanto é suficiente? O amor pelo dinheiro e a defesa da boa vida” (2017), a relação entre felicidade e acumulo de bens materiais é não-linear: Um aumento do padrão material de vida está associado a um aumento da felicidade até um certo nível de renda, após o qual torna-se inócuo. Elon Musk tem muito mais dinheiro do que seria capaz de gastar até o final da sua vida caso se aposentasse hoje. Claramente não é o bem-estar material que o motiva a continuar administrando seus negócios, mas a sensação de poder e de singulariedade que sua posição na piramide social lhe proporcionam. Não vejo porque esse tipo de motivação deva ser recompensado com uma fortuna de centenas de bilhões de dólares. Por fim, como o próprio Koo escreve em seu livro, o governo dos Estados Unidos foi o responsável pela maior parte do investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias no período compreendido entre 1953 e 1979 (Koo, 2022, p.212).

Em suma, tenho algumas concordâncias e outras discordâncias com relação ao consenso de Tóquio. De qualquer forma, trata-se de um avanço significativo com respeito ao consenso de Washington.

Referências

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimeted Supplies of Labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 28.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: Understanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Willey: West Sussex.

Minsky, H.(. (1982). Can “It” happen aggain? Essays on Instability and Finance. M.E. Sharpe: Armonk.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge University Press: Cambridge.

Skidelsky, R. Skidelsky, E. (2017). Quanto é suficiente? o amor pelo dinheiro e a defesa da boa vida. Civilização Brasileira: São Paulo.


Números da economia mostram acertos do governo Federal, e o desafio é manter o ritmo em 2024 (Site A Vírgula, 15/02/2023)

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O Brasil deve fechar o ano fiscal com uma inflação na casa de 4,7%, taxa de desemprego próxima de 7% e crescimento econômico em 3%

Uma grande surpresa para parte dos analistas, a economia sob o terceiro governo Lula e com Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda encerrou o primeiro ano de mandato com mais a comemorar do que lamentar.

As principais taxas macroeconômicas mostraram que a política fiscal mais ampliada, com gastos maiores, investimentos em infraestrutura e pagamentos de precatórios, por exemplo – o que ao cabo aumentou o déficit público em 2023 – não prejudicou o país.

O Brasil deve fechar o ano fiscal com uma inflação na casa de 4,7%, taxa de desemprego próxima de 7% e crescimento econômico em 3%. Para o economista Ricardo Machado Ruiz, doutor em Economia pela The New School for Social Research e professor da UFMG, o que aconteceu no Brasil é chamado no mundo econômico de “soft landing”.

“Soft landing” – ou “aterrissagem suave” em português – é a tarefa difícil, muitas vezes inatingível, de reduzir a inflação após um aperto na política monetária, sem desencadear uma recessão. Para combater a inflação, as autoridades aumentam as taxas de juros, tornando o crédito mais caro.

“Conseguimos o feito raro de aliar queda da inflação com crescimento da economia, ainda que de forma lenta, mas real. Para 2024, por exemplo, a projeção da inflação é de 3,5%. Ninguém previu isso na passagem de 2022 para 2023. Foi um ano de surpresas em todos os sentidos. Tanto na política como na economia. Mantivemos os empregos e aumentamos o poder de compra da população sem realizar gastos fiscais elevados. Inclusive com o déficit público dentro do que foi planejado antes de Lula assumir”, avaliou o economista.

Alguns fatores externos explicam o sucesso inicial: a grande onda inflacionária que assolou o mundo entre 2020 e 2022 começou a perder força em 2023, ainda que de forma tênue. Os Estados Unidos pararam de aumentar sua taxa básica de juros e no Brasil, de forma tímida, iniciou-se a queda de juros por parte do Banco Central. Há aqui um princípio de fim da pressão monetária que segurava os investimentos no país.

Outro ponto de destaque do governo Lula III é o superavit da balança comercial. Em 2023, o Brasil vendeu US$ 339,673 bilhões para o exterior, alta de 1,7% em relação a 2022. As compras do exterior somaram US$ 240,835 bilhões, recuo de 11,7% na mesma comparação. Apenas em dezembro a balança comercial registrou superávit de US$ 9,36 bilhões.

“Tudo isso foi muito surpreendente se analisarmos como o governo começou pressionado. Dessa forma, em um primeiro momento, vimos o governo Lula remontando uma série de políticas públicas que foram implantadas por ele: Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, reorganização de ministérios como saúde e transporte; enfim. Temos um primeiro semestre com essas três dimensões: tentativa de golpe; negociação com forças que perderam a eleição em 2022; e reorganização da máquina pública como um todo. Após a estabilização inicial, a partir do segundo trimestre, mesmo sob pressão do Congresso Nacional, o governo consegue resultados econômicos surpreendentes”, avaliou Ruiz.

José Luís da Costa Oreiro, doutor em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília avalia que, agora, o grande desafio do governo Lula é manter o ritmo inicial.

De acordo com o economista, uma série de fatores presentes em 2023 não estarão em 2024. “Um dos exemplos é o agronegócio. Ano passado o aumento da produção agropecuária ficou em 20% diante de condições climáticas muito favoráveis. Este ano tivemos o El Niño e tanto a produção de grãos como de carne serão afetadas por ele. Esse desempenho altamente favorável não se repetirá”, afirmou Oreiro.

O outro ponto de observação para 2024 é que não haverá uma expansão fiscal do mesmo tamanho da ocorrida em 2023. Com a aprovação do Arcabouço Fiscal e a pretensão de déficit zero, o espaço para aumento do gasto público, principalmente em investimento, é bem menor.

Da mesma forma, avalia José Luís da Costa Oreiro, os ganhos com a redução da inflação já foram esgotados. “Tivemos uma queda significativa de 2022 para 2023, de mais de 3%, e ela levou a um aumento do salário real, mas isso não vai acontecer na mesma magnitude em 2024. Mesmo com projeções de analistas para uma inflação de 3,5%, acredito que deva ficar em 4% ou mais, não sendo muito mais baixa do que o último ano, o que não vai aumentar muito o poder de consumo das pessoas”.

Outro fator inibidor do crescimento econômico do país é a atual política de taxa de juros do Banco Central, como analisou Arlindo Vilaschi, professor de Economia na Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Economia.

“Qualquer análise sobre a economia neste terceiro governo Lula deve ser ponderada pelo fato de que os graus de liberdade dos governos dentro da política monetária, seja ele de esquerda ou de direita, tendem a zero. O Banco Central tem uma postura reacionária não condizente com a realidade da população brasileira sob a justificativa de um controle prévio da inflação.

Pra Vilaschi, mesmo em queda há vários meses, a política de juros praticada no Brasil tem duas facetas: um patamar de juros básicos muito elevados e, por outro lado, há spreads bancários intactos.

Os spreads bancários referem-se à diferença entre a taxa de juros que os bancos cobram aos clientes para empréstimos e a taxa de juros que pagam aos depositantes.

“Desta forma, a política monetária onera demais o governo se ela pratica uma taxa de juros muito elevada. Diante deste quadro geral, o que aconteceu no primeiro ano foi uma boa gestão do governo nessas pequenas brechas que ele tem para tocar a economia. Foi muito importante recuperar o Bolsa Família, que é o que gera um efeito de demanda interna alavancando pequenas e médias empresas. Daqui para frente o desafio é seguir explorando essas brechas para gerar mais empregos e renda”, avaliou Vilaschi.

Articulista de A Vírgula, Rodrigo Medeiros ponderou que em um ritmo de crescimento menor, é grande o desafio de manter empregos e qualifica-los. 

“Ainda assim, muitos comemoram a taxa de desemprego de 7,6% no trimestre encerrado em outubro de 2023, segundo divulgou o IBGE. A taxa composta de subutilização laboral ficou em 17,6% para o respectivo trimestre, sendo que a taxa de informalidade foi de 39,1% para a população ocupada. A taxa de subutilização caiu desde 2021, porém a informalidade se manteve estavelmente alta. O nosso mercado laboral é estruturalmente precário, um ambiente de incubação de extremismos”, escreveu para A Vírgula

Breve resenha do livro “Spain and the Independence of the United States: an intrincic Gift”

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Terminei de ler o magnifico livro de Thomas Chavez “”Spain and the Independence of the United States”. A tese central do livro é que se Espanha nao tivesse declarado guerra ao Reino Unido em 1779 – após tres anos de meticulosa preparação militar em conjunto com um apoio escondido mas amplo aos rebeldes das treze colonias – os EUA e a França teriam sido derrotados pelo Reino Unido e os EUA continuariam ainda por décadas colonia da Grã-Bretanha. Foi a marinha da Espanha que fez os ingleses perderem a superioridade naval e a intervenção espanhola tornou uma guerra localizada num conflito global em varios teatros de operação: América Central, Vale do rio Mississipi, Golfo do México, Caribe, Mediterrâneo e atlântico norte. Embora as tropas espanholas nao tenham atuado no teatro de operações das 13 colonias, elas lutaram contra os ingleses em varios lugares drenando homens e recursos que os ingleses poderiam ter usado para acabar com a rebelião de suas colonias. Se os EUA é líder do mundo livre, sua liberdade foi um presente dado pela Espanha (até porque os Estados Unidos, pasmem, nunca pagou para a Espanha os empréstimos feitos a partir de todo o Império Espanhol na América Latina … boas instituições kkkkkk). Claro que Espanha atuou em prol dos seus interesses estratégicos. O Reino Unido era a maior ameaça ao Imperio Espanhol na América. Neutralizar essa ameaça, fazendo com que a Inglaterra perdesse seu Império na América do Norte era prioridade máxima do Reinado de Carlos III, o grande (Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_III_de_Espanha.) Ele viveu para ver seus planos se realizarem.

Reindustrialização como alavanca para a retomada do desenvolvimento econômico no Brasil (Revista Economistas, Ano XIV, N. 50, 22/12/2023)

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Link: https://online.flippingbook.com/view/115126805/

José Luis Oreiro*

O desenvolvimento econômico é definido como um processo de mudança estrutural com incorporação de progresso técnico no qual o valor adicionado por-trabalhador aumenta de forma cumulativa ao longo do tempo, permitindo um aumento dos salários reais e do padrão de vida da população, o qual envolve, entre outros elementos, uma redução secular da jornada de trabalho, permitindo assim que a classe trabalhadora possa dedicar uma parcela maior de tempo para atividades extraeconômicas (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2015). A mudança estrutural é definida como a transferência de mão-de-obra de setores com menor valor adicionado por trabalhador para setores com maior valor adicionado por trabalhador. Historicamente esse processo de mudança estrutural esteve associado com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB e no emprego total das economias capitalistas. A incorporação de progresso técnico, por sua vez, exige o investimento em novas máquinas e equipamentos, os quais incorporam as novas tecnologias decorrentes do avanço da fronteira tecnológica resultante dos investimentos públicos e privados em Pesquisa e Desenvolvimento (Mazzucato, 2014). Também é necessário que ocorra um aumento contínuo, do número médio de anos de escolaridade da população, notadamente da parcela da população com mais de 25 anos (Ros, 2013, capítulo 1).

Numa amostra com 87 países para o período 1970-2008, Ros (2013) mostra que, considerando apenas os determinantes próximos do crescimento (Maddison, 1988), a taxa de crescimento do capital por trabalhador apresenta a maior influência (positiva) sistemática sobre o crescimento do valor adicionado por trabalhador, sendo a principal variável explicativa para a alta performance dos países de crescimento elevado da amostra. O nível inicial de educação (1970) e a taxa de progresso da educação, ou seja, a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos, embora possuam coeficientes positivos e estatisticamente significativos, nas equações de regressão, tem uma contribuição significativamente menor para o crescimento do valor adicionado per-capita. Contudo, quando se substitui a taxa de crescimento do capital por trabalhador e a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos pela taxa de crescimento da participação do emprego industrial no emprego total no período 1970-2008 chega-se à conclusão de que a taxa de crescimento do emprego industrial é a variável que isoladamente tem a maior influência sistemática sobre a taxa de crescimento do valor adicionado per-capita. Em outras palavras, a indústria de transformação é o motor do crescimento de longo-prazo (Thirlwall, 2013, pp. 43-53).

Entre 1999 e 2008 o Brasil experimentou um processo de aceleração do crescimento do PIB real o qual passou de 2,19% a.a em 1999 para 4,81% a.a, ambos os valores calculados pela média móvel de 5 anos. Durante esse mesmo período, a participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes, na média móvel de 5 anos, passa de 14,91% em 1999 para 16,97% em 2008. A partir da crise financeira internacional de 2008, contudo, se inicia um processo de desaceleração do crescimento da economia brasileira, o qual irá se aprofundar a partir de 2014, quando exibe um valor de 3,38% na média móvel de 5 anos, chegando a -0,64% a.a em 2018. Esse movimento foi acompanhado de um intenso processo de desindustrialização da economia brasileira, no qual a participação da indústria de transformação a preços correntes cai de 16,97% em 2008 para 12,28% em 2018, ambos os valores calculados com base na média móvel de 5 anos (Ver figura 1). De 2019 a 2022 observa-se uma recuperação parcial do crescimento real do PIB brasileiro, o qual atinge a marca de 1,52% a.a na média móvel de 5 anos em 2022, valor 30% inferior ao verificado em 1999. A participação da indústria de transformação no PIB se estabilizou em torno de 12%, valor 19,51% mais baixo do que o verificado em 1999.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Quando calculamos a correlação entre as séries de participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes e taxa real de crescimento do PIB real para o período 1999-2022 verificamos que o valor encontrado é de 0.82, o que caracteriza a existência de uma forte correlação positiva entre as séries. Como a participação da indústria de transformação reflete a estrutura e composição da produção, sendo assim uma variável de natureza estrutural, podemos considerar a mesma como variável independente num exercício de regressão linear simples entre as duas séries em consideração. Os resultados dessa regressão podem ser visualizados na figura 2 abaixo.

Tanto o cálculo da correlação entre as duas séries de tempo como o exercício de regressão deixam pouca margem para a dúvida de que a desaceleração do crescimento da economia brasileira nos últimos 15 anos tem na desindustrialização uma de suas principais causas. Resta saber quais as causas desse processo de mudança estrutural.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Com a eleição de Luis Inacio Lula da Silva em 30 de outubro de 2022 o debate sobre o processo de desindustrialização da economia brasileira foi finalmente desinterditado. Após anos a fio de discussões jurássicas sobre o sacrossanto “Teto de Gastos”, o novo governo aparenta estar disposto a retomar a agenda de desenvolvimento econômico e encarar de frente o fato, hoje indiscutível, de que o Brasil vivenciou, no período 1991-2019, conforme tabela abaixo, o mais intenso processo de desindustrialização no mundo, maior inclusive do que a verificada pela economia da Argentina.

Tabela I: Participação da Indústria de Transformação no PIB, Países Selecionados (1991-2019)

Continente/País19912019Var (%)
América do Sul21,3712,46-8,91
Argentina24,3813,50-10,88
Brasíl21,8310,33-11,50
Colombia17,9013,54-4,36
Europa 18,9115,33-3,58
Alemanha24,8419,55-5,29
Dinamarca14,6413,40-1,24
Espanha(*)16,2610,91-5,35
Itália19,0914,88-4,21
Suiça19,7417,92-1,82
Leste da Ásia 24,3222,64-1,69
Coréia do Sul25,1825,220,04
Japão (**)23,4620,05-3,41

Fonte: Banco Mundial. Elaboração do Autor. (*) A partir de 1995; (**) A partir de 1994.

Os dados apresentados na tabela I acima nos permitem tirar algumas conclusões. A primeira é que a desindustrialização, embora seja um fenômeno comum aos países da amostra, não é algo inevitável. Com efeito, a participação da indústria do PIB da Coréia do Sul manteve-se estável no período analisado, ao passo que países de renda alta como a Dinamarca e a Suíça apresentaram uma pequena queda da participação da indústria no PIB. Em segundo lugar, as grandes economias da América do Sul não só passaram por um processo de desindustrialização mais intenso do que o observado nos países europeus, como ainda reduziram a sua participação da indústria no PIB a um patamar inferior ao verificado nos países da Europa e do Leste Asiático, os quais tem uma renda per-capita muito mais alta do que as economias da América do Sul. Em suma, a desindustrialização da América do Sul é um fenômeno diferente da desindustrialização observada nos países de renda alta.

Para que possamos entender a natureza da diferença entre os dois processos, temos inicialmente que retomar a discussão feita no início deste artigo sobre a natureza do processo de desenvolvimento econômico. Vimos que o desenvolvimento econômico tem como um de seus determinantes a mudança estrutural, ou seja, a transferência de mão de obra dos setores com menor valor adicionado por-trabalhador para os setores de maior valor adicionado por-trabalhador. Trata-se do que é denominado de “sofisticação produtiva” na literatura novo-desenvolvimentista ou “complexidade econômica” por Hidalgo e Hausmann (2009). Nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico, aquilo de Rostow (1960) denominou de “decolagem”, ocorre uma grande transferência de mão-de-obra da agricultura para a indústria. É a fase da “Revolução Industrial” na qual a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego aumentam de forma contínua, proporcionando uma “aceleração do crescimento” do PIB per-capita. Todos os países de renda alta passaram, em algum momento, por esse processo.

A partir de certo nível de renda per-capita, contudo, ocorre uma diversificação crescente da demanda de consumo das famílias, as quais passam a demandar uma quantidade cada vez maior de serviços, muitos dos quais são direta ou indiretamente ligados a indústria. Nesse contexto, a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego irá começar um processo de declínio “natural”, o qual pode ser retardado por “políticas neo-mercantilistas” que visem ampliar as exportações de produtos manufaturados para compensar a queda relativa da demanda doméstica. Essas políticas parecem ter sido bem-sucedidas nos casos da Dinamarca e Suíça, países de renda alta da Europa que tiveram uma redução modesta ou pequena da participação da indústria de transformação no PIB.

Esse não foi o caso dos países da América do Sul, notadamente o Brasil, os quais se desindustrializaram antes de se tornarem países de renda alta ou de terem se tornado economias maduras (Kaldor, 1967), ou seja, economias nas quais a mão-de-obra já foi totalmente transferida do setor tradicional ou de subsistência para o setor moderno ou capitalista. Trata-se daquilo que Rodrik (2016) denominou de desindustrialização prematura. Com base na análise da estrutura do mercado de trabalho do Brasil e na avaliação da qualidade do emprego feita por Oreiro et al (2023) pode-se claramente perceber que o Brasil está muito longe de ter ultrapassado o ponto de Lewis (1954) no qual toda a mão-de-obra já foi transferida para o setor moderno da economia, de forma que a desindustrialização brasileira é de natureza precoce.

Ao contrário da desindustrialização natural, fenômeno associado a mudança na composição da demanda de consumo nos países de renda alta, a desindustrialização precoce está associada com a adoção de políticas econômicas neoliberais associadas ao consenso de Washington a partir da década de 1990.

Com efeito, as economias da América do Sul adotaram políticas de liberalização comercial e financeira a partir dos anos 1990 com a redução generalizada das alíquotas de importação, abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos, sobrevalorização cambial como instrumento básico de controle da inflação, redução da participação do Estado na economia por intermédio da privatização de empresas estatais e redução do financiamento estatal para o investimento em infraestrutura e atualização tecnológica do parque industrial.

No caso Brasileiro, Oreiro, Manarin e Gala (2020) avaliam os determinantes da redução da participação da indústria de transformação no PIB para o período 1998-2017. A partir de um modelo econométrico no qual a participação da indústria de transformação no PIB está determinada pela competitividade preço (taxa real de câmbio) e competitividade extra preço (hiato tecnológico), os autores mostram que cerca de 40% da desindustrialização verificada na economia brasileira deve-se a sobrevalorização da taxa de câmbio e 60% devem-se ao aumento da distância da indústria brasileira com respeito a fronteira tecnológica.

Não existe nada de natural ou inevitável num processo de desindustrialização que resultou de câmbio sobrevalorizado e aumento do hiato tecnológico. O desafio para a reindustrialização do Brasil passa pela adoção de políticas corretas que neutralizem essas causas. Dessa forma, se faz necessário uma mudança no regime de política macroeconômica no Brasil que permita a obtenção de uma taxa real de câmbio estável, competitiva e sustentável no médio de longo-prazo (Frenkel, 2014). Esse novo regime de política macroeconômica deve envolver a introdução de controles a entrada de capitais estrangeiros, imposto de exportação de commodities e desindexação da economia (Oreiro e Costa Santos, 2023) para permitir a obtenção da meta de inflação definida pelo conselho monetário nacional com níveis mais baixos de taxa de juros.

A redução do hiato tecnológico exige a adoção de políticas industriais seletivas baseadas no princípio da reciprocidade (Amsden, 2004, p. 38), ou seja, os incentivos dados as empresas industriais para aumentarem a sua capacitação tecnológica tem que estar atrelados a obtenção de padrões de desempenho monitoráveis, por natureza redistributivos e concentrados nos resultados, principalmente em termos de aumento das exportações e conquista de mercados externos.

Referências

Amsden. A (2004). A Ascenção do Resto: os desafios ao ocidente de economias com industrialização tardia. São Paulo: Editora Unesp.

Bresser-Pereira, L.C; Oreiro, J.L; Marconi, N. (2015). Developmental Macroeconomics: new-developmentalism as a growth strategy. Londres: Routledge

Frenkel, R. (2014). “How to manage a sustainable and stable competitive real exchange” In: Bresser-Pereira, L.C; Kregel, J; Burlamaqui, L. (Eds). Financial Stability and Growth: Perspectives of Financial Regulation and New-Developmentalism. Londres: Routledge Hidalgo, C. A.; Hausmann, R. (2009). The building blocks of economic Complexity. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(26), 10570–10575.

Lewis, W. A. (1954). “Economic development with unlimited supplies of labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, 28: 139-91


Oreiro, J. L. C.
; Santos, J. F. C. (2023).” The Unfinished Stabilization of the Real Plan”. In: Fernando Ferrari Filho; Luiz Fernando de Paula. (Org.). Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies. 1ed.Chentenham: Edward Elgar, v. 1, p. 61-81.


Oreiro, J. L. C.
Gabriel, L. F. ; Damato, S. ; Silva, K. M. (2023). LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION. Panoeconomicus, v. 70, p. 601-625,

Oreiro, J. L., Manarin, L. L., Gala, P. (2022). Deindustrialization, economic complexity, and exchange rate overvaluation: the case of Brazil (1998-2017). PSL Quarterly Review, 73(295), 313–341

Mazzucato, M. (2014). O Estado Empreendor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo. Editora Schwarcz.

Rodrik, D. (2016). “Premature Deindustrialization”. Journal of Economic Growth, Vol.21, Issue 1, pp. 1-33.

Ros, J. (2013). Rethinking Econonomic Development, Growth and Institutions. Oxford: Oxford University Press.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge. Cambridge University Press.

Thirwall, A.P (2013). Economic Growth in an open Developing Economy. Edward Elgar: Cheltenham

 

2023: O Ano da Graça de Fernando Haddad

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O ano era 2018. Eleições Presidenciais. A besta do apocalipse, aquele quem não devemos dizer o nome, o filho do cão liderava as pesquisas para a presidência da República. A candidatura de Ciro Gomes, a qual eu inicialmente apoiava por ser mais próxima do projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (https://epoca.globo.com/economia/noticia/2018/02/quem-sao-os-conselheiros-economicos-dos-pre-candidatos-presidencia.html), que Bresser-Pereira e eu trabalhavamos a quase uma década, não decolava. Eu inclusive havia sido foco do, por assim dizer, “fogo amigo” de membros do inner core da campanha de Ciro Gomes que plantaram na Folha de São Paulo, por intermédio da Jornalista Daniela Lima, a mentira descabida de que eu estava me encontrando na surdina com banqueiros para discutir os projetos de Ciro Gomes para um mandato presidencial (https://www.facebook.com/jose.oreiro.3/posts/pfbid0UAQnnC23meGuQoespbRtgoALKD2UrRjxPnp5haZ9KpEcoGESuEgG6jA3JjMmHjHwl). Fui oposição ao governo Dilma Rousseff desde o início pois já previa o seu desastre, não por pedaladas fiscais (que coisa ridícula), mas pela sua incapacidade de administrar uma crise clássica sobre a distribuição de renda, que desembocou num “esmagamento de lucros” e no colapso da acumulação de capital (turbinada pelos efeitos da operação lava-jato comandada por aquela amostra da (sic) sapiência sulista, Sérgio Moro) no segundo semestre de 2014 (sobre isso ver https://www.scielo.br/j/ea/a/SxFbPNLxcStN6BKL7JTjtcT/). A única alternativa civilizada e honrada que me restava era votar no meu colega professor universitário Fernando Haddad.

Eu não conhecia o Haddad pessoalmente em 2018. Tudo o que sabia dele era que fora professor da USP, mas tinha se transferido (argh) pro Insper, comandado pelo ultra-liberal-ex-marxista Marcos Lisboa, ex-orientado da Maria da Conceição Tavares (argh), que era casado uma única vez com a mesma mulher e que era Cristão Ortodoxo. Como me disse certa vez meu colega e atual chefe de departamento na UnB, Roberto Ellery (sory chefe por te entregar), Haddad tinha cara de rico e professor da USP, tudo o contrário para se pleitear a Presidência da República (a não ser quando voce se chama Fernando Henrique Cardoso, tem lindos cabelos brancos, fala françês fluentemente e, por puro acaso da história, faz o único plano de estabilização da inflação da história do Brasil que funciona, o Plano Real).

Um belo dia antes do primeiro turno das eleições presidenciais, Joaquim Andrade, decano do departamento de economia da UnB, liga para o meu celular e pede, todo constrangido, se eu poderia assinar um manifesto em apoio a candidatura de Fernando Haddad para a presidência da República. Depois de hesitar por 0,00000000000 milésimo de segundo (Uma eternidade, como podem ver) eu declarei meu apoio incondicional e irrestrito ao professor da USP. Fiz sem esperar nada em troca a não ser a vitória da civilização contra a barbárie. Eu e outras centenas de economistas assinamos um manifesto em prol de Fernando Haddad para a Presidência da República (https://pt.org.br/economistas-lancam-manifesto-pro-haddad-premio-nobel-assina/). Infelizmente perdemos, e o mal absoluto governou o Brasil por 4 tenebrosos anos. Confesso que foi a única vez na minha vida que pensei em renunciar a cidadania brasileira e ir trabalhar na Espanha como professor da Universidade do País Basco em Bilbao (Da qual agora sou professor visitante: https://www.ehu.eus/es/web/doktoregoa/doctorado-integracion-economica/profesorado?p_cod_idioma=es&p_cod_proceso=doctorate&p_nav=605&p_cod_propuesta=1972&p_redirect=dameProfesorAjeno&p_idp=740329&p_dpa=740329). As negociações avançaram bastante, mas no final as questões familiares me fizeram ficar no Brasil a despeito do que ocorreu nas eleições de 2018.

Não é necessário falar aqui do governo do Coiso, pois me dediquei com afinco, neste espaço, não sem risco de ordem pessoal, a criticar ao mesmo e a seu gênio do mal, o por assim dizer, economista Paulo Guedes, Czar da Economia durante os tempos obscuros (um, entre muitos exemplos, pode ser encontrado em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/597197-a-embromacao-de-paulo-guedes-artigo-de-jose-luis-oreiro).

Pela Graça de Deus Todo Poderoso Luis Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente da República Federativa do Brasil no segundo turno das eleições de 2022. Fui convidado para fazer parte do governo de transição na equipe do Planejamento comandada pela minha colega e co-autora da UFRJ Esther Dweck (https://corecondf.org.br/conselheiros-do-corecon-df-fazem-parte-do-governo-de-transicao/?doing_wp_cron=1702865054.7510869503021240234375). Por questão de sigilo contratualmente acordado não posso expor os documentos a que tive acesso do governo do Coiso com as barbaridades que Paulo Guedes planejava contra o povo pobre e humilde do Brasil caso a besta do apocalipse tivesse sido reeleita. Mas asseguro que foi pela Misericórdia de Deus que nos livramos do imprestável.

Todo esse longo intróito foi para contextualizar o leitor sobre como Fernando Haddad, a quem eu havia conhecido em carne e osso em 2019 no Insper, assumiu o cargo de Ministro da Fazenda. Durante o governo de transição se especulou sobre quem seria o Ministro da Fazenda de Lula. Um jornal basco, de forma irresponsável, chegou a noticiar o meu nome como possível ministro da fazenda numa entrevista que eu dei antes do segundo turno das eleições quando em encontrava em Bilbao para uma banca de Tese de Doutorado na Universidade do País Basco (https://jlcoreiro.wordpress.com/category/el-correo-espanol/). Apesar de eu ter desmentido essa possibilidade durante a entrevista, o fato é que a mesma foi usada pelos meus inimigos dentro e fora do PT para queimar meu nome para qualquer cargo possível no futuro governo Lula III. Paciência, o Senhor deu o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor.

Após várias especulações, nenhuma delas fundadas, O Presidente Lula anuncia Fernando Haddad como o novo Ministro da Fazenda, algo que eu na entrevista para o jornal Basco já havia antecipado como inevitável. E ai o mercado financeiro teve uma TPM. Disseram que Haddad não era economista (Como se Antonio Palocci não fosse médico), ressuscitaram um sincericidio do Haddad dizendo que ele só havia estudado dois meses de economia (https://www.reuters.com/article/fact-check-haddad-economia-idUSL6N32Z0C3/), que o Haddad era comunista e iria transformar o Brasil numa Venezuela (https://www.youtube.com/watch?v=9aHLFNYfj0w).

Ataques de Bolsominions raivosos não são de espantar ninguem, mas eis que os auto-proclamados pais do Plano Real, Edmar Bacha, Arminio Fraga e Pérsia Arida em carta aberta ao Presidente Eleito Luis Inacio Lula da Silva datada de 17 de novembro de 2022 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/11/vai-cair-a-bolsa-aumentar-o-dolar-paciencia.shtml) criticaram as declarações de irresponsabilidade fiscal do novo governo ao afirmar que iria revogar o sacrosanto “Teto de Gastos” – essa relíquia da alquimia e do terraplanismo econômico que só foi adotada no Brasil e ainda mais como norma constitucional. Para os país do Plano Real a revogação do Teto de Gastos iria conduzir o Brasil a um “buraco negro fiscal” (obs: isso não existe em nenhum livro texto sério de economia) e faria com que o país virasse uma espécie de Venezuela, como era o desejo dos Bolsonaristas raivosos acampados em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, marchando que nem uns idiotas barrigudos e fisicamente despreparados e cantando hino nacional para pneu de caminhão. Eu e um conjunto de outros economistas Keynesianos e Desenvolvimentistas, sob a liderança intelectual do professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira fizemos uma contra-carta (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/11/18/carta-aberta-ao-presidente-lula/), refutando um a um os argumentos dos pais do Plano Real (By the way, passado mais de um ano, acertamos em cheio nossas previsões).

O novo governo assume a Presidência da República em 01/01/2023 sob a desconfiança generalizada do mercado financeiro a respeito da competência e seriedade de Fernando Haddad. Os eventos de 08 de janeiro dão uma trégua para o novo governo, mas a PEC da transição havia liquidado em definitivo a herança maldita de Michel Temer, o Teto de Gastos. Faltava algo para por no lugar. Haddad e sua equipe de não-economistas desenham um arcabouço fiscal que combinava uma regra de gastos com uma regra de resultado primário e (talvez) uma regra de dívida pública. Eu imediatamente me pronunciei contra o arcabouço afirmando que a ideia tinha um erro genético pois implicava num sistema sobre-determinado, ou seja, mais equações do que incógnitas (https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/6255). Falei com o Ministro por Whatsapp. Ele me assegurou que a variável de ajuste seria a arrecadação do governo e que o Ministério da Fazenda havia mapeado várias fontes de renúncia fiscal – muitas deles questionáveis do ponto de vista juridico – que poderiam render aos cofres públicos mais de 200 bilhões de reais de arrecadação sem que fosse necessário aumentar a carga tributária de jure. Como direito tributário não é minha praia, dei ao Ministro meu voto de confiança e não mais tratei do assunto por intermédio da imprensa, fazendo voluntariamente um voto de silêncio em favor do governo.

Os resultados do PIB do primeiro e do segundo trimestre de 2023 vieram bem acima do esperado do mercado financeiro. A inflação apresentou sinais consistentes de queda e o Ultra-Mega-Conservador Banco Central do Brasil, contra meus próprios prognósticos, começa um processo de redução lenta, gradual e segura da taxa de juros selic a partir de meados de 2023. Outra vitória do estilo conciliador de Fernando Haddad.

No segundo semestre de 2023 o Ministério da Fazenda se dedica a duas agendas cruciais para o país. A primeira, aprovar a reforma tributária dos impostos indiretos, extensamente discutida mas nunca implementada, nos últimos 40 anos. Para isso o Ministro da Fazenda escalou a maior autoridade brasileira no assunto, Bernard Appy. A segunda foi começar a cobrar impostos sobre o andar de cima, colocando na mesa a discussão sobre a tributação dos fundos de investimento off-shore e fundos específicos. A discussão posta em setembro de 2023 gerou uma reação dos endinheirados do Brasil que usando os seus think-thank regiamente pagos conseguiram a proeza de publicar na Folha de São Paulo um artigo que dizia que a população brasileira deveria se ajoelhar em agradecimento aos super-ricos pelas miganhas que eles permitiam cair de suas mesas. Essa afronta a decência, ao bom senso e a ciência econômica por rebatida veementemente por mim e por meu velho companheiro de armas Luiz Fernando de Paula em artigo publicado no site GNN (https://jornalggn.com.br/politica-fiscal/ser-rico-nao-e-pecado-mas-tem-que-pagar-imposto/). Ao que tudo indica nossa contra-ofensiva contra os endinheirados foi um êxito pois nunca mais nenhum deles se atreveu a retomar o assunto.

Eis que chegamos ao final de 2023. Haddad insiste em algo que ele sabe muito bem que não vai conseguir obter, a meta de resultado primário zero para 2024 (https://horadopovo.com.br/o-compromisso-do-haddad-nao-pode-ser-com-o-erro-diz-oreiro-sobre-meta-de-deficit-zero/). Disse isso em alto e bom som para o público e para ele em privado. Ele tem seu ponto. Sabe que as convenções do mercado financeiro são difíceis de serem mudadas, ainda quando estão erradas. Não se trata de conseguir uma meta de resultado primário zero em 2024 – todos sabemos que é impossível – mas passar o recado que o governo está comprometido com isso para não gerar turbulência desnecessária no mercado financeiro. Eu entendo a posição mas sou ferrenhamente partidário da ideia de que o melhor desinfetante é a luz do sol: o governo deve sempre e em todo o momento ser claro e transparente nas suas ações e intenções, reconhecendo os erros quando for necessário.

Eis que na última sexta-feira, diz 15 de dezembro, a câmara dos deputados aprova em dois turnos a PEC da reforma tributária que deverá seguir para promulgação presidencial antes do Natal. O homem que era visto como uma escolha muito ruim para o ministério da Fazenda de Lula 3 consegue aprovar a maior reforma constitucional – e a única que terá efeito positivo inquestionável sobre o desenvolvimento econômico do Brasil nos próximos 10 a 20 anos – da história do Brasil desde 1988. Um golaço de placa para quem era tido como perna de pau. Eu nunca o reputei dessa forma, embora não poucas vezes tenha discordado dele. Só me resta reconhecer a sua vitória. Ave César!

Participação do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento na 7h International Astril Conference (25-26 de Janeiro, Universitá degli Studi Roma Tre, Roma, Itália)

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O grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, o maior grupo de pesquisa heterodoxo do Brasil (www.sdmrg.com.br), sediado no Departamento de Economia da Universidade de Brasília, irá organizar duas sessões especiais na Sétima Conferência Internacional da Astril (Associazone Studi e Richerche Interdisiciplinare Sul Lavoro) a ser realizado no Departamento de Economia da Universitá degli Studi Roma Tre, na cidade de Roma, Itália, no período de 25 a 26 de janeiro de 2024.

Vejam abaixo as sessões e os papers que serão apresentados, dois deles de autoria de alunos do curso de graduação em economia da UnB e um de autoria de um aluno do programa de doutorado em economia da UnB.

Structural Change and the Political Economy of Climate Change Session Proposal

Topic 3: Structural change, employment displacement, and social benefits

The Structural Development Macroeconomics Research Group (SDMRG) was founded back in 2008, in the aftermath of the “Great financial crisis”, and currently has more than thirty members from academic to policy circles in South America, Europe, and the United States (http://www.sdmrg.com.br/home). For the upcoming 7th ASTRIL conference, we would like to propose 2 hybrid sessions of 4-5 papers each:

SESSION 1

  1. What drives oil dependence in the EU? An empirical assessment of technology-push and demand-pull factors (Federica Cappelli, University of Ferrara, In person)

European Union (EU) continues to depend heavily on fossil fuels since oil constitutes more than one-third of total energy available. We aim to understand what factors foster or reduce oil dependence in European countries, focusing on the role of environmental policies and eco-innovations. We exploit network analysis to represent the international oil trade network, allowing us to uncover different aspects of oil dependency. This information is then used within a proper econometric framework, which covers the period from 1999 to 2019 and accounts for the presence of cross-sectional dependence. Results indicate that both demand-pull and technology-push factors play a role in alleviating European countries’ dependency on oil, but, at the same time, the relative importance depends on how we define the concept of oil dependency.

  • Endogenous political cleavages and the social dimension of climate change (Marwil J. Davila-Fernandez, University of Siena, In person)

The ongoing transformation of the social base supporting political choices is happening in the context of raising demand for greater efforts to reduce carbon emissions. Our research question lies in the intersection between these two major themes. We develop a heterogeneous agent’s model that differentiates between left- and right-wing voting preferences in two main political dimensions: Economic-Distributive and Socio-Cultural. A continuous-time version of the discrete- choice approach describes the composition of the population over time. The model is compatible with the emergence of

“left-left”, “left-right”, “right-left”, and “right-right” coalitions, each associated with a carbon tax choice and whether to tax the skill premium. Through induced technical change, taxing emissions influences the development of carbon- neutral production techniques, impacting output and ultimately feeding political attitudes. Human capital accumulation results in a wage differential that influences production and feedback on inequality. We numerically study the implications of secularisation and the asymmetric effects of carbon taxes on low/high-skilled workers to green transition. It is shown that achieving absolute decoupling is a two-part problem. Reaching a consensus for implementing a carbon tax is only the first step. A sufficiently strong element of induced technical change favouring carbon-neutral production techniques is also necessary to avoid reducing living standards.

  • Policy coordination for ecological structural change: A macroeconomic model (Chiara Grazini, University of Tuscia, In person)

Ecological transition is based on ecological structural change that requires innovative macroeconomic policies, and this article proposes macroeconomic modelling to provide a baseline analytical framework to tackle this issue. Ecological policy coordination entails integrating the traditional tools of monetary and fiscal policies with typical industrial policies. Specifically, the macroeconomic modelling introduces an eco-Keynesian cross and an eco-3 equation model: ecological degrowth is the most straightforward approach to attaining environmental sustainability. The eco-3 equation model shows ecological macroeconomic policies’ positive role in fostering win-win environmental and social sustainability strategies and mitigating energy inflation by stimulating an ecological structural change. In the current geopolitical context of rising energy prices, mainstream monetary policy alone can merely reinstate the economy to its initial equilibrium and, in some instances, exacerbate the situation due to financial speculation. The imperative for policy coordination becomes even more pronounced. The coordination between less austere monetary stimulating green finance and ecological industrial and fiscal policies could not only overcome the inflationary shock but enable the economy to achieve the goal of sustainable and inclusive development.

  • The impact of trade liberalization and exchange rate undervaluation on exports, imports and balance of Latin American countries: An essay in honor of A. P. Thirlwall (Marcos Campo, University of Brasilia, Virtual)

This work aims to analyse the impact of trade liberalisations in the 80s and 90s on developing countries’ exports, imports, and trade balances. It expands and updates the study conducted by A. Santos-Paulino and A. P. Thirlwall in 2004 on the same topic but focuses on the case of Latin America. The mainstream premise that trade integration between countries always promotes development is disputed by some structuralist economic theories, especially in the context of developing nations. Critics argue that while implementing trade liberalisation reforms can improve a nation’s reach in international commerce, it also has a greater potential for foreign goods to infiltrate the national market. This can create an imbalance in the balance of payments and potentially lead to a foreign currency crisis, an issue historically associated with Latin American economies. We test this hypothesis using data from seven Latin American countries between 1970 and 2019 to estimate econometric models for exports, imports, and trade balance. Following the 2004 seminal paper, the econometric models include a dummy variable for liberalisation, which becomes positive in the year when liberalisation occurred, and the following years, to measure the impact of these reforms on the stated variables. A variable for the exchange rate undervaluation capturing the effect of the level of exchange rate value instead of the rate of change of exchange rate was also included in the analysis. Although the inherent uniqueness of each Latin American economy makes generalising the results difficult, the findings of the estimations support the idea that this type of trade liberalisation can produce currency imbalances that may lead to crises, as witnessed in the region in past decades.

SESSION 2

  1. Political conflict, green capabilities and growth patterns in a Kaleckian small open economy (Julia Juarez, National Autonomous University of Mexico, In person)

The paper presents a Kaleckian model that discusses the condition for sustainable development, defined as a sustainable growth path in three dimensions: economic, social, and environmental. There are three actors in the model: green capitalists (G), brown capitalists (B) and workers (reds, R), whose different alliances define the level of three key parameters in the model: taxes, social expenditure and public investment in green capabilities, all defined as shares in GDP. Three political coalitions are formed: green-red, green-brown and red-brown. It is shown that the GR coalition can produce sustainable and inclusive growth. However, acute trade unbalances compromise growth in the medium term. The magnitude of the disequilibrium will depend very much on the capacity of public investment to boost non-price competitiveness based on green capabilities. The GB alliance, in turn, produces sustainable but not inclusive growth. In this case, the external imbalance will be less acute than with the GR coalition, but the budget deficit will remain high and unsustainable in the long run. Finally, the RB coalition will generate a path that is unsustainable from the point of view of the environment. In contrast, it may produce stable growth with some income redistribution in periods of high demand for commodity exports. We apply the model to the Latin American case and identify different patterns in the region in terms of the key parameters of the model.

  • Socio-environmental conflicts as a source of change in mining activities: the case of Chile (Gabriel Palazzo, Institute of Development Studies, In person)

Responding to climate change requires transitioning at pace and scale to low-carbon energy sources. Leading world economies are committing to the transition. However, the transition to a new energy system will require a considerable supply of minerals, whose extraction is associated with multiple environmental and social problems. In Chile, one of the main critical mineral suppliers of the world, 50% of all medium and large-scale mining is disputed by civil society. Our paper shows that those conflicts block mineral extraction in Chile and force mining companies and the government to negotiate with local communities. We compiled an unprecedented dataset that geo-localises and connects socio- environmental conflicts and show evidence of their impacts. In addition, we document how the regulation of mining activities has been forced to change because of the evolution of socio-environmental conflicts and the conquest of rights by indigenous people.

  • Bibliometric perspectives on the development in the Latin America and the Caribbean (Maria L. Almeida- Luz, University of Brasília, Virtual)

The evolution of development studies in Latin America and the Caribbean can be traced through various topics, interdisciplinary approaches, and methodological pluralism. This study applies bibliometric analysis to explore research patterns systematically and quantitatively in the academic literature. The analysis employs co-citation, bibliographic coupling, and co-occurrence networks to identify patterns, thematic clusters, and influential contributions within the scholarly discourse. The objective is to uncover historical and contemporary complexities, providing insights into potential directions for future research and policy considerations. Temporal dynamics underscore the importance of

historical context, while a consistent regional focus reflects a commitment to understanding the unique challenges Latin American and Caribbean countries face. Emerging themes, including extractive, renewable energy, and globalization, indicate responsiveness to contemporary realities. The study observes the region’s dynamic evolution of development studies, reflecting changes in its socio-political and economic landscape. Scholars have shifted focus from early examinations of historical legacies and colonization to contemporary explorations of democracy, social inequality, and globalization’s impact. This evolution emphasizes the need for a comprehensive understanding incorporating diverse perspectives, methodologies, and historical contexts. The synthesized overview of the development discourse in the region can guide future research and inform decision-making, contributing not only to academic scholarship but also offering practical implications for policymakers addressing the multifaceted challenges, opportunities, and progress in Latin America and the Caribbean.

  • A green new developmentalism strategy for a forest transition (Daniel M. Teixeira, University of Brasilia, Virtual)

The relationship between economic scale and its impacts on the environment is neither linear nor stable across economies and over time since it depends on the technologies adopted in a given production structure. In this context, the land-use change process in a country or region of sustained forest recovery after a long decline in forest cover in the early stages of economic development is called forest transition. Specifically concerning the forest sector, public policies should unlock investments in sustainable forest management to increase its contribution to the supply of food, fibres, and forest raw materials with the potential to replace fossil resources, as well as to capture and store carbon and provide other significant environmental services. This study aims to discuss the relationship between ecological structural change, forest transition, and the implications for a green new developmentalism strategy. This discussion takes place in the Brazilian context, where various policy instruments exist to combine forest protection and sustainable use while simultaneously achieving carbon emission reduction goals. Furthermore, forest policy management is decentralized among federal, state, and municipal governments, affirming the literature’s recommendation that the state’s role in a national eco-developmental strategy involves policy coordination, providing information during policy management, harmonizing policy instruments, and supporting all actors in identifying opportunities for economic diversification that contribute to environmental sustainability. Consequently, it is suggested that the national eco-developmental strategy must have a high priority on the governmental agenda.

  • Reindustrializing Brazil: a comprehensive analysis of industrial trajectory, policies and a forward- looking agenda (Luiza N. de Sousa, University of Brasilia, Virtual)

This study presents a thorough exploration of the trajectory of Brazil’s industrial sector, focusing on the nuanced process of deindustrialization and delving into the historical evolution of industrial policies, with particular attention to recent initiatives dating back to Lula’s first government and their outcomes. Embracing a heterodox viewpoint rooted in sector- specific economic growth and Kaldorian principles, the paper underscores the pivotal role of the industrial sector as a driver of overall economic prosperity. The paper advocates for a strategic industrial policy agenda to navigate Brazil towards reindustrialization, fostering sustained, long-term economic growth. By dissecting the industrial sector’s trajectory and examining Brazil’s prevailing industrial policy agenda, alongside insights from some developed nations actively pursuing reindustrialization, this study goes beyond analysis to propose a forward-looking industrial policy plan. Tailored to address Brazil’s unique challenges and opportunities, this study serves as a roadmap for policymakers, offering actionable recommendations to revitalize the industrial landscape.

Aumento de ritmo de corte da Selic volta ao radar do mercado (Folha de São Paulo, 11/09/2023)

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Link da matéria: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/12/aumento-do-ritmo-de-corte-da-selic-volta-ao-radar-do-mercado.shtml


Aumento do ritmo de corte da Selic volta ao radar do mercado. Economistas esperam que Copom reduza Selic em 0,5 ponto, a 11,75%, na última reunião do ano
11.dez.2023 às 7h00A possibilidade de o Banco Central acelerar o ritmo de corte de juros em 2024 voltou ao radar dos economistas com a redução dos riscos externos, o câmbio mais favorável e a perspectiva de queda das projeções de inflação para os anos seguintes.
Para o último encontro do ano, na quarta-feira (13), há consenso de que o Copom (Comitê de Política Monetária) fará um novo corte de juros de 0,5 ponto porcentual, levando a taxa básica (a Selic) para 11,75% ao ano.
A expectativa é que a decisão venha acompanhada de uma mensagem branda no comunicado.
Economistas ouvidos pela Folha estimam que o alívio registrado no ambiente internacional desde a última reunião, em novembro, dê mais conforto para o BC seguir sua estratégia pela quarta reunião consecutiva.
Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, destaca que os juros dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos, os chamados Treasuries, cederam significativamente e que se consolidou uma visão do comportamento mais benigno da inflação global.
Esse cenário colaborou para a apreciação cambial —o dólar encerrou as negociações na sexta-feira (8) cotado a R$ 4,929, ante R$ 5 no cenário de referência do Copom na última reunião.
Folha Mercado
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Como a taxa de câmbio impacta diretamente o modelo usado pelo BC, as projeções de inflação para 2024 e 2025 devem vir mais baixas. Nos cálculos de Damico, o índice deve recuar em torno de 0,1 e 0,2 ponto porcentual. Na última reunião, as estimativas do Copom situavam-se em 3,6% em 2024 e 3,2% em 2025.
Apesar das projeções mais baixas, o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman espera que o Copom ressalte que as estimativas ainda estão acima do centro da meta de inflação (3%), justificando a posição de segurar os juros em terreno contracionista —acima do neutro (que não estimula nem desestimula a economia).
Na visão dele, a melhora no câmbio “ajuda, mas não é a salvação da lavoura”.
Entre os “ventos favoráveis”, os economistas citam a continuidade do processo de desinflação e a materialização da desaceleração da atividade econômica —ainda que o último dado do PIB (Produto Interno Bruto) tenha surpreendido, com crescimento de 0,1%.
Para Daniel Karp, economista sênior do Santander, houve “um conservadorismo um pouco exacerbado por parte do BC na questão do risco global” no encontro passado e um receio prematuro com a situação.
Embora espere que o Copom reconheça a melhora no ambiente externo, ele diz acreditar que o tema ainda será tratado com cautela.
Karp também ressalta que o colegiado do BC poderia ser mais enfático quanto à melhora da inflação corrente e classifica como “conservadora” a afirmação de que o processo tem ocorrido conforme o esperado, uma vez que a autoridade monetária vem sendo surpreendida em suas projeções.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) registrou desaceleração a 0,24% em outubro.
Com isso, ficou em 4,82% no acumulado de 12 meses —próxima do teto da meta (4,75%). O dado de novembro será divulgado nesta terça (12), dia da primeira sessão do Copom.
Na próxima reunião, a atenção do mercado estará voltada, sobretudo, à sinalização dos próximos passos.
Desde agosto, quando o colegiado do BC iniciou o ciclo de afrouxamento da política monetária, o Copom tem dito que “os membros do comitê, unanimemente, anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões”.
Essa indicação corresponde a dois encontros subsequentes. Enquanto uma fatia do mercado financeiro espera a repetição da mensagem, outra parcela prevê um ajuste na comunicação com o objetivo de antecipar mudanças no plano de voo.
“Uma forma de deixar a porta aberta para aceleração do pace [ritmo], sem criar muitos ruídos, é trocar o plural de ‘próximas reuniões’ pelo singular. Assim, o mercado entende que [o indicativo] é só para janeiro”, diz Damico, que vê possibilidade de um corte de 0,75 ponto porcentual na segunda reunião de 2024, em março.
Já para o economista do Santander, há uma probabilidade pequena de o BC aumentar o ritmo de corte de juros no ano que vem.
“Cada vez que ele [Copom] vai avançando no passo de 0,5 ponto porcentual, mais difícil fica de acelerar [o ritmo de cortes], porque já está mais próximo da taxa [terminal]”, diz Karp.
Para mudar seu cenário-base, ele diz que é preciso que se consolide de maneira mais significativa a melhora do ambiente global, que a atividade econômica perca ainda mais força e que as expectativas de inflação caminhem em direção às metas perseguidas pelo BC.
Entre os fatores de risco para alta da inflação, alguns economistas citam a resiliência do mercado de trabalho. No trimestre até outubro, a taxa de desemprego do Brasil recuou a 7,6% e o contingente da população ocupada com algum tipo de trabalho foi estimado em 100,2 milhões, de acordo com o IBGE.


O professor associado da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro considera que os dados não refletem a realidade do país e fala em “desemprego disfarçado”, com trabalhadores subutilizados.
Ele também diz que o último resultado do PIB coloca “um pouco de água morna na banheira”, mostrando que a economia está perdendo tração.
Para Oreiro, o fraco investimento das empresas em capacidade produtiva e a queda do vigor da indústria de transformação são sinais claros de fraca demanda.
Na visão dele, isso seria suficiente para o colegiado do BC fazer um corte de 0,75 ponto porcentual já no próximo encontro do Copom —cenário que não espera que se concretize.
“Eu gostaria que o Copom acelerasse [o ritmo de corte], não creio que vá. É uma discussão que vai ganhar força no primeiro semestre de 2024, quando vierem os dados do primeiro trimestre, que podem ser de crescimento negativo”, diz.
“Até porque não vamos ter a contribuição extremamente positiva do agronegócio no PIB por conta do El Niño [fenômeno climático]”, afirma.

Outra divergência entre os economistas se refere ao cenário fiscal. Damico vê avanço na questão, com a tramitação no Congresso da Reforma Tributária e aprovação de medidas com potencial de aumentar a arrecadação do país.
Já Schwartsman diz que a incerteza fiscal continua, diante da possibilidade de o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterar no ano que vem a meta de déficit zero, mas que o BC “vai se fazer de sonso” para a questão.

Apesar da surpresa positiva com o PIB trimestral, economia brasileira perde tração ao longo de 2023

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Por José Luis Oreiro

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem (05/12/2023) dos dados do PIB referentes ao terceiro trimestre de 2023 (Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38535-pib-varia-0-1-no-3-trimestre-de-2023). Segundo o IBGE o PIB brasileiro a preços de mercado apresentou uma elevação de 0,1% com respeito ao segundo trimestre, contrariando as expectativas dos analistas do mercado financeiro que previam uma queda de 0,2 % no terceiro trimestre na comparação com o trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior o PIB apresentou um crescimento de 2,0% e no acumulado em 12 meses um crescimento de 3,1% sem ajuste sazonal.

O governo comemorou o resultado, ressaltando que o mesmo se deve a boa condução da política econômica, embora o Ministro da Fazenda Fernando Haddad tenha feito a ressalva, em entrevista concedida a jornalistas em Berlim, que o Banco Central precisava continuar fazendo a sua parte, ou seja, continuar com o processo de redução da taxa de juros em 0,5 p.p a cada reunião do COPOM.

Creio que qualquer economista com um senso mínimo de honestidade intelectual concorda que os cenários que alguns analistas traçavam no final de 2022 para o governo Lula eram absolutamente estapafúrdios (sobre isso ver https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/11/5052854-economistas-desenvolvimentistas-rebatem-carta-de-arminio-malan-e-bacha.html), uma vez que projetavam um (sic) colapso da economia brasileira, com a taxa de câmbio sofrendo uma maxidesvalorização e a inflação disparando para níveis superiores a 10% a.a, caso o governo abandonasse, como abandonou com a PEC da Transição, o sacrossanto “Teto de Gastos”. Essa reliquia da alquimia e terraplanismo econômico foi substituído por um arcabouço fiscal de caráter infraconstitucional que, embora apresente sérios problemas de concepção (Sobre isso eu comentei no artigo https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/6255), é muito mais flexível do que o teto de gastos, permitindo que a despesa primária da governo apresente um crescimento mínimo de 0,6% a.a no pior cenário possível em termos de crescimento das receitas do governo. Mesmo a possibilidade concreta do governo não ser capaz de cumprir a meta de déficit primário zero para 2024 não está tendo nenhum efeito desruptivo nos mercados financeiros e na inflação, com o dólar devendo fechar 2023 abaixo de R$5,00 e a inflação em torno de 4,5% a.a. Não foi dessa vez que a economia brasileira entrou num “buraco negro” ou virou a Argentina.

Feitas essas considerações, não devemos fechar os olhos para a realidade e achar que a economia brasileira está navegando bem de vento em popa. Conforme podemos verificar na Tabela I abaixo, quando comparamos o PIB do primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2023 com o mesmo período do ano anterior, observa-se uma nítida perda de fôlego da economia Brasileira. Com efeito, no primeiro trimestre de 2023 a economia brasileira cresceu 4,22% com relação ao mesmo período de 2022. No segundo trimestre o ritmo de crescimento caiu para 3,46%, ao passo que no terceiro trimestre o crescimento foi de apenas 1,95%. Em suma, ao longo de 2023, o ritmo de crescimento trimestral do PIB (na comparação com o mesmo período de 2022) caiu 53,79%.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

O cenário fica ainda mais preocupante quando olhamos o comportamento do PIB da indústria de transformação e a formação bruta de capital fixo. Em todos os trimestres de 2023 o PIB da indústria de transformação caiu relativamente ao mesmo período do ano anterior, aprofundando assim o processo de desindustrialização da economia brasileira. Até o presente momento o discurso do governo em prol de uma “neo-industrialização” não se traduziu num plano estruturado com objetivos, metas e instrumentos capaz de alavancar de forma robusta e sustentada o crescimento da produção da indústria de transformação. Medidas pontuais não serão capazes de reverter o declínio da indústria brasileira, condenando o país a estagnação econômica no médio e longo prazo.

O comportamento da formação bruta de capital fixo é igualmente preocupante. Como sabemos a expansão da capacidade física de produção de bens e serviços é condição necessária para o crescimento sustentado do PIB com estabilidade da taxa de inflação. Embora a formação bruta de capital fixo tenha apresentado um crescimento de 1,44% no primeiro trimestre de 2023 na comparação com o mesmo período de 2022, nos trimestres seguintes a formação bruta de capital fixo apresentou uma contração de 1,77% e 6,76% na comparação com os respectivos trimestres de 2022. Esses dados devem acender um sinal de alerta para o governo de que sem um esforço grande de aumento do investimento público em obras de infraestrutura, o investimento do setor continuará patinando devido as externalidade negativas que a deterioração contínua da infraestrutura tem sobre os incentivos ao investimento do setor privado. A não ser no mundo fantástico de Paulo Guedes, o investimento público e o investimento privado são complementares e cabe ao governo a tarefa de realizar investimentos em infraestrutura, os quais não serão feitos, ao menos na magnitude necessária, pelo setor privado. Para tanto será necessário, a meu juízo, um tratamento a parte para os investimentos em infraestrutura no arcabouço fiscal de Fernando Haddad.

O único componente do PIB que apresentou um comportamento exuberante foram as exportações. Em todos os trimestres de 2023, as exportações apresentaram um crescimento expressivo com respeito ao mesmo período de 2022, sendo que nos dois últimos trimestres o crescimento foi em torno de 10%. Isso seria um motivo de comemoração caso esse crescimento estivesse associado a um crescimento robusto do PIB da indústria de transformação. Se assim fosse seria um sinal inequívoco de que a indústria brasileira de transformação está conquistando mercados externos, ou seja, está aumentando a sua competitividade nos mercados internacionais. Mas os dados mostram que esse não é o caso. O aumento exuberante das exportações está acompanhado pela queda do PIB da indústria de transformação, o que nos leva a conclusão de que esse comportamento das exportações deve-se ao aumento das exportações de bens primários. Sendo assim, a conclusão lógica inescapável é que o processo de reprimarização da pauta de exportações continua a todo o vapor, com a economia brasileira se afundando cada vez mais na condição de economia periférica, ou seja, de economia exportadora de bens primários e importadora de bens manufaturados.

Em suma, apesar da surpresa positiva de curto prazo, os dados do PIB brasileiro recém divulgados mostram uma desaceleração do ritmo crescimento e da continuidade do processo de regressão estrutural da economia brasileira (desindustrialização + reprimarização da pauta de exportações). O governo precisa apresentar urgentemente um plano de desenvolvimento produtivo da economia brasileira e executa-lo o mais rapidamente possível. Não faze-lo é brincar com a sorte e abrir uma janela para o retorno do bolsonarismo, provavelmente em outros trajes, nas eleições de 2026.

Contagem regressiva para entrega de emendas ao PLDO (Correio Braziliense, 16/11/2023)

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Com fim do prazo para envio de propostas ao PLDO de 2024, amanhã (17/11), crescem as chances de a mudança da meta fiscal ficar para o primeiro trimestre do ano que vem

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Edla Lula 

Amanhã, termina o prazo para apresentação de emendas ao Projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, que tramita na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional. Ao que tudo indica, o governo não vai encaminhar, via lideranças da base, a alteração na nova meta fiscal, o que faz prevalecer a vontade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que briga por manter o objetivo de zerar o saldo nas contas públicas.

No momento, segundo disse a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, após reunião com Haddad e Esther Dweck, ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, a equipe econômica está debruçada sobre o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas referente ao quinto bimestre de 2023. O documento será apresentado na próxima quarta-feira (22/11), e os técnicos dos três ministérios, nesses dias, cruzam os números referentes a despesas e receitas para revisarem suas estimativas.

Assim, a discussão sobre a meta fiscal, na CMO, ficará com o Parlamento, já que o deputado petista Lindbergh Farias (RJ), protocolou duas emendas alterando a meta fiscal do próximo ano. Uma permitindo deficit primário de 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) e outra, com previsão de até 1% de saldo negativo. Ainda não estão contabilizadas as emendas já protocoladas no sistema.

economia pib

Especialistas se dividem ao analisar qual seria a melhor posição do governo: deixar a decisão com o Congresso ou assumir o controle do debate. Mas o consenso entre eles é que a meta fiscal de deficit zero, em 2024, só será cumprida se houver cortes de despesas e a esperada revisão dos gastos improdutivos e de baixo impacto na atividade econômica. Mas a piora do resultados das estatais tendem a aumentar o rombo fiscal.

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), acredita que, diante da frustração de receitas ao longo desse ano e da evidente sinalização de que o governo não poderá cortar gastos em 2024, Haddad deveria assumir a dianteira e apresentar parâmetros mais condizentes com a realidade atual. “Haddad é o ministro. Por isso, a liderança dessa discussão tem que ficar com ele. E quanto mais rápido ele resolver essa questão (do deficit), melhor será para ele e para o país”, argumentou o acadêmico.

Oreiro criticou a alteração da meta fiscal no ano que vem, quando for apresentado o relatório de receitas e despesas do primeiro bimestre de 2024. O ideal, para o especialista, seria que a equipe econômica revisse a meta agora e deixasse explícito qual o cenário econômico com o qual o governo trabalha. “O compromisso do Haddad não pode ser com o erro. Se ele errou em abril, com previsões otimistas e metas ambiciosas, pode rever agora. Porque credibilidade não é anunciar metas ambiciosas, mas é anunciar metas factíveis”, disse.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, opinou que o melhor caminho seria não mexer na meta de maneira alguma. “A meta, para que a credibilidade do governo e o arcabouço fiscal não sejam maculados, tem de ser mantida”, pondera. “Mesmo que não se atinja a meta zero, é preciso buscá-la, para que as medidas já tomadas e as que tramitam no Congresso tenham força. Se a meta for rompida, deve-se fazer valer o próprio conjunto de mecanismos previstos na Lei Complementar 200/2023”, completou, referindo-se à Lei que criou o novo regime fiscal para o país, batizado de arcabouço fiscal, que prevê penalidades como a suspensão de gastos ou contratações, caso o governo não cumpra o resultado fiscal estabelecido pela LDO.

Contingenciamento no radar

Tudo indica que cresce a possibilidade de “contingenciamento” de despesas para fazer cumprir o arcabouço fiscal logo no início do próximo ano, na avaliação de Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá aguardar o ministro da Fazenda até março, quando sai o relatório fiscal de despesas e receitas bimestrais”, apostou o analista, que prevê rombo fiscal de 1,5% do PIB em 2024.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, fez alerta sobre a arrecadação, que não deverá aumentar com a economia desacelerando, pois o PIB crescerá menos no ano que vem do que neste ano, em torno de 2%, pelas estimativas da MB. Ele contou que manteve, por enquanto, a previsão de deficit primário para 2024 em 0,7% do PIB, com viés de alta diante da perspectiva de aumento da meta fiscal antes mesmo de ela ter sido aprovada. “Isso é piso. O rombo fiscal deverá ser maior, de fato. Está caminhando para ficar acima de 1% do PIB, como será neste ano. A hora que o governo chancela um número elevado, vai ser difícil conseguir entregar menos em ano eleitoral”, explicou.

Minhas impressões sobre o livro “O Ultimo Exorcista” de autoria do Padre Gabriele Amorth

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Recentemente vi o filme “O Exorcista do Papa” na Netflix (https://www.primevideo.com/-/pt/detail/O-Exorcista-do-Papa/0K0TH02HMDXPVM8NQHWG407TQT) com  Russell Crowe interpretando o papel do Padre Gabriele Amorth, exorcista do Vaticano desde 1986 até sua morte em 2016. O filme me levou a comprar o livro “O último exorcista: minha batalha contra Satanás” de autoria do próprio padre Gabriele.

Como católico praticante e razoavelmente instruído na Doutrina da Igreja sei que o mal existe e que é um mistério que a razão humana não é capaz de compreender. A Igreja chama de “misterium iniquitatis”, o mistério da iniquidade e atribui a um anjo caído – Lucífer – a origem do mal na criação a qual, por sair das mãos de Deus, é boa. Mas também sou um cientista – ainda que de uma soft science, a economia – e como tal só posso levar a realmente a sério as hipóteses cuja falsidade podem ser comprovadas por métodos empíricos. Digo isto para que fique claro que, ao contrário do afirmado recentemente por um cientista político razoavelmente famoso como controverso, não sou um “coroinha” ou “rato de sacristia”, na expressão do ex-governador Leonel Brizola. Nunca presenciei nada que não pudesse ser explicado por intermédio da razão e nem tenho o desejo ou a curiosidade de presenciar pois como fiel leigo não tenho poder de exorcizar o mal, como tem os sacerdotes da Igreja Católica Apostólica Romana quando tem a expressa permissão dos seus bispos diocesanos.

Isso posto, vamos ao livro. O primeiro ponto que me chamou atenção foi a figura do padre Gabriele. Apesar de sentir a vocação para o sacerdócio desde a infância, levou uma vida, por assim dizer, normal para o seu tempo. Lutou contra os nazistas na segunda guerra mundial, tendo sido condecorado por coragem em campo de batalha; concluiu os estudos superiores na área de direito e teve uma breve carreira política no Partido Democrata Cristão da Itália. Sua opção pelo sacerdócio ao invés do matrimonio não foi, nas suas palavras, uma opção teórica pois teve suas “aventuras” com mulheres. Em suma, Padre Gabriele tem claramente o perfil de uma pessoa equilibrada e bem resolvida com suas opções de vida e, por assim dizer, bem pé no chão, não afeito a crendices ou trejeitos de quem escolhe o sacerdócio para fugir do mundo e esconder sua orientação sexual.

O segundo ponto que me chamou a atenção é que ele não escolheu ser exorcista, ele simplesmente obedeceu uma ordem do vigário de Roma, Cardeal Ugo Poletti, que estava a procura de um ajudante para o exorcista oficial da diocese de Roma, o Padre Cândido Amantini. Isso ocorreu em 1986, quando Padre Gabriele tinha 61 anos.

Um terceiro ponto é que, salvo algumas situações extraordinárias, os rituais de exorcismo realizados por Padre Gabriele não tinham nada de espetacular como estamos acostumados a ver nos filmes sobre exorcistas. É verdade que os possuídos se debatem, xingam, espumam e uivam, mas todos esses fenômenos podem ser reflexos de algum distúrbio psíquico. Então como é possível diferenciar uma enfermidade psiquiátrica de uma possessão diabólica? Padre Gabriele afirma no seu livro que a única maneira é iniciar o rito do exorcismo. Se o, por assim dizer, paciente, tiver apenas uma doença psiquiátrica então o exorcismo não terá nenhum efeito sobre o paciente e este deverá ser encaminhado a um médico psiquiátrico que poderá cuidar do caso com os métodos científicos adequados. A imensa maioria dos exorcismos realizados pelo padre Gabriele serve apenas como triagem para uma consulta psiquiátrica. Mas existem casos, alguns mas não poucos, em que o paciente chegava ao padre Gabriele depois de ter passado por tratamento psiquiátrico o qual, ao invés de surtir um efeito positivo sobre a sanidade do paciente, apenas piorava os sintomas. Quando a ciência não é capaz de dar conta é porque a causa não é natural, mas espiritual. O remédio a ser administrado serão sessões semanais de exorcismo que poderão durar meses ou anos até a libertação final do paciente. Não existe uma fórmula mágica para expulsar os demônios, trata-se de uma longa batalha contra os espíritos do mal, e nem sempre o exorcista vence.

Um quarto ponto, muito interessante, é que padre Gabriele, tal como no filme “O Exorcista do Papa”, entende que a Igreja Católica cometeu um erro grave com a Santa Inquisição. Na sua visão a maioria das mulheres queimadas como bruxas na fogueira da inquisição eram apenas almas atormentadas pelos demônios, as quais, portanto, deveriam ser tratadas pela Igreja por intermédio de exorcismos, ao invés de serem queimadas na fogueira. Eu nunca tinha visto um padre católico expressar em público uma opinião tão forte e ao mesmo tempo tão sensata sobre o período sombrio da história da Igreja que foi dominado pelo Santo Ofício.

Por fim, Padre Gabriele afirma que satanás se infiltrou dentro da Igreja por intermédio dos padres que praticam a pedofilia contra as crianças, as quais eles deveriam ensinar o amor a Deus e proteger das ciladas do demônio. Essa parece ser a estratégia do diabo para destruir a Igreja, tirar a confiança dos fiéis nos sacerdotes e assim impedir que a graça de Deus, dispensada por intermédio dos sacramentos, principalmente a confissão e a eucaristia possam chegar as novas gerações de Cristãos. Essa ignominia está afastando um número cada vez maior de pessoas da Igreja de Cristo, criando uma verdadeira quinta coluna dentro da barca de Pedro. Cabe ao Papa e aos bispos de todo o mundo purgar a podridão do sacerdócio antes que seja tarde demais.

Por fim, deve-se ressaltar que o maior remédio contra o demônio é uma fé provada com obras na palavra de Cristo e uma devoção forte a sua mãe, Maria Santíssima. Segundo o Padre Gabriele nada humilha mais os demônios do que ser expulsos pela intercessão de uma criatura.

A dívida pública brasileira é motivo de preocupação? | José Luís Oreiro | De Olho no Câmbio 28

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Numa semana atribulada depois da fala do Presidente Lula sobre cumprimento da meta fiscal e da entrevista coletiva do ministro da Fazenda Fernando Haddad sobre o mesmo assunto, a dívida pública brasileira é tema do De Olho no Câmbio. Nosso convidado é José Luís Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele analisa o atual grau de endividamento brasileiro e seus efeitos práticos sobre a economia e, em especial, sobre a cotação do dólar.

Link da entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=cvGz96kH_kE&t=394s

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Economia: O Calcanhar de Aquiles do Projeto Autoritário de Bolsonaro (Capítulo publicado no livro “100 Vozes pela Democracia”)

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José Luis Oreiro*

Qualquer pessoa sensata, nessa altura dos acontecimentos, sabe que Jair Bolsonaro não só não tem nenhum compromisso com a democracia, como deseja se instalar no Palácio do Planalto de maneira definitiva, como um caudilho aclamado pelas hostes que o apoiam, ainda que elas não representem a maioria do eleitorado brasileiro. A questão em aberto é saber como e em que condições Bolsonaro poderia se tornar um caudilho sem um golpe de Estado clássico por intermédio da intervenção direta das forças armadas contra o Estado Democrático de Direito. Uma repetição do golpe de 1964 não parece estar a disposição de Bolsonaro em função da antipatia dos governos dos Estados Unidos e da França (país com o qual o Brasil tem fronteira terrestre via Guiana Francesa) ao mandatário brasileiro e também, mas não menos importante, a existência de uma parcela significativa de oficiais legalistas no Alto Comando das Forças Armadas Brasileiras.

O projeto autoritário de Bolsonaro tem contra si dois obstáculos significativos. O primeiro é a inaptidão revelada de Bolsonaro para governar. Ao longo dos mais de três anos de mandato de Bolsonaro não só não se viu nenhuma iniciativa prepositiva por parte do seu governo que tenha sido bem-sucedida – a reforma da previdência só foi aprovada devido ao empenho pessoal do então presidente da câmara dos deputados, Rodrigo Maia, quem também foi o responsável pela aprovação do Auxílio Emergencial durante a pandemia do Covid 19 – como também foram vários os momentos nos quais o Chefe do Poder executivo atuou ativamente para a instabilizar seu próprio governo, participando de atos políticos contra os poderes constituídos, falando impropérios em público, faltando assim com o decoro exigido pelo mais alto cargo da República, e externando publicamente sua falta de paciência com os deveres exigidos a qualquer pessoa que se disponha a servir ao país como Presidente da República. A visão que Bolsonaro passa para o público é de ser um homem mais interessado em aparecer para os seus simpatizantes em eventos pouco ortodoxos, do que alguém que está disposto a “arregaçar as mangas da camisa” e trabalhar duro pelo bem do Brasil.

O segundo obstáculo é dado pela situação atual da economia brasileira. O assim chamado índice de Miséria Econômica, calculado a partir da soma das taxas de inflação e desemprego, encontra-se desde março de 2021 acima do pico observado em agosto de 2016, mês no qual Dilma Rouseff foi definitivamente afastada do cargo de Presidente da República (Ver Figura 1 Abaixo), na série histórica que tem origem em março de 2012.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Em outubro de 2014, quando Dilma Rouseff foi reeleita para o cargo de Presidente da República, o índice de miséria Brasil encontrava-se em 12,71, muito abaixo dos valores acima de 20 registrados no início de 2022. Importante também observar que o processo de impeachment da Presidenta Dilma Rouseff foi antecedido por um período de crescimento contínuo do índice de miséria, o qual alcançou o nível de 18,42 em dezembro de 2015 (um aumento de quase 50% no índice de miséria em pouco mais de um ano), mês no qual o então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aceitou um dos pedidos de impeachment da Presidente da República. Sem esse aumento do índice de miséria seria extremamente improvável, para não dizer impossível, que fosse criado no Brasil o clima político para o impeachment.

Apesar do índice de miséria estar atualmente muito acima dos níveis observados nos meses que antecederam o impeachment de Dilma Rouseff, as pesquisas de opinião tem mostrado não só uma notável resiliência da popularidade de Bolsonaro, como ainda a consolidação de uma intenção de voto que flutua em torno de 30% do eleitorado! Como economista tenho que admitir que essa resiliência de Bolsonaro me intriga. O PIB brasileiro no final de 2021 se encontrava abaixo do nível observado no final de 2013, perfazendo assim quase uma década de estagnação econômica. O padrão de vida da população brasileira, medido pelo PIB per-capita em US$, encontra-se abaixo do valor de 2009, um recuo de quase 15 anos! No entanto, 30% dos eleitores brasileiros não só estão contentes com o governo Bolsonaro, como ainda estão dispostos a lhe dar um novo mandato.

A explicação simplista para esse paradoxo por parte dos assim chamados setores progressistas da sociedade brasileira é de que o Brasil tem 30% de fascistas na sua população, por isso a popularidade de Bolsonaro não cai. Embora eu não duvide da existência de um percentual expressivo de “fascistas” no eleitorado brasileiro, essa explicação não me convence. Isso porque em 2018 Bolsonaro foi bem-sucedido em desviar o foco da discussão política da situação econômica brasileira, marcada por desemprego elevado e miséria crescente, para a “agenda de costumes”. Nesse contexto, Bolsonaro se apresentou como o “mito” que iria salvar o Brasil do (sic) “comunismo” e da degradação moral perpetrada pela “esquerda” contra a família e contra os valores Cristãos do povo Brasileiro.

Lembro de uma conversa que tive em Berlim em outubro de 2019 com meu colega espanhol Jesus Ferreiro, professor da Universidade do País Basco (Espanha), durante um encontro internacional no qual ambos participamos. A conversa fluiu em torno da comparação de Bolsonaro com o Generalíssimo Francisco Franco. A ditadura de Franco durou quase 40 anos na Espanha. O lema de seu governo era “Por Dios y por la Patria”, algo similar ao “Deus acima de tudo e Brasil acima de todos” de Bolsonaro. Mas a comparação entre as duas figuras resultava patética: enquanto Francisco Franco era um militar de carreira, com um currículo invejável de vitórias em campo de batalha, tendo chegado ao posto de General com 33 anos, vencido duas guerras (a Guerra Colonial no Marrocos Espanhol e Guerra Civil Espanhola), ser uma pessoa de poucas palavras e extremamente educado, com um único casamento e católico praticante até a sua morte; Bolsonaro era um militar indisciplinado, reformado do exército por insubordinação quando ainda era tenente, casado três vezes, com filhos fora do casamento, e ainda por cima apóstata, pois recebeu um segundo batismo fora da Igreja Católica. Esse, por assim dizer, currículo torna Bolsonaro a pessoa menos indicada para liderar uma “Revolução Conservadora”. Mas o povo brasileiro enxergou Bolsonaro mais indicado para salvar o Brasil da “degradação moral” do que o “careta” Fernando Haddad.

Bolsonaro é um enigma e é necessário decifrá-lo para que não nos devore. Minha intuição é de que é fundamental abrir os olhos dos eleitores brasileiros para a grave situação econômica do Brasil, que Bolsonaro não só não fez nada para amenizar como ainda tomou e toma atitudes que agravam a mesma por acentuar o isolamento diplomático do Brasil no mundo. O Presidente Franklin Roosevelt certa vez disse que nunca se deve jogar no campo escolhido pelo adversário. Bolsonaro escolheu jogar no campo dos “costumes”, muito embora não seja pessoalmente qualificado para isso. Nós que defendemos a democracia precisamos jogar no campo da economia e atrair Bolsonaro para jogar nesse campo. Se assim o fizermos, com a Graça de Deus, iremos expulsar os “bárbaros” de Roma nas eleições de 2022.


José Luis Oreiro é Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB, Brasil) e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (UPV/Bilbao, Espanha), Pesquisador Nível I do CNPq, Membro da Post Keynesian Economics Society (Reino Unido) e da European Association for Evolutionary Political Economy, Líder e  membro do Grupo de pesquisa macroeconomia estruturalista do desenvolvimento cadastrado no diretório dos grupos de pesquisa no CNPq e certificado pela Universidade de Brasília.

Desocupação menor que 2 dígitos não significa mercado de trabalho aquecido, diz Oreiro (Hora do Povo, 14/10/2023)

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Por Hora do Povo  Publicado em 14 de outubro de 2023

Economista José Luis Oreiro. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Link: https://horadopovo.com.br/desocupacao-menor-que-2-digitos-nao-significa-mercado-de-trabalho-aquecido-diz-oreiro/

Segundo o economista, “para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic”

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), analisa neste artigo o mercado de trabalho no Brasil e alerta que “uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido”.

“Isso porque, segundo ele, “em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego”.

Oreiro afirma o Brasil ainda possui um grande contingente de mão-de-obra se o ritmo de crescimento econômico for mantido, “para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic”.

O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL: ESTAMOS PRÓXIMOS DO PLENO-EMPREGO?

JOSÉ LUIS OREIRO

Recentemente foi divulgada nova pesquisa da PNAD contínua mostrando que a taxa de desocupação no Brasil chegou a 7,8% da força de trabalho, o menor número verificado na série desde fevereiro de 2015, no início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff. Considerando que entre fevereiro de 2016 a abril de 2022, ou seja, por um período superior a 6 anos, a taxa de desocupação ficou acima dos 10% da força de trabalho, trata-se sem sombra de dúvida de um bom resultado.

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No entanto, devemos ter uma certa cautela na interpretação desse resultado. Uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido. Isso porque, em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego. No primeiro caso, postos de trabalho estarão sendo criados porque as empresas estarão produzindo e vendendo mais bens e serviços de forma que irão necessitar de mais trabalhadores. No segundo caso, a redução do desemprego terá sido o resultado de pessoas que simplesmente desistiram de procurar emprego e se retiraram da força de trabalho. Nesse caso, temos um aumento dos trabalhadores desalentados, os quais não aparecem nas estatísticas oficiais de desocupação.

A figura 1 abaixo apresenta a média móvel em 12 meses da taxa de desocupação e da taxa de participação na força de trabalho no período compreendido entre dezembro de 2012 e agosto de 2023.

Após atingir um pico de 63,67% em janeiro de 2020, a taxa de participação declina para o valor mínimo da série de 58,43% em fevereiro de 2021, devido as medidas de distanciamento social combinadas com o auxílio emergencial no contexto da pandemia do covid-19. O avanço da vacinação contra a Covid-19 ao longo de todo o ano de 2021 e no primeiro semestre de 2022 permitiu o gradual relaxamento das medidas de distanciamento social com a reabertura do setor de serviços, o que permitiu um aumento da média móvel da taxa de participação para 62,48% da força de trabalho em dezembro de 2022. No mesmo período a taxa de desocupação caiu de 14,28% da força de trabalho (fevereiro de 2021) para 9,17% da força de trabalho em dezembro de 2022. A redução do desemprego foi, portanto, acompanhada por um aumento da taxa de participação, o que mostra que foram gerados postos de trabalho em volume mais do que suficiente para absorver os trabalhadores que haviam saído da força de trabalho durante o período da pandemia.

O que soa estranho, contudo, é que após ter atingido um pico em dezembro de 2022, num patamar inferior ao verificado no período pré-pandemia, a média móvel da taxa de participação começa novamente a cair, atingindo um nível de 61,77% em agosto de 2023, um valor 1,9 p.p mais baixo do que o verificado em janeiro de 2020 e 0,71 p.p mais baixo do que em dezembro de 2022. Entre dezembro de 2022 e agosto de 2023 a média móvel da taxa de desocupação cai de 9,17 % da força de trabalho para 8,23%, ou seja, uma redução de 0,94 p.p. Dessa forma, 75,5% da redução da taxa de desocupação observado nesse período se deu pelo movimento de saída de pessoas da força de trabalho, e menos de 25% se deveu a criação de novos empregos.

Esses dados nos mostram que o mercado de trabalho não está tão aquecido como se poderia vislumbrar a primeira vista. Se a taxa de participação voltasse instantaneamente ao nível verificado pré-pandemia, a taxa de desocupação estaria próxima de 10% da força de trabalho, número similar a média da taxa de desocupação verificada entre março de 2012 e agosto de 2023. Daqui se segue que o Brasil ainda possui uma grande contingente de mão-de-obra desocupada que só poderá ser empregada no setor moderno da economia brasileira (empregos com carteira de trabalho) se o ritmo de crescimento econômico for mantido em torno de 3 a 3,5% ao ano nos próximos anos.

Para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic, uma vez que em 2024 (i) dificilmente poderemos contar com um aumento significativo da produção de grãos, tal como ocorrido em 2023, devido ao fenômeno climático do El niño e (ii) a implantação do Novo Arcabouço Fiscal deverá produzir uma política fiscal neutra do ponto de vista da demanda agregada, ou seja, uma situação em que o impulso fiscal será, na melhor cenário igual a zero, quando não negativo.

Reproduzido do blog do autor: https://jlcoreiro.wordpress.com/

Claudia Goldin recebe Nobel por estudos sobre desigualdade de gênero no trabalho (Correio Braziliense, 10/10/2023)

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Professora da Universidade Harvard, de 77 anos, analisou mais de 200 anos de dados e se tornou referência no assunto. Premiação é exaltada por economistas mulheres, mas não entre homens

Rosana Hessel +

postado em 10/10/2023 04:30

Economista foi a terceira mulher a receber a premiação, mas a primeira a ser laureada sozinha – (crédito: Carlin Stiehl/Getty Images via AFP)

A economista norte-americana Claudia Goldin, 77 anos, professora da Universidade Harvard, foi nomeada pelo Banco Central da Suécia para o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas de 2023. Goldin é a terceira mulher a receber a premiação, que existe desde 1968, mas é a primeira a ser laureada sozinha. Ela recebeu a indicação pela pesquisa “que nos permitiu avançar sobre os papéis históricos e contemporâneos das mulheres no mercado de trabalho”, segundo a Academia Sueca, responsável pelo Nobel.

“Ao longo do último século, a proporção de mulheres com trabalho remunerado triplicou em muitos países de rendimento elevado. Esta é uma das maiores mudanças sociais e económicas no mercado de trabalho dos tempos modernos, mas permanecem diferenças significativas entre homens e mulheres. Foi pela primeira vez na década de 1980 que um pesquisador adotou uma abordagem abrangente para explicar a origem dessas diferenças”, destacou o comunicado da Academia, sediada em Estocolmo.

“É um prêmio muito importante, não só para mim, mas para muitas pessoas que trabalham com este tema e que tentam compreender por que essas desigualdades tão grandes permanecem”, apesar das “grandes evoluções”, declarou Goldin, em uma entrevista por telefone com a AFP. A nova vencedora explicou, em coletiva de imprensa organizada pela Universidade de Harvard, que trabalhou arduamente para mudar a representação das mulheres na economia. Ela disse estar “pessoalmente preocupada” com a reversão do direito ao aborto nos Estados Unidos, mas afirmou à AFP que evita misturar política com o trabalho.

Até então, apenas duas mulheres haviam conquistado o Nobel de Economia: a americana Elinor Ostrom (2009) e a franco-americana Esther Duflo (2019). Após a divulgação do resultado, nesta segunda-feira (9/10), mulheres economistas comemoram a indicação, que não foi muito bem recebida entre os homens.

“A Claudia Goldin é pioneira no estudo do papel das mulheres no mercado de trabalho. Ela é referência para qualquer análise sobre o hiato salarial entre homens e mulheres nas mais variadas profissões. Em termos de políticas públicas, ela defende o papel do governo como provedor de child care (creches) — falta que atinge, sobretudo, mulheres negras e latinas aqui nos Estados Unidos”, destacou a economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), renomado think tank de Washington. Ela lembrou que Goldin “é autora ou coautora de todos os estudos de referência e tem uma importância enorme que os homens não reconhecem”.

Silêncio sepulcral

Segundo Monica de Bolle, no PIIE, houve um silêncio sepulcral entre os demais economistas do sexo oposto, que ficaram extasiados, no ano passado, quando o economista Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), e outros e outros dois norte-americanos, Douglas Diamond e Philip Dybvig, ganharam o Nobel de Economia por suas pesquisas sobre bancos e crises financeiras.

Para a economista brasileira, esse prêmio solo de Goldin é “extremamente importante”, porque essa profissão é muito “ingrata com as mulheres”. “É um campo minado onde predominam homens e brancos e isso fica evidente até mesmo no PIIE, onde praticamente não houve manifestações como no ano passado”, destacou. “Essa é a primeira vez que uma mulher ganha um Nobel sozinha. As outras duas ganharam com outros homens. A economia é um campo minado onde predominam os homens e os homens brancos”, frisou.

Referência no assunto

A economista Janaína Feijó, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destacou a importância da premiação de Claudia Goldin. “Ela é uma referência nos estudos sobre desigualdade de gênero no mercado de trabalho ao longo dos séculos e foi por meio dos estudos dela que houve uma maior disseminação do assunto, que é mais latente atualmente”, afirmou a estudiosa sobre o assunto que a economista norte-americana se especializou.

“A verdade é que quem não pesquisa nessa área de desigualdade de gênero não conhece o trabalho da Goldin, porque existem poucas mulheres que seguem a carreira acadêmica. Ela tem um trabalho muito relevante e essa premiação é um marco não só para os Estados Unidos, porque ela atualizou bases de estudos que eram subestimadas e fez uma correção nas metodologias antes utilizadas”, destacou Feijó.

“Hoje todas as mulheres economistas estão felizes com essa premiação, pois uma das contribuições de Goldin é a análise que ela fez sobre o efeito da pílula anticoncepcional para as mulheres, que permitiu a postergação da maternidade e gerou um quadro menos desigual no mercado de trabalho entre homens e mulheres”, ressaltou.

Pílula anticoncepcional

“Embora a pílula tenha sido muito importante, Claudia Goldin continuou procurando as razões da persistência das desigualdades no mercado de trabalho entre homens e mulheres e mostrou que, mesmo com experiência e nível de conhecimento idênticos, as diferenças salariais aumentam entre homens e mulheres após a maternidade. A disparidade cresceu muito, porque a mulher acaba tendo que equilibrar o trabalho com a família, enquanto para os homens, isso não muda após a paternidade”, explicou.

Monica de Bolle lembrou ainda que, entre os cotados para o Nobel estavam os economistas Daron Acemoglu, e Olivier Blanchard, ambos professores do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Acemoglu, de natureza turco-americana, foi coautor do best seller Por que as nações fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza, de 2012. O francês Blanchard, foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2008 a 2015 e é um dos economistas que estão desenhando a reforma fiscal da União Europeia.

Escolha surpreendeu

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), reconheceu que foi uma surpresa a escolha de Claudia Goldin para o Prêmio Nobel de Economia. “Imagino que a escolha representa duas coisas. Em primeiro lugar, há uma preocupação da Academia com questões que sejam mais palatáveis para as pessoas comuns. Então, ela está tratando do problema que é o da discriminação de gênero, que é bastante debatido nas sociedades ocidentais e também aqui no Brasil. E, depois, eu também acho que há uma crise na ciência econômica, que se originou em 2008, com a crise financeira internacional e com a incapacidade da teoria convencional, do mainstream, de explicar o fenômeno. E, aí, eles estão privilegiando mais esses trabalhos que são mais aplicados e que você não tem tanta divergência do ponto de vista teórico, porque, basicamente, são trabalhos aplicados e empíricos”, afirmou o economista.

Desigualdade

Em escala mundial, cerca de 50% das mulheres participam do mercado de trabalho, contra 80%, no caso dos homens. Elas ganham menos “e têm menos opções de chegar ao topo da carreira”, de acordo com Randi Hjalmarsson, membro do comitê do Nobel. “Claudia Goldin foi buscar nos arquivos e coletou mais de 200 anos de dados relativos aos Estados Unidos, o que lhe permitiu mostrar como e por que as diferenças de renda e na taxa de emprego entre homens e mulheres evoluíram com o tempo”, afirmou Hjalmarsson.

O Mercado de Trabalho no Brasil : Estamos próximos do pleno-emprego?

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Recentemente foi divulgada nova pesquisa da PNAD contínua mostrando que a taxa de desocupação no Brasil chegou a 7,8% da força de trabalho, o menor número verificado na série desde fevereiro de 2015, no início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff. Considerando que entre fevereiro de 2016 a abril de 2022, ou seja, por um período superior a 6 anos, a taxa de desocupação ficou acima dos 10% da força de trabalho, trata-se sem sombra de dúvida de um bom resultado.

No entanto, devemos ter uma certa cautela na interpretação desse resultado. Uma taxa de desocupação de menos de dois dígitos não significa necessariamente que o mercado de trabalho está aquecido. Isso porque, em primeiro lugar, devemos analisar o que aconteceu com a taxa de participação no mesmo período para saber se a redução observada do desemprego decorreu de um aumento dos empregos ou por uma redução das pessoas que procuram emprego. No primeiro caso, postos de trabalho estarão sendo criados porque as empresas estarão produzindo e vendendo mais bens e serviços de forma que irão necessitar de mais trabalhadores. No segundo caso, a redução do desemprego terá sido o resultado de pessoas que simplesmente desistiram de procurar emprego e se retiraram da força de trabalho. Nesse caso, temos um aumento dos trabalhadores desalentados, os quais não aparecem nas estatísticas oficiais de desocupação.

A figura 1 abaixo apresenta a média móvel em 12 meses da taxa de desocupação e da taxa de participação na força de trabalho no período compreendido entre dezembro de 2012 e agosto de 2023.

Após atingir um pico de 63,67% em janeiro de 2020, a taxa de participação declina para o valor mínimo da série de 58,43% em fevereiro de 2021, devido as medidas de distanciamento social combinadas com o auxílio emergencial no contexto da pandemia do covid-19. O avanço da vacinação contra a Covid-19 ao longo de todo o ano de 2021 e no primeiro semestre de 2022 permitiu o gradual relaxamento das medidas de distanciamento social com a reabertura do setor de serviços, o que permitiu um aumento da média móvel da taxa de participação para 62,48% da força de trabalho em dezembro de 2022. No mesmo período a taxa de desocupação caiu de 14,28% da força de trabalho (fevereiro de 2021) para 9,17% da força de trabalho em dezembro de 2022. A redução do desemprego foi, portanto, acompanhada por um aumento da taxa de participação, o que mostra que foram gerados postos de trabalho em volume mais do que suficiente para absorver os trabalhadores que haviam saído da força de trabalho durante o período da pandemia.

O que soa estranho, contudo, é que após ter atingido um pico em dezembro de 2022, num patamar inferior ao verificado no período pré-pandemia, a média móvel da taxa de participação começa novamente a cair, atingindo um nível de 61,77% em agosto de 2023, um valor 1,9 p.p mais baixo do que o verificado em janeiro de 2020 e 0,71 p.p mais baixo do que em dezembro de 2022. Entre dezembro de 2022 e agosto de 2023 a média móvel da taxa de desocupação cai de 9,17 % da força de trabalho para 8,23%, ou seja, uma redução de 0,94 p.p. Dessa forma, 75,5% da redução da taxa de desocupação observado nesse período se deu pelo movimento de saída de pessoas da força de trabalho, e menos de 25% se deveu a criação de novos empregos.

Esses dados nos mostram que o mercado de trabalho não está tão aquecido como se poderia vislumbrar a primeira vista. Se a taxa de participação voltasse instantaneamente ao nível verificado pré-pandemia, a taxa de desocupação estaria próxima de 10% da força de trabalho, número similar a média da taxa de desocupação verificada entre março de 2012 e agosto de 2023. Daqui se segue que o Brasil ainda possui uma grande contingente de mão-de-obra desocupada que só poderá ser empregada no setor moderno da economia brasileira (empregos com carteira de trabalho) se o ritmo de crescimento econômico for mantido em torno de 3 a 3,5% ao ano nos próximos anos.

Para tanto é necessário que o Banco Central acelere o passo no ritmo de redução da taxa Selic, uma vez que em 2024 (i) dificilmente poderemos contar com um aumento significativo da produção de grãos, tal como ocorrido em 2023, devido ao fenômeno climático do El niño e (ii) a implantação do Novo Arcabouço Fiscal deverá produzir uma política fiscal neutra do ponto de vista da demanda agregada, ou seja, uma situação em que o impulso fiscal será, na melhor cenário igual a zero, quando não negativo.

É verdade que o Nordeste vive as custas do Sul-Sudeste? Uma análise dos desequilíbrios comerciais entre as regiões do Brasil

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José Luis Oreiro (*)

No início de agosto de 2023 o Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, numa polêmica entrevista para o jornal O Estado de São Paulo afirmou que “[o Brasil funciona como um] “produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”, [referindo-se aos estados nordestinos] (Ver https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2023/08/09/zema-nao-se-desculpa-por-fala-contra-o-nordeste-e-diz-que-tem-gente-fazendo-intriga.ghtml).

Muito provavelmente o governador de Minas Gerais deveria estar se referindo aos repasses que o governo federal faz para os estados e municípios brasileiros como, por exemplo, os repasses do FPEM (Fundo de Participação de Estados e Municípios), Fundeb, Funcef, ITR, Cide-Combustíveis, entre outros, os quais são majoritariamente apropriados pelos estados e municípios da Região Nordeste conforme podemos visualizar na Tabela Abaixo.

Fonte: Ministério da Fazenda. Dados coletados por Kérssia Kamenach. Elaboração do autor.

Na figura acima fica claro que a região nordeste recebeu, no período 2017-2021, uma média de R$ 41 bilhões (aproximadamente 8 bilhões de Euros) a mais de repasses da União do que a Região Sudeste, que concentra a maior parte da população do país, e R$ 8 bilhões a mais do que a Região Sul. Dessa forma, o governo federal estaria (sic) cuidando melhor das vaquinhas que dão pouco leite (o nordeste) comparativamente as vaquinhas que dão muito leite (o sudeste e o sul) [ ver https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2023/08/09/zema-nao-se-desculpa-por-fala-contra-o-nordeste-e-diz-que-tem-gente-fazendo-intriga.ghtml%5D

Esse tipo de afirmação, ainda que amparada em números, é falaciosa porque foca em apenas um dos lados dos repasses do governo federal, o lado da transferência de renda, sem atentar para o destino que é dado a essas transferências. Em outras palavras, o que as diferentes regiões do país fazem os repasses que obtém do governo federal? A resposta é muito simples: o dinheiro das transferências do governo federal é usado pela região nordeste para ajudar a financiar os imensos déficits comercias que a região nordeste tem com as regiões sul e sudeste, conforme podemos ver na tabela abaixo.

Fonte: Ministério da Fazenda. Dados coletados por Kérssia Kamenach. Elaboração do autor.

A figura acima apresenta o saldo de comércio inter-regional (exportações e importações entre as regiões brasileiras) para o período 2017-2021. Como podemos constatar facilmente na figura a região Nordeste apresenta déficits comerciais crescentes no período, enquanto as regiões sul e sudeste apresentam superávits comerciais crescentes. Na média do período a região nordeste teve um déficit comercial com as demais regiões do Brasil de R$ 245 bilhões por ano, tendo recebido de repasses da União uma média de R$ 126 bilhões, o suficiente para financiar apenas 51,4% do seu déficit comercial.

O que aconteceria se, seguindo a lógica do governador Romeu Zema, o governo federal reduzisse os repasses para a região Nordeste? Será que a situação econômica das regiões sul e sudeste iria melhorar porque os governos dessas duas regiões teriam mais dinheiro para “investir”?

Caso os repasses a região nordeste fossem reduzidos o resultado seria uma redução da renda líquida da população do nordeste o que levaria a uma redução dos seus gastos de consumo. Como a maior parte da indústria manufatureira – incluindo bens de consumo não duráveis, semi-duráveis e duráveis – se encontra nas regiões sul e sudeste então o resultado seria uma redução das exportações de produtos manufaturados dessas regiões para o nordeste, o que levaria a uma destruição dos empregos industriais nessas regiões. Como o emprego industrial paga salários elevados e as regiões sul e sudeste tem pouco vazamento de demanda para as demais regiões do país, o efeito multiplicador da contração das exportações para o nordeste seria bastante elevado, fazendo com que muito provavelmente a contração da renda e do emprego nas regiões sul e sudeste seja maior do que a contração da renda e do emprego do nordeste. No final do processo todas as regiões do país sairiam perdendo, mas os maiores perdedores em termos relativos seriam precisamente as regiões sul e sudeste.

A fala do governador Romeu Zema expõe de uma forma cristalina o “terraplanismo econômico” da ultra-direita brasileira. Não é de estranhar, portanto, que, dado que Jair Bolsonaro está inelegível por 8 anos, o nome de Romeu Zema seja visto como uma alternativa para a ultra-direita brasileira tentar voltar ao poder em 2026. Quanto a essa possibilidade me vem a mente a frase do Almirante Blas de Lezo ao derrotar a tentativa da Inglaterra de tomar Cartagena de Indias (Colombia) em 1741: “Vieram com a arrogância de sempre, foram derrotados pelos métodos de sempre”.

(*) O autor agradece o trabalho de Kerssia Kamenach, doutoranda em economia pela Universidade de Brasília, na tarefa de compilação da base de dados utilizada nesta publicação.

Ensaios Críticos sobre a Modern Money Theory

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Foto: João Pedro Heringer Machado

Link da dissertação de mestrado: http://joseluisoreiro.com.br/site/link/539790fa2fc923d3b6076014620ce862d2e9ccfa.pdf

Resumo: O objetivo desta dissertação é oferecer críticas a duas afirmações centrais da Modern
Money Theory (MMT). Primeiro, que a tributação é suficiente para que o setor privado aceite
usar a moeda que o Estado deseja emitir e, segundo, que um Estado que possui soberania sobre
a própria moeda não enfrenta restrições financeiras. O primeiro capítulo apresenta a MMT, com
seus elementos de influência e contribuições originais. O segundo capítulo critica a primeira
afirmação a partir da teoria monetária pós-keynesiana ao mostrar que a tese da MMT não é
suficiente quando se consideram as características de uma economia moderna que se organiza
por meio de mercados e os agentes precisam lidar com a incerteza que permeia várias decisões
importantes. Além disso, a dolarização de alguns países Latino-Americanos é apresentada como
contraexemplo a essa tese da MMT. O último capítulo demonstra que, mesmo com soberania
sobre a própria moeda, o limite para o gasto que um Estado pode realizar é dependente de qual
o tipo de relação vigente entre o Tesouro e o Banco Central, com a afirmação da MMT sendo
válida somente para o caso em que o Tesouro adquire títulos públicos diretamente em um
mercado primário.

Palavras chave: macroeconomia, economia monetária, política fiscal, economia póskeynesiana, história econômica.

Banca Examinadora

Prof. Dr. José Luis da Costa Oreiro (Universidade de Brasília e Universidade do País Basco)

Prof. Dr. Luciano Dias de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa)

Prof. Dr. Manoel Carlos de Castro Pires (Universidade de Brasília)

Data da Defesa: 13/09/2023

Horário: 15:00

Resultado: Aprovada.

Ser rico não é pecado, mas tem que pagar imposto! (Site GGN, 08/09/2023)

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por José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula

Somos o sétimo país mais desigual do mundo – atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, Rep. Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Link: https://jornalggn.com.br/politica-fiscal/ser-rico-nao-e-pecado-mas-tem-que-pagar-imposto/

Em artigo publicado na Folha em 03/09/2023, “Ser rico não é pecado”, João Camargo, Presidente do Conselho da Esfera Brasil, sustenta que a taxação dos chamados “fundos exclusivos”, que aplicam seus recursos (para clientes de alta renda) em fundos offshores localizados em geral em paraísos fiscais no exterior, não só é ineficaz como compromete a capacidade do empreendedor brasileiro, gerando menor crescimento econômico. 

O governo federal estima um montante de mais de R$ 1 trilhão aplicado nesses fundos, que praticamente não sofrem tributação, pois os rendimentos são mantidos por anos no exterior e só pagam imposto quando entram no Brasil. O projeto de lei encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional estabelece uma alíquota de 15% do IRPF para renda entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano, e 22,5% para renda superior a R$ 50 mil, a mesma alíquota máxima aplicada em aplicações financeiras de curso prazo no Brasil.

João Camargo sustenta que num mundo globalizado, a experiência mundial mostra que o rico consegue alocar seu dinheiro em lugares mais atrativos de forma quase instantânea, o que acaba resultando em queda da arrecadação e piora nos indicadores sociais, uma vez que desestimula o investimento que gera riqueza, inovação e emprego. Do ponto de vista moral não se deve penalizar o “protagonista de uma jornada de sucesso”.

O Brasil, como se sabe, é um dos países mais desiguais no mundo. Segundo relatório da PNUD/ONU de 2019, somos o sétimo país mais desigual do mundo – atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Um dos fatores que contribui para isso é a alta regressividade da estrutura tributária brasileira, uma vez que os super-ricos são aqueles que pagam relativamente menos impostos, em função de várias isenções fiscais. De fato, a maior parte da renda dos muito ricos não está sujeita ao IRPF, beneficiados pela isenção sobre lucros e dividendos distribuídos e alíquotas mais baixas de tributação exclusiva sobre rendimentos financeiros.

Portanto, nossa primeira observação ao referido artigo é que o Brasil, na comparação internacional, é um ponto fora da curva em termos da regressividade de sua estrutura tributária. Nada mais natural que o governo acabe com um privilégio injustificável, criando um “come-cotas’ sobre os fundos exclusivos tal como todos os demais fundos de investimentos no país.

Do ponto de vista moral, é imperativo que os super-ricos passem a pagar mais impostos como proporção de sua renda em relação aqueles pagos pela classe média, dando assim sua justa contribuição para o bem-estar da sociedade brasileira, tal como fazem na maioria dos países. Ser rico não é pecado, mas tem que pagar imposto!

A segunda observação é relativa à argumentação supostamente técnica do autor de que a experiência internacional mostra a ineficácia da taxação de fortunas. Aqui claramente há uma confusão em relação ao imposto sobre rendimentos dos fundos off-shore (uma variável de fluxo)  com a proposta de criação de imposto sobre grandes fortunas (uma variável de estoque). Como se diz popularmente, troca-se alhos por bugalhos!

Por fim, gostaríamos de fazer algumas considerações sobre desigualdade de renda e crescimento econômico. É conhecida a frase atribuída ao Ministro Delfim Netto (ele nega a autoria) de que “é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir”. Dessa forma, o efeito colateral de um maior dinamismo econômico seria precisamente uma maior desigualdade na distribuição de renda.

Numa amostra de 87 países para o período 1970-2008, Jayme Ros, em seu livro publicado pela Oxford University Press, “Rethinking Economic Development, Growth and Institutions”, encontrou uma relação inversa entre crescimento do PIB per-capita e o índice de Gini de concentração de renda, controlando para uma série de variáveis institucionais e geográficas. Ou seja, países com maior desigualdade na distribuição de renda são precisamente os países que crescem menos.

Dessa forma, podemos concluir que a justiça social não é apenas um imperativo moral e ético, mas também uma política sensata para estimular o crescimento econômico.


José Luís Oreiro – Professor de Economia da FACE/UnB e Coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Research Group (SDMRG).

Luiz Fernando de Paula – Professor de Economia do IE/UFRJ, Coordenador do GEEP/IESP-UERJ e Vice-Coordenador do SDMRG.

Defesa nacional terá R$ 52,8 bilhões para equipamentos e tecnologias (Agência Brasil 07/09/2023)

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Até 2026, serão alocados R$ 27,8 bi por meio do PAC

Projetos de defesa nacional e monitoramento das fronteiras vão receber R$ 52,8 bilhões nos próximos anos, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desse total, R$ 27,8 bilhões serão alocados até 2026 e outros R$ 25 bilhões depois desse período. 

Os investimentos do PAC serão direcionados a equipamentos aéreos, navais e terrestres, como aeronaves cargueiro, caças Gripen, helicópteros leves e de médio porte, construção de submarinos e navios-patrulha, viaturas blindadas, e implantação de sistemas de controle de faixa de fronteira. Segundo o Ministério da Defesa, atualmente, o setor representa cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e gera 2,9 milhões de empregos, diretos e indiretos.

O valor total destinado ao Eixo Defesa é considerado adequado pelo professor José Luis da Costa Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, é importante que o Brasil invista em equipamentos. “As Forças Armadas brasileiras são muito mal equipadas. Esse investimento é importante não só para a garantia da soberania territorial brasileira e profissionalização do Exército, mas também para que a gente possa desenvolver uma tecnologia na indústria da defesa, que vai gerar bons empregos”, avalia. 

Foto: José Luis Oreiro

O Exército terá R$ 12,4 bilhões para ações de pesquisa, desenvolvimento e aquisição de equipamentos. Uma das frentes é a compra de 714 viaturas blindadas sobre rodas e sobre lagartas com sistemas de armas e comunicações. Também está prevista a compra de 10 helicópteros de emprego geral e nove veículos aéreos não tripulados, além da modernização de seis helicópteros Pantera. 

Os recursos também vão servir para o desenvolvimento do Programa Estratégico Astros, que promove pesquisa, desenvolvimento e implantação de uma unidade de mísseis táticos de cruzeiro de longo alcance. 

Para a Marinha, os recursos previstos para seis projetos são de R$ 20,6 bilhões. 

Entre eles está a construção do primeiro submarino nuclear do país, previsto para estar concluído em 2029, além da construção do estaleiro e da base naval para esse submarino. Outros três submarinos convencionais de propulsão diesel-elétrica também estão previstos 

Para Oreiro, ter um submarino movido a propulsão nuclear é importante para a defesa do Brasil. “Somos um país que tem uma enorme plataforma continental e o Brasil precisa ter uma arma de capacidade de dissuasão. Essa é a grande vantagem do submarino nuclear, ele pode ficar submerso por meses a fio e isso dá um potencial de dissuasão contra ameaça de qualquer inimigo externo”, diz.  

Também está prevista a continuação das obras do Complexo Naval de Itaguaí (RJ) e a construção de 11 navios e quatro fragatas, que serão usados em ações de inspeção naval e fiscalização e para a proteção do tráfego marítimo. 

As ações para a Aeronáutica terão R$ 17,bilhões. Entre elas está a aquisição e produção de 34 aeronaves de caça multiemprego (F-39 Gripen NG), para ampliar a capacidade da FAB nas tarefas de controle aeroespacial, interdição, inteligência, reconhecimento e proteção da força. Em maio deste ano, foi inaugurada a linha de produção da aeronave Gripen na fábrica da Embraer, na cidade de Gavião Peixoto, interior de São Paulo. 

Outras nove aeronaves tipo cargueiro estão no orçamento. O objetivo é a realização de missões de transporte aéreo logístico em território nacional ou global, reabastecimento, evacuação aeromédica e combate a incêndio em voo. 

Também estão previstos no PAC R$ 2,4 bilhões para projetos do Estado-Maior, como a compra de helicópteros leves e de médio porte, que servirão para missões de treinamento, e operações em ambientes marítimos na Marinha.

Segundo o professor Oreiro, além da importância do ponto de vista do desenvolvimento econômico, o investimento na Defesa é fundamental para a soberania nacional, especialmente no momento global atual. “Em um contexto de transição geopolítica e de muita instabilidade como estamos vendo, com o acirramento da rivalidade entre China e Estados Unidos, é bom o Brasil ter o mínimo de capacidade de autodefesa, coisa que no momento não temos”. 

Edição: Maria Claudia

Ser rico não é pecado? Em algumas circunstâncias é sim, e pode ser uma fonte de ineficiência econômica.

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“Não é dos teus bens que tu dás aos pobres, é uma pequenina parcela do que lhes pertence que tu lhes restituis, porque é um bem comum dado para uso de todos que tu usurpas só para ti” (Santo Ambrósio).

Santo Ambrósio

Na edição de domingo (03/09/2023) o Sr. João Camargo, Presidente do Conselho da Esfera Brasil, assina um artigo crítico a medida provisória que prevê a taxação dos chamados “fundos exclusivos”, utilizados pelos endinheirados, para manter as suas fortunas em fundos de investimento off-shores, geralmente em paraísos fiscais, onde conseguem escapar da tributação que a maioria de nós mortais da classe média trabalhadora composta por gente honesta que paga seus impostos (a maioria silenciosa para usar as palavras do Camarada Richard Nixon) está submetida. A argumentação do artigo está dividida em duas partes. A primeira, pretensamente de caráter mais técnico, foca na ideia de que a tributação proposta em Medida Provisória pelo Presidente Lula, é ineficiente pois irá (pasmem) induzir uma fuga de capitais do Brasil para locais onde os mesmos já se encontravam antes do Presidente da República pensar em editar a Medida Provisória. A segunda, de caráter moral, é que a sociedade brasileira não pode tributar os endinheirados porque todos nós outros, sejamos pobres ou da classe média, devemos nossos empregos e nossa vida a essa classe de pessoas que é injustiçada nas narrativas promovidas pela esquerda comunista que deseja que todos os cidadãos sejam igualmente pobres. Segundo o autor os 99,9% da sociedade brasileira que não possui fundos off-shores deveria, na verdade, em sinal de agradecimento, ficar de joelhos, submissa, e dar graças a esse gente de bom coração que, ao poder desfrutar de todos os prazeres lícitos, e muitos ilícitos, da vida é que nos dá de comer a partir das migalhas que caem das suas mesas.

Esse artigo é patético e não mereceria nenhuma resposta caso não tivesse sido publicado pela Folha de São Paulo, um jornal que se diz progressista (pero no mucho). Além do mais, minha consciência católica faz com que, citando Don Miguel de Unamuno (https://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_de_Unamuno), “no quería hablar porque me conosco, pero se me ha tirado de la lengua y como aquél que calla otorga devo hacerlo“.

Foto: Don Miguel de Unamuno

Vamos começar pela parte pretensamente técnica. O autor deliberadamente e de forma claramente desonesta quer induzir o leitor ao erro ao confundir o imposto sobre os rendimentos (uma variável de fluxo) dos fundos off-shore com a proposta de criação do imposto sobre grandes fortunas (uma variável de estoque). Os argumentos que o autor apresenta ao longo da primeira parte do texto apontam para a ineficiência arrecadatória do imposto sobre grandes fortunas (coisa que eu e boa parte dos economistas profissionais de esquerda e de direita concordam) como argumento contra o imposto sobre os rendimentos dos fundos off-shore. O autor usa inclusive o (péssimo) exemplo do ator Francês Gerard Depardieu que mudou o seu domicílio fiscal para a (sic) Bélgica para pagar menos impostos. Na verdade, Gerard Depardieu mudou seu domicílio fiscal para a Rússia de Vladimir Putin (https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2014/05/gerard-depardieu-declara-renda-na-russia-para-pagar-menos-imposto.html) não para a Bélgica, para pagar um imposto de renda de 6% como autônomo. Apesar de ter mudado seu domicilio eleitoral para a Rússia, aquele paraíso de democracia e defesa dos direitos humanos, e ter se tornado cidadão russo, o ex-francês continua ganhando seu dinheiro (pasmem) na França, tendo sido protagonista da Série Marseille lançada pela Netflix em 2016. Em outras palavras, a França é um excelente lugar para se ganhar dinheiro honesto com trabalho mas na hora de dar a sua cota de contribuição para a sociedade Gerard Depardieu prefere financiar Vladimir Putin e suas aventuras no leste da Europa.

Mas retornemos ao ponto inicial: o autor de forma deliberada e desonesta faz o leitor acreditar que a Medida Provisória aprovada pelo Presidente Lula na semana passada cria o Imposto sobre Grandes Fortunas. Isso é uma mentira descabida. O que a Medida Provisória faz é criar um “come-cotas” sobre os fundos exclusivos e off-shore tal qual todos os demais fundos de investimentos – nos quais a classe média aplica suas economias para trocar de carro, fazer uma viagem para o exterior ou pagar a universidade dos filhos – pagam. Em outras palavras, a MP editada pelo Presidente da República simplesmente acaba com um PRIVILÉGIO INJUSTIFICÁVEL dos endinheirados. Eles agora serão tratados pela Receita Federal como qualquer cidadão brasileiro, sem nenhuma benesse só por serem ricos.

A segunda parte do artigo deveria ser motivo de vergonha para o autor, mas dado que o Brasil já conseguiu eleger Bolsonaro como Presidente da República esse povo perdeu todo o senso de vergonha e de ridículo. O seguinte trecho vai merecer meu comentário econômico e moral:

“O brasileiro que construiu seu patrimônio deve ser admirado como protagonista de uma história de sucesso. Ele não apenas representa um exemplo de realização, como contribui, muito concretamente, para o desenvolvimento nacional. É ele quem investe, empreende, assume riscos, inova, cria riquezas, gera empregos e paga enormes somas de tributos. Ele é a máquina que produz crescimento econômico”.

Vamos por partes. Ninguém no governo, e muito poucos fora dele, estão defendendo a expropriação dos meios de produção. Até onde eu saiba o único partido que defende a implantação do comunismo no Brasil é o PSTU. Existe um debate sim sobre taxação de grande fortunas, mas como o próprio nome diz trata-se de “grandes” fortunas, não o apartamento e/ou a casa de praia ou de campo da classe média trabalhadora. Tão pouco se está discutindo um aumento da tributação sobre os rendimentos das aplicações financeiras de quem já paga um monte de impostos. O que se discute é precisamente fazer com que os super ricos, que pagam como proporção da sua renda, muito menos imposto que a classe média trabalhadora, faça a sua justa contribuição para o bem comum da sociedade brasileira pagando impostos, como proporção da sua renda, que sejam mais altos do que os pagos pela classe média. Trata-se de pura e simples progressividade tributária, nada que ver com expropriação dos meios de produção.

Passemos agora a uma análise sociológica da classe que possui fundos de investimento off-shores. O autor do artigo quer fazer os leitores acreditarem que se trata de uma classe de empresários schumpeterianos que implantaram inovações bem sucedidas em seus negócios, ou seja, pessoas análogas ao Bill Gates e o Steve Jobs. Pois bem, quantos Bill Gates e Steve Jobs o Brasil produziu nos últimos 30 anos? Salvo melhor juízo, nenhum. Os super-ricos brasileiros são uma classe social composta por herdeiros de super-ricos, magnatas do mercado financeiro (os quais vivem as custas da mais alta taxa de juros do planeta Terra), grileiros e empresários que tem negócios não muito Republicanos com qualquer que seja o governo de plantão. Essa classe não paga imposto de renda sobre lucros distribuídos, desfruta de generosas isenções fiscais concedidas ao longo de mais de 40 anos pelos governos estaduais e federal e ainda tem tratamento tributário diferenciado ao mandar o seu dinheiro para o exterior onde será usado para financiar a aquisição de ativos em outros países que não o Brasil. Eu não vejo nada de patriótico ou meritório nesse tipo de comportamento. Pelo contrário, trata-se de um comportamento que poderíamos classificar como rapina feita sob a proteção do Estado Brasileiro.

Mas voltemos nossa atenção agora ao título do artigo “Ser rico não é pecado”. Como católico e estudioso da Doutrina Social da Igreja Católica posso afirmar que esse título é uma meia-verdade. De fato, a Igreja Católica não condena a propriedade privada, mas alerta para o princípio da destinação universal dos bens, a qual foi confirmada pela Constituição Pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II (https://pt.wikipedia.org/wiki/Gaudium_et_Spes), a qual afirma que:

“Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade (8). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros (9). De resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias. Assim pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando que os homens têm obrigação de auxiliar os pobres e não apenas com os bens supérfluos (10). Aquele, porém, que se encontra em extrema necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que necessita (11). Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para que, recordados daquela palavra dos Padres – «alimenta o que padece fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o» (12) – repartam realmente e distribuam os seus bens, procurando sobretudo prover esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes permitam ajudar-se e desenvolver-se a si mesmos” (Gaudium et Spes, 69).

Nos Santos Evangelhos não faltam passagens nas quais Jesus Cristo alerta aos seus discípulos sobre o perigo das Riquezas para a salvação eterna do Homem. Uma das mais famosas é a que descorre sobre o Jovem rico. Lemos no Evangelho de São Mateus 19:16-30 que:

 Jovem Rico

16 Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?”

17 Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos”.

18 “Quais?”, perguntou ele.

Jesus respondeu: “‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, 19 honra teu pai e tua mãe’[a] e ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’[b]”.

20 Disse-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda?”

21 Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me”.

22 Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.

23 Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. 24 E lhes digo ainda: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

Em suma, ser rico pode ser pecado sim, caso a riqueza não esteja sendo usada para o bem comum da sociedade. Aqueles que, sendo ricos, procuram maneiras, ilegais ou não, de evadir da justa contribuição, por intermédio do sistema de impostos, para que o Estado seja capaz de prover os bens públicos e a assistência social necessária para aliviar a situação dos mais necessitados estão cometendo um pecado grave. Isso não tem nada que ver com o comunismo, mas é o Cristianismo na sua essência mais elementar.

Quero finalizar esse artigo fazendo algumas considerações sobre desigualdade de renda e crescimento econômico. Creio que todo(a)s conhecem a frase atribuída ao Ministro Delfim Netto (ele nega a autoria) de que “é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir”. Dessa forma, o efeito colateral do dinamismo econômico seria precisamente uma maior desigualdade na distribuição de renda. Numa amostra de 87 países para o período 1970-2008 Ros (2013, p.28) encontrou uma relação inversa entre crescimento do PIB per-capita e o índice de Gini de concentração de renda, controlando para uma série de variáveis institucionais e geográficas; ou seja, os países com maior desigualdade na distribuição de renda são precisamente os países que crescem menos, e quanto maior a desigualdade menor é a taxa de crescimento. Dessa forma, podemos concluir que a justiça social não é apenas um imperativo moral e ético, principalmente numa sociedade majoritariamente Cristã como é a sociedade Brasileira, mas também uma política sensata para estimular o crescimento econômico.

Referências

Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford

Com o fim do teto de gastos, desafio econômico do Brasil é aprovar a Reforma Tributária e retomar investimentos em programas sociais (Jornal da Ciência, 30/08/2023)

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Para especialistas, País ainda tem dificuldades em atrelar as políticas econômicas com demandas sustentáveis; reivindicações por melhor prática de juros e reestruturação de impostos também está presente na “Carta de Curitiba”, manifesto público da SBPC em defesa da Democracia

Link: http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/com-o-fim-do-teto-de-gastos-desafio-economico-do-brasil-e-aprovar-a-reforma-tributaria-e-retomar-investimentos-em-programas-sociais/

Nos últimos seis anos, o Brasil viveu uma política econômica que reduziu consideravelmente os investimentos em programas sociais sob a justificativa de contenção dos gastos públicos. Essa política foi consequência da Emenda Constitucional 95, promulgada em dezembro de 2016, que estabeleceu um teto para despesas e investimentos públicos até 2036. Agora, porém, com a aprovação na última semana do novo marco fiscal, o País pôs fim a uma regra orçamentária que poderia durar por 20 anos, mas precisa agora olhar para a cobrança de impostos e priorizar um desenvolvimento mais sustentável.

“O teto de gastos foi inventado no Governo Temer com base numa alegada gastança no Governo Dilma. De fato, houve um aumento no déficit das contas públicas em 2015 e 2016, só que esse aumento foi resultado de uma violenta queda de arrecadação que o governo brasileiro teve em 2015 e 2016 devido à recessão econômica. Só que ele foi uma grande amarra do dinheiro público, que acabou maltratando as políticas assistenciais. Por exemplo, o programa Farmácia Popular, que foi praticamente foi desmontado em 2022”, explica o professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro.

Foto: José Luis Oreiro.

O especialista detalha que foram decisões constantes que enfraqueceram o desenvolvimento econômico do País. A primeira, entre 2015 e 2016, foi o corte de 35% dos investimentos públicos pelo Ministério da Fazenda. Depois, no final de 2016, foi a aprovação do teto de gastos, que proibia o aumento das despesas públicas além da inflação por duas décadas.

Esse cenário de estagnação foi perceptível pelo PIB, o Produto Interno Bruto, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos em uma determinada área geográfica. Enquanto o teto de gastos esteve em vigor, o PIB brasileiro não conseguia alcançar os patamares obtidos antes da crise de 2015.

“O PIB brasileiro só recuperou o pico obtido no segundo trimestre de 2014, no segundo trimestre de 2022, ou seja, foram oito anos de estagnação econômica. Na história mais recente do Brasil, dos últimos 40 ou 50 anos, certamente foi o pior momento da nossa economia”, afirma Oreiro.

O professor reforça que o fim do teto de gastos não significa que o Governo Federal possa agir com descontrole nas contas públicas; ao contrário, a nova regra fiscal aprovada conseguiu combinar flexibilidade com credibilidade.

“Essa proposta combina duas coisas que eu acho que são muito boas: por um lado, ela dá mais flexibilidade para o governo aumentar os gastos, o investimento em infraestrutura e os gastos com saúde, educação e assistência social, mas ela também ela dá credibilidade à política fiscal no sentido de que o governo também não pode fazer tudo o que quer, ou seja, você tem um limite para o aumento de gastos que é de 70% do aumento da receita do governo.”

Oreiro defende que, após a preocupação com o teto de gastos, o próprio passo das políticas econômicas é a aprovação da Reforma Tributária. “O que está sendo proposto agora é uma reforma dos tributos indiretos, tanto federais como estaduais e municipais. Então, você vai eliminar uma série de impostos, como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) e vai criar dois novos impostos, o Imposto sobre Bens e Serviços e a Contribuição sobre Bens e Serviços.”

O especialista defende que, além de proporcionar uma simplificação do sistema tributário brasileiro, a Reforma Tributária também proporcionará facilidades nas formas de cobrança de impostos, o que facilitará a gestão para as empresas, que devem economizar com gastos envolvendo contadores, advogados e demais profissionais administrativos e contábeis.

Diretor do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Fernando Gaiger concorda que a prioridade econômica do Governo Federal agora é a Reforma Tributária, até porque os debates sobre mudanças nas cobranças de impostos existem há, pelo menos, 30 anos.

Entretanto, o especialista questiona alguns pontos da atual proposta da Reforma, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados em julho e está em debate no Senado Federal. Para Gaiger, a questão está na redução da arrecadação de setores como saúde, educação e transporte.

“O que mais me incomoda nessa ideia de beneficiar serviços educacionais, de saúde e alguns medicamentos é que vai contra o Estado de Bem-Estar Social, que é justamente ter saúde e educação providas pelo setor público. Quando você dá subsídio no tributo indireto, você está apoiando o consumo privado. Quem é progressista não vê essa armadilha. Pensa: ‘Ah, eu estou diminuindo os preços de saúde e educação’. Não, você está mercadorizando uma oferta que nos países centrais e desenvolvidos foi desmercadorizada, valorada e, com isso, você dificulta o crescimento da saúde pública em termos proporcionais à saúde privada”, analisa.

Segundo o especialista, mesmo que a economia nacional vá bem e, com isso, cresça o investimento em saúde, a partir do momento em que se reafirma um comportamento societário de valoração do consumo privado, o serviço público sempre ficará atrás, o que é problemático em setores sociais, como saúde e educação.

“Isso existe também na nossa cultura, vide o próprio presidente Lula que começou no sindicalismo reclamando dos planos de saúde e, quando fica doente, vai para um hospital privado. Então, há uma valorização pela oferta privada, e a população é assim. Nós tivemos um crescimento real do gasto público em saúde nos governos anteriores de Lula e Dilma, mas perdemos espaço relativo na oferta, ou seja, no uso da saúde pública. Por quê? Porque a população também estava com mais grana e tem essa ideia de que o privado é melhor. Mas quem usa plano de saúde sabe que ele tem problemas também e, de vez em quando, a gente se maravilha com os serviços do SUS (Sistema Único de Saúde), né? Então, como você vai contra uma cultura privada, mas você a beneficia nos tributos?”

Governo Federal precisa analisar decisões econômicas de gestões passadas

Além da Reforma Tributária, outras questões precisam de um olhar atento do Governo Federal. Para o economista José Luis Oreiro, a Reforma Trabalhista aprovada em 2017 precisa ser revista, já que gerou algumas situações de maior precarização do trabalho. Outro ponto é a privatização da Eletrobras, realizada em 2022.

“Na verdade, foi uma privatização esdrúxula, porque o governo continua com 43% das ações, mas só tem direito a 10% dos votos. Isso não faz nenhum sentido numa economia capitalista, você ter um poder decisório que é muito menor do que a sua participação no capital da empresa.”

O segundo ponto defendido por Oreiro tem a ver com as recentes questões envolvendo o presidente Lula e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O Governo Federal vem afirmando que mesmo com as melhorias econômicas do País neste ano, elas não estão sendo consideradas no cálculo dos juros, uma decisão que tem Campos Neto como um dos principais agentes.

“Desde 1808, quando o Brasil deixou de ser uma colônia e chegou a família real portuguesa no Rio de Janeiro, Dom João VI fundou o Banco do Brasil, que foi a nossa primeira autoridade monetária, por assim dizer. Bom, desde 1808 até Jair Bolsonaro, todos os chefes de Estado do Brasil tiveram a liberdade para nomear o presidente da autoridade monetária. O único chefe de Estado que não teve condições de fazer essa nomeação foi o Lula, agora em 2023. Então, de certa forma, a gente pode considerar a lei que deu autonomia ao Banco Central como um golpe antecipado em cima do Lula, ou seja, vamos amarrar as mãos do presidente para que não possa fazer o que ele quiser”, afirma.

Outra questão apresentada por Oreiro refere-se ao perfil do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Para o economista, Campos Neto não age com comportamentos técnicos, mas sim como uma pessoa politicamente engajada com o bolsonarismo, algo que foi provado, inclusive, com mensagens do presidente do Banco Central em grupos de WhatsApp com ex-ministros de Bolsonaro.

“Eu não tenho dúvida de que a demora na redução da taxa de juros fez parte de uma estratégia política premeditada antes das eleições para atrapalhar, por assim dizer, o desempenho econômico do governo Lula. As críticas que o presidente fez ao Banco Central se mostraram completamente acertadas, ele pautou o debate da redução de juros no Brasil e conseguiu a sua primeira vitória agora com a redução da taxa Selic em 0,5% em meio ponto percentual na última reunião de agosto no Copom (Comitê de Política Monetária)”, diz.

Como último ponto de crítica, o especialista alerta para que o Governo Federal não esqueça de atrelar o crescimento econômico ao desenvolvimento sustentável, algo que questiona nos anúncios feitos na última semana sobre o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento.

“Uma coisa que me chamou atenção no PAC foi que 62% dos investimentos são em energia, não eletricidade, são em combustíveis fósseis. O governo me parece que ainda tem uma cabeça desenvolvimentista velha. E não do novo desenvolvimentismo verde. Porque a gente precisa não só reindustrializar a economia, mas também conseguir superar os desafios da transição climática.”

Carta de Curitiba alerta para os panoramas econômicos.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou em julho a “Carta de Curitiba”, um manifesto público de defesa da democracia “e tudo que ela implica”. O documento foi votado e aprovado por unanimidade na Assembleia Geral de Sócios da SBPC, realizada durante a 75ª Reunião Anual da SBPC.

Entre diferentes temas em prol do desenvolvimento do País, a Carta alerta para o panorama econômico. “O desenvolvimento econômico é imprescindível. Para tanto, deve-se baixar a taxa de juros, que não tem comparação com nenhuma economia do planeta, e que não se justifica, dado que nossa inflação não decorre de excesso de demanda; além disso, a taxa hiper elevada que o Banco Central vem praticando acarreta despesas anuais enormes, desviando para os poucos rentistas dinheiro que poderia atender a necessidades prementes de nossa sociedade”, reivindica.

Outro ponto importante é a revisão dos impostos no Brasil. “Uma reforma tributária que alcance a renda e a propriedade, a exemplo do que se faz nos países avançados e nas principais democracias, é essencial, a fim de termos os recursos indispensáveis à promoção da vasta agenda que consolide nossa democracia”. Confira o documento completo.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência

O confisco salarial dos servidores públicos

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Hoje fui informado que no PLOA 2024 está previsto um reajuste salarial de 1% para os servidores públicos. Como a meta de inflação para 2024 definida pelo Conselho Monetário Nacional – formado pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pela Ministra do Planejamento, Simone Tebet, e pelo Bolsonarista que ocupa a Presidência do Banco Central, Roberto Campos Neto – é de 3%; isso significa que o governo planeja (sic) zerar o déficit público – na verdade, o déficit primário, o qual exclui o pagamento de juros da dívida pública – por intermédio de um confisco de 2% dos salários reais dos servidores públicos federais DA UNIÃO. Os servidores dos poderes legislativo e judiciários – cujos salários são muito mais altos do que os servidores públicos da União – já tiveram reajustes aprovados para 2024 e 2025 em patamares muito superiores ao 1% proposto pelo Ministério da Gestão e Inovação na PLOA de 2024. A PLOA prevê um montante de 1,5 Bilhões de reais para o reajuste dos servidores públicos da União, num contexto em que as despesas com pagamento de juros da dívida pública para 2024 – o qual não está sujeito ao arcabouço fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda e aprovado pelo Congresso Nacional – será superior a 700 bilhões de reais. A prática de confisco dos salários dos servidores públicos da União foi inaugurada pelo Ministro da Fazenda Paulo Guedes – quem definia os servidores públicos como parasitas – e aparentemente está sendo continuada, ainda que em um grau menor – pela equipe econômica do Governo Lula, eleito pela maioria do povo brasileiro para desfazer as sandices feitas pelo “homem do Rolex”. Espero que o Presidente da República tenha o bom senso de, pelo menos, dar um reajuste salarial para os servidores públicos da União equivalente a meta de inflação para 2024. É pouco dinheiro – especialmente quando comparado com o pagamento de juros – falta só um pouco de boa vontade.

Webinário Internacional do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento

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O grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento irá realizar no dia 06 de setembro as 14:00 (horário de Brasília) o seu primeiro webinário internacional do segundo semestre de 2023. Os pesquisadores Daniel Moura e José Luis Oreiro, do programa de pós-graduação em economia da Universidade de Brasília, irão apresentar o artigo “ENVIRONMENTAL SUSTAINABILITY AND THE ECONOMIC COMPLEXITY: POLICY IMPLICATIONS FOR A NEW DEVELOPMENTALISM STRATEGY” aprovado para a 35th European Association for Evolutionary Political Economy conference, que será realizada na Universidade de Leeds, Reino Unido, no período de 13 a 15 de setembro de 2023.

O artigo será comentado pelo professor Giulio Guarini da Universidade de Tuscia (Itália) e pelo Professor Tarcísio Mariano do Instituto de Física da Universidade de Brasília.

O texto a ser apresentado pode ser obtido no link: https://www.researchgate.net/publication/373421579_ENVIRONMENTAL_SUSTAINABILITY_AND_THE_ECONOMIC_COMPLEXITY_POLICY_IMPLICATIONS_FOR_A_NEW_DEVELOPMENTALISM_STRATEGY

O webinário será transmitido ao vivo, em ingles, pelo canal do grupo de pesquisa no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=OJaOXGn1B7E.

Aqueles que desejarem fazer peguntas (ingles ou portugues). para os participantes poderão faze-lo por intermédio do chat do canal do youtube

Acelerar la inversión: así es el ambicioso proyecto de Lula en Brasil (Sputinik, 16/08/2023)

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hace 10 horas (actualizado: hace 8 horas)

Real brasileño (imagen referencial) - Sputnik Mundo, 1920, 16.08.2023

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Camila Bentancor Santana

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El Gobierno de Brasil reeditará un ambicioso programa de inversiones ya aplicado en los Gobiernos de Lula y Dilma Rousseff con la intención de generar cuatro millones de empleos. En un diálogo con Sputnik, el economista José Luis Oreiro advirtió cómo el plan puede chocar contra el déficit fiscal del país y las dificultades para recaudar.

El Gobierno de Brasil inició un nuevo Programa de Aceleración del Crecimiento (PAC) que pretende invertir más de 1,7 billones de reales (más de 340.000 millones de dólares) en todos los estados brasileños con el objetivo de aumentar las inversiones, garantizar infraestructura prioritaria para el país, mejorar la competitividad y crear empleo.

El programa, que se desarrollará en alianza tanto con el sector público como con el privado, tuvo ediciones previas en las anteriores administraciones de Lula (2003-2011) y Dilma Rousseff (2011-2016).


“Volvemos a un planeamiento de medio a largo plazo, una cosa que en Brasil se ha perdido con los Gobiernos de Michel Temer (2016-2019) y Jair Bolsonaro (2019-2023)”, aseguró en un diálogo con Sputnik el economista brasileño José Luis Oreiro.

Brasil registró una tasa de inversión de 17,7% en el primer trimestre del 2023, de acuerdo a datos del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE). Sin embargo, esta fue inferior a la observada en el mismo periodo de 2022, cuando superó el 18%.

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11 de agosto, 16:46 GMT

“Para que Brasil pueda retomar el sendero de crecimiento es necesario incrementar la inversión. Nuestra tasa de inversión está más o menos en 18% pero necesitamos crecer más”, aseguró Oreiro.

Según datos del instituto, durante el primer trimestre de 2023 el Producto Bruto Interno (PIB) de Brasil creció 1,9% en comparación con el trimestre anterior y 4% en comparación al mismo periodo de 2022. Si se consideran los cuatro trimestres previos a marzo, el PIB subió 3,3%.

Para el experto, la tasa de crecimiento del país también debería alcanzar el 4% de manera sostenida.

“El objetivo es acelerar el paso de crecimiento a cerca del 4%, de manera sostenible, que no sea simplemente un stop and go, que sea un crecimiento sostenible y también sustentable para que Brasil pueda cumplir lo acordado en París sobre la cuestión de la transición climática”, apuntó Oreiro.

¿De qué trata el programa al que apuesta el Gobierno?

La nueva edición del PAC contempla nueve ejes de inversión: transporte eficiente y sustentable; infraestructura social inclusiva; ciudades sustentables y resilientes; agua para todos; inclusión digital y conectividad; transición y seguridad energética; innovación para la industria de defensa; educación, ciencia y tecnología y salud.

El programa prevé inversiones totales por 1,7 billones de reales, de los que 1,4 billones serán invertidos antes que finalice el mandato de Lula. A partir de 2026 habrá una inversión de más de 320.000 millones de reales (64.000 millones de dólares). Del total, 371.000 millones de reales (74.000 millones dólares aproximadamente) serán recursos del Presupuesto General de la Unión.

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12 de agosto, 22:45 GMT

El propio Lula da Silva sostuvo que el país está en el “camino correcto” y que con esta iniciativa se podrá, entre otros logros, “generar más de cuatro millones de empleos” en todo Brasil”.

Para Oreiro, que también es docente de Economía en la Universidad de Brasilia, la tasa de desempleo de Brasil —que alcanza el 8% según datos del IBGE— “no es muy alta” en comparación con Europa. El problema, sin embargo, está en la calidad de esos empleos que se generan.

“El problema de los países latinoamericanos no es tanto la tasa de desempleo sino la calidad del empleo, entonces cuando miras las estadísticas de Brasil alrededor del 40% de los que están trabajando son trabajadores informales, no tienen contratos de trabajo y no tienen sus derechos laborales asegurados”, apuntó.

A su vez, agregó que “por ser trabajadores informales en general están trabajando en ocupaciones de menor productividad”. Para modificar eso y fomentar el empleo formal, Brasil necesita acelerar el crecimiento, consideró.

Sin embargo, a los ojos del economista, la aplicación del PAC puede llegar a tener dificultades frente a la nueva regla fiscal que se tramita en el Congreso con el objetivo de acabar con el déficit y generar superávit de las cuentas públicas a partir de 2025.

“No está claro cómo compatibilizar el programa de aceleración de crecimiento que ha sido propuesto por el Gobierno, en que solo el Gobierno central va a tener que invertir en los próximos cuatro años 371.000 millones de reales, que son aproximadamente unos 80.000 millones de dólares. ¿Cómo va a conciliar esto con la regla fiscal que está siendo ahora votada en el Senado?”, se cuestionó Oreiro.

La nueva regla pretende vincular el gasto a la recaudación y fija una meta para la deuda pública durante los próximos cuatro años. Por esto, el economista advirtió que el Gobierno de Brasil deberá hacer recaudaciones extraordinarias para poder cumplir con el PAC. “Para que se puedan realizar los gastos previstos tiene que haber espacio en el presupuesto del Gobierno Central”, subrayó.

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5 de agosto, 18:22 GMT

Oreiro señaló que el Ministerio de Hacienda, encabezado por Fernando Haddad, “tiene una estrategia jurídica” para conseguir esos fondos apelando a incrementar la recaudación impositiva en sectores que actualmente evaden tributos. Para el experto, no puede decirse aún si esta táctica tendrá éxito.

Otro de los puntos que el especialista indicó como una debilidad del programa fue su diseño, que contempla inversiones en el sector energético vinculado al uso de combustibles fósiles como la extracción de petróleo y gas por parte de la estatal Petrobras.

“Cuando ves la composición de las inversiones, considerando que Brasil y todo el mundo se plantea la cuestión de la transición climática, y ves que un 62% de las inversiones y energía son para combustibles fósiles, te quedas con una sensación de que aún no han captado lo que tiene que hacerse”, apuntó.

Sindicatos empresariais defendem a simplificação de impostos no País (Tribuna do Norte, 11/08/2023)

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A reforma tributária precisa simplificar o processo fiscal e não aumentar impostos. É o que afirmam especialistas em economia e interlocutores de vários segmentos do setor produtivo de comércio, bens serviços e turismo que se reúnem em Natal nesta semana para a 38ª edição do Congresso Nacional de Sindicatos Empresariais (CNSE). O evento é promovido pelo do Sindicato do Comércio Varejista do RN (Sindilojas/RN) e  Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomercio/RN) e acontece no Centro de Convenções da capital potiguar, reunindo quase 1.200 representantes sindicais e empresariais de todo o Brasil. Nesta quinta-feira (10), o CNSE contou com palestras e debates sobre temas como cenário econômico, reforma sindical e fontes de custeio de atividades, negociações coletivas e perspectivas para o RN e o País. Essa é a segunda vez que Natal é o palco do congresso, realizado uma vez por ano, nas principais capitais do comércio no País.

Nesta quinta-feira, uma das palestras teve o tema “Cenário Econômico: Perspectivas e Ameaças” com análise das perspectivas de reforma tributária, cenários de inflação e programas de estímulo ao comércio, com os economistas Guilherme Mercês, Marcelo Portugal e José Luiz Oreiro. 

Para o palestrante Guilherme Mercês, ex-secretário de Fazenda do Rio de Janeiro e atual diretor de Economia e Inovação da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o Brasil se recupera de duas situações que mexeram estruturalmente na economia: a pandemia de covid-19, com desemprego e queda de renda, e conflitos geopolíticos, que acabam afetando o País. 

“No Brasil temos perspectivas melhores por dois motivos principais: a redução da taxa de juros que começou e deve continuar. Tem o programa Desenrola para aliviar a dívida das famílias. Essa combinação dos dois vai abrir espaço para consumo e o varejo e o comércio devem sentir isso ao longo do tempo, principalmente em 2024. Temos discussões importantes como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, apesar de estar no início”, aponta. “Houve um passo importante na Câmara mas tem muito caminho pela frente. Vale lembrar que só estamos discutindo uma Emenda Constitucional, é a moldura de um quadro. Depois é que vamos discutir a pintura que são as alíquotas, formas de cobrança. Essa discussão será fundamental. Duas coisas são unânimes: precisamos de uma reforma tributária que simplifique o sistema e acabe com esse manicômio tributário que vivemos há décadas, mas todos estão de acordo que ninguém mais aguenta a carga tributária”, cita.

Na avaliação do presidente do Sindilojas/RN, Gilberto Costa os empresários no Rio Grande do Norte têm encontrado dificuldades em virtude da situação fiscal e econômica do Estado. Costa relembrou o aumento de 18% para 20% de ICMS promovido pelo Governo do Estado em 2022, alertando que o RN foi na contramão de estados vizinhos. Ele cita que uma perspectiva positiva é a reforma tributária, em discussão no Congresso, com possibilidade do comércio ser impactado positivamente.

“Viajamos e percebemos que o pior cenário é o do RN. Outros estados estão em ritmo diferente. Os nossos vizinhos estão num ritmo distinto. Nós precisamos de uma linha para desenvolvimento do Estado. Estamos parados. Entre as dificuldades estão a carga tributária: é o único Estado que aumentou 2 pontos no ICMS e os vizinhos não. Isso já é um peso”, disse. Ele afirma que a reforma tributária é algo a longo prazo. “Ainda não temos uma posição exata, mas a perspectiva é melhorar. O problema do Brasil é a quantidade de impostos e a burocracia. E essa reforma não pode aumentar imposto”, defende.

O presidente da Fecomercio/RN, Marcelo Queiroz, corrobora: “a reforma tributária, que é urgente e importante, não pode aumentar impostos. Ela precisa simplificar e, no máximo, manter o que já existe, não pode ter aumento. Nos preocupa essa incerteza de não sabermos os percentuais do IVA”. 

Inflação menor deve aliviar varejo 

Enquanto potências internacionais vivem momento marcado por alta dos juros e desaceleração econômica, o Brasil tem uma das menores inflações do mundo. De acordo com  Guilherme Mercês, esse é um sinal de que as medidas adotadas pelo Banco Central tiveram um impacto positivo e devem provocar a queda de juros nos próximos meses. Para o economista, a perspectiva é positiva principalmente para famílias e empresas que se endividaram durante a crise sanitária iniciada em 2020.

“A pandemia causou uma queda acentuada de receita e de empregos. O resultado? Famílias e empresas se endividaram muito. O endividamento das famílias saiu de 60% para quase 80%. Tivemos um aperto no orçamento familiar, que explica essa baixa no consumo, principalmente no varejo. Com a queda da taxa de juros, a gente deve ver um alívio não só para as famílias, mas também para as empresas, que ficaram devendo bilhões em dívidas tributárias federais” explicou o economista.

O saldo positivo na geração de empregos também colabora para um momento de otimismo no comércio, mas o convidado José Luis Oreiro aproveitou o espaço do debate para alertar sobre a qualidade dessa mão de obra. “De fato, a taxa de desocupação vem caindo. No primeiro trimestre o mercado de trabalho brasileiro tinha 107 milhões de postos de trabalho. A questão é que, destes, só 35 milhões eram empregos formais. Ou seja, a maior parte está sem carteira de trabalho assinada, sem direitos e garantias”, comentou o especialista.

Para Marcelo Portugal, essa perspectiva positiva também depende da manutenção dos pilares macroeconômicos por parte do governo e deve ser encarado com cautela. “Temos que tomar cuidado para não reduzir a taxa de juros rápido demais e ter problemas no futuro. Essa descompressão monetária, o remédio, tem de ser usado de forma que a doença não volte. Em julho, a inflação deve ser baixa mais uma vez; mas muito pela manipulação dos preços, como a Petrobras vem fazendo com os combustíveis”, disse. 

Além disso, o economista também acredita que o impacto da agenda econômica adotada pelo governo brasileiro vai além das questões financeiras. “Os preços têm uma lógica e devem ser determinados pelo mercado, então acho que existe uma tendência razoável de perdermos esses pilares econômicos. A economia brasileira depende de renda e crédito, mas também de boas expectativas e vontade de comprar. Não adianta a pessoa ter dinheiro e crédito, mas achar que vai perder o emprego”, afirmou.

Novo arcabouço fiscal 

No caso do Regime Fiscal Sustentável, também conhecido como  arcabouço fiscal, que estabelece novas regras para a gestão do orçamento público, Marcelo Portugal considera a medida um retrocesso. “A carga tributária vai subir, e alguém aqui vai ter que pagar mais imposto. Com o teto, os gastos públicos não podiam crescer mais que a inflação; agora, a tendência é que eles aumentem cada vez mais”, explicou.

Para José Luis Oreiro, o teto de gastos é um dos responsáveis pela estagnação da economia a partir do segundo semestre de 2014. “A gente observa que, até aquele momento, o Brasil vinha crescendo uma média de 3% por ano. De lá para cá, sofremos uma perda permanente de PIB, que não vamos conseguir recuperar nunca mais”, afirmou Oreiro. 

Para economista, Copom reduziu taxa de juros por causa da pressão da sociedade (Brasil de Fato, 03/08/2023

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Economista José Oreiro analisou no programa o contexto da redução da Taxa Selic

Redação

Brasil de Fato|Recife(PE) |

 03 de Agosto de 2023 às 15:26

Movimentos populares realizaram atos contra a taxa de juros e o presidente do Banco Central – Foto: Elineudo Meira / @fotografia.75

Comitê de Política Monetária(Copom) anunciou o primeiro corte na taxa de juros em três anos, na quarta-feira (03). A redução já era esperada por setores do mercado e cobrada pelo governo federal, movimentos populares e parte de empresários do varejo. 

A taxa, que estava mantida até então em 13,75% ao ano, foi reduzida em 0,5 ponto percentual, passando para 13,25%. Em nota, o Copom afirmou que a diminuição se deve à melhora no quadro inflacionário. Afirmou também que foi iniciado um novo ciclo de política monetária, com expectativas de novos cortes nas próximas reuniões. 

“O que aconteceu ontem foi resultado da pressão da sociedade, que teve início a partir da iniciativa do presidente Lula, que colocou o problema dos juros na agenda de discussão política. O tempo mostrou que ele estava correto. E foi fundamental a troca de dois diretores do conselho de política monetária. Dois diretores que foram agora indicados pelo governo”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília. 

Leia mais:::Comitês e movimentos populares fazem mutirão para pressionar Banco Central pela queda nos juros::

Oreiro participou ao vivo da edição desta quinta-feira do programa Central do Brasil, para falar sobre o contexto da redução da taxa de juros no país. 

“Me parece que a estratégia que foi anunciada ontem pelo Copom de uma redução de 0,5 ponto percentual por reunião é uma velocidade de redução adequada”, analisou. 

Foi a primeira reunião do Comitê com a participação de Gabriel Galípolo, diretor de política monetária, e Ailton Aquino, da direção de fiscalização. Eles assumiram recentemente as duas funções e foram indicados pelo governo Lula. 

Para Oreiro,  algumas coisas básicas mudam a partir de agora, como a referência para os juros cobrados no cartão de crédito, nos empréstimos diretos ao consumidor e também pode incentivar a retomada de investimentos no país.

Leia mais:::Rotativo, consignado e crediário: mulheres relatam impacto de juros altos no orçamento familiar::

Mesmo assim, ele analisa, o Brasil permanece com a maior taxa de juros do mundo e que a saída é, na avaliação dele, mudar os indexadores da economia nacional

“O que eu acho necessário para o Brasil conseguir ter taxas de juros e inflação mais baixas é uma desindexação generalizada da economia. Por exemplo, todo ano o contrato de aluguel é reajustado com base no IGP-M. Só que ele é um índice que capta fundamentalmente a evolução dólar. Quando há uma forte desvalorização do câmbio, o IGP-M aumenta muito, e isso faz com que IPCA aumente muito por causa da indexação. Com isso, o Banco Central reage subindo juros”, apontou. 

A entrevista completa está disponível no YouTube do Brasil de Fato

Deve-se rever a autonomia do Banco Central? (Le Monde Diplomatique, 01/08/2023)

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A inflação atual no Brasil é impulsionada não por uma economia superaquecida, mas por um conflito distributivo entre o setor comercializável e o não comercializável. Manter altos níveis de taxa de juros reais de curto prazo não resolverá o problema e aumentará o hiato de produção já existente na economia

José Luis Oreiro e Maurício Andrade Weiss

1 de agosto de 2023

Link: https://diplomatique.org.br/deve-se-rever-a-autonomia-do-banco-central/

*José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (Bilbao, Espanha), pesquisador Nível I do CNPq e líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; e Maurício Andrade Weiss é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

Armadilha da Renda Média, Reindustrialização e Política Industrial

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No primeiro semestre de 2023 tive o privilégio de orientar dois excelentes trabalhos monográficos relacionados a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. O primeiro, escrito por MÁRCIO MAGALHÃES BAIÃO JÚNIOR tem como título “A ARMADILHA DA RENDA MÉDIA – UMA ANÁLISE SOBRE AS TRAJETÓRIAS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA” e pode ser acessado no link: http://joseluisoreiro.com.br/site/link/77c5a6310c37b031f89753612da915292b5fbb60.pdf. O examinador externo foi o professor Guilherme Jonas Costa da Silva do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia. A avaliação final foi SS (nota 10,00 no padrão da UnB).

O segundo, escrito por Luiza Nascimento Evangelista de Sousa, recém regressa de um período de intercâmbio na Áustria, tem como título “POLÍTICA INDUSTRIAL E A REINDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL: UM MOTOR PARA O CRESCIMENTO ECONÔMICO” e pode ser acessada no link : http://joseluisoreiro.com.br/site/link/d30c5ff554a77336e60877dc6130a492b783d323.pdf. O examinador externo foi o professor Gabriel Palazzo da Universidade de Buenos Aires. A defesa foi realizada em inglês e a avaliação final foi SS.

Ambas as defesas foram gravadas e estão disponíveis no canal SDMRG no Youtube.

Boa leitura.

Reforma tributária aprovada na Câmara é primeiro passo para reindustrialização do país, avalia economista (Brasil 61, 07/07/2023)

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Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A reforma tributária, aprovada pela Câmara dos Deputados, é um “passo importante” para o processo de reindustrialização do país. Isso porque, na avaliação do economista José Luis Oreiro, as mudanças propostas vão devolver a competitividade para o setor. “A expectativa é que a reforma tributária, somada à redução da taxa de juros — outro componente importante para o custo da indústria é o custo do capital — vão devolver competitividade a nossa indústria de transformação e vão nos permitir iniciar o processo da reindustrialização da economia brasileira”, argumentou.

O especialista acredita ainda que o país vai voltar a gerar empregos no setor industrial, em médio e longo prazo. “É o setor que paga os salários mais altos e tem os empregos de melhor qualidade, porque são os empregos que exigem maior intensidade tecnológica”, acrescentou.

A indústria brasileira participa com 10% do valor adicionado do PIB nacional e contribui com 30% dos impostos indiretos cobrados no país, segundo dados do IBGE. Segundo Oreiro, as novas leis tributárias devem representar um alívio fiscal ao setor produtivo

“O nosso sistema tributário não tem equidade horizontal, ou seja, a ideia de que os setores da atividade econômica têm que pagar a mesma carga de imposto. Na verdade, a indústria é o setor que mais paga impostos indiretos no Brasil, isso devido, por exemplo, à concentração de um grande número de impostos como o IPI e o imposto de propriedade industrial”, exemplificou.

Em nota oficial publicada nesta sexta-feira (7), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz considerar a aprovação da reforma tributária “uma conquista para todo o país”. “Aguardada há mais de 30 anos, a modernização do sistema de tributos sobre o consumo permitirá ao contribuinte, cidadãos e empresários pagar os seus impostos de forma mais racional e transparente, de acordo com regras claras e compatíveis”, resumiu a entidade.

Para a CNI, é crucial que a reforma tributária avance com celeridade no Senado, “mantendo os pontos positivos da proposta aprovada pela Câmara dos Deputados”. “O modelo que defendemos elimina o principal obstáculo para o Brasil crescer de forma sustentada, por remover travas ao investimento e promover um ambiente de negócios que favoreça o crescimento das empresas, a geração de emprego e a melhora da renda do brasileiro”, elencou o presidente Robson Braga de Andrade no comunicado.

Fim da cumulatividade

No entendimento da CNI, um dos principais gargalos do atual sistema tributário está nos impostos que incidem sobre impostos cobrados sobre bens e serviços. Essa distorção, considera a entidade, representa uma tributação adicional e oculta, que vai se acumulando em cada etapa da cadeia de consumo, da matéria prima até o produto finalizado chegar no consumidor. “O IVA Dual põe fim à cumulatividade ao criar um sistema claro e racional de créditos tributários que, finalmente, conseguirão ser aproveitados pelas empresas de todos os setores da economia”, celebra.

Jose Luis Oreiro reforça que o fim da cumulatividade vai reduzir os custos das empresas com contadores e advogados tributaristas. “Com a instituição do imposto de bens e serviços que vai ser cobrado no destino e não na origem, vai ser eliminado um monte de cumulatividades. Além de simplificar o processo de arrecadação, você vai ter só uma alíquota do imposto sobre o produto industrializado em todo o Brasil, simplificando a legislação tributária. É a única reforma que de fato aumenta a competitividade da indústria brasileira tanto no mercado doméstico quanto no mercado internacional”, sustentou.

De acordo com o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), coordenador do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Tributária na Câmara, já passava da hora de mudar o sistema tributário “mais complexo, burocrático e complicado do mundo”.

“É uma reforma que vai dar à economia brasileira competitividade, eficiência produtiva. E o resultado disso é que vamos ter um sistema tributário moderno, um sistema que é padrão internacional e nunca mais o povo brasileiro vai pagar imposto do imposto ou imposto escondido. Ele saberá quanto custa o produto e quanto custa o imposto, e a consequência disso é que o povo brasileiro vai ter produtos e serviços mais baratos. O povo brasileiro vai poder sonhar com o novo emprego porque o Brasil vai voltar a disputar com o mercado interno, que hoje é dominado pelos importados que geram emprego lá fora”, garantiu.

Fonte: Brasil 61

link: https://brasil61.com/n/reforma-tributaria-texto-aprovado-na-camara-e-primeiro-passo-para-a-reindustrializacao-do-pais-pind234103

Desenvolvimento Econômico Ambientalmente Sustentável (Valor Econômico, 21/06/2023)

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José Luis Oreiro[1]

Daniel Mourada Costa Teixeira[2]

Helder Lara Ferreira Filho[3]

O funcionamento da economia envolve a extração de recursos naturais, sob a forma de matéria-prima e energia, a serem consumidos pela sociedade, e o lançamento de rejeitos ao meio ambiente, que os neutralizará por meio de mecanismos próprios dos ecossistemas. Durante a maior parte da história, essa relação com o meio ambiente obedeceu à sua capacidade de suporte. Contudo, o processo de desenvolvimento econômico, da maneira que conhecemos desde o início da Revolução Industrial, ou seja, um processo de mudança estrutural na direção de setores e atividades econômicas com maior valor adicionado per-capita, tem causado desequilíbrios substanciais e crescentes em termos ambientais, colocando em risco o funcionamento da economia, bem como o bem-estar e a sobrevivência da humanidade. Por isso, na grande maioria dos países, a agenda atual de desenvolvimento econômico converge com a ambiental, justamente para dar sustentabilidade a esse processo.

A adoção de tecnologias limpas – ao invés daquelas intensivas em carbono – pode fazer com que o desenvolvimento econômico seja acompanhado de uma degradação ambiental constante ou, até mesmo, decrescente. Esse processo é possível somente como resultado de uma mudança estrutural ecológica na direção de atividades e setores da economia que utilizem essas tecnologias e sejam ambientalmente mais eficientes. Nesse contexto, a literatura de complexidade econômica argumenta que a ampliação contínua da sofisticação produtiva é uma condição essencial para desencadear essa mudança, pois reflete a capacidade da economia em gerar e absorver novas tecnologias, com melhores técnicas e capacidades. De fato, há evidências empíricas robustas de que o aumento da complexidade econômica leva a melhor performance ambiental. Isso se daria, dentre outras razões, por conta do uso mais eficiente de energia e menor geração de determinados poluentes. Ainda vale destacar que, em decorrência dos ganhos de produtividade e eficiência, juntamente com os efeitos de transbordamento dos segmentos, com maior nível tecnológico e mais ambientalmente eficiente, para os demais; a mudança estrutural ecológica é capaz de fomentar a aceleração do desenvolvimento econômico nessa transição. Em outras palavras, não existe trade-off de longo-prazo entre desenvolvimento e conservação ambiental.

Contudo, o investimento na geração e adoção de tecnologias limpas não ocorre espontaneamente na quantidade necessária para desencadear a mudança estrutural ambientalmente requerida por conta da elevada incerteza inerente a esse tipo de investimento em atividades de natureza altamente experimental, a qual desestimula o espírito animal do setor privado. Somado a isso, há diversas falhas de mercado que impedem os investidores de capturarem os retornos que poderiam ser gerados: externalidades tecnológicas positivas na forma de aprendizado coletivo, desenvolvimento de habilidades ou efeitos de aglomeração; dificuldade no estabelecimento do preço do carbono, resultando em um custo privado da emissão de carbono bem inferior ao seu custo social; e a natureza de bem público global da redução de carbono, encorajando o surgimento de free-riders.

A solução para essa questão passa pela institucionalização de um mecanismo de interação entre os setores privado e público, além de um mix política fiscal, industrial, comercial e regulatória que, não só induzam os agentes privados a internalizar os benefícios sociais e os custos de investimentos em tecnologias sustentáveis em suas atividades; como também permita ao Estado liderar, por intermédio de seus investimentos, a mudança estrutural ecológica naqueles setores e atividades nos quais a incerteza dificulte ou impossibilite o investimento privado. Devido às diversas demandas geradas pelas metas de redução de emissões e progresso tecnológico, somadas à diversidade de mecanismos envolvidos nas falhas de mercados apontadas, é recomendado que essas políticas sejam formuladas e coordenadas dentro de uma ampla estratégia nacional de desenvolvimento verde.

Nesse contexto, o Estado tem o papel de prover informações para os demais agentes, identificando oportunidades de diversificação setorial da economia que contribuam para as metas de sustentabilidade ambiental, como as emissões de carbono. Também deve antecipar as tendências tecnológicas de longo prazo, fomentar a consolidação de mercados para novos produtos e prover os incentivos necessários para que a economia se beneficie da mudança estrutural em curso, possibilitando que surjam firmas nacionais pioneiras nos setores ambientalmente sustentáveis. Vale ressaltar que essas empresas podem adquirir vantagens competitivas à nível internacional, decorrentes do pioneirismo, ampliando seus mercados, dominando tecnologias de fronteira, aumentando a escala de produção e ditando novas tendências de mercado.

Por outro lado, uma aproximação excessiva entre os formuladores de política e os empresários pode aumentar os riscos de corrupção e de processos de rent-seeking. Sendo assim, deve-se estabelecer estruturas de governança para que isso seja evitado, como a criação e fortalecimento de conselhos, fóruns de coordenação entre os setores público e privado, agências de desenvolvimento, organizações sem fins lucrativos e instituições de representação que facilitem a troca de conhecimento entre os atores. Nessas instâncias seriam implementados os mecanismos de transparência e accountability das políticas públicas. Também devem ser criados protocolos que reconheçam eventuais erros de execução e revisem a política adequadamente e de forma periódica. Por fim, é recomendável que essa estratégia nacional, no caso Brasileiro, possua um alto status na agenda do governo de turno, devendo ser gerida pelo vice-presidente, ministério ou agência com alta capacidade de articulação política e ascendência sobre os demais membros do governo.

Como se pode perceber, gerar desenvolvimento econômico em bases ambientalmente sustentáveis não é uma tarefa simples. A crescente divergência de renda per-capita a nível internacional verificada nos últimos 200 anos (a assim chamada “grande divergência”) mostra que o desenvolvimento econômico é privilégio de poucos países. No século XXI, no qual a preocupação ambiental é cada vez mais urgente, o Estado não pode se furtar de pensar nesses termos para que o Brasil tenha alguma chance de se tornar um país de renda alta, ambientalmente sustentável e socialmente inclusivo.


[1] Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

[2] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília.

[3] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília.

Desindustrialização no Brasil não ocorreu de forma natural, diz especialista (Correio Braziliense, 20/06/2023)

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“A reforma tributária é o primeiro passo para a reindustrialização, mas não é a solução final”, destacou o economista José Luis Oreiro

(crédito: Ed Alves/CB/DA PRESS)

“A reforma tributária é o primeiro passo para a reindustrialização, mas não é a solução final”, destacou o economista, ao criticar que a indústria brasileira está sendo penalizada com alta carga tributária, o que leva o país a um processo inverso de industrialização.

Oreiro criticou as elevadas taxas de juros definidas pelo Banco Central — que hoje está em 13,75%. “A reforma precisa atuar para propiciar a redução da taxa de juros e também manter um câmbio baixo.”

Oreiro ressaltou ainda que a indústria no Brasil é tratada com diferença, em relação aos tributos pagos, e afirmou que o processo de desindustrialização brasileira não é natural, como ocorre em outros países de renda alta. De acordo com o economista, o Brasil está desmobilizando a força industrial há muitos anos, e um dos motivos é o fato de ser ela um dos setores que mais sofre com fiscalização e arrecadação de impostos. Com essa prática, a indústria se tornou mais primitiva, o que impacta diretamente na força de trabalho, porque uma das maiores consequências da desinstalação é a falta da geração da força de renda.

“A indústria recebe tratamento diferenciado de outros setores, é onde mais ocorrem fiscalização e tributo mais alto, por isso a necessidade de uma reforma para corrigir esse processo”, alerta o professor.

Boas notícias na economia mudam avaliação de Haddad na base petista (Correio Braziliense, 18/06/2023)

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Divergências com o ministro da Fazenda, como as manifestadas pela presidente do PT, Gleisi Hoffman, parecem ter ficado para trás. Visão do mercado financeiro também mudou

Rosana Hessel

(crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Dentro do PT, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vinha recebendo críticas de vários parlamentares, inclusive, da presidente do partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PR). Ela admite ter divergências com Haddad, como ficou evidente nas discussões sobre a reoneração dos combustíveis com impostos federais, no início do ano. Agora, a deputada tem procurado apoiar o ministro na tramitação do novo arcabouço fiscal, e procura se posicionar como crítica número dois do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Em uma postagem recente, ao concordar com a crítica do ministro à aprovação da prorrogação da desoneração da folha de pagamento de alguns setores por quatro anos pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, na semana passada, a parlamentar usou o argumento do chefe da equipe econômica, de que a medida vai aumentar os gastos anuais em R$ 9,4 bilhões até 2027. “Já vimos que isso não funciona, não cria empregos nem beneficia o trabalhador e, por isso, precisa ser tratado com responsabilidade. @Haddad_Fernando tem razão em querer em deixar para um segundo momento esse debate”, escreveu.

Bicho papão

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), considera que havia um pessimismo muito grande no mercado financeiro em relação a Haddad e, agora, há um sentimento de que ele não é o “bicho papão” que foi pintado.

“O pessoal achava que o Haddad seria uma espécie de Arno Augustin (ex-secretário do Tesouro Nacional no governo Dilma Rousseff, apontando como o criador das polêmicas pedaladas fiscais), mas quem conhece minimamente o ministro sabe que ele é a direita do PT”, explica Oreiro.

“Ele sempre teve um discurso de responsabilidade fiscal, e, portanto não iria cometer nenhuma aventura, mas também tinha ciência de que a regra do teto de gastos era insustentável e que seria preciso utilizar mecanismos distintos de curto prazo para recuperar a destruição deixada por Bolsonaro, com servidores sem reajuste e nenhum espaço para aumento de investimentos”, pontuou.

‘Fim de calvário’ e ‘reação defasada’: economistas avaliam melhora de perspectiva pela S&P (Folha de São Paulo on line, 15/06/2023)

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5.jun.2023 às 18h38Ouvir o texto Diminuir fonte Aumentar fonteDouglas GavrasSÃO PAULO”Fim de ida ao calvário dos maus pagadores”, “reação defasada” e “gols da equipe econômica”. Para analistas consultados pela Folha, a revisão para “positiva” da perspectiva do Brasil pela agência de classificação de risco S&P Global Rating na quarta-feira (14) deve ser vista como um bom sinal.
Eles ponderam, no entanto, que o Banco Central deveria sinalizar o início de redução dos juros para manter boas projeções de crescimento e que o governo precisa ainda entregar resultados fiscais concretos, caso o país queira seguir na trajetória de recuperar o grau de investimento.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (dir.), e Gabriel Galípolo; eles sorriem, são homens brancos, de cabelos lisos e castanhos, usam ternos escuros, camisas brancas e gravatas amarela e vermelha, respectivamenteO ministro da Fazenda, Fernando Haddad (dir.), e Gabriel Galípolo – Pedro Ladeira – 17.mai.23/Folhapress
A revisão da perspectiva da nota do Brasil foi comemorada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atribuiu o resultado a medidas tomadas pela pasta e pelos demais Poderes —acrescentando que “faltava o Banco Central” contribuir para a queda dos juros básicos (hoje em 13,75%).
Sinais de maior crescimento e estabilidade na condução da política fiscal e monetária são fatores apontados pela S&P. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou que o país poderá recuperar o grau de investimento em 2026.
Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, a questão mais importante da revisão feita pela agência de risco é que ela marca uma mudança significativa para a classificação dos títulos brasileiros.

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“Marca o fim de uma ida ao ‘calvário dos maus pagadores’, que se iniciou com a profunda crise gerada por erros de política econômica cometidos ainda no segundo mandato do presidente Lula [2007-2010].”
Mendonça de Barros, que também já foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações, avalia que o clima em relação ao desempenho da economia mudou positivamente, mas com ponderações.
“Mudou, na questão da credibilidade do governo, mas não na questão de crescimento como mostrou hoje [quinta, 15], de maneira muito clara, o crescimento de setor de serviços anunciado pelo IBGE.”
Segundo o gerente da PMS (Pesquisa Mensal de Serviços), do IBGE, Rodrigo Lobo, os serviços prestados às famílias atingiram um aparente teto e não avançam.

O professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro considera que as agências reagem de maneira defasada em comparação ao mercado. Ao se considerar o prêmio de risco, que caiu nos últimos meses, não há razão para desconfiar da capacidade de o país pagar seus compromissos externos, diz.
“Durante a transição para o governo Lula, os economistas liberais diziam que o Brasil ia entrar em um buraco negro e isso não aconteceu. O que prova é que o diagnóstico feito por eles, que controlaram a política econômica desde o impeachment da [ex-presidente] Dilma Rousseff, vem de uma teoria errada.”
Ele também avalia que a volta do Brasil ao grau de investimento pode não ser tão relevante quanto pode parecer em um primeiro momento, podendo apreciar o câmbio e trazer um excedente de capital especulativo ao país.
“Para manter o clima otimista, é preciso que o Banco Central ao menos sinalize que vai iniciar o ciclo de redução dos juros e que não ocorra alguma mudança drástica na economia internacional. Isso pode começar a gerar um clima de conforto e aumento da popularidade que vai destravar ações no Congresso e reduzir o poder de barganha do centrão.”


Já o economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, avalia que a notícia é positiva e confirma a visão de que o lado fiscal estaria sendo bem cuidado por Haddad.”O arcabouço não é a ‘última bolacha do pacote’, mas nasceu em boas bases, com uma regra de gastos e compromisso com superávit primário a médio prazo. Isso é bom e a S&P está reconhecendo.”
Salto pondera que a volta do Brasil ao grau de investimento depende da recuperação da economia, da retomada dos acordos comerciais, do controle da inflação e da redução do juro real —que poderá estimular investimentos— criam ambiente propício para um ciclo positivo.
“A gestão fiscal é o grande desafio. Após aprovar o arcabouço fiscal, não custa lembrar, ele terá de ser observado, e os gastos precisarão ser controlados. Não tem mágica. O desafio, no fundo, é ter uma política econômica equilibrada.”
Salto, que já foi secretário de Fazenda do Estado de São Paulo e diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, acrescenta que a virada de vento na economia, para uma perspectiva mais otimista, é embasada.
“Há motivos para otimismo, porque a economia está numa boa trajetória. Com o fiscal equilibrado, os juros vão diminuir bastante, motivando o investimento. Caberá ao Estado reorganizar os gastos públicos. A Fazenda, sem dúvida, se destaca neste momento como uma área que está conseguindo marcar gols. O mercado vê isso e o resto do mundo também.”
Economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale também vê como positiva a mudança de viés da agência de risco, que ele classifica como fruto de uma trajetória “minimamente equilibrada” nos últimos meses, após um começo “tortuoso”.
“Houve entendimento da importância da questão fiscal, em que pese ela estar longe de ser solucionada. Há uma ideia de que Haddad conseguiu se desvencilhar do mau sinal que deu no começo do ano”, diz.
Vale não vê riscos na questão da meta de inflação ou algum obstáculo para a reforma tributária. “Isso não significa que tudo esteja certo. O governo precisa ainda entregar resultados fiscais concretos nos próximos anos e precisamos acompanhar como será o Banco Central após as mudanças que serão feitas.”
Ele também diz acreditar que a volta do país ao grau de investimento deverá acontecer apenas em um outro governo, que faça ajustes que o presidente Lula tende a evitar.
“A ideia da Fazenda de atacar a questão das garantias no crédito é um bom caminho de reforma microeconômica, ainda é um governo em construção e não dá para comparar com o período [do ex-ministro da Fazenda Antonio] Palocci. Vai ter que entregar muito mais para se aproximar daquele momento.”

O que está por trás da cultura de juros altos? (Valor Econômico, Caderno EU&, 09/06/2023)

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https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/06/09/o-que-esta-por-tras-da-cultura-de-juros-altos.ghtml


Fui um dos economistas entrevistados para essa materia do caderno Eu& do Valor Econômico. Falei sobre déficit, divida pública indexação e a estabilização inacabada do Plano Real. O Brasil precisa de uma Reforma Monetária que estabeleça o Real como a única unidade de conta dos contratos da economia brasileira. Só assim poderemos ter juros e inflação mais baixos.

O que está por trás da cultura de juros altos?
Brasil convive com taxas elevadas há quatro décadas, e isso por si já torna mais difícil mudar o parâmetro
Em fevereiro, ao criticar a manutenção da taxa Selic em 13,75%, o presidente Lula se referiu a uma “cultura de juros altos” que existiria no Brasil. A expressão não é nova. Foi usada pelo industrial José Alencar em 2003, quando era vice-presidente do próprio Lula, por ocasião de uma reunião do Copom que baixou a taxa em 2,5 pontos. Na época, Alencar propôs uma “cruzada nacional” para reduzir os juros. Em 2011, Paulo Skaf, então presidente da Fiesp, repetiu a fórmula, em um momento de expectativa por uma alta que poderia chegar a um ponto percentual.
Não só os políticos consideram que o Brasil tem taxas altas em todas as etapas da curva de juros. Uma busca por teses, dissertações, artigos científicos e comentários de imprensa encontra facilmente centenas de tentativas de explicar essa particularidade, publicadas desde a década de 1980 até hoje. Não bastasse a taxa básica estar sempre entre as mais altas do planeta em termos reais, empresas e famílias também pagam juros inimagináveis em outros países. De acordo com levantamento feito pelo Procon, em janeiro o juro médio para empréstimos pessoais era de aproximadamente 143% ao ano para pessoas físicas. Para empresas, segundo dados do Banco Central, a média está em cerca de 25%.
A ideia de que o Brasil vive uma “cultura dos juros altos” expressa a percepção de que a taxa molda, em certa medida, o sistema financeiro e até mesmo a economia real do país. “Essa expressão é interessante, porque reflete como convivemos com os juros altos nas nossas transações concretas, para fazer um empréstimo, comprar uma casa, um carro, ou nas aplicações financeiras. Esperamos juros altos dos dois lados, ao aplicar e ao pagar. É um hábito, parte do dia a dia”, afirma o economista Fabio Bittes Terra, da Universidade Federal do ABC e coautor do livro “Selic: o mercado brasileiro de dívida pública”.
Quarenta anos de queixas, debates e pesquisas sobre o juro brasileiro renderam análises variadas sobre causas e consequências. Pelo lado das primeiras, citam-se o desequilíbrio fiscal persistente, as necessidades de financiamento do Estado, o histórico de inflação elevada e a necessidade de atrair capital estrangeiro. Para o economista Fernando de Holanda Barbosa, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV), que publica pesquisas sobre as taxas de juros brasileiras desde a década de 1980, a noção de “cultura dos juros altos”, na verdade, é reflexo da sucessão de crises fiscais que o país enfrenta desde o início da década de 1960, sem jamais resolver de forma permanente.
Barbosa enumera essas crises: a da segunda metade dos anos 1970, que desembocou na moratória da dívida na década seguinte; as turbulências dos anos 90, quando o Brasil padeceu com surtos de fuga de capital no México, na Rússia e nos tigres asiáticos; a profunda recessão iniciada em 2014. Esta última, diz, não teve suas consequências fiscais devidamente combatidas por nenhum dos governos posteriores, que apenas “empurraram o problema adiante”.
A situação reflete, por sua vez, uma outra cultura, argumenta Barbosa: a dos privilégios. Os déficits do governo são causados pela facilidade com que grupos de pressão se apropriam de nacos do orçamento público. Nesse cenário, a própria taxa de juros acaba servindo à perpetuação de vantagens para segmentos sociais. “Os juros altos no Brasil não são uma loucura, uma coisa absurda que acontece por acaso. São produzidos pela sociedade, à medida que grupos de interesse conseguem garantir privilégios. Não é culpa do Banco Central ou seu presidente”, afirma.
Segundo o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília, não há um mecanismo direto que leve do déficit fiscal ou da dívida pública à taxa de juros. Se a Selic, taxa de curto prazo, responde à necessidade de manter a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, os juros de prazos mais longos expressam as expectativas do mercado financeiro para a política monetária dos anos seguintes. “Um déficit fiscal pode levar a uma economia sobreaquecida, com excesso de demanda, e isso exige que o Banco Central eleve os juros, para retirar demanda da economia. Não é uma questão de déficit ou dívida”, argumenta. “O experimento natural foi a pandemia, quando o governo fez um déficit de R$ 800 bilhões e os juros reais ficaram negativos”, diz.


Para Oreiro, o que relaciona a situação fiscal à inflação é o “impulso fiscal”, a diferença no resultado primário (estrutural) de um ano para o seguinte. “Houve um impulso forte de 2019 para 2020, que evitou uma queda ainda maior do PIB durante a pandemia. Hoje, porém, a economia brasileira opera com capacidade ociosa e não tem como um impulso fiscal trazer pressão inflacionária”, diz.


Fernando de Holanda Barbosa: “Quando o risco-país cair, certamente a taxa de juros vai cair também” — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Contudo, o que Lula e seus predecessores dizem ao evocar a ideia de “cultura” dos juros altos aponta mais para as consequências do que para as causas: a economia brasileira teria se acostumado com a permanência dessa particularidade e até mesmo se tornado dependente dela. Essa dependência se manifesta na complexa trama de aplicações que mantêm ganhos reais significativos apesar de atreladas à taxa básica, que em outros países remunera de forma modesta.
Segundo Terra, o Brasil tem uma parcela desproporcionalmente alta de ativos financeiros vinculados à taxa básica. “As pessoas se acostumaram a procurar a Selic como elemento de remuneração dos seus investimentos financeiros, bem mais do que a renda variável ou outras formas de investimento, não financeiros, como o ouro, o mercado imobiliário ou as ações”, explica. O fenômeno começa pela dívida pública federal, em que cerca de 40% dos títulos têm taxa flutuante e respondem a variações da Selic. No mercado financeiro, predominam contratos vinculados ao DI (depósito interfinanceiro), que acompanha de perto a taxa do Banco Central.
A prevalência de títulos indexados à Selic produz um ciclo vicioso, por ser um fator que reduz a eficácia da política monetária, através do “efeito-contágio” da política monetária sobre a dívida pública, diz Barbosa. Quando o governo decide aumentar ou baixar os juros para controlar a inflação, o custo da dívida sobe ou desce proporcionalmente, em razão dos títulos indexados. Outro efeito paralelo é enfraquecer o efeito-riqueza, pelo qual, para a dívida pré-fixada, o aumento dos juros reduz o valor de títulos já existentes, de taxa menor. A consequência é que os detentores de papéis sentem que sua riqueza diminuiu e têm menos condições de consumo, o que reforça o mecanismo pelo qual os juros esfriam uma economia. Com os títulos atrelados à Selic, ocorre o inverso: os detentores desses papéis veem seu retorno aumentar com a alta dos juros e, por isso, têm mais condições de consumir, o que implica um aquecimento, e não um esfriamento, da economia.
O resultado desses dois efeitos é que os tratamentos anti-inflacionários do BC, por meio da taxa de juros, têm que ser mais fortes do que o normal, na tentativa de contrabalançar a eficácia diminuída dos mecanismos de transmissão. Barbosa observa, no entanto, que, além da frequente necessidade de manter uma política monetária contracionista para controlar a inflação, a própria taxa de juros dita “natural” do Brasil é alta.
A taxa natural é um conceito que representa os juros necessários para manter investimento e poupança equilibrados quando a economia está em pleno emprego. Em economias pequenas e abertas, como a brasileira, ela é a taxa praticada no mercado internacional, acrescida do prêmio que os investidores exigem pelo risco que acreditam ter ao colocar recursos naquele mercado. Assim, o que mantém a taxa natural alta é, em grande medida, o risco-país, índice que expressa a diferença entre o juro pago nos títulos do Tesouro americano e o dos títulos brasileiros, com a sigla EMBI+. Atualmente, o risco-Brasil gira em torno de 250 pontos base, ou 2,5 pontos percentuais. Em momentos de otimismo com a economia e a situação fiscal do país, chegou a ficar abaixo de 140 pontos, em 2007 e 2012.
“Esse problema deveria ser enfrentado fazendo desaparecer a crise fiscal. Com isso, o risco-país cairia. E quando o risco-país cair, certamente a taxa de juros vai cair também”, diz Barbosa. A emissão de títulos da dívida é uma alternativa para a impressão de moeda pura e simples no financiamento do déficit, diz. Esta última foi a receita praticada no Brasil durante décadas, com a inflação galopante como resultado, e até hoje um problema para a Argentina. “Quem compra esses papéis? Em geral, a poupança privada. Com isso, ela deixa de financiar investimento produtivo para financiar o governo”, resume. “É por isso que a consolidação fiscal permitiria aumentar o investimento: quando a poupança privada for ao sistema financeiro, vai encontrar papéis do setor privado voltados para o financiamento do investimento.”
O economista da FGV julga, no entanto, que nem o arcabouço fiscal anunciado pelo atual governo nem o teto de gastos instituído em 2016 seriam capazes de levar os juros a um patamar mais compatível com o que é praticado ao redor do mundo. Ambas as iniciativas são gradualistas, prevendo que o equilíbrio das contas públicas só será atingido dentro de alguns anos. Barbosa crê que para tornar a dívida sustentável é preciso chegar logo a um superávit entre 3% e 4% do PIB.
José Luis Oreiro: “Não é uma questão de déficit ou dívida” — Foto: Luis Ushirobira/Valor


“As pessoas acreditam que uma consolidação fiscal que pode chegar a 5% do PIB é inviável politicamente. Mas sustento que só depois de um esforço como essa terapia de choque será possível voltar a ter uma expansão em torno de 4%. Se um governo seguir esse caminho logo em seu primeiro ano, ao final do mandato vai colher os louros do crescimento mais acelerado”, diz.
Sejam quais forem as causas da duradoura era de juros altos brasileira, as análises são unânimes na avaliação de que essa característica financeira molda, em parte, a economia do país como um todo. Ao oferecer rentabilidade alta para investimentos de baixo risco, favorece a escolha pela riqueza financeira, no fenômeno que alguns economistas denominam “rentismo”. Esse direcionamento é uma das causas da baixa taxa de investimento em infraestrutura, expansão da capacidade produtiva ou inovação.
Descendo um pouco mais na cadeia causal, encontramos a insuficiente geração de empregos de qualidade, a alta taxa de informalidade e a perda de competitividade do setor produtivo. Como esses problemas permanecem por períodos prolongados, alguns analistas falam em “histerese” – conceito da física que descreve a tendência de um sistema a perdurar em um estado, na ausência de novos estímulos. Na economia, designa uma situação em que uma economia que roda abaixo do potencial, com desemprego alto e investimento insuficiente, se torna incapaz de retornar ao crescimento em ritmo satisfatório, entre outros motivos por que os trabalhadores perdem qualificação e as empresas ficam para trás na competição internacional.
Do outro lado da curva, se o juro pago pelo Estado aos investidores é alto, a taxa que recai sobre comerciantes, famílias e pequenos produtores, as chamadas taxas do varejo, são muitas vezes ditas “estratosféricas”. Entre as causas para o alto spread bancário, citam-se o risco de inadimplência, o forte endividamento das famílias e a baixa concorrência entre bancos. Um problema também renitente é o pouco efeito das variações da taxa básica da economia sobre aquelas praticadas no varejo: se o crédito bancário para empreendedores chega a cobrar 2,5% de juros ao mês e o cheque especial pode ultrapassar 200% ao ano, qual é a diferença, na vida prática, de uma Selic a 13,75%, a 13,5% ou 13,25%?
De acordo com Terra, os juros do varejo, seja para o consumidor ou o empresário, teriam pouca variação, porque a sensibilidade às mudanças da taxa do atacado é baixa. A causa está, entre outras, nas características que compõem a ideia da cultura de juro alto. “As pessoas estão habituadas a pagar juros altos, porque o juro sempre foi alto no Brasil. Em geral, as famílias estão endividadas não porque querem, mas porque a renda no país é baixa, então é preciso apelar muito ao crédito para comprar as coisas ou resolver os fins de mês”, afirma.
Por outro lado, uma redução da Selic teria mais efeito sobre o custo de financiamento de projetos na economia real e a remuneração de investimentos que, embora vinculados à economia real, respondem às variações da taxa básica por meio do CDI (certificado de depósito interbancário), como LCIs (letras de crédito imobiliário) e LCAs (letras de crédito agrícola) pós-fixadas. Como a remuneração no mercado de dívida teria uma pequena queda, o custo de oportunidade de colocar recursos na economia real também cairia discretamente.
Por outro lado, segundo Terra, o efeito da variação da Selic sobre o custo de financiamento das empresas pode ser enfraquecido ou anulado pelo risco fiscal embutido na TLP (taxa de longo prazo), usada pelo BNDES em seus empréstimos. Como a TLP é parcialmente atrelada às NTN-B (Notas do Tesouro Nacional), títulos que pagam um valor fixo somado ao IPCA, se os agentes econômicos entenderem que há um importante risco fiscal no futuro, a queda da Selic pode não se traduzir em queda da remuneração das NTN-B, o que se refletiria na taxa cobrada pelo BNDES.
Isto não significa que o crescimento será baixo sempre que os juros estiverem altos, alerta Terra. A taxa de retorno dos investimentos é determinada por outros fatores e, se for maior do que o retorno de investimentos financeiros, pode atrair capital produtivo. De acordo com o economista da UFABC, isto aconteceu no Brasil entre 2004 e 2008, quando a Selic esteve quase sempre acima de 11% e mesmo assim houve um ciclo de crescimento, com a taxa de investimento no maior nível desde a década de 1980. “Havia uma expectativa de retorno alta, porque iniciativas como a valorização do salário mínimo e a política de transferência de renda davam ao empresário a perspectiva de mais consumo”, explica. “O aumento do pequeno varejo e os investimentos em bens duráveis tiveram crescimento expressivo, enquanto o setor externo puxava a economia.”
Ainda assim, certos investimentos de maior risco ou mais longo prazo, como em mercados inovadores, continuam fora do alcance, porque nesses casos o investidor exigiria um retorno altíssimo. Oreiro acrescenta que o período de juros menos atraentes pode não ter levado a uma era de grande investimento no setor produtivo, mas trouxe forte onda de investimentos em imóveis. “Tivemos uma bolha imobiliária”, comenta.
Esses anos também compuseram o coração de um longo período de superávits primários, iniciado em 1998, que perdurou até 2013. O superávit era parte do tripé macroeconômico adotado no fim da década de 1990 para manter a estabilidade da economia brasileira, junto com o câmbio flutuante e as metas de inflação. A adoção do tripé foi acompanhada de um ajuste fiscal, que permitiu chegar aos superávits. Nesse intervalo de 15 anos, a Selic teve uma queda paulatina, passando de 42% em outubro de 1998 para 8,75% em julho de 2009 e 7,25% em outubro de 2012.
Outra mudança ocorrida em torno de 1998 foi que, com a adoção do regime de metas de inflação, em 1999, o papel estabilizador da Selic se transformou, em parte. Até então, a personagem principal no esforço de segurar o nível de preços era a “âncora cambial”, ou seja, a taxa controlada, quase fixa, de câmbio entre real e dólar, que evitava uma alta exagerada dos preços no Brasil porque os produtos importados se mantinham acessíveis. Nesse cenário, os juros básicos tinham muitas vezes o papel de evitar a perda de divisas, oferecendo a investidores estrangeiros uma remuneração muito acima do que conseguiriam em outros mercados.


O Real é o “grande corte histórico” na trajetória dos juros, segundo Oreiro, por causa do controle sobre o câmbio. Entre 1994, quando o plano Real e a âncora cambial foram adotados, e 1999, a Selic teve grande volatilidade, subindo e caindo ao sabor do mercado financeiro internacional. Em 1998, no intervalo de apenas nove meses, foi fixada em valores que variaram de 19% a 38%. Com a crise cambial no início de 1999, chegou a 45%. Em termos reais, a taxa básica de juros permaneceu entre 20% e 25% nesses anos. Após a adoção do tripé macroeconômico, quando assumiu quase integralmente a função de perseguir a meta de inflação, a Selic desceu, em termos reais, para cerca de 10%.


Oreiro acrescenta que, apesar de ter desindexado os contratos com prazo abaixo de um ano, o Real manteve a indexação de contratos mais longos. “Até hoje, o Brasil mantém a institucionalidade do tempo da inflação alta no sistema de contratos. […] Essa indexação aumenta a inércia inflacionária, o que exige uma dosagem maior de juros para colocar a inflação na meta”, lamenta.


“A principal diferença entre os dois períodos é que, com a âncora cambial, os juros existem quase apenas para atrair capital estrangeiro, então eles vão a reboque do movimento internacional de liquidez, principalmente em um país com poucas reservas cambiais, como era o Brasil, e enfrentando um conjunto de crises externas. Como o câmbio é administrado e não flutua, quem flutua é o juro. E muito”, declara Terra. “Com o câmbio flexível, é possível dosar o uso dos juros. Mesmo se houver uma grande desvalorização, a maior preocupação é com o impacto inflacionário.”


A inflação é frequentemente considerada o grande mal econômico da história do Brasil e, no caso dos juros altos, não é diferente. A correção monetária existe no Brasil desde 1964, com a instituição das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), títulos de longo prazo que deveriam proteger seus detentores da alta dos preços. Com a inflação anual passando de 15,6% em 1974 a 40% em 1978, 77% em 179 e 100% em 1980, a corrida para resguardar depósitos e aplicações da alta dos preços se intensificou. Começava aí o processo que levaria à hiperinflação, aos planos de estabilização frustrados, à “ciranda financeira” e à indexação da economia.
Na maior parte dos casos, uma economia cuja inflação sai de controle acaba recorrendo a uma moeda estrangeira ou uma nova divisa, lastreada em ativos mais estáveis. Aqui, não foi assim. Enquanto nos países vizinhos os contratos passavam a ser atrelados majoritariamente ao dólar, a “dolarização”, o Brasil encontrou um preço de referência doméstico, segundo Terra. “O Brasil foi o único país que fez isso. Mas como? Usando a taxa de juros como um farol, para guiar a marcação de todos os preços da economia”, diz. No início dos anos 1980, estabeleceu-se uma relação pela qual o BC, ao liquidar as posições dos bancos, rolava a dívida pública para refinanciar o Tesouro Nacional no curto prazo, e não apenas para controlar os juros praticados no mercado e a inflação. Os depósitos de particulares, por sua vez, eram corrigidos para repor a inflação.
“Com isso, o Tesouro conseguia refinanciar a dívida e o Banco Central marcava a taxa de juros. Ao mesmo tempo, os bancos ganham ao intermediar os recursos entre as pessoas e o BC, e também no ‘floating inflacionário’ [a desvalorização da moeda entre depósito e saque]. E nessa circulação de títulos públicos de curto prazo, os correntistas ganham uma imensa fonte de proteção contra a inflação. Esse processo durou mais de uma década”, resume Terra. Contudo, o sistema tinha um perdedor, na figura da parcela da população mais pobre sem acesso a uma conta bancária. Essas pessoas sofriam com o “imposto inflacionário”, que desvalorizava seus salários no curto intervalo que levava para gastar em compras. Na década de 1980, a população bancarizada não chegava a 40%.
Só a estabilização financeira viria a encerrar esse sistema, a partir de 1994, mas ao custo de resgatar um setor bancário em que vários apresentaram problemas graves de solvência. Na última década, houve duas tentativas de reduzir o patamar dos juros. A primeira ocorreu no governo de Dilma Rousseff, entre agosto de 2011 e março de 2013. Na ocasião, o governo também usou os bancos públicos para tentar baixar as taxas cobradas dos clientes particulares. O esperado pelo governo era que os concorrentes privados se sentissem obrigados pela competição a seguir o mesmo comportamento. O BC também tolerou uma inflação constantemente na margem superior da meta de inflação, que na época era de dois pontos percentuais. “O governo Dilma cometeu muitos erros nesse processo. O maior provavelmente foi não se esforçar para que a inflação convergisse para a meta. Com o IPCA a 6% e os juros a 7,5%, o juro real, de repente, estava em 1,5%. O investidor viu que a taxa não compensava o risco de colocar dinheiro no país”, diz Terra.
A aceleração da Selic, a partir de então, foi vertiginosa, chegando a 14,25% em 2015, quando o país já enfrentava uma profunda recessão. Os juros só voltariam a cair em outubro do ano seguinte, quando a economia ensaiava uma recuperação claudicante e o IPCA apontava que ficaria abaixo de 3,5% no ano seguinte. Os cortes puseram o juro básico em 6,5% de março de 2018 a junho de 2019, quando a pandemia, um período excepcional, levou bancos centrais mundo afora a cortar ainda mais os juros, e o Brasil não foi exceção: em agosto de 2020, a Selic chegou a 2%.
De um lado, tratava-se de um momento de economia estagnada, penando para se recuperar da recessão: entre 2017 e 2019, o crescimento anual ficou teimosamente em torno de 1,1%. A inflação se manteve baixa, em cerca de 3,5%, e o desemprego atingia a casa de 12,6% em 2017. Do outro lado, 2016 foi o ano da aprovação da rigorosa, e agora malsucedida, regra de controle fiscal, a emenda constitucional 95, mais conhecida como teto de gastos. Embora não tenha durado muito e em seu primeiro ano tenha permitido uma expansão dos gastos públicos, em vez da contração esperada para os anos seguintes, o teto serviu ao para emitir um sinal de consolidação futura para o mercado.
“O Brasil estava em um marasmo econômico, o que normalmente permite a queda dos juros. Então a sociedade aceitou um juro nominal de 6%, o que correspondia a aproximadamente 3% de juro real, algo incomum no Brasil”, comenta Terra. “Mas é preciso acrescentar um grão de sal: se o crescimento estava em 1%, quem alocava seus investimentos ao juro real de 3% está se beneficiando muito, relativamente ao acréscimo de riqueza do país. Mesmo nesse momento, mantivemos o costume dos juros de pouco risco rendendo bem acima da atividade econômica.”
O último ciclo de alta da Selic, iniciado em março de 2021, procurou responder à alta dos preços que se seguiu à crise de cadeias de produção na retomada pós-pandemia. O BC brasileiro começou a elevação antes de suas contrapartes nos países desenvolvidos e foi mais agressivo na política monetária. Para Oreiro, os indicadores atuais da inflação sugerem que um novo ciclo de baixa já poderia ter começado. “Só agora os juros reais americanos saíram do negativo. Na Europa, a inflação está mais alta do que aqui e as regras fiscais foram suspensas. Nem a inflação, nem a situação fiscal explicam que o juro real seja tão mais alto no Brasil. Então o que explica?”

Reduzir jornada de trabalho: sonho que não será fácil para a indústria brasileira, diz especialista (Sputinikk Brasil, 10/06/2023)

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10:18 10.06.2023 (atualizado: 11:33 10.06.2023)

Linha de montagem de indústria automotiva no Rio de Janeiro. - Sputnik Brasil, 1920, 10.06.2023

© Folhapress / Daniel Marenco

Uma organização internacional vai montar um plano piloto no Brasil para testar os efeitos da semana de trabalho de quatro dias, algo que já foi tentado com algum sucesso em outros países. No entanto, o economista José Luis Oreiro alertou à Sputnik que o modelo pode ser difícil de aplicar na indústria, que não investe em tecnologia há décadas.

A possibilidade de reduzir a jornada de trabalho começa a ser pauta de vários países sul-americanos, principalmente depois que o Chile deu o primeiro passo na região em abril de 2023 ao reduzir a jornada máxima de trabalho semanal para 40 horas. A partir de então, o assunto passou a circular também em sindicatos e câmaras empresariais de países vizinhos, como Argentina ou Uruguai.

O mesmo está acontecendo no Brasil, onde um plano-piloto montado por um organismo internacional poderia lançar as bases para uma rediscussão do tema. De fato, a organização 4 Day Week (Quatro dias por semana) se propõe a iniciar um plano na maior economia da região latino-americana para testar como o novo sistema funcionaria em empresas que se registram voluntariamente.

“O piloto de quatro dias nos permite alcançar os mesmos resultados de produtividade e vários outros ganhos com menos tempo de trabalho. As empresas que fazem a transição para uma semana de trabalho de 32 horas percebem aumentos de produtividade, melhor atração e retenção de talentos, envolvimento mais profundo do cliente e melhor saúde, bem-estar e felicidade dos colaboradores”, relata a organização.

O projeto, que começaria em setembro de 2023 com as empresas que aderirem, propõe para o Brasil um programa “100-80-100”, denominação para “100% do salário, trabalhando 80% do tempo e mantendo 100% da produtividade”.

Os promotores deste modelo já o aplicaram no Reino Unido. Lá, conforme promovem, participaram 2.900 trabalhadores de 61 empresas, dos quais 92% “continuaram com a semana de quatro dias” após o programa. A organização garante ainda que 39% dos trabalhadores se sentem menos estressados ​​e que 51% consideram mais fácil conciliar a vida familiar com o trabalho.

Ainda assim, a experiência britânica pode não se traduzir exatamente no Brasil. Em diálogo com a Sputnik, o economista José Luis Oreiro lembrou que no país lusófono, ao contrário do território europeu e de outras nações onde esta experiência foi realizada, a jornada de trabalho não é de 40 horas semanais, mas de 44. “Você trabalha oito horas diárias de segunda a sexta-feira e quatro ao sábado de manhã”, sublinhou, considerando que esta diferença deve poder adiar os efeitos positivos verificados nas experiências europeias.

O economista considerou ainda que o sucesso deste tipo de experiência pode variar de acordo com o setor da economia em que é realizada. Nesse sentido, ele alertou que, embora seja viável no setor de serviços, a redução de jornada pode se tornar mais difícil no setor industrial.

Oreiro destacou que a indústria brasileira “está há 15 anos estagnada porque não são feitos investimentos em atualização tecnológica“. Sem a aquisição em larga escala de maquinários de última geração, seria muito difícil alcançar o aumento de produtividade que a redução de horas exige para ser bem-sucedida, ponderou o especialista.

O economista não acredita que, apesar de o assunto ter entrado na agenda pública, a redução da jornada possa ser incorporada de forma significativa à agenda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Embora a redução da jornada de trabalho não pareça ser uma das prioridades do atual governo no Brasil, Lula não se opôs ao tema.

Em entrevista ao UOL Notícias, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse: “É plenamente factível levar toda a jornada máxima para 40 horas semanais. O correto, porém, é nascer isso das lutas sociais. E não simplesmente o governo mandar o projeto de lei propondo isso. Precisa haver um processo de mobilização e por isso minha provocação para os sindicatos”.

Melhorar o transporte, uma medida alternativa

Oreiro considerou que o governo do líder do Partido dos Trabalhadores (PT) poderia aplicar algumas medidas mais concretas que, na prática, funcionem como uma melhoria na produtividade e bem-estar da mão de obra do gigante sul-americano.

Segundo o economista, é comum o trabalhador brasileiro perder “entre três ou quatro horas por dia” no deslocamento de ida e volta ao trabalho. Um sistema de transporte mais eficiente poderia, ele considerou, melhorar o bem-estar dos funcionários, sem maiores custos para as empresas.

Uma proposta para a Renovação da Frota de Automóveis do Brasil

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Em matéria publicada hoje no Correio Braziliense (https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/06/5099564-haddad-programa-para-baratear-carros-sera-voltado-para-onibus-e-caminhoes.html) le-se que o Ministro da Fazenda Fernando Haddad vai se encontrar com o Presidente Lula para propor uma repaginação do programa para baratear os carros populares no sentido de focar o transporte de carga (caminhões) e de pessoas (ônibus). Essa proposta do Ministro Haddad tem uma série de problemas. Em primeiro lugar, vai aumentar a dependência do transporte de cargas por caminhão, o que é um erro do ponto de vista da garantia da ordem constitucional no Brasil dada a manifestada penetração do Bolsonarismo entre os motoristas de caminhão, como ficou patente no final de 2022. Em segundo lugar, a forma mais eficiente de promover o transporte de cargas e pessoas num país continental como o Brasil é por intermédio de ferrovias. O Brasil precisa desenvolver uma rede de ferrovias para o transporte de cargas que não se limite ao atual modal de corredores de exportação de produtos primários, mas seja ampliado para o transporte de produtos manufaturados entre as regiões produtoras e seus mercados consumidores. Além disso, é notória a virtual inexistência de transporte de passageiros por intermédio de ferrovias, algo que é uma idiosincrasia brasileira, pois mesmo países em desenvolvimento com renda per-capita inferior a brasileira possuem uma malha ferroviária de transporte de passageiros, coisa inexistente em nosso país. Em terceiro lugar, ônibus e caminhões são veículos altamente poluentes pois são movidos a óleo diesel, o que vai na direção contrária ao objetivo de fazer uma transição para uma economia de baixo carbono. Por fim, mas não menos importante, a indústria automobilística brasileira se encontra com elevada capacidade ociosa, sendo necessário um empurrão de demanda por automóveis para evitar o colapso deste importante setor da indústria manufatureira, o qual tem grandes encadeamentos para frente e para trás na cadeia produtiva, sendo assim capaz de gerar muitos empregos indiretos, além dos empregos diretos gerados na produção de veículos.

Isso posto, minha proposta é a seguinte. A frota de automóveis brasileira está muito velha, com uma idade média superior a 10 anos. Esses automóveis são altamente poluentes, pouco econômicos e, portanto, são grandes emissores de CO2 na atmosfera. Sendo assim, o governo poderia instituir um programa de compra de carros com mais de 15 anos de uso ao preço da tabela FIPE com a condição de que o dinheiro obtido com a venda desses automóveis para o governo seja obrigatoriamente usado na aquisição de um carro zero quilômetro híbrido ou elétrico. O BNDES faria o financiamento da diferença entre o preço do carro zero e o valor recebido do governo pelo carro usado, por um prazo de 5 anos, tendo como garantia o carro zero (contrato de leasing). Por fim, os carros usados adquiridos pelo governo seriam transformados em sucata e vendidos para empresas privadas para a reciclagem do material usado na sua fabricação.

Nesse formato, o programa do governo cumpriria o objetivo de (i) estimular a demanda por automóveis e a ocupação da capacidade ociosa da indústria automobilística no Brasil, criando empregos diretos e indiretos e (ii) reduzir a emissão de CO2 na atmosfera devido ao uso de carros altamente ineficientes no que se refere a emissão de CO2. Além disso, nesse caso, não há concessão de subsídio por parte do governo para a indústria automobilística. Os carros seriam vendidos ao preço de tabela das montadoras. Contudo, devido a existência de economias de escala na produção industrial, o surgimento de um volume elevado de demanda por automóveis novos deverá levar a uma redução do custo marginal de produção das montadoras, permitindo assim uma queda dos preços de venda. Lembrando que a indústria automobilística é o claro exemplo de indústria dependente de escala.

Índice de Variação de Aluguéis Residenciais sobe 0,76% em abril (Brasil 61, 08/05/2023)

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Foto: Diogo Moreira/Agência Brasil.

O Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (IVAR) subiu 0,76% no mês de abril de 2023. O resultado representa uma desaceleração em relação à taxa registrada em março, quando houve elevação de 0,97%. Com esse resultado, a taxa acumulada em 12 meses passou de 8,90% em março deste ano para 8,84% no mês de abril.

O economista José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, explica quais motivos levaram a esse cenário de desaceleração do Índice de Variação de Aluguéis. “A razão da desaceleração do Índice de Aluguéis, que capta  a inflação dos aluguéis está diretamente relacionada ao comportamento do IGPM. Por lei os contratos de aluguéis devem ser reajustados anualmente pelo Índice Geral de Preço de Mercado.”  

De março para abril, duas das quatro cidades componentes do IVAR apresentaram queda no indicador. No último mês, Rio de Janeiro registrou queda de 0,25%. Já em Belo Horizonte foi notada uma redução de 3,83%. Por outro lado, São Paulo teve uma elevação de 2,30%, enquanto Porto Alegre, de 1,24%.

Quando a comparação é feita entre abril deste ano com o mesmo mês do ano passado, Rio de Janeiro e Belo Horizonte voltam a apresentar queda no indicador. Enquanto a capital fluminense passou de 10,24% para 9,63%, a mineira passou de 14,79% para 10,48%. Já São Paulo subiu de 7,32% para 8,41%; enquanto Porto Alegre passou de 6,95% para 7,40%.

Tendência de redução

Conforme o economista Oreiro, a tendência para os próximos meses é de redução no índice.

“O IGPM acumulado nos últimos 12 meses tem desacelerado, inclusive no mês passado ele teve variação negativa e o Índice caiu  basicamente por duas razões. Em primeiro lugar, porque houve uma valorização do real frente ao dólar como IGPM. Quando há uma valorização do real frente ao dólar, então muitas mercadorias caem de preço porque elas são importadas ou bem extracionável, então o seu preço acaba ficando mais barato em reais”.

O IVAR é o indicador que mede a evolução mensal dos valores de aluguéis residenciais do mercado de imóveis no Brasil. A próxima divulgação pelo FGV-IBRE está prevista para o dia 7 de junho próximo.

Fonte: Brasil 61

Link: https://brasil61.com/n/indice-de-variacao-de-alugueis-residenciais-sobe-0-76-em-abril-bras238208

Economista aponta necessidade urgente da reindustrialização do país (Hora do Povo, 01/05/2023)

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Por Hora do Povo  Publicado em 1 de maio de 2023

José Luis Oreiro. Foto: FGV

José Luís Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília, defende, em artigo que reproduzimos na íntegra, que “o Brasil” para “retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização”.

Com dados, o economista mostra que “a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB”, iniciada com a era neoliberal dos anos 80/90.

“No período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos”, sustentou.

“Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos”, aponta Oreiro.

“No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020”.

Oreiro desmonta a tese de que a perda da indústria de transformação seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. Ele afirma que este “não é o caso do Brasil”.

Segundo o economista, “a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil”, asseverou.

Por que o Brasil está se tornando economicamente irrelevante?

JOSÉ LUIS OREIRO*

A edição do jornal O Estado de São Paulo de hoje (30 de abril de 2023) apresenta uma matéria muito interessante intitulada “Economia brasileira perde relevância e tem a menor participação no PIB global em mais de 40 anos” (Ver: https://www.estadao.com.br/economia/economia-brasileira-perde-relevancia-e-tem-a-menor-participacao-no-pib-global-em-mais-de-40-anos/) na qual se apresentam dados que mostram a perda de relevância da economia Brasileira no cenário mundial nos últimos 40 anos. Segundo a matéria, que ser baseia em dados do FMI, a economia brasileira passou de cerca de 4% do PIB mundial em 1980, para cerca de 2,3% do PIB mundial ao final de 2023, uma queda de 42,5% na participação do Brasil na economia mundial num período de 43 anos.

Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos. Com efeito, como observamos na figura abaixo, que apresenta a média móvel decenal do crescimento do PIB per-capita brasileiro entre 1930 e 2017, no período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Essa aceleração do crescimento da economia brasileira ocorreu simultaneamente com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB, a qual passou de 15% em 1947 para quase 22% em 1975, conforme figura abaixo extraída de Marconi e Rocha (2011). Desde então, a economia brasileira vem presenciando um processo de desindustrialização precoce ou prematura, a qual está claramente relacionada com a perda de dinamismo da economia brasileira nos últimos 40 anos.

Fonte: Marconi e Rocha (2011)

No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua, conforme figura abaixo construída a partir de dados do Banco Mundial, com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020.

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Fonte: Banco Mundial

Esses dados mostram que a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB, ou seja, com a desindustrialização. Alguns economistas acreditam que a desindustrialização seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. De fato, existe uma desindustrialização que podemos classificar como “natural” resultante da combinação da diversificação da pauta de consumo com o aumento da participação dos serviços com o aumento da renda per-capita (Lei de Engel) e do crescimento mais acelerado da produtividade do trabalho na indústria relativamente aos demais setores de atividade econômica. Essa combinação de fatores explica porque a partir de um certo patamar de renda per-capita a participação do emprego industrial no emprego total e do valor adicionado na indústria no PIB começam a declinar. Essa desindustrialização natural, contudo, é um fenômeno de economias maduras nas quais a mão-de-obra foi totalmente transferida do setor de subsistência para o setor moderno, de maneira que os diferenciais de produtividade entre os setores de atividade econômica são relativamente pequenos. Nesse caso, a economia atinge um estado de maturidade (Kaldor, 1967) no qual o crescimento do PIB per-capita depende mais do avanço da fronteira tecnológica e do aumento do nível geral de produtividade do que da transformação da estrutura de emprego e produção permitida pela industrialização. Está claro que esse não é o caso do Brasil. A desindustrialização no Brasil tem início, no entanto, sem que a economia brasileira tivesse conseguido ultrapassar o “ponto de Lewis”, ou seja, com um percentual expressivo da força de trabalho alocada em atividades precárias ou de subsistência conforme podemos observar no quadro abaixo.

Source: Oreiro et al (2023).

Nesse contexto, tentar superar a perda de dinamismo por intermédio de um aumento massivo dos gastos com educação, como defendem alguns economistas, irá apenas atuar no sentido de aumentar a qualificação da mão-de-obra desempregada ou subempregada. Ros (2013), com base numa amostra de 87 países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que o nível educacional – medido pelo número de anos de estudo da força de trabalho com mais de 25 anos – e a participação do emprego industrial no emprego total possuem uma correlação alta (0,65) de maneira que podemos considerar as duas variáveis como complementares. Isso significa que para que seja possível um aumento do nível educacional da força de trabalho é necessário aumentar a participação do emprego industrial no emprego total, até porque as empresas que demandam uma mão-de-obra mais educada e qualificada são, em sua maioria, empresas do setor industrial ou empresas do setor de serviços que atendem as demandas do setor industrial.

Fonte: Ros (2013, p. 22)

Não é de admirar, portanto, o desinteresse cada vez maior de parte da sociedade brasileira pela formação universitária: um país que, nos últimos 40 anos, se tornou um grande fazendão pariu uma sociedade na qual uma parcela expressiva de cidadãos acha que os gastos do Estado Brasileiro com ensino superior e com ciência e tecnologia não passam de “boquinha” e “mamata” para “vagabundos”, “maconheiros” e “comunistas’.

A grande mídia, nos últimos 40 anos, criou bordões como “o agro é pop”, o “agro é tudo”. Constantemente somos bombardeados por propaganda subliminar que tenta convencer a sociedade brasileira que o agronegócio é uma máquina de prosperidade e de que a economia brasileira precisa desse setor para (sic) se desenvolver. Na verdade, contudo, a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com a perda de importância das exportações de manufaturados nas exportações totais, ou seja, com a reprimarização da pauta de exportações, como podemos visualizar na figura abaixo:

Fonte: Banco Mundial.

O agronegócio está bem longe de ser uma máquina de desenvolvimento como quer fazer parecer a grande mídia. Conforme dados apresentados na Tabela abaixo extraída do blog Valor Adicionado, a agropecuária é o setor que apresentou em 2020 a menor remuneração mensal do trabalho entre todos os setores de atividade econômica, menor inclusive do que a construção civil, cerca de 47% da remuneração paga na indústria de transformação e apenas 53% da remuneração média do trabalho no Brasil. Definitivamente o “agro não é pop”.

Em suma, para que o Brasil possa retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização. A evidência empírica recente parece apontar também para a existência de uma relação positiva entre industrialização e democracia (https://preprints.apsanet.org/engage/api-gateway/apsa/assets/orp/resource/item/61bbcb3e02c2146464287888/original/industrialization-and-democracy.pdf), de tal maneira que a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil.

Referências

Kaldor, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. New york State school of industrial and labor relations, Cornell University, Ithaca.

Marconi, N; Rocha, M. (2011). “Desindustrialização Precoce e Sobrevalorização da Taxa de Câmbio”. Texto para Discussão 1681, IPEA-DF.

OREIRO, J. L. C.GABRIEL, L. F. ; DAMATO, S. ; SILVA, K. M. (2023). “LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION”. Panoeconomicus, no prelo.

Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford.

*JOSÉ LUIS OREIRO, possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). Atualmente é professor adjunto do departamento de economia da Universidade de BrasÍlia.

Artigo reproduzido do site do autor: https://jlcoreiro.wordpress.com/