Economista Jose Luis Oreiro. Foto: Reproducao/Youtube
“Juro de 1,7% ao mês representa uma taxa anual de 22,4%, cerca de 4 vezes maior do que a inflação”, diz o economista, ao contestar decisão dos bancos públicos e privados de suspender o consignado por conta da redução dos juros de 2,14% para 1,70%
O economista e professor da UnB José Luis Oreiro criticou nesta sexta-feira (17) a decisão dos bancos públicos e privados de suspender os empréstimos consignados a aposentados e pensionistas do INSS após a decisão do Conselho Nacional de Previdência Social de reduzir o teto dos juros cobrados por esta modalidade de empréstimo.
“A decisão dos bancos públicos e privados de suspender o crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS devido à redução do teto de juros desses empréstimos de 2,14% ao mês para 1,79% ao mês é uma prova cabal do grau de oligopolização do mercado bancário brasileiro”, disse Oreiro, em entrevista ao HP.
Ele explica que “uma taxa de juro de 1,7% ao mês representa uma taxa de juro anual de 22,4%, cerca de 4 vezes maior do que a inflação esperada para o ano de 2023, para uma modalidade de empréstimo livre de risco de inadimplência”, acrescenta o economista.
O especialista enxerga essa posição como uma chantagem dos bancos contra os aposentados brasileiros e o governo. “Claro que a redução de juros reduz a rentabilidade dos empréstimos bancários, mas num mercado concentrado como o brasileiro, o lucro dos bancos é muito maior do que o lucro normal”, argumentou.
“Os bancos extraem renda de monopólio a partir do excedente do consumidor. O que os bancos estão fazendo é chantagear o governo para continuar obtendo seus lucros extraordinários com a reversão da decisão de redução do teto de juros”, completou o economista e professor da Universidade de Brasília.
O governo anunciou que vai tomar uma decisão final em reunião que ocorrerá na próxima segunda-feira (20), com a participação do ministro da Previdência, Carlos Lupi, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Novo arcabouço fiscal tem a capacidade de reduzir até 3 pontos percentuais a Selic, jogando a batata quente da redução no colo de Roberto Campos Neto.
Fagundes Schandert e Paula Cristina10/03/23 – 05h20 – Atualizado em 10/03/23 – 09h29
A terceira lei de Newton, conhecida como lei da ação e reação, determina que, para toda força de ação que é aplicada a um corpo, surge uma força de reação em um corpo diferente. Isso funciona na física, mas também nas relações humanas. A manutenção da Selic no patamar dos 13,75% tem sido a pedra no sapato do governo Lula. Mas para que ela mude é preciso que o governo também empregue alguma ação para instar o Banco Central a reagir. O argumento de Roberto Campos Neto, presidente do BC, é que faltam sustentação sólida de comprometimento fiscal. O mercado, por sua vez, fala em uma queda de 3 pontos percentuais ainda este ano caso seja posta em vigor a nova âncora.
Mas como a paciência é uma das virtudes humanas mais valorizadas, Campos Neto precisará provar a sua nos próximos dias e, do alto da autoridade monetária que representa, deverá buscar o equilíbrio necessário para manter a calma e suportar a pressão que virá para baixar os juros. Na outra ponta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o agora apoio da ministra do Planejamento, Simone Tebet, vai tentar convencer o mercado de que o novo arcabouço fiscal será suficiente para garantir a estabilidade da dívida pública no futuro, sem provocar inflação.
Haddad já fez suas apostas e disse ter desenhado a âncora fiscal ideal para atender as demandas de investimento do presidente Lula e ainda assim perseguir de modo permanente o superávit fiscal. Com a dívida atual (R$ 5,7 trilhões) 3 pontos representam uma redução de R$ 173 bilhões ao ano em juros da dívida.
PROJEÇÃO FEITA Fernando Haddad diz que governo já tem o desenho da nova âncora fiscal e logo enviará ao Congresso. (Crédito:Mateus Bonomi)
A alternativa ao teto de gastos foi uma das primeiras demandas de Lula para a equipe econômica e, segundo o próprio Haddad, os esforços começaram no governo de transição. Agora, com o projeto desenhado, o ministro afirma que ainda falta bater alguns números com outros integrantes da equipe econômica. A expectativa de assessores próximos ao ministro é que o texto final seja apresentado antes da próxima reunião do Copom, dias 21 e 22 deste mês.
E com este prazo, Haddad precisa preparar terreno porque sabe que precisará do apoio do Congresso Nacional na jornada. “Vai envolver uma Lei complementar a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Neste momento estamos com o desenho fechado, vamos apresentar para a área econômica, levar ao presidente Lula e encaminhar ao Congresso”, afirmou o ministro. A lei complementar regulamenta assuntos específicos quando expressamente determinado na Constituição. Diferentemente das leis ordinárias, que exigem maioria simples para sua aprovação, as leis complementares exigem aprovação de dois terços dos deputados e senadores — a única diferença em relação a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é que a votaçnao acontece em um turno nas duas Casas em vez de dois turnos. Dentro da Câmara, o presidente Arthur Lira tem mandado sinais para o Palácio do Planalto. Na quarta-feira (8) garantiu que Lula ainda não possui a base que pensa ter no Legislativo. E sobre o arcabouço, disse que o tema só avançará se for, nas palavras dele, “prudente e responsável”. Esse recado vem depois de Lula ter dito que a nova âncora fiscal seria desenhada no Executivo, contrariando o interesse da Câmara e do Senado de dividirem sua paternidade.
MUITA CALMA Arthur Lira alerta que os projetos do governo não terão trajetória fácil dentro da Câmara. (Crédito:Divulgação)
VISÃO DO MERCADO A expectativa dos agentes econômicos é de que uma âncora ideal seria capaz de reduzir a Selic nos tais 3 pontos. Os especialistas em contas públicas costumam lembrar que antes da aprovação da PEC da Transição, no final de 2022, que acabou com o teto de gastos, as projeções mostravam a Selic em torno de 10% no final de 2023. “Essa diferença de cerca de 3 pontos percentuais é o prêmio pelo risco fiscal”, afirmou o economista da XP Tiago Sbardelotto, que também foi analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional entre 2014 e 2021. Sbardelotto avalia que a proposta de arcabouço que está discutida, de uma correção da despesa com base no PIB per capita, produz um ajuste fiscal de médio prazo. “Não vemos a dívida se estabilizando nos próximos dez anos. Ela só deve se estabilizar na metade da próxima década”, disse. O economista argumenta que a ideia parte de um princípio de crescimento anual de 1% a 1,5% do PIB. “Só uma boa reforma tributária garantiria esse PIB potencial. Mas aumento do salário mínimo acima da inflação e o reajuste do funcionalismo como já foi sinalizado, não cabem nessa regra.”
Das experiências internacionais, Sbardelotto considera que as regras fiscais estão ficando mais flexíveis, mas consideram o controle de despesas, como na Suécia. “No passado, eram regras mais simples: superávit primário, superávit nominal, regra de ouro, mas levaram para um aumento da carga tributária”, disse. O economista cita que as regras que permitem flexibilidade também estabelecem limites. “Há gatilhos automáticos para cortes de despesas e, em momentos de recessão, permitem aumentar temporariamente os investimentos de curto prazo”, afirmou.
DEVER DE CASA Na avaliação do CEO da Azimut Brasil Wealth Management, Wilson Barcellos, uma regra fiscal que considere o controle das despesas irá trazer mais tranqüilidade para o mercado voltar a investir no crescimento do País. “É só fazer o dever de casa e trazer tranqüilidade para os juros recuarem”, disse. Segundo Barcelllos, essa briga do governo com o Banco Central não serve para nada. “Na próxima reunião do Copom, o mercado pode ficar em dúvida, se os juros vão mudar por causa da inflação ou por pressão do governo. Isso gera incertezas para os agentes de investimentos”, disse.
Para o economista José Luis da Costa Oreiro, que atuou na equipe de transição do atual governo, o teto de gastos foi um erro da gestão Michel Temer (2016-2018) e engessou o Orçamento. “O governo não precisa reinventar a roda. É só pegar a regra da União Europeia e trazer, o mundo todo vai aceitar”, disse. Para ele, a melhor solução é uma regra que torne o Orçamento mais flexível. “Um resultado primário mais estruturado, que permita flexibilidade por razões cíclicas”, afirmou
Foto: José Luis Oreiro
Já na visão do economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, a regra com base no crescimento do PIB per capita é interessante. “O teto sufocava o gasto público. Não era razoável. Temos de encontrar o meio do caminho, com prioridade para saúde, educação e previdência”, afirmou. “O grande abacaxi é a meta da inflação do BC. Com a atual será difícil cortar a Selic. Depois da regra fiscal, haverá mais espaço para esse corte”, afirmou.
REFORMA TRIBUTÁRIA Como sinalizado pelos analistas, a âncora precisa ser acompanhada de outras medidas, e aqui entramos em outro ruído de comunicação entre Executivo e Legislativo: a Reforma Tributária. O projeto tem andado a passos de tartaruga na Câmara e já incomoda o governo — que, na verdade, ainda não tem base para aprovar nada. Na quarta-feira (8) o primeiro encontro do Grupo de Trabalho que discute o tema na Câmara teve a presença do secretário especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Ele reforçou que a posição do governo é manter o mínimo de desonerações e exceções possível, com uma alíquota do IVA girando em torno de 25%. “Quanto mais exceção tiver, maior tem que ser a alíquota para outros setores, e aí é uma decisão política.” Ele cobrou celeridade do grupo condicionando a aprovação ao melhor desempenho da economia e redução da Selic.
À DINHEIRO, o coordenador do Grupo de Trabalho, Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou que essas questões serão tratadas no tempo necessários e servem para mitigar os medos que envolvem uma alteração tão grande nas regras. “Todos estão com receio que a mudança seja brusca. Mas não será, e mesmo depois de aprovada haverá ao menos seis anos de transição”, disse. Talvez ele precise ler sobre outra lei de Newton, a primeira, àquela que trata sobre a inércia.
Eu gosto de ler as colunas dominicais de Samuel Pessoa na Folha de São Paulo. Não porque concorde com elas, mas porque elas me dão uma visão bastante clara do pensamento liberal brasileiro e, dessa forma, uma fonte quase inesgotável de ideias sobre como combater o liberalismo no Brasil. Na coluna publicada no domingo 05 de março de 2023, intitulada “Imposto sobre exportação de matérias-primas”, Samuel Pessoa faz menção a um artigo publicado na Economic History Review pelo historiador da USP Thales Zamberlan sobre os efeitos da tributação das exportações de algodão no Brasil no período 1800-1860. Segundo o estudo a imposição do imposto de exportação sobre algodão gerou uma queda acentuada das exportações brasileiras dessa produto na primeira metade do século XIX, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos (na verdade no sul dos Estados Unidos onde prevalecia a monocultura escravista de exportação) onde ocorreu um elevado aumento das exportações de algodão para a Inglaterra (algo que certamente atuou no sentido de alongar a escravidão nos Estados Unidos por algumas décadas).
Samuel Pessoa comenta que devido a imposição do imposto de exportação, ocorreu um descasamento entre a produtividade da produção de algodão nos Estados Unidos e a produção de algodão no Brasil, o que teria inviabilizado a produção de algodão no Maranhão.
Esse artigo de Samuel Pessoa suscita uma série de questões que marcam claramente a diferença entre o pensamento liberal e o pensamento desenvolvimentista. Primeiramente a argumentação de Pessoa deixa explicita a ideia de que o imposto de exportação sobre algodão foi uma medida equivocava porque (i) reduziu as exportações de algodão e (ii) levou a um aumento do hiato de produtividade entre a produção de algodão nos Estados Unidos e a produção brasileira. A redução das exportações de um produto primário pode ser um problema para países que enfrentam um desequilíbrio estrutural externo no Balanço de Pagamentos, como é o caso do Brasil ao longo da maior parte do período pós-independência. Trata-se aliás de um problema reconhecido por Raul Prebisch e pela Cepal, que desaconselhavam a introdução de medidas de política econômica que restringissem as exportações de produtos primários, pois as divisas geradas por essas exportações eram fundamentais para o financiamento do processo de industrialização por substituição de importações. Já o aumento do hiato tecnológico intra-setorial (produção de algodão) não será um problema relevante se as restrições a exportação de produtos primários permitirem um aumento da oferta desses produtos no mercado interno, reduzindo assim seus preços e possibilitando a transformação desses produtos em bens manufaturados, os quais estarão disponíveis tanto para o mercado interno como para a exportação. Essa medida foi adotada pelo Rei Henrique VII da Inglaterra que ao assumir o trono em 1485 percebeu que:
“Quando, posteriormente, Henrique assumiu a chefia do seu reino que estava empobrecido, com vários anos de produção de lã hipotecados a banqueiros italianos , ele se lembrou se sua adolescência no continente. Na Borgonha, não só os produtores têxteis , mas também os padeiros e outros artesãos estavam abastados. A Inglaterra estava no negócio errado: o rei percebeu isso e definiu uma política para tornar a Inglaterra uma nação produtora de têxteis, não uma exportadora de matérias-primas”
“Henrique VII criou um considerável arsenal de política econômica. Sua primeira e mais importante ferramenta eram as tarifas de exportação: os produtores de têxteis estrangeiros teriam de processar as matérias-primas mais caras que suas contrapartes inglesas. Aos fabricantes de lã recem-estabelecidos concediam-se isenção fiscal por certo período e monopólios em determinadas regiões. Também houve uma política para atrair artesãos e empreendedores do exterior, especialmente da Holanda e da Itália (…) Tal como Veneza e Holanda, a Inglaterra posicionou-se na situação de renda tripla: um setor comercial forte, monopólio sobre determinada matéria-prima (lã) e comércio ultra-marino” (Reinert, 2016, pp. 128-129).
Em resumo, Henrique VII intuiu que o desenvolvimento econômico não é o resultado de se fazer de maneira mais eficiente a mesma atividade econômica, mas decorre da mudança estrutural: deslocar recursos produtivos dos setores com menor valor adicionado per-capita (a produção e exportação de lã) para os setores com maior valor adicionado per-capita (a produção e exportação de produtos têxteis).
Isso posto, o resultado logicamente esperado da introdução de um imposto de exportação de matérias-primas é a redução das exportações das mesmas para incentivar a substituição de importações de produtos manufaturados por produção local, num primeiro momento, para na sequência, após aproveitadas as economias de aprendizado tecnológico, passar para a exportação de produtos manufaturados que utilizem como insumos as matérias-primas que antes eram exportadas. Esse é o verdadeiro caminho da Riqueza das Nações.
O objetivo do artigo de Pessoa foi atacar a surpreendente medida adotada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada de criar um imposto de exportação sobre o petróleo cru. Ao criticar o imposto de exportação criado por Haddad, Pessoa curiosamente não utiliza o argumento desenvolvido na primeira parte do artigo mas faz referência a uma suposta quebra contratual com relação as petroleiras que entraram nos leilões de blocos de petróleo. Esse argumento me parece estapafúrdio: só haveria quebra de contratos se o governo brasileiro tivesse explicitamente se comprometido em manter as exportações de petróleo isentas de tributação. Não existindo essa restrição não se pode falar de quebra de contratos.
A lógica da tributação das exportações de petroleo cru é aumentar a oferta para o mercado interno e assim estimular o refino do petróleo no Brasil, substituindo importações de derivados de petróleo por produção doméstica. Como existe uma grande capacidade ociosa nas refinarias brasileiras então essa medida irá reduzir as importações, aumentando o saldo da balança comercial, e estimular a geração de empregos no setor de refino de petróleo. No final o Brasil irá adicionar valor ao petróleo produzido domesticamente, gerando uma massa maior de salários e lucros no mercado interno, a qual será gasta com a compra de produtos made in Brazil. Intencionalmente ou não o Ministro da Fazenda Fernando Haddad está adotando uma das políticas econômicas defendidas pela escola novo-desenvolvimentista Brasileira. Da minha parte só tenho que parabenizar o Ministro Fernando Haddad.
Referências
Reinert, E.S. (2016). “Como os países ricos ficaram ricos … e porque os países pobres continuam pobres”. Contraponto: Rio de Janeiro.
Em matéria publicada no Valor Econômico no dia 02/03/2023 intitulada “Expectativas cruzam limiar que pode acelerar a inflação” (veja em
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/03/02/expectativas-cruzam-limiar-que-pode-acelerar-inflacao.ghtml) apresenta-se um estudo realizado por uma equipe de economistas ortodoxos composta por Carlos Viana de Carvalho, ex-diretor de política econômica do Banco Central, ex-economista do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e atual sócio da Kapitalo Investimentos, Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), e Marco Bonomo, do Insper, na qual se lê que (sic) ” O cenário é sugerido a partir de um estudo feito por um grupo de economistas, que comprova de forma robusta, pela primeira vez, que as expectativas de inflação estão relacionadas com as decisões que as empresas tomam para fixar os preços de seus produtos. Quando as expectativas de longo prazo estão desancoradas, os reajustes são mais pronunciados“. Na matéria lê-se ainda que “As conclusões desse estudo têm implicações no debate atual de política monetária no Brasil, confrontando a tese de alguns economistas de que seria possível um corte acelerado de juros sem que a inflação saia de controle. Também desaconselham uma eventual mudança nas metas de inflação já definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O risco, nesses casos, é justamente a desancoragem das expectativas e seus efeitos perversos na fixação de preços da economia e na própria inflação, argumentam os responsáveis pelo trabalho”
Em suma, os autores do suposto estudo teriam obtido provas conclusivas e contendentes, a partir de micro-dados, de que quando a inflação esperada pelas instituições financeiras (a Faria Lima no Brasil ou a Wall Street nos EUA) se afasta da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional então os formadores de preços do mundo real (a main streat) atuam no sentido de fazer com que o rapasse da desvalorização cambial para os preços seja mais forte, de maneira que os pesquisadores, com base no suposto estudo, afirmam categoricamente ser equivocado o debate sobre o aumento da meta de inflação no Brasil pois isso poderia levar, dado a desancoragem das expectativas, a uma aceleração da inflação.
Sem dúvida de que o resultado que foi propagandeado em prosa e verso pelos autores do suposto estudo seria uma enorme descoberta no campo da macroeconomia. Desde o final dos anos 1960 os economistas debatem o papel das expectativas de inflação na determinação da inflação correte. A assim chamada versão aceleracionista da curva de Phillips desenvolvida por Milton Friedman na década de 1960 postula que a inflação corrente depende das expectativas de inflação dos formadores de preços (firmas e sindicatos) e do estado do mercado de trabalho, expresso pela diferença entre a taxa de desemprego efetiva e a taxa de desemprego de equilíbrio (a taxa natural de desemprego). A questão central, contudo, é saber como as expectativas de inflação são formadas. No mundo mágico das expectativas racionais, onde se supõe que a economia já alcançou um estado estacionário onde os agentes já aprenderam tudo o que tinham pra aprender, as expectativas de inflação são dadas pela média ponderada entre a meta de inflação que o banco central deve alcançar (multiplicada pelo grau de independência do Banco Central) e a inflação discricionária, dada pela maximização da função de perda social da autoridade monetária (multiplicada por um menos o grau de independência do Banco Central) [ Ver Franceze Jr, 2004, p. 110]. Nesse contexto, a meta de inflação e o grau de autonomia do banco central teriam um papel fundamental para determinar a inflação corrente: quanto menor a meta de inflação e maior a autonomia do Banco Central menor será, tudo o mais mantido constante, a inflação corrente.
O grande problema com essa hipótese é que nunca se demonstrou a existência de um elo entre as expectativas de inflação medidas pelas instituições financeiras e o comportamento de reajuste de preços por parte dos agentes que tem, de fato, poder de formação de preços, ou seja, as firmas e os sindicatos. O suposto ineditismo do estudo dos economistas brasileiros supracitados é que pela primeira vez na história da macroeconomia a nível mundial teria sido demonstrado de “forma robusta” a existência desse elo.
Movido pela natural curiosidade científica que todo pesquisador tem, fui procurar o artigo que fundamentaria as prescrições de política econômica propostas pelo “estudo”. Com base nas informações divulgadas na matéria do Valor cheguei ao site: https://sites.google.com/view/stefano-eusepi/working-papers onde o paper que deu base a matéria do Valor, cujo título é “Price Setting When Expectations are Unanchored” simplesmente não está disponível!!!!! No site le-se que “Draft available soon, in preparation for the JME-SNB-SCG conference on inflation: Expectations & Dynamics”, ou seja, a versão PRELIMINAR do artigo ainda está em elaboração para SER APRESENTADA numa conferência que ainda não ocorreu!
Resumindo: os autores do estudo sequer tem uma versão preliminar do mesmo, não discutiram o trabalho com seus pares, o trabalho não foi avaliado por ninguém da comunidade científica de economia e os autores divulgam que (sic) o estudo apresenta evidências conclusivas sobre a relação entre as expectativas de inflação e a formação de preços e ainda querem dar pitaco na formulação de política econômica no Brasil !!!! Sério isso?
O fato é que sem ter sequer a versão preliminar do estudo dos economistas citados na matéria do Valor é IMPOSSÍVEL saber se as conclusões que eles alegam obter podem ser, de fato, obtidas. O pior de tudo é que com base num estudo cuja versão preliminar sequer foi publicada, esses economistas se arrogam ao direito de discutir propostas de política econômica para o Brasil, as quais, se forem equivocadas, trarão sofrimento para milhões de cidadãos do Brasil.
Um pouco mais de responsabilidade e compromisso com o protocolo científico é de bom tom para quem quiser se meter no debate sobre política econômica.
Referências:
Franceze Jr, R.J. (2004). “Institutional and Sectoral Interactions in Monetary Policy and Wage/Price-Bargaining” In: Hall, P.A; Soskice, D. (orgs,). Varieties of Capitalism: the institutional foundations of camparative advantage. Oxford University Press: Oxford.
No período de 02 a 21 de março estarei lecionando na ENAP o curso de “Desenvolvimento Econômico” no Programa de Aperfeiçoamento para carreiras, 2023. O programa e o material do curso podem ser obtidos em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=56
“Cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis”, ressalta o economista
“As elevadas taxas de juros podem estar levando o Brasil a uma crise financeira”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor da UnB, em entrevista ao HP. Oreiro destacou que as empresas brasileiras estão “aumentando o seu endividamento não para aumentar o investimento, mas para simplesmente pagar os juros da dívida que elas já têm”.
Crítico das elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central, o economista foi taxativo em condenar as despesas financeiras: “cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis”.
Oreiro afirmou que “se não houver uma redução das taxas de juros, não só da taxa de juros Selic, mas principalmente das taxas de juros do crédito bancário e dos papéis negociados no mercado de capitais, é possível sim a ocorrência de uma crise financeira”.
Para o economista, “o caso das Lojas Americanas, que é só fraude, ao que tudo indica até agora, não é uma fraude que veio do nada. Ela é uma fraude que na verdade foi feita para encobrir a fragilidade financeira das Lojas Americanas”.
“Isso pode sim ser um sintoma de que algo similar está acontecendo com empresas do setor varejista, que são empresas que dependem muito do capital de giro e que, portanto, quando o Banco Central aumenta o custo do dinheiro, o custo capital de giro fica muito alto para essas empresas”, observou o especialista.
Leia a seguir, a entrevista completa.
HORA DO POVO: As altas taxas de juros podem estar levando o país a uma crise financeira?
JOSÉ LUIS OREIRO: Sim. As elevadas taxas de juros podem estar levando o Brasil a uma crise financeira. Em matéria divulgada no Valor Econômico nessa semana foi demonstrado, acho que uma pesquisa feita pelo professor Carlos Rocca da USP, de que aproximadamente 15% das empresas brasileiras de capital aberto tinham um EBITDA* – rendimento antes dos juros, impostos, depreciação do capital e amortização da dívida -, que era insuficiente sequer para o pagamento dos juros que essas empresas devem sobre suas dívidas.
Então, isto é uma postura financeira que o economista keynesiano norte americano Hyman Minsky chamava de postura financeira Ponzi. Uma postura financeira Ponzi é aquela em que o fluxo de caixa da empresa não é suficiente sequer para pagamento de juros. Isso significa que as empresas que estão com esse tipo de posição financeira, elas estão aumentando o seu endividamento, não para aumentar o investimento, mas para simplesmente pagar os juros da dívida que ela já tem. Ou seja, é um endividamento do tipo bola de neve. Então, 15% é um número já bastante significativo.
Eu acredito que se não houver uma redução das taxas de juros, não só da taxa de juros Selic, mas principalmente das taxas de juros sobre o crédito bancário e sobre os papéis negociados no mercado de capitais, é possível sim a ocorrência de uma crise financeira. Não posso dizer com 100% de certeza, porque quem disser isso é mentiroso. Mas o que eu posso afirmar, com toda certeza, é que existem sinais concretos de fragilidade financeira minskyana na economia brasileira e que, portanto, é possível que essa fragilidade financeira em algum momento, devido às vezes a um evento que pode ser até de pouca monta, pode desencadear uma onda de falência em massas das empresas, principalmente, no setor de varejo.
HP: Além da fraude, a Americana pode ser sintoma dessa crise?
JOSÉ LUIS OREIRO: O caso das lojas Americanas, que é fraude ao que tudo indica até agora, mas ela não é uma fraude que veio do nada. Ela é uma fraude que na verdade foi feita para encobrir a fragilidade financeira das Lojas Americanas. Quer dizer, o que aconteceu, pelos dados que foram apresentados até agora, é que as Lojas Americanas vieram encurtando o prazo de maturidade do seu passivo e fizeram um jeito contabilmente criativo de esconder isso. Isso pode sim ser um sintoma de que algo similar está acontecendo com empresas do setor varejista, que são empresas que dependem muito do capital de giro e que, portanto, quando o Banco Central aumenta o custo do dinheiro, o custo do capital de giro fica muito alto para essas empresas e aí elas têm que acabar fazendo algum tipo de contabilidade criativa ou de instrumentos criativos de financiamento para poder sobreviver.
HP: A inflação no Brasil não é causada por um excesso de demanda, então por que a insistência do Banco Central em manter os juros mais altos do mundo?
JOSÉ LUIS OREIRO: A inflação não é de demanda, isso é bem claro. Mesmo a ideia de que o núcleo de inflação já mostraria que eu tenho uma inflação alta, que portanto isso não seria derivado dos choques de oferta no preço dos alimentos e de energia, acontece que existem mecanismos de contaminação do choque de oferta sobre os núcleos de inflação. Por outro lado, o que nós temos é uma insistência, não só do Banco Central, mas também do próprio Conselho Monetário Nacional – que se reuniu este ano, poucos dias atrás – de manter a meta de inflação inalterada para 2023 de 3,25% ao ano com uma margem de variação de 1,5.
Então, isso significa que a inflação máxima que o Banco Central pode aceitar para o ano de 2023 seria de 4,75%. O problema é que o Banco Central vem de dois anos consecutivos sem alcançar a meta de inflação, e esta meta de inflação, a cada ano, é mais baixa do que a do ano anterior. Isso acaba reduzindo o espaço para o Banco Central afrouxar a política monetária. Porque, veja bem, se no ano passado a meta de inflação, que era mais alta que este ano, o BC não cumpriu, então ele, a rigor, pelo protocolo do regime de metas de inflação, não tem como baixar a taxa de juros. Porque as expectativas de inflação estão em torno de 5,8% para o ano de 2023. Então, devido a insistência na manutenção de uma meta irrealista de inflação, o Banco Central cumprindo o seu mandato vai ter que manter a taxa de juros inalterada pelo tempo necessário até a inflação convergir ou dar amostras que está convergindo para um patamar que esteja dentro do intervalo de tolerância do regime de metas.
A solução para isso é o realismo. Ou seja, o Conselho Monetário Nacional, que é composto pelo ministro da Fazenda, pelo ministro do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, na sua próxima reunião ou a qualquer momento, já que ele pode se reunir em caráter extraordinário, tem que rever a meta de inflação de 2023 e 2024 para algo como 4% ao ano. Ele fazendo essa revisão, abriria espaço para o Banco Central reduzir os juros.
Os economistas liberais vão contra-argumentar dizendo: Ah! Mas se o Conselho Monetário Nacional aumentar a meta de inflação, isso vai contaminar as expectativas de inflação, que vai acabar levando a uma inflação mais alta. Bom, isso é uma grandessíssima bobagem. Em primeiro lugar, porque o Banco Central não ganha credibilidade tentando atingir uma meta que é inalcançável. Parafraseando aquele filme, ou citando aquele famoso filme, ‘é uma ponte longe demais’. Então esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto, quando você olha para os 23 anos do regime de metas no Brasil, a inflação média nesses 23 anos foi em torno de 6,5% ao ano. Então é óbvio que uma meta de inflação de 3,25% dado ao histórico do regime de metas de inflação no Brasil e dado que a inflação mundial está muito alta – você tem uma inflação na área do Euro em torno de 8% ao ano ou no acumulado dos últimos doze meses – isso é assim, evidente, que a meta de inflação está errada.
E é melhor que o Conselho Monetário Nacional explicite de maneira clara e transparente, como é exigido pelo regime de metas, que a inflação perseguida vai ser mais alta, porque não dá para alcançar 3,25, do que, como eu já vi o Luiz Fernando Figueiredo dizendo na entrevista para a Folha de São Paulo, que o Banco Central do Brasil está fazendo. Dizer que vai perseguir uma meta de 3,25%, mas na verdade ele está perseguindo uma meta de inflação mais alta. Quer dizer, isso é completamente contrário aos princípios de transparência do regime de metas de inflação.
Então, a melhor opção a ser feita neste momento é a revisão da meta de inflação para 2023/2024 para 4% ao ano, mantido intervalo de tolerância de 1,5% para mais ou para menos. Isso vai permitir uma redução de pelo menos uns 300 pontos base na taxa de juros Selic. Lembrando que cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis.
ANTONIO ROSA
*EBITDA – Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O regime de metas de inflação chegará em 2023 ao seu 25ª ano de vigência no Brasil, com uma “taxa de sucesso” de 70% e em meio ao debate sobre uma possível revisão de seus parâmetros.
O próprio Banco Central possui estudos para aprimoramento desse sistema, conforme afirmou o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em entrevista recente, na qual não detalhou quais as possíveis mudanças.
O Brasil está entre os dez primeiros países que adotaram o sistema que prevê o uso de uma taxa básica de juros, por um banco central, como principal ferramenta para tentar garantir a estabilidade de preços e colocar a inflação em um determinado valor.
Praticamente todas as economias relevantes do planeta possuem uma meta para a inflação, que pode ser formal ou não, definida pelo governo ou por um órgão autônomo, a ser alcançada no ano calendário ou em prazos mais longos. A forma de medir a alta dos preços e a tolerância com alguns desvios também muda de acordo com o país.
O tema também ganhou destaque com as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condução da política monetária pelo BC autônomo e com as preocupações do ministro Fernando Haddad (Fazenda) com o patamar elevado da taxa básica (Selic) no Brasil, o que deu início a uma discussão sobre os benefícios de se elevar ou não a meta atual.
Um dos responsáveis pela implantação do sistema de metas no Brasil em 1999, o presidente do conselho da Jive Investments, Luiz Fernando Figueiredo, afirma que esse regime era o que havia de mais moderno na época para substituir a política de câmbio fixo e se tornou uma tendência nos anos seguintes.
Ele também avalia que a regra se mostrou flexível para lidar com choques de inflação ao longo desses anos. Segundo Figueiredo, nenhum banco central está tentando neste momento, por exemplo, derrubar a inflação sem avaliar os custos em termos de crescimento econômico.
“Os bancos centrais, que cada vez mais usam o sistema de metas, fazem uma suavização [da redução da inflação] por conta da atividade econômica. Se você levar a ferro e fogo, pode gerar uma recessão com pouco benefício em termos de inflação”, afirma Figueiredo.
“Os outros países estão, na prática, subindo a meta de inflação, mas sem dizer isso. O Banco Central está mirando 3,25% para este ano e 3% para o ano que vem? Ele tem de dizer que sim, mas está com uma flexibilidade, olhando o que está acontecendo no mundo. O que o mundo está fazendo é suavizando, achando que isso é mais produtivo do que mudar a meta.”
José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília, avalia que o regime de metas no Brasil ainda segue parâmetros muito rígidos. Para ele, não há possibilidade, por exemplo, de adiar o cumprimento do objetivo em casos de choques que não são de demanda.
Oreiro considera necessário rever a meta atual e diz que a literatura econômica aponta uma taxa ótima de inflação entre 5% a 8% ao ano para países em desenvolvimento. Também avalia que ter um objetivo que não será alcançado pelo terceiro ano seguido não parece ser a melhor forma de o Banco Central ganhar credibilidade.
“Uma meta de 3,25% para o Brasil é irrealista. Vai exigir um sacrifício muito grande em termos de juros elevados e o prejuízo para a atividade econômica. Estamos vendo várias empresas com problemas de liquidez. O país está à beira de uma crise financeira de grandes proporções”, afirma.
Esse debate não é uma exclusividade brasileira. No artigo “É hora de revisitar a meta de inflação de 2%”, publicado em novembro do ano passado, o economista Olivier Blanchard (ex-FMI) afirma que a inflação nos EUA deve ceder dos atuais 6,4% para algo próximo de 3% neste ou no próximo ano.
A partir daí, haverá um debate sobre os custos de trazê-la para 2%, meta estabelecida pelo próprio Federal Reserve (banco central americano) para ser alcançada no “médio prazo”. Blanchard argumenta que o benefício de trazer a inflação de 4% para 2% é pequeno, diante dos custos em termos de redução da atividade e do emprego.
Atualmente, economias avançadas e alguns emergentes possuem metas de 2%. Na América Latina, o objetivo em geral é de 3%. No Brasil, a meta ficou em 4,5% de 2005 a 2018. Foi reduzida gradativamente nos anos seguintes. Atualmente está em 3,25%. Será de 3% a partir de 2024.
Os economistas Bráulio Borges e Ricardo Barboza, da FGV (Fundação Getulio Vargas), publicaram artigo no qual afirmam que não está claro que o alvo de 3% seja o mais adequado para a realidade atual da economia brasileira.
Eles defendem a elevação da meta para 4% a partir de 2024, destacando que o valor ainda seria inferior ao na maior parte do tempo desde 1999. Argumentam que a inflação média no Brasil de 1999 a 2022 foi de 6,4% ao ano e que a média das metas de 59 países em desenvolvimento foi de 4,5% no ano passado.
About the Author: José Luis Oreiro has a B.A degree in economics from the Federal University of Rio de Janeiro (1992), a master degree in Economics from the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (1996) and a PhD in the economics of industry and technology from Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). He is currently Associate Professor of the Department of Economics of the University of Brasilia, Level IB Researcher at National Council for Scientific and Technological Development (CPQq) and Associate Researcher at the Center for Studies of the New Developmentalism of Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. He was president of the Brazilian Keynesian Association (2013-2015). He was professor at Institute of Economics of the Federal University of Rio de Janeiro (2013-2017), the Department of Economics of the University of Brasilia (2008-2013) and the Federal University of Paraná (2003-2008), where he served as director of the Center for Economic Research (CEPEC), vice coordinator of the graduate program in economic development (2004-2008) and coordinator of the Economics & Technology Bulletin (2005-2007), of which he was the founder. He has experience in economics, with emphasis on macroeconomic dynamics, working mainly on the following topics: Capital accumulation, economic growth, monetary policy autonomy, interest rate and non-linear dynamics. He has published more than 100 articles in scientific journals in Brazil and abroad, for example, the Journal of Post Keynesian Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista Brasileira de Economia, Brazilian Review of Political Economy, Economia & Sociedade and Estudos Econômicos. According to the REPEC criteria he is among the 10% most productive researchers in economics in Brazil. It is organiser of the books “Agenda Brazil: Economic policies for growth with price stability” published by Monole in 2003, “financial system: An analysis of the Brazilian banking sector” published by Campus in 2007, “Monetary Policy, Central banks and inflation targeting: theory and Brazilian Experience “, published by FGV Editora in 2009 and” An Assessment of the Global Impact of Financial Crisis “published by Palgrave Macmillan in 2010. He is co-author of the book “Developmental Macroeconomics: New developmentalism as a growth strategy” published by Routledge in 2015 and author of the book “Macroeconomics of Development: A Keynesian Perspective” published by LTC in 2016. Won the Brazil Award in Economics (2017) in the book category
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Source: World Development Indicators. World Bank. Author´s own elaboration.
The figure above shows data about the share of high and medium technological intensity on total manufacturing for Brazil, China, Germany, Japan, South Korea and Spain in the period between 1996 and 2019.
The data clearly shows that share of high and medium tech manufacturing in China for 2019 (41%) is much lower than the levels observed in South Korea (64%), Germany (61%), Japan (57%) and also United States (47%). Moreover, the share of high and medium tech manufacturing sector in China, after reaching a peak of 44% in 2022, started a process of smooth decline, reaching a level of 41% in 2019, which is almost the same of Spain (40%) and just a little higher than the one observed in Brazil (34%).
When we add this information to the declining share of manufacturing industryin GDP of China (https://jlcoreiro.wordpress.com/2023/02/24/the-surprizing-deindustrialization-of-chinese-economy/), then we are compelled to conclude that China is losing its low tech industries to other East Asian countries that had lower unit labor costs, but it is not been able to substitute these industries for medium and high technological intensity industries, which would be expected if China was, so to speak, condemmened to catch-up with high income industrialized countries as South Korea, Germany and Japan.
These are further empirical evidences that China may be going into a process of premature deindustrialization that can result in a middle-income trap.
About the Author: José Luis Oreiro has a B.A degree in economics from the Federal University of Rio de Janeiro (1992), a master degree in Economics from the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (1996) and a PhD in the economics of industry and technology from Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). He is currently Associate Professor of the Department of Economics of the University of Brasilia, Level IB Researcher at National Council for Scientific and Technological Development (CPQq) and Associate Researcher at the Center for Studies of the New Developmentalism of Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. He was president of the Brazilian Keynesian Association (2013-2015). He was professor at Institute of Economics of the Federal University of Rio de Janeiro (2013-2017), the Department of Economics of the University of Brasilia (2008-2013) and the Federal University of Paraná (2003-2008), where he served as director of the Center for Economic Research (CEPEC), vice coordinator of the graduate program in economic development (2004-2008) and coordinator of the Economics & Technology Bulletin (2005-2007), of which he was the founder. He has experience in economics, with emphasis on macroeconomic dynamics, working mainly on the following topics: Capital accumulation, economic growth, monetary policy autonomy, interest rate and non-linear dynamics. He has published more than 100 articles in scientific journals in Brazil and abroad, for example, the Journal of Post Keynesian Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista Brasileira de Economia, Brazilian Review of Political Economy, Economia & Sociedade and Estudos Econômicos. According to the REPEC criteria he is among the 10% most productive researchers in economics in Brazil. It is organiser of the books “Agenda Brazil: Economic policies for growth with price stability” published by Monole in 2003, “financial system: An analysis of the Brazilian banking sector” published by Campus in 2007, “Monetary Policy, Central banks and inflation targeting: theory and Brazilian Experience “, published by FGV Editora in 2009 and” An Assessment of the Global Impact of Financial Crisis “published by Palgrave Macmillan in 2010. He is co-author of the book “Developmental Macroeconomics: New developmentalism as a growth strategy” published by Routledge in 2015 and author of the book “Macroeconomics of Development: A Keynesian Perspective” published by LTC in 2016. Won the Brazil Award in Economics (2017) in the book category
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It is a basic proposition of both classical development theory and new-developmentalism that industrialization is the engine of economic growth at least the economy reaches the phase of a mature oeconomy when alll labor force is transferred from the subsistence sector to the modern sector (Lewis, 1954; Kaldor, 1967). Deindustrialization is a feature of mature economies when the continued rise in the level of per-capita income induced a change in the composition of consumption demand of households from manufacturing goods to sophisticated services, which are in general associated with the production of manufacturing goods. This, so to speak, “natural deindustrialization” (Rowthorn and Ramaswany, 1999) affected almost all high income economies since in the last 40 years witth different levels of maginude. High income economies of East Asia as Japan and South Korea managed to make the manufacturing share in GDP more or less constant from 1991 to 2019. In Europe Switzerland is almost one of the few cases that manufacturing share had have only a slighty reduction between 1991 and 2019. Spain, on the other hand, had a pronunced deindustrialization in this period: its manufacturing share in GDP falls from 16,26% in 1994 to 10,91% in 2014. Even Germany, usually considered to be the most powerful industrial economy of Europe, had experienced a medium size deindustrialization process. Indeed, its manufacturing share falled from 24,84% in 1991 to 19,55% in 2019.
Another type of deindustrialization is what is Rodrik (2016) defined as premature deindustrialization. This ocurrus when the manufacturing share in GDP starts to fall before the economy reached the Lewis point and still remains a dual or immature economy. Several factores can account for premature deindustrialization. New-developmentalism (Bresser-Pereira, Oreiro and Marconi, 2015) stressed the role of real exchange rate overvaluation due to Dutch-disease and short-term capital inflows induced by financial liberalization and high short-term interest rates required by the low liquidity premium of domestic currencies developing countries compared to US dollar or Euro. This factors seems to be very important to explain the premature deindustrialization of Latin-American Economies, mainly Argentina, Brazil and Colombia in the last 25 years.
China is today a mediun-income economy that experienced the longer and stronger phenomenon of growth acceleration in the last 40 years. According to both classical development economics and new-developmentalism its manufacturing share should be increasing or at least stable for a long period of time in order to allow China to reach the level of a mature economy. However, a brief look in Chinese data shows clearly that China started a process of premature deindustrialization since 2006 which was followed by a sharp decrease in the growth rate of per-capita GDP (See figure 1 below).
Source: World Development Indicators (World Bank). Author´s own elaboration. The left axis measures the manufacturing share and the right axis measures the GDP per-capita growth rate.
This is puzzle for development theory. Not only China did not reach the status of a high income economy, but also China did not had any of the causes of real exchange rate overvaluation stressed by new-developmentalist literature. China is a country that is poor in natural resources and had a lot of capital controls that allowed policy-makers to manage the real exchange rate.
This premature deindustrialization can be a first syntom that China can fall in a middle-income trap as many other countries before it. The Brazilian experience should be a clear warning for China. At the end of 1970´s Brazil had the most advanced manufacturing sector of the entire developing country and its manufacturing output was bigger than the combined manufacturing output of China, India and South Korea. Since then, Brazilian economy stagnated with a huge process of premature deindustrialization. The manufacturing share in Brazil in 2019 was lower than the level observed in 1947!
I have no explanation for what is going on in China. It is possible that, in the near future, the manufacturing share stabilizes in a lower although high level for high income countries. The other possibility is that this process of premature deindustrialization continues until GDP per-capita growth decline to a level that makes impossible for China to catch-up with high income countries. Future is not yet written.
References
Bresser-Pereira L.C., Oreiro J.L. and Marconi N. (2015), Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a Growth Strategy, London: Routledge.
Lewis W.A. (1954), “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”, The Manchester School, 22 (2), pp. 139-191.
Kaldor N. (1967), Strategic factors in economic development, Ithaca (NY): New York State School of Industrial and Labor Relations, Cornell University.
Rodrik D. (2016), “Premature Deindustrialization”, Journal of Economic Growth, 21 (1), pp. 1-33.
Rowthorn, Robert & Ramaswamy, Ramana. (1999), “Growth, Trade, and Deindustrialization”, IMF Staff Papers, n. 46 (2), DOI: 10.5089/9781451848021.001
Eu não assisti a entrevista de ontem com o Campos Neto no Roda Viva, mas alguns economistas com quem conversei hoje tiveram as seguintes impressões:
Economista 1 : Com respeito à entrevista do presidente do BCB, ontem, no Roda Viva. Começou nervoso, mas conseguiu defender relativamente a tese de autonomia da instituição, sempre usando o argumento teórico da credibilidade. Mas, não conseguiu em nenhum momento (tergiversou, deu voltas, mas não respondeu) por que o Brasil tem a mais alta taxa real de juros do mundo. Esse é o ponto central.
Economista 2: Na minha opinião ele não usou argumentos teóricos de credibilidade para defender somente a autonomia do Bacen. Ele se colocou por trás desses argumentos para encobrir sua insegurança. Trata-se de um mero tecnocrata, sem jogo de cintura político. Caberia como uma luva em uma assessoria técnica, não como presidente do BC.
Economista 3: Nervoso e inseguro (o papel na mão condena). Cresceu como vítima e defensor do tal SOCIAL do BC ao longo da entrevista!
Nas últimas semanas o debate sobre conjuntura econômica no Brasil finalmente saiu da mesmice sobre o sacrossanto “Teto de Gastos” (cuja missa de réquiem está marcada para o dia 31/08/2023) e passou para a autonomia do Banco Central do Brasil. A questão de fundo é o patamar elevado da taxa Selic, tanto em termos nominais como em termos reais, o que parece ser inconsistente com o cenário macroeconômico internacional caracterizado por inflação elevada nos países desenvolvidos, devido ao choque de oferta decorrente da política de covid zero na China e da guerra da Ucrânia, e taxas de juros reais ainda em campo negativo. O presidente Lula tem reiteradas vezes mostrado seu descontentamento com esse situação a qual, no seu julgamento, poderia comprometer a performance macroeconômica do seu governo. Caso a autonomia do Banco Central não tivesse sido aprovada em lei durante o governo Bolsonaro, o Presidente Lula teria a liberdade para nomear o presidente e a diretoria do Banco Central como ocorreu com todos os presidentes eleitos no Brasil desde a nova república desde Fernando Henrique Cardoso em 1995, passando por Lula em 2003, Dilma em 2011, Temer em 2016 e Bolsonaro em 2019. A aprovação da lei de autonomia do Banco Central se deu apenas após a elegibilidade do Presidente Lula em 25 de fevereiro de 2021. As circunstâncias apontam para uma lei feita sob medida para tirar poder do Presidente Lula se eleito fosse em 2022, fato que acabou ocorrendo.
Acontece que 11 em cada 10 economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro dirão que “a mulher de César é honesta mesmo que não pareça ser”, ou seja, que não existe nenhuma relação entre o ciclo político e as decisões sobre a taxa de juros, as quais são um problema eminentemente técnico.
Os economistas liberais gostam de propagar a ideia de que a economia é uma ciência dura (hard science) como a física. Dessa forma, pode-se dissimular as paixões e os interesses dos economistas, principalmente quando eles estão em posições nas quais a sua remuneração presente ou futura depende de serem capazes de não enxergar certos problemas. Aqui quero fazer uma ressalva. Eu não estou afirmando que eu como economista não tenha paixões ou interesses, mas apenas o fato inegável que minha situação financeira presente ou futura não é impactada pelas análises que faço como economista. Posso errar como qualquer mortal, mas meus erros, se e quando ocorrem, não são devidos a ignorância premeditada ou miopia consentida.
Mas vamos aos argumentos. Quais as razões que fundamentam a tese da “autonomia” do Banco Central, ou seja, a ideia de que a autoridade monetária tem que estar protegida contra a ameaça de demissão arbitrária na forma de mandatos fixos e não coincidentes (com o mandato do Presidente da República) para a diretoria dessa instituição?
A tese da autonomia ou independência do Banco Central tem sua origem nas décadas de 1980 e 1990 no bojo do debate entre regras versus comportamento discricionário da política monetária. A tese apresentada então era que se a autoridade monetária atuasse de forma discricionária, ou seja, escolhendo a melhor resposta em termos de juros e oferta de moeda ao estado da economia (inflação e desemprego) a cada momento, o resultado seria a criação de um “viés inflacionário”, ou seja, de uma inflação mais alta do que a inflação ótima do ponto de vista social (por simplicidade suposta ser igual a zero). No modelo utilizado para fundamentar esse resultado se supõe que (i) a existência de rigidez nominal e real faz com que a autoridade monetária tenha incentivo para criar surpresa inflacionária e (ii) o setor privado, no entanto, está ciente desses incentivos e incorporam as suas consequências inflacionárias no processo de fixação de preços e salários. Daqui se segue que no equilíbrio com expectativas racionais, as autoridades monetárias são incapazes de surpreender os agentes do setor privado, de forma que a inflação inesperada é igual a zero, e os salários reais e a taxa de desemprego são iguais aos seus níveis naturais de mercado. O único resultado é uma taxa de inflação mais alta do que a socialmente ótima (Franceze, 2004, p.106).
Para resolver esse problema a solução proposta foi a institucionalização de um Banco Central conservador, ou seja, com um grau de aversão a inflação maior do que o da sociedade como um todo, com relativa autonomia com relação aos políticos para conquistar credibilidade, entendida como o compromisso com uma taxa de inflação baixa e estável, de preferência próxima de zero.
Uma hipótese explicita desses modelos é que a autoridade monetária tem controle completo sobre a taxa de inflação, a qual é uma variável que está sob sua discrição. Nesse contexto, a inflação discricionária, ou seja, a taxa de inflação que maximiza a função objetivo do Banco Central é dada por:
Onde: A é o coeficiente de aversão a inflação na função objetivo do Banco Central (o qual mede o seu grau de conservadorismo), alpha mede a sensibilidade do emprego à surpresa inflacionária, N* é o emprego socialmente ótimo e Nn é o emprego natural, ou seja, aquele nível de emprego para o qual a surpresa inflacionária é igual a zero.
O argumento pró autonomia do Banco Central é que quanto menor for o coeficiente A menor será a taxa de inflação discricionária e, portanto, maior o bem-estar social. A política monetária é tida como neutra sobre o nível de emprego pois não é capaz de afetar nem a taxa de emprego socialmente ótima ou a taxa de emprego natural. A única função da política monetária é entregar uma taxa de inflação o mais baixo quanto possível e para tanto maior deve ser o seu conservadorismo, o qual só será crível por intermédio da autonomia do Banco Central.
O modelo apresentado tem, no entanto, uma série de limitações. A que mais salta aos olhos é hipótese de que o Banco Central tem controle absoluto sobre a taxa de inflação. Tal hipótese assume implicitamente que os preços e os salários nominais de toda a economia são fixados de maneira absolutamente coordenada pelo setor privado, o qual toma suas decisões de formação de preços e salários levando em conta apenas o comportamento do Banco Central. No mundo real os salários são fixados com graus variados de coordenação a depender das instituições que regulam as negociações salariais entre firmas e sindicatos. As firmas também fixam preços em intervalos distintos de tempo de maneira que podem surgir situações mais ou menos persistentes de desequilíbrio de preços relativos entre as empresas, as quais darão ensejo a aumentos de preço de maneira descoordenada.
Devemos ressaltar que no modelo que fundamenta a tese de autonomia do Banco Central não existe espaço para inflação causada por choques de oferta: a inflação é sempre e em todo lugar um problema monetário. Embora a teoria econômica tradicional tenha a muito tempo abandonado o monetarismo e a teoria quantitativa da moeda, o status teórico do problema inflacionário continua o mesmo. A inflação é o resultado de uma política monetária permissiva, voltada para a obtenção de uma taxa de emprego maior do que a que é compatível com o equilíbrio entre oferta e demanda em todos os mercados. Não há espaço para inflação de custos pois o equilíbrio de mercado garante que os agentes econômicos, sejam firmas ou sindicatos, estarão sempre satisfeitos com os preços que recebem de seus produtos ou serviços. A inflação só pode ter sua origem “fora” do setor privado, ou seja, no Banco Central e no governo.
Mas a crítica mais geral a tese de autonomia do Banco Central é que ela não é a única solução para o problema da inflação discricionária. Conforme podemos visualizar na equação acima qualquer política que reduza o valor de A, ou a sensibilidade da taxa de emprego a surpresa inflacionária ou diminua a diferença entre a taxa de emprego socialmente ótima e a taxa natural de emprego irão produzir o mesmo resultado (Franzese, 2004, p. 107).
Quando saímos do mundo fantástico da concorrência perfeita, a taxa de emprego de equilíbrio é aquela que equaliza o salário real que as firmas estão dispostas a pagar com o salário real que os sindicatos desejam obter nas negociações salariais com as firmas, dado o estado da economia e um conjunto de outras variáveis institucionais que afetam o poder de barganha relativo dos sindicatos na negociação coletiva como, por exemplo, o grau de sindicalização da força de trabalho, o percentual dos salários que é negociado coletivamente, o grau de centralização e coordenação das barganhas salariais (Carlin e Soskice, 2010, 2015). O desemprego atua como um mecanismo disciplinador dos sindicatos e das firmas, forçando esses agentes a entrarem num acordo a respeito do salário real prevalecente na economia.
Nesse contexto, um choque de oferta decorrente, por exemplo, do aumento do preço relativo da energia irá reduzir o salário real que as firmas estão dispostas a pagar, fazendo com que a taxa de emprego que compatibiliza as demandas salariais dos sindicatos com o que as firmas estão dispostas a pagar se reduza, aumentando assim a inflação discricionária, dado o grau de “autonomia do Banco Central”. O aumento da taxa de inflação não será um fenômeno temporário, mas irá durar enquanto persistir o preço relativo mais alto da energia.
O Banco Central poderá reduzir a inflação neste caso apenas se aumentar o seu grau de conservadorismo, ou seja, se reduzir o valor do coeficiente A na equação acima. Os defensores da tese de autonomia do Banco Central implicitamente assumem que não existe nenhuma relação entre o parâmetro A e os demais parâmetros da equação que determina a inflação discricionária, particularmente o emprego de equilíbrio. Nesse contexto, um aumento do grau de conservadorismo da política monetária não teria nenhum efeito sobre o lado real da economia, particularmente sobre o mercado de trabalho.
O problema é que existem boas razões para acreditarmos que isso não é verdade. A moderna teoria econômica ja identificou pelo menos dois canais pelos quais uma redução persistente da taxa de emprego pode levar a uma redução cumulativa da taxa de emprego de equilíbrio, fenômeno esse conhecido como efeito histerese. O primeiro canal é o efeito insider-outsider e o segundo e o problema de sucateamento do capital.
Efeito Insider/Outsider
Considere que os desempregados perdem o seu status de membros do sindicato após alguns períodos de desemprego. Dessa forma, eles se tornam “outsiders” sendo incapazes de influenciar nas decisões dos sindicatos.
Considere também que os sindicatos só se preocupam com o nível de emprego e de salário real dos seus filiados. Dessa forma, quando o desemprego aumenta e permanece elevado por um certo período de tempo; os sindicatos perdem filiados e passam a demandar salários mais altos para os membros remanescentes.
Uma queda da demanda agregada irá aumentar a taxa de desemprego. Esse aumento da taxa de desemprego irá diminuir o número de insiders, levando a um aumento do salário real desejado pelos sindicatos e, portanto, a uma queda da taxa de emprego de equilíbrio.
Capital Scrapping (“sucateamento de capital”)
Uma recessão prolongada leva as firmas a “sucatear” uma parte do seu estoque de capital á medida que os gastos de investimento não são suficientes para cobrir as necessidades de reposição devido a depreciação ou mesmo a obsolescência tecnológica.
Quando a economia se recupera, as elevadas taxas de utilização da capacidade produtiva fazem com que as firmas aumentem as suas margens de lucro, reduzindo assim o salário real que estão dispostas a pagar. Com isso, ocorre uma redução da taxa de emprego.
As questões levantadas acima apontam para a possibilidade de que um Banco Central excessivamente conservador possa agravar o problema inflacionário ao invés de resolve-lo. Se uma redução do valor do parâmetro A, ou seja, um aumento do grau de aversão do Banco Central a inflação, desencadear uma redução da taxa de emprego de equilíbrio pelos mecanismos expostos acima, então a taxa de inflação discricionária pode ficar constante ou até mesmo se elevar, agravando assim o quadro inflacionário.
O que deve ser feito então para reduzir a inflação discricionária? Uma alternativa seria a adoção de políticas de rendas que aumentassem a coordenação e a centralização das negociações salariais de forma a incentivar o setor privado a moderar as demandas por reajustes de preços e salários. Outra possibilidade, bastante pertinente no caso brasileiro, é reduzir a sensibilidade do emprego a surpresa inflacionária (o coeficiente alpha), diminuindo o grau de indexação de preços e salários a inflação passada. Para tanto, o governo brasileiro deveria proceder a uma reforma monetária (Sobre essa proposta ver Oreiro e Costa Santos, 2023), decretando por intermédio de lei complementar, o fim da indexação de todos os contratos assinados em território nacional.
Isso posto, não existe nada de sacrossanto na autonomia do Banco Central. Trata-se de um arranjo institucional para a condução da política monetária que tem efeitos dúbios sobre o problema que pretende resolver. Existem outras alternativas para o controle da inflação no Brasil que não passam pela manutenção da autonomia do Banco Central. Tal como o ocorrido com o Teto de Gastos, esse é um debate urgente e necessário para o Brasil.
Referências:
Carlin, W; Soskice, D. (2015). Macroeconomics: Institutions, Instability, and the Financial System. Oxford University Press: Oxford.
Carlin, W; Soskice, D. (2010). “Teaching Intermediate Macroeconomics using a 3-Equation Model” In: Fontana, G and Setterfield, M. (Eds.). Macroeconomic Theory and Macroeconomic Pedagogy. Palgrave Macmillan: London.
Franzese, R.J. (2004). “Institutional and Sectoral Interactions in Monetary Policy and Wage/Price-Bargaining” In: Hall, P; Soskice, D (orgs.). Varieties of Capitalism: the institutional foundations of comparatice advantage. Oxford University Press: Oxford.
Oreiro, J.L; Costa Santos, J.F. (2023). ” The unfinished stabilization ot the Real Plan: an analysis of the indexation of the Brazilian economy” In Ferrari-Filho, F and De Paula, L.F. (orgs.). Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Countries. Edaward Elgar: Aldershot.
Onze entre cada dez economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro atribuem o elevado patamar da taxa de juros selic observado no Brasil ao desequilíbrio fiscal do governo central (governo federal + Banco Central). Segundo o seu seu, por assim dizer, raciocínio, como o governo gasta mais do que arrecada então ele precisa pedir muito dinheiro emprestado no mercado, aumentando a demanda por crédito e, dada a baixa taxa de poupança existente no Brasil, produzindo uma elevada taxa de juros. A solução é reduzir a despesa primária do governo geral, cortando despesas desnecessárias e/ou ineficientes (quais?), para então conseguir reduzir a taxa de juros. Dessa forma, o desequilíbrio fiscal brasileiro teria sua origem no excesso de despesa primária do governo geral, razão pela qual o teto de gastos deveria ser mantido a forceps pela equipe econômica do novo governo Lula.
Na posse do novo presidente do BNDES Aloisio Mercadante, o Presidente Lula mais uma vez se pronunciou contra a decisão do Copom do Banco Central de manter a taxa selic em 13,75% a.a. Com uma inflação acumulada em 12 meses de 5,79% temos que a taxa real de juros (ex-post) é de 7,52% a.a, a mais elevada do mundo. O Presidente Lula afirmou hoje que “Não tem explicação para a taxa de juros a 13,5 [13,75]%. Faz anos que a gente briga pela taxa de juros no Brasil”.
Não existe efeito sem causa. Claro que existe uma explicação para o elevado patamar da taxa de juros no Brasil, mas essa explicação não é o desequilíbrio fiscal. Pelo contrário, o desequilíbrio fiscal é o resultado da política de juros adotada pelo Banco Central do Brasil nos últimos anos.
Vamos aos números. A Figura 1 abaixo mostra a evolução no acumulado em 12 meses do resultado primário do governo central e dos juros nominais que o governo central paga sobre o estoque de sua dívida. Observem que até março de 2020 (mês em que as primeiras medidas de distanciamento social são adotadas no Brasil) o governo central incorria num déficit primário em torno de 1,5% do PIB e pagava juros nominais ligeiramente superiores a 4% do PIB. Com os gastos primários realizados para o enfrentamento das consequências econômicas, sociais e sanitárias da pandemia do Covid-19, o déficit primário do setor público aumenta para quase 10% do PIB em dezembro de 2020, mas o pagamento de juros nominais cai para 3,5% do PIB nesse mês, continuando sua trajetória de queda até junho de 2021 quando chega a 2,93% do PIB. Observem, caros leitores, que um aumento espectacular nas despesas primárias do governo central (como % do PIB) foi obtido com uma redução da conta de juros nominais paga pelo governo central, ou seja, um resultado OPOSTO ao esperado com base na (sic) teoria econômica usada pelos analistas do mercado financeiro. Qual a razão disso? Muito simples: a taxa de juros não é o preço dos “fundos emprestáveis” mas o preço do dinheiro, o qual é fixado pelo Banco Central nas reuniões do Copom. Como o Banco Central reduziu a taxa de juros para 2% a.a ao longo do ano de 2022, o custo de carregamento da dívida pública (fortemente atrelado a selic devido as Letras Financeiras do Tesouro e as operações compromissadas) diminui em quase 25% entre março de 2020 e junho de 2021.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do autor.
Em março de 2021 o Banco Central do Brasil começou um ciclo de elevação da taxa de juros que levou a taxa selic a 13,75% a.a no final de 2022. Essa elevação da taxa selic fez com que os juros nominais passassem de 2,93% do PIB em junho de 2021 para 5,12% do PIB em dezembro de 2022, ficando acima do patamar observado no período anterior a pandemia. Nesse mesmo período, o resultado primário do governo geral passou de um déficit de 4,61% do PIB para um superávit 0,56% do PIB. Ou seja, uma melhoria do resultado primário de 5,17% do PIB foi seguido por um aumento da despesa com juros nominais de 2,19% do PIB. Parte significativa (42%) da melhoria do resultado primário foi dissipada em aumento das despesas com juros da dívida pública.
A figura 2 abaixo mostra o percentual do resultado nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) que pode ser atribuído a despesa com pagamento de juros da dívida pública.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do Autor.
O leitor pode verificar que a despesa con juros respondia por aproximadamente 80% do déficit nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) até o início da pandemia do covid-19. Esse percentual cai para pouco mais de 20% até dezembro de 2020 devido ao aumento do déficit primário e a redução da despesa com juros. A partir de março de 2021, o percentual volta a aumentar ultrapassando 100% no início de 2022. Em dezembro do ano passado os gastos com o pagamento de juros respondiam por 112% do déficit nominal do governo geral.
Esses números não permitem outra interpretação de que o desequilíbrio fiscal no Brasil é de natureza financeira. Nesse contexto, reduzir as despesas primárias não é apenas uma crueldade do ponto de vista social, mas uma estupidez do ponto de vista econômico. O reequilíbrio das contas públicas no Brasil passa pela solução do problema da “despesa ausente” no debate público no Brasil, ou seja, o gasto excessivo com o pagamento de juros da dívida pública. Sua solução se encontra numa reforma monetária no Brasil e na institucionalidade do regime de metas de inflação, de maneira a permitir que a obtenção de uma taxa de inflação estável e razoável (algo como 4% a.a.) seja possível com uma taxa de juros estruturalmente mais baixa.
Golpe fracassado, vitória de Pacheco e agenda ambiental superam incertezas herdadas de Bolsonaro, afirma professor da UnB
Por Tiago Pereira, da RBA
Com Lula, Brasil deixou de ser “párea internacional” e começa a atrair investimentos estrangeiros
São Paulo – O dólar operou em baixa frente ao real nesta quinta-feira (2). Na mínima do dia, a moeda norte-americana chegou a R$ 4,94, menor patamar desde 10 de junho de 2022, quando atingiu R$ 4,98. No meio da tarde, a cotação atingiu R$ 5,04, redução de cerca de 0,3% sobre o dia anterior. Fontes do mercado financeiro atribuem essa desvalorização à decisão do Federal Reserve (FED, o banco central dos Estados Unidos), de reduzir o aperto monetário. Em um mês, no entanto, o dólar registrou queda de mais de 6,09% em relação à moeda brasileira. Portanto, a política monetária dos Estados Unidos, por si só, não explica o fenômeno.
Para o professor José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), as análises não devem desconsiderar fatores políticos. “É basicamente o resultado da percepção que presidente Lula está reunindo condições de governabilidade”, afirmou. “O comportamento do dólar nas últimas semanas reflete a derrota completa do bolsonarismo. Assim, parte da incerteza política é resolvida.
Como exemplo, ele cita a reação unificada das instituições para debelar a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro. Outro fator positivo foi a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à presidência do Senado. A derrota do bolsonarista Rogério Marinho (PL-RN) garante certa “tranquilidade” ao governo para conduzir pautas importantes ao país no Congresso Nacional.
Novo “normal”
De acordo com dados do Banco Central, o fluxo cambial de janeiro foi positivo em US$ 4,198 bilhões. Desse modo, a entrada de investimentos estrangeiros no país colaborou para a valorização do real frente ao dólar. “O aumento do investimento externo está relacionado com a posse de um governo que não é visto como um párea internacional. Houve uma clara mudança de atitude em relação à questão da preservação da Amazônia, por exemplo”, afirma Oreiro.
Ele ressalta que parte da apreciação do dólar durante a gestão Bolsonaro estava ligada à sua postura “negacionista” nas questões ambientais. Para o professor, a grande diferença é que o país voltou a ter um governo “normal”, segundo ele. Já o anterior produzia “crises” e “ruídos” em ritmo quase diário.
Cabe lembrar que, em março de 2020, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou o dólar poderia ultrapassar a casa dos R$ 5 se o governo “fizesse muita besteira”. Foi o que acabou ocorrendo, em praticamente todas as áreas, desde o negacionismo durante a pandemia ao estímulo à devastação ambiental. O próprio Guedes chegou a atacar parceiros importantes, como a França e a Argentina. “Agora a gente tem um ministro da Fazenda (Fernando Haddad) que é comedido nas suas afirmações, que não fica falando coisas sem pensar”, afirmou o professor.
Frutos
Ao contribuir para arrefecer todas essas incertezas, Oreiro diz que o governo “está colhendo os frutos”. E as próximas colheitas podem ser ainda melhores. Isso porque a queda do dólar frente ao real deve trazer alívio à inflação. Como resultado, eventual queda nos índices de inflação também contribuiria para a redução da taxa de juros. O dinheiro mais barato ampliaria o consumo e, por consequência, os investimentos, melhorando o cenário econômico como um todo.
“O que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros”, disse o economista da UnB
O economista José Luis Oreiro defendeu nesta quarta-feira (1) que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) inicie o ciclo de redução da taxa de juros da economia (Selic). O Copom realiza hoje a sua primeira reunião do ano e decide se manterá a Selic no atual patamar de 13,75%, ou se reajusta para baixo ou para cima a taxa.
Para Oreiro, “o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Se você olhar a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022 não vão se repetir”, afirmou o professor da UnB, em entrevista à Hora do Povo.
O economista também afirmou que o BC tem perseguido metas de inflação que não correspondem à realidade.
“O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado”, avaliou o economista.
Oreiro alertou, ainda, que o caso das Lojas Americanas pode ser apenas o começo de uma crise financeira no setor de varejo e que a taxa de juros mantida em níveis elevados pode agravar ainda mais este problema.
“O caso das Lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas”. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros”, defendeu Oreiro.
Leia, na sequência, a íntegra da declaração do economista José Luis Oreiro ao HP.
JURO REAL EXTRAORDINARIAMENTE ELEVADO
“Na minha opinião, o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Cupom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Você tem aí uma taxa de juros real de mais de 6%. a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta, que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022, não vão se repetir. Um exemplo, a gente está vendo o índice pluviométrico no Brasil está muito elevado, isso significa que os reservatórios das usinas hidrelétricas vão aumentar consideravelmente o seu nível num período de chuvas, que terminam agora em abril. Então, muito provavelmente a gente não vai ter que acionar as usinas térmicas. Nós vamos ter um período de tranquilidade nas tarifas de energia elétrica ao longo do ano de 2023. Isso já alivia a pressão da energia sobre a inflação”.
“Então, assim, embora a meta de inflação seja de 3,25 e com teto de um e meio, daria 4,75, portanto a inflação projetada para esse ano ainda esteja acima da meta, o problema é que a meta de inflação é irrealista. O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado.”
“O caso das lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive, o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros. Se fosse eu o presidente do Banco Central reduziria hoje a Selic de 13,75% para 13%.”
Nas últimas semanas o “mercado” parece estar mais calmo com a equipe econômica montada pelo presidente Lula. Um cenário bastante diferente do que se desenhava em meados de novembro do ano passado quando Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan escrevam uma carta aberta ao Presidente Lula alertando-o de que o Brasil se achava a beira de um precipício fiscal e que a PEC da transição, ao propor inicialmente a realização de um gasto extra teto de R$ 195 bilhões por dois anos iria fazer com que o mercado se recusasse a continuar a refinanciar a dívida pública, criando assim uma crise fiscal com consequências catastróficas sobre a taxa de câmbio nominal (maxidesvalorização da moeda nacional) e o retorno da hiperinflação. Essa análise foi contestada por mim e por outros colegas do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento (www.sdmrg.com.br) publicada neste blog no dia 18 de novembro de 2022 (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/11/18/carta-aberta-ao-presidente-lula/) e posteriormente repercutida pela grande imprensa. A PEC da transição foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 e imediatamente promulgada. Na versão aprovada o gasto extra teto foi reduzido para R$ 145 bilhões por um período menor, de apenas um ano; mas ficou definido que o Ministério da Fazenda deverá enviar até o dia 31 de agosto de 2023 um projeto com um novo arcabouço fiscal para o Brasil. Dessa forma, o teto de gastos foi declarado oficialmente morto, embora o sepultamento definitivo ainda não tenha ocorrido pois ainda estamos celebrando a missa de corpo presente pelo teto de gastos.
Passado um mês da aprovação da PEC da transição nada do que os profetas do apocalipse previram se concretizou. A prévia da inflação em janeiro de 2023 medida pelo IPCA-15 ficou em 0,55% acumulando uma alta de 5,87% em 12 meses, valor ligeiramente inferior ao observado em dezembro do ano passado (5,9%) [a esse respeito verhttps://noticias.r7.com/economia/previa-da-inflacao-ganha-ritmo-e-avanca-055-em-janeiro-24012023]. A taxa de câmbio continua flutuando entre R$5,20 e R$5,50, dependendo do humor do mercado financeiro no Brasil e no exterior, mas nada de sistematicamente diferente do observado no período anterior ao segundo turno das eleições presidenciais. Pelo menos por enquanto o Brasil parece estar livre de entrar num buraco negro.
Não obstante a isso, alguns analistas continuam afirmando que o Brasil continua a passos largos para um abismo fiscal pois as projeções para a relação dívida pública/PIB apontam para um valor superior a 90% do PIB até o final desta década. Não é a primeira vez que esse tipo de previsão é feito. Em abril de 2020 a Instituição Fiscal Independente previu que a DBGG (Dívida bruta do governo) geral poderia chegar a 100,2% do PIB em 2030, no cenário intermediário ou 138,5% do PIB no cenário pessimista (https://www.cbncaruaru.com/artigo/divida-bruta-deve-chegar-a-100-do-pib-em-dez-anos-preve-ifi)
A dívida bruta do governo geral fechou o ano de 2022 em 76,9% do PIB numa trajetória de queda a partir do pico observado em 2020. Trata-se de um valor ligeiramente maior do que o observado no final de 2019 quando a DBGG atingiu a marca de 75,8% do PIB apesar dos gastos extra teto de quase 700 bilhões de reais realizados em 2020 e das PECs dos precatórios e Kamikaze que permitiram a realização de mais algumas centenas de bilhões de reais fora do teto de gastos.
Qualquer economista que entenda o mínimo de Teoria Keynesiana sabe que “o futuro é incerto e o passado é irrecuperável”, nas palavras da economista Britânica Joan Robinson. Prever o comportamento futuro das variáveis econômicas é uma tarefa muito difícil, quando não impossível, principalmente para períodos de tempo muito longos. Isso ocorre devido ao “princípio da não-ergodicidade” dos processos econômicos segundo o qual é impossível a convergência entre a média amostral e a média da população de forma que a observação do comportamento passado de qualquer série de tempo não nos permite inferir nada sobre o comportamento dessa série no futuro. Nas palavras de Keynes “nós simplesmente não sabemos”.
Nem sempre os economistas tem a humildade para reconhecer, ainda mais em debates públicos, as limitações de suas projeções sobre o comportamento futuro da economia. Tudo o que o conhecimento econômico nos permite fazer é construir projeções baseadas em algumas hipóteses sobre o comportamento de certas variáveis chave, hipóteses essas que são apenas conjecturas que o economista faz com base na sua experiência e na sua “visão de mundo”. Dessa forma, as previsões econômicas são necessariamente viesadas no sentido de que se baseiam nas “crenças” dos economistas a respeito do funcionamento do sistema econômico.
A partir do que foi dito acima a honestidade científica no campo da economia exige que o economista explicite suas hipóteses e o “modelo” (entendido como um sistema de equações que descrevem as relações supostas entre as variáveis econômicas) a partir do qual irá basear sua análise.
Neste post eu me proponho a fazer uma simulação numérica da trajetória da DBGG como proporção do PIB para o Brasil no período entre 2023 a 2032. Trata-se de uma projeção que eu considero plausível a partir dos pressupostos e do arcabouço teórico que irei utilizar no exercício de simulação. O modelo a ser utilizado é bastante parcimonioso, pois estou deliberadamente excluindo diversas complicações observadas no mundo real que eu acredito que não são essenciais para a análise a ser feita. Por exemplo, o modelo desconsidera que a DBGG é composta por diversos tipos de títulos (pré-fixados, indexados a índice de preços, indexados a taxa de juros, indexados a taxa de câmbio), seus diferentes prazos de maturidade e etc. O modelo também supõe que a produção das firmas é restrita apenas pelo estoque de capital físico que elas possuem e que o grau de utilização da capacidade produtiva se ajusta de maneira gradual ao nível normal ou desejado pelas empresas no longo prazo. O estoque de capital também é tido como homogêneo e se deprecia a uma taxa constante por período (o qual iremos supor igual ao ano calendário). A taxa de juros de curto prazo (a selic) é determinada com base numa regra de Taylor simples, na qual a autoridade monetária aumenta a taxa de juros com respeito ao seu valor de equilíbrio de longo prazo quando a inflação esperada fica acima da meta de inflação. Por fim, iremos supor que os agentes, na falta de uma melhor alternativa dada a limitação na sua capacidade cognitiva (a racionalidade limitada de Herbert Simon), formulam suas expectativa de maneira adaptativa, considerando que a inflação atual será igual a inflação do período anterior.
Onde:
Os valores usados para os parâmetros do modelo são os seguintes:
No exercício de simulação iremos supor que (i) o Conselho Monetário Nacional irá alterar a meta de inflação para 4% a.a em 2023 e essa meta irá vigorar até 2032; (ii) o governo geral irá incorrer num déficit primário de 1% do PIB em 2023, premissa em conformidade com o resultado primário esperado para o ano de 2023 pelo próprio ministro da fazenda; (ii) o novo arcabouço fiscal a ser aprovado em 2023 em conjunto com a aprovação da reforma tributária ainda no primeiro semestre de 2023 permitirá um ajuste fiscal gradual com o resultado primário alcançando 1% do PIB em 2024, aumentando 0,5% por ano até alcançar 2,5% do PIB em 2027 ficando estável nesse patamar até o final do período; (iii) a taxa de inflação irá ficar em 5% no ano de 2023, se reduzindo para 4% a.a a partir de 2024 e (iv) a taxa de investimento (FBKF/PIB) irá aumentar 0,5 p.p ao ano a partir de 2023, atingindo 24,5% do PIB em 2032. Esse aumento da taxa de investimento é esperado como resultado do aumento do investimento público em infraestrutura (permitido devido ao novo arcabouço fiscal) e da reindustrialização gradual da economia brasileira iniciada no biênio 2023/2024.
Nessas condições, a dinâmica da DBGG/PIB, taxa real de crescimento do PIB, taxa real de juros e resultado primário como proporção do PIB pode ser visualizado na figura abaixo.
Fonte: Elaboração do autor.
Neste exercício a DBGG/PIB aumenta até 2024, quando alcança o patamar de 80,89%, iniciando a partir de 2025 uma trajetória consistente de queda até alcançar 68,83% do PIB em 2032, 10 p.p abaixo do valor registrado no final de 2019.
Esse cenário é bastante diferente do que habitualmente é divulgado pela grande imprensa. Por que? A razão fundamental, na minha visão, é que os profetas do apocalipse trabalham com cenários extremamente pessimistas para a taxa real de juros e a taxa de crescimento do PIB real. Atualmente a taxa real de juros está acima de 6% a.a. Para 2023 a maioria dos analistas prevê um crescimento do PIB em torno de 1%. Dada essa combinação de juros e crescimento a estabilização da dívida pública no patamar vigente no final de 2022 exigiria um superávit primário provavelmente em torno de 3,5% do PIB. A questão que não se coloca, contudo, é que não há nenhuma razão objetiva para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB no primeiro ano de mandato do presidente Lula. O que importa é desenhar não apenas um novo arcabouço fiscal, mas um regime de política macroeconômica e um modelo de desenvolvimento que permita o aumento da taxa de investimento, a redução da taxa real de juros e um aumento gradual do superávit primário como proporção do PIB. Se a equipe econômica do governo conseguir desenhar esse arcabouço (e aqui existe um grande SE), então a estabilização/redução da DBGG/PIB será o resultado da retomada do desenvolvimento econômico.
Com o fim do teto de gastos programado para o próximo ano, mercado aguarda sinais claros da equipe econômica sobre o desenho da nova âncora focado no controle de despesas para equilibrar o Orçamento
Com o fim do teto de gastos decretado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em vários discursos desde que assumiu, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sinalizado que pretende apresentar um novo arcabouço fiscal na primeira metade deste ano. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que ampliou o limite de despesas no Orçamento deste ano em R$ 168 bilhões, e, com isso, elevou o rombo fiscal do Orçamento de 2023 para R$ 231,6 bilhões, prevê a definição da nova âncora até agosto.
O mercado financeiro, que vem dando sinais de não estar em lua de mel com Lula desde a posse, aguarda ansiosamente alguma sinalização da equipe econômica sobre qual será o desenho do arcabouço fiscal que precisará ser respeitado a partir de 2024. O plano de medidas de até R$ 242,7 bilhões para reduzir o rombo fiscal anunciado por Haddad é pouco efetivo. Pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), por exemplo, quatro medidas são factíveis neste ano, e, juntas, poderiam ajudar a reduzir o rombo fiscal deste ano em R$ 81,3 bilhões. Isso é menos do que os R$ 131,6 bilhões a R$ 141,6 bilhões de impacto previsto pelo ministro para reduzir o rombo fiscal deste ano para algo entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões.
Não à toa, a reação do mercado financeiro é negativa toda vez que Lula vocifera em relação à independência do Banco Central e ao teto de gastos — última âncora fiscal vigente, embora tenha sofrido várias alterações pelo governo anterior, foi a medida que ajudou o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conter o aumento da despesa e da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), na avaliação do economista e ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria. “Eu diria que essa melhora que houve no campo fiscal tem pouco a ver com o governo. Ela ocorreu sobretudo em 2022, por fatores alheios à ação do governo”, disse ele, citando como exemplos a alta dos preços das commodities por causa da guerra na Ucrânia, que aumentou a arrecadação. “O teto de gastos ajudou na redução da manutenção da relação entre despesa federal em relação ao PIB. Então, não há nenhum mérito do governo nisso aí, a rigor. Pelo contrário”, frisou.
Em entrevista ao Correio na semana passada, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, contou que defende um arcabouço que tenha como foco o controle das despesas e que o ministro Hadad tem duas ou três propostas sobre a mesa e deverá se reunir com a equipe econômica sobre o assunto a partir desta semana. “Eu acho que tem que olhar para o gasto. Nós vamos olhar para o gasto público e, no momento que tiver maduro, vamos apresentar algumas pequenas ou grandes propostas para a Casa Civil, para o Ministério da Fazenda, que tem essa visão também de que tem que olhar. A Fazenda está pensando em algumas alternativas em relação ao novo arcabouço fiscal.”
O modelo será definido em conjunto com os integrantes da Junta Orçamentária, composta por Tebet, Haddad, e os ministros Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e Rui Costa (Casa Civil), de acordo com a chefe do Planejamento. A ministra vem reforçando que será uma voz divergente na equipe econômica, porque o país gasta muito e mal e, portanto, precisará cortar, inclusive subsídios. “Eu acho que não tem como. Esse é o meu papel. E vou ser a chata da história”, frisou.
Apesar dos discursos de posse dos ministros de Lula de que haverá responsabilidade fiscal junto com responsabilidade social, como a equipe econômica tem mais expansionistas, como Haddad e Esther, do que fiscalistas, como Tebet, muitos se preocupam com uma tentativa de “inventar a roda”, buscando um arcabouço que não seja crível. Um aperfeiçoamento do teto de gastos em vez de uma nova regra tem sido uma das principais alternativas defendidas pelos especialistas.
Além de Mailson e Tebet, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles é outro defensor de que o novo arcabouço fiscal seja focado na despesa, em vez de dívida ou PIB, porque eles fogem do controle. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também vê com desconfiança o uso da dívida pública como substituto do teto de gastos. “Nesse caso, vai ser o início do desmonte do governo”, disse. Para ele, “a melhor sinalização de Haddad” foi colocar o economista Bernard Appy como secretário especial da Reforma Tributária, o que vai ajudar o governo na tarefa de fazer um ajuste fiscal, que será inevitável, por meio de ampla reforma no sistema tributário. Lula e integrantes do governo, inclusive, defendem aumento de impostos para os mais ricos.
Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), engrossou o coro nas críticas a um arcabouço sem controle no aumento dos gastos, pois, neste ano não haverá excesso de arrecadação como em 2022. O colchão de liquidez do Tesouro Nacional, com R$ 1,1 trilhão no fim de 2022, pode não ser suficiente para fazer a gestão da dívida pública se não houver credibilidade fiscal do governo junto ao mercado. Apenas o novo Bolsa Família vai custar R$ 600 bilhões em todo o mandato, logo, essa reserva poderá ser queimada rapidamente se o Tesouro tiver dificuldade para rolar essa dívida. “Não podemos nos esquecer que a dívida pública bruta chegou a quase 90% do PIB e só caiu com a ajuda da inflação, que aumentou o denominador do indicador, o PIB nominal. E, se o governo não respeitar as regras fiscais, na melhor das hipóteses, as despesas ficam incontroláveis e a dívida volta para 90% do PIB e, na pior, para 100% do PIB. O mercado não vai aceitar uma dívida nesse patamar. Vamos ter dólar mais alto, juros mais elevados e mais inflação”, alertou.
Silber lembrou que o Brasil não tem a mesma credibilidade de Estados Unidos e Japão para ter uma dívida acima de 100% do PIB, mesmo com a dívida sendo majoritariamente interna. “O novo governo não combinou isso com o mercado e ele não vai aceitar. Portanto, não haverá gol, e a dívida pode explodir”, afirmou ele, fazendo analogia com a famosa de Garrincha ao técnico antes do jogo não combinado com a Rússia. Pelas estimativas da Tendências, a dívida pública bruta pode ultrapassar 100% do PIB, em 2026, considerando o cenário pessimista.
Além de defender um arcabouço fiscal focado no controle das despesas, Evandro Buccini, diretor da gestora de investimentos Rio Bravo, reforçou que o combate à pobreza, uma das prioridades de Lula, estará em risco se não houver uma boa âncora fiscal. “Esse é o grande desafio do novo governo, porque, sem um equilíbrio fiscal, o crescimento econômico vai para baixo e isso bate no mercado de trabalho e na renda, que são condições para as famílias mais pobres melhorarem de vida”, orientou o economista.
Consenso por regra factível
O consenso entre analistas é de que será preciso um arcabouço com metas críveis para o país recuperar a credibilidade da âncora fiscal e, assim, permitir ao governo conseguir fazer um ajuste fiscal mais gradual.
Evandro Buccini, diretor da Rio Bravo, ressaltou que o mercado não está achando ruim que o governo gaste mais a curto prazo para socorrer os mais necessitados e adotar medidas mais urgentes. Contudo, é preciso que “a perspectiva futura seja de melhor responsabilidade fiscal”. “Se a nova regra fiscal for ruim, será preciso cortar gastos ou aumentar imposto a curto prazo, o que terá consequências políticas ao novo governo”, pontuou.
Na avaliação do economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, que integrou o grupo de transição do novo governo, é possível fazer um novo arcabouço por meio do da regra de superavit estrutural — cálculo que exclui fatores transitórios do resultado fiscal, e, segundo ele, pode garantir a redução da relação dívida-Produto Interno Bruto (PIB), a médio e longo prazos. “No superavit primário estrutural, o excesso de superavit primário vai ser usado, em parte, para abater dívida e outra parte para um fundo de estabilização, que pode ser usado em momentos de recessão para investimentos em infraestrutura”, destacou ele, que é um grande crítico do teto de gastos e da regra de superavit primário.
Foto: José Luis Oreiro
A proposta defendida por Oreiro, segundo ele, seria calibrada para que a dívida pública caísse em uma trajetória descendente de médio e longo prazos. “É a melhor política fiscal possível, usada em países da União Europeia e no Chile. Não é preciso inventar a roda. E, toda vez que o Brasil tenta ser criativo, cria uma regra que não para em pé”, pontuou.
No apagar das luzes do governo anterior, técnicos do Ministério da Economia divulgaram duas propostas de arcabouço fiscal que podem ser analisadas. A primeira, do Tesouro Nacional, sugere a vinculação do crescimento das despesas ao tamanho da dívida pública no lugar do teto de gastos e propõe uma reformulação da regra de meta de resultado primário. A segunda, da Secretaria de Política Econômica (SPE), prevê o aprimoramento do teto de gastos, por meio de uma regra que inclui a evolução do PIB, condicionada ao tamanho da dívida pública. A conferir o que virá nos próximos meses.
Economistas de diferentes vertentes elogiam as primeiras medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para melhorar as contas públicas do País. O “pacote de Haddad” se tornou público no último dia 12 e visa reduzir o déficit primário da União em 2023, estimado em R$ 231,5 bilhões.
No cenário mais otimista, o plano ajudaria a gestão Lula (PT) a buscar um superávit primário de R$ 11,13 bilhões. Para aumentar as receitas, Haddad aposta em pontos como as renegociações de dívidas e a suspensão de desonerações mais recentes, além do uso de créditos do ICMS.
Professor da Universidade de Brasília (UnB) e alinhado ao chamado “novo desenvolvimentismo”, José Luis Oreiro acredita que, de uma tacada só, a equipe econômica conseguiu acenar ao mercado sem aumentar impostos. As medidas, segundo o economista, confirmam que “o governo não é irresponsável, está preocupado com o equilíbrio fiscal, quer reduzir o déficit primário”.
Por ora, o desafio do governo é revisar contratos com a garantia de que os pagamentos futuros serão feitos em dia. “Os contratos têm sobrepreço, o que não tem nada a ver com corrupção”, explica. “As empresas que prestam serviços ao governo sabem que ele é mau pagador – atrasa, tem contingenciamento, não libera. Então já embutem no preço uma certa margem.”
Em caso de uma revisão bem-sucedida, a economia pode ser “expressiva”, agrega Oreiro. Mas o professor ressalta que, se de um lado Haddad conseguiu “ganhar tempo”, de outro já deve idealizar “uma estratégia fiscal mais consistente”, que pode passar por “aumento de impostos” e “redução do gasto tributário”.
Além disso, é preciso enfrentar a questão da taxa básica de juros, a Selic, que disparou sob o governo Bolsonaro. “As projeções para 2023 falam de R$ 700 bi em pagamento de juros. Em 2022, deve ter sido algo como R$ 550 bi”, projeta. “Como a Selic média vai ser mais alta, o aumento é de uns R$ 150 bi. Estamos enxugando gelo.”
Já na visão de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, “Haddad deu uma freada de arrumação que é importante”. De viés liberal, Fraga defende que o aperto fiscal seja ainda maior, o que não está no radar de um governo de feição popular.
Ainda assim, ele afirma que Lula dá um recado ao mercado – “um bom primeiro passo” – de compromisso com a responsabilidade fiscal. “Vejo as medidas de Haddad com bons olhos. É o início de um trabalho difícil”, pontua.
Segundo o economista, o “pacote de Haddad” se soma à revisão em outras políticas estruturais dilapidadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL), como no Meio Ambiente. “Agora, o Brasil tem a perspectiva de um conjunto de boas notícias, na área ambiental, por exemplo, que poderia colocar a economia em trajetória de crescimento acelerado.”
De acordo com Luiz Fernando de Paula, economista da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a gestão Lula “quis mostrar que vai fazer um ajuste fiscal que não vai ser radical”. A cautela, a seu ver, se justifica. “O governo entrou agora e está sendo muito cobrado, até de forma precipitada.” Mas a repercussão do “pacote de Haddad” foi positiva.
“O mercado é muito volúvel. Minha impressão, por indicadores como o câmbio, é de que o mercado recebeu bem o pacote, que mostra uma preocupação do governo de fazer algum tipo de controle sobre os gastos”, diz De Paula. “O mercado faz uma pressão forte e o governo vai ter que caminhar num fio de navalha, porque o equilíbrio político é tênue.”
Os depoimentos dos economistas sobre o “pacote de Haddad” foram concedidos ao jornal Valor Econômico e publicados nesta sexta-feira (20). O ministro da Fazenda retorna ao País após passar a semana em Davos, na Suíça, onde representou o governo brasileiro no Fórum Econômico Mundial.
O período que sucedeu a vitória de Luis Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais foi marcado pelas controvérsias sobre o “estouro do teto de gastos” previsto pela “PEC da Transição”. Na versão aprovada pelo Senado Federal no dia 07 de dezembro de 2022, ficou estabelecido que o governo federal poderá gastar até R$ 145 bilhões “fora do Teto” para executar políticas como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600,00 com acréscimo de R$ 150,00 por filho, recompor o orçamento do programa farmácia popular, entre outras políticas sociais e assistenciais. Muitos economistas, a maioria deles ligada direta ou indiretamente ao mercado financeiro, se opuseram publicamente a essa medida alegando que a (sic) “farra fiscal” iria produzir uma fuga de capitais do país, a interrupção do financiamento da dívida pública por parte do mercado, uma maxidesvalorização cambial e o recrudescimento da inflação ao longo do ano de 2023, o que levaria a uma queda do salário real e a um agravamento da situação de fome e pobreza no país.
Não é a primeira vez que esse tipo de cenário apocalíptico é desenhado. Em 2020, durante a pandemia do covid-19, não foram poucos os que disseram que o Brasil caminhava para um “abismo fiscal” devido aos gastos excessivos com o auxílio emergencial, os quais levariam a relação dívida pública/PIB pra perto de 100% em 2022 e que, devido a algum mecanismo mágico, a economia brasileira entraria numa espécie de “buraco negro” com consequências catastróficas para a economia do país. Como sabemos nada disso ocorreu. Graças em larga medida ao auxílio emergencial, a economia brasileira teve uma contração modesta em 2020 (de apenas 3,3%) na comparação com os Estados Unidos e os países da União Europeia. Além disso, a relação dívida pública/PIB no Brasil deve fechar em torno de 78% em 2022, muito abaixo do cenário desenhado pelos profetas do apocalipse.
Está claro que a situação fiscal no Brasil está longe de ser confortável, mas a dívida pública brasileira (% do PIB) é similar a de países como Índia e China. Se o próximo governo for capaz de desenhar uma nova regra fiscal para por no lugar do teto de gastos, que seja capaz de conciliar o espaço fiscal necessário para o aumento do investimento público em infraestrutura e dos gastos assistenciais com a redução da dívida pública como proporção do PIB no médio prazo, para um patamar em torno de 65% do PIB, não há razão para acreditar que o crescimento econômico possa ser restrito pelo lado fiscal.
Uma ausência gritante, para não dizer escandalosa, no debate econômico brasileiro é o desequilíbrio externo. Conforme verificamos na figura 1 abaixo, a partir de maio de 2008, no acumulado em 12 meses, o Brasil começou a apresentar déficit crescente na conta de transações correntes do balanço de pagamentos, o qual atingiu a marca de 4,25% do PIB em outubro de 2015. Esse desequilíbrio externo resultou numa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio de 17,12% entre janeiro e dezembro de 2015, contribuindo de forma decisiva para a aceleração da inflação nesse ano e para a elevação da taxa básica de juros por parte do Banco Central, amplificando a recessão que havia começado no segundo semestre de 2014.
Fonte: Ipeadata. Elaboração do autor.
Graças a forte desvalorização cambial e a queda de mais de 8% do PIB entre o segundo semestre de 2014 e o ultimo trimestre de 2016, o déficit em conta corrente se reduziu para 0,894% do PIB em março de 2018. Embora déficits em conta corrente inferiores a 1% do PIB não sejam preocupantes do ponto de vista do financiamento externo, chama atenção que, após a maior recessão dos últimos 40 anos e de uma forte desvalorização da taxa de câmbio, a economia brasileira se mostrou incapaz de voltar a gerar superávits em conta corrente como no período entre junho de 2003 e dezembro de 2007. Mais grave ainda é o fato de que uma vez passados os efeitos da grande recessão brasileira (2014-2016), o déficit em conta corrente como proporção do PIB no acumulado em 12 meses volta a se elevar atingindo 3,52% do PIB em junho de 2020, já no período da pandemia do covid-19.
Entre fevereiro de 2020 e maio de 2021 a taxa real efetiva de câmbio se desvaloriza em 30,75% e a economia se encontra em recessão. Apesar da enorme mudança de preços relativos e da queda do nível de atividade econômica, o déficit em conta corrente no acumulado em 12 meses se reduz para apenas 1,90% em agosto de 2021, apresentando desde então nova tendência a elevação.
Os dados apresentados parecem apontar para o retorno da rigidez estrutural do balanço de pagamentos, situação na qual a desvalorização cambial se mostra incapaz de resolver o desequilíbrio externo devido ao perfil da pauta de exportações. A desindustrialização precoce da economia brasileira resultou numa reprimarização da pauta de exportações, reduzindo assim a sensibilidade das exportações ao câmbio. Nesse contexto, o crescimento do PIB a um ritmo mais robusto será inevitavelmente estrangulado pelo aumento explosivo do déficit em conta corrente, que termina sempre desencadeando uma crise cambial, com maxidesvalorização do câmbio, elevação da inflação e da taxa de juros, abortando assim a retomada do crescimento.
* Professor do Departamento de Economia da UnB. E-mail: joreiro@unb.br.
A revista Insight Inteligência (https://inteligencia.insightnet.com.br/) publicou na sua edição 98 um artigo de minha autoria em conjunto com o Luiz Fernando de Paula no qual fazemos uma análise crítica da apresentação que Samuel Pessoa faz, na edição 97 da Revista, da Teoria Keynesiana, em especial o princípio da demanda efetiva e a teoria da preferência pela liquidez, no seu “monólogo com uma faca nos dentes” com André Lara Rezende e sua exposição da Teoria Monetária Moderna.
Os leitores interessados em maiores detalhes sobre a teoria da preferência pela liquidez e a sua absorção pela teoria neoclássica do qual Samuel Pessoa é adepto podem consultar os links abaixo
O teto de gastos foi criado em 2016 pelo então presidente Michel Temer. Visava reduzir despesas e investimentos do governo federal para impedir o crescimento da dívida pública e abrir espaço para investidores privados. Mas quando veio a crise econômica, os empresários buscaram amparo no governo, que derrubou o teto. Agora discute-se a elaboração de nova regra fiscal que corte despesas e, ao mesmo tempo, favoreça o crescimento econômico. Neste Agenda, o professor de economia da UnB, José Luis Oreiro, apresenta as bases de uma dessas propostas.
“Espero que eu possa contribuir com o novo governo que assume no dia 1º de janeiro 2023, colocando a serviço do Brasil todo esse conhecimento acumulado ao longo de mais de 20 anos”, declarou
O economista José Luis Oreiro, professor Associado do Departamento de Economia da UNB, Pesquisador do CNPq e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolviment, se destacou no ranking da AD Scientific Index 2023 na 17ª posição entre os economistas no Brasil e no 44º lugar na América Latina. O AD Scientific Index se baseia exclusivamente no desempenho científico individual dos pesquisadores, os mais produtivos e mais influentes, em universidades e instituições de mais de 200 países.
“Eu fiquei muito satisfeito com esse ranking da AD Scientific Index”, declarou José Luis Oreiro ao HP. “Isso reflete os anos de dedicação que tenho tido à pesquisa científica com artigos publicados em revistas científicas no Brasil e no exterior na área de macroeconomia e desenvolvimento econômico e eu espero que eu possa contribuir com a área econômica do novo governo que assume no dia 1º de janeiro 2023, colocando a serviço do Brasil todo esse conhecimento acumulado ao longo de mais de 20 anos”.
Segundo explicou Oreiro, “esse é um índice objetivo, não é subjetivo, não é criado por mim. É um índice que avalia o impacto da produção científica de um determinado pesquisador. Esse ranking é feito com três itens, o primeiro é o número total de citações dos artigos do pesquisador, o segundo é o índice H que mede o número de artigos que têm o número equivalente de citações , por exemplo, se o H é 35, significa que o pesquisador tem 35 artigos com pelo menos 35 citações, e tem o índice i10 que mede o número de artigos que tem pelo menos 10 citações . Trata-se de um ranking elaborado de maneira objetiva que compara de maneira objetiva a produção científica dos pesquisadores”.
De acordo com o AD Scientific Index, são analisados estudos acadêmicos de 216 países, 19.525 universidades/instituições e 1.200.035 cientistas e se baseia no desempenho científico dos indivíduos em diversos ramos.
Novo governo precisa fortalecer as instituições de Estado, evitando o discurso de demonização do serviço público feito nos últimos anos
Lula durante entrevista no CCBB | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Daniel Arruda Coronel e José Luis Oreiro (*)
O ano de 2022 foi marcado por vários desafios e questões, tais como a retomada gradual das atividades, depois de dois anos de pandemia e efeitos deletérios da Covid-19. Além disso, o país teve uma forte disputa política, a maior desde a redemocratização brasileira, com reflexo nas atividades econômicas e sociais e nas relações interpessoais.
Não obstante a isso, o novo governo, democraticamente eleito e legitimado pelas urnas, que assume em primeiro de janeiro de 2023, terá que equacionar importantes variáveis para a retomada do crescimento econômico e para diminuição das disparidades sociais, tais como: o distensionar político, visto que o país não suporta mais quatro anos de “o quanto pior melhor”, mas deseja paz e um amplo diálogo com todos os espectros da sociedade, respeitando as diferenças e buscando o conserto social e democrático; a reindustrialização nacional, visto que indústria de transformação brasileira vem perdendo participação no Produto Interno Bruto – conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sua participação, que chegou a perfazer 30% do PIB na década de 1980, passou para 13,3% em 2012 e, caso continue nesse ritmo, a projeção para 2029 é de menos de 10%.
Além disso, o governo precisa urgentemente criar ações para diminuir o endividamento das famílias brasileiras, que comprometeram suas finanças com uso de cheque especial e empréstimos; com isso um número significativo de brasileiros está nos órgãos de proteção ao crédito, número que aumentou significativamente, inibindo que milhões de brasileiros façam três refeições ao dia, enquanto os lucros do rentismo e do capital internacional cada vez mais aumentam. Muitos desses brasileiros tornaram-se dependentes de um amplo programa de assistência social que visa diminuir a fome. Somado a isso, o governo tem que enfrentar a piora das contas públicas, que se deterioraram nos últimos anos em função da ortodoxia equivocada e do baixo crescimento econômico, fruto não apenas da pandemia da Covid-19, como também da continua redução do investimento público em infraestrutura devido ao esmagamento dessa rubrica promovido pelo “Teto de Gastos”. Uma saída para isso é a PEC da transição, que dá uma margem para o governo investir em programas de assistência social, saúde e em educação, setores que precisam urgentemente de fortes ações, principalmente focadas nas camadas mais pobres da sociedade, as quais sentiram com maior magnitude os efeitos da pandemia.
Enfim, 2023 será um ano difícil, mas o novo governo poderá combinar a retomada do desenvolvimento econômico com responsabilidade fiscal se optar por projetos e ações que aumentem o investimento em infraestrutura e os gastos com assistência social de maneira a permitir a geração de emprego e renda. Além disso, o novo governo precisa fortalecer as instituições de Estado, evitando o discurso de demonização do serviço público feito nos últimos anos, e personificado na PEC 32 da Reforma Administrativa, bem como fortalecer a própria Democracia e o Estado Democrático de Direito que são condições sine qua non para o país voltar a ser respeitado nos fóruns e debates internacionais. Nesse sentido, todas as manifestações que defendem a quebra da legalidade, da constituição e do Estado democrático de direito devem ser repelidas de maneira enfática. Nesse contexto, é pertinente lembrar das palavras do grande estadista inglês Winston Churchill: “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.
(*)Daniel Arruda Coronel é Professor Associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM e Doutor em Economia Aplicada.
José Luis Oreiro é Professor Associado do Departamento de Economia da UNB, Pesquisador do CNPq e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.
Expandir investimentos sociais sem perder o controle fiscal. Esse é apenas um dos muitos desafios econômicos do governo eleito, liderado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. “A PEC da Transição é necessária para recompor o orçamento público e retomar obras que estão paradas no governo Bolsonaro. Mas uma ampla reforma monetária também é essencial para o país voltar a crescer de forma sólida”, defende o economista José Luis Oreiro.
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Oreiro é o convidado desta semana do podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que analisa os desafios econômicos do governo Lula. Autor dos livros “Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana” e “Macrodinâmica Pós-Keynesiana: crescimento e distribuição de renda”, José Luis Oreiro foi um dos organizadores da obra “Retomada do desenvolvimento – Reflexões econômicas para um modelo de crescimento com inclusão social”, lançada pela FAP em setembro deste ano.
As perspectivas da retomada de políticas voltadas para o social e para o investimento público, a importância de uma reforma do sistema monetário brasileiro e os erros econômicos do governo Bolsonaro também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do SBT News e do webinar O futuro das regras fiscais no Brasil, realizado na semana passada.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
Brasil pagará mais de R$ 600 bilhões em juros aos seus credores em 2023, valor três vezes maior que o orçamento do Bolsa Família.
Fagundes Schandert
02/12/22 – 04h30
Após uma trégua em prol da democracia nas eleições presidenciais, o mercado local voltou a contemplar nos últimos dias um debate saudável: o velho embate de argumentos e considerações entre economistas liberais e desenvolvimentistas. Em carta aberta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os economistas Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), Edmar Bacha (ex-presidente do BNDES) e Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda) defenderam a correção do teto de gastos, mas a manutenção de controle fiscal, e alertaram para a volta da inflação diante de sucessivos rombos no orçamento. Do outro lado do front, a corrente dos desenvolvimentistas — formada por Luiz Carlos Bresser-Pereira (ex-ministro da Fazenda) e os economistas José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula, Kalinka Martins e Luiz Magalhães — rebateu sobre inflação e criticou a falta de flexibilidade do teto fiscal.
Para a glória da dialética, ambas as cartas foram amplamente repercutidas no mercado e na imprensa, com analistas e comentaristas contra ou a favor dessa ou daquela corrente. Uma boa discussão cordial que pode trazer soluções para o País nos próximos anos. Mas independentemente das premissas, das razões e da lógica de cada uma das correntes, no centro da disputa estão o tamanho da dívida pública brasileira e as taxas de juros dos títulos que são pagos aos credores.
Por isso, vamos aos números. De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi) alcançou a cifra de R$ 5,53 trilhões em outubro. Segundo o boletim de estatísticas fiscais do Banco Central divulgado na quarta-feira (30), nos 12 meses acumulados até outubro, os juros nominais somaram R$ 573,2 bilhões (6,03% do PIB), comparativamente a R$ 378,3 bilhões (4,44% do PIB) nos 12 meses até outubro de 2021. Para dar uma ideia dessa montanha de recursos que é paga aos credores, esse volume é mais que suficiente para bancar três anos do novo programa Bolsa Família, com R$ 600 e outros R$ 150 por filho para mais de 20 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico).
A maior parte dos títulos públicos federais não está atrelada à Selic, se a inflação recuar um pouco, o custo com a dívida tende a diminuir” Denis Medina professor da FAC-SP.
Para o economista José Luis Oreiro, a conta com os juros pode alcançar R$ 700 bilhões em 2023. “Existe algo de muito errado com os juros no Brasil. Nós pagamos três vezes mais em proporção do PIB do que a Espanha, que possui uma dívida de 120% do PIB, enquanto a nossa dívida é de cerca de 77% do PIB”, afirmou. Para ele, a dívida no Brasil é muito custosa por causa dos juros altos e o caminho para o Tesouro é deixar de emitir títulos pós-fixados. “A Selic é instrumento de política monetária do Banco Central para alcançar suas metas. O Tesouro só deveria emitir papéis prefixados e de inflação, como ocorre em outros países no mundo.”
Segundo outros economistas consultados pela DINHEIRO, o volume em juros tende a crescer em 2023 por causa do aumento da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, e do crescimento da dívida que caminha para o patamar entre R$ 6 trilhões e R$ 6,4 trilhões, conforme o próprio Plano Anual de Financiamento (PAF) do Tesouro. Na projeção mais otimista para 2023, o professor da FAC-SP, Denis Medina, calcula que os gastos com juros podem diminuir para R$ 460 bilhões se a inflação ceder parcialmente no próximo ano. “A maior parte dos títulos não está atrelada à Selic, se a inflação recuar um pouco, as despesas com o serviço da dívida devem diminuir”, afirmou. Mas se a inflação persistir e houver necessidade de o BC manter os juros, Medina projeta gastos em torno de R$ 520 bilhões.
Já na estimativa mais pessimista, do economista Davi Lelis, da Valor Investimentos, com um estoque de R$ 6,4 trilhões e um juro médio de 12,75% ao ano, as despesas com juros podem alcançar R$ 816 bilhões, mais de quatro vezes o orçamento do Bolsa Família. “A dívida crescerá de 76% do PIB para mais de 90% do PIB com o aumento dos gastos públicos até o final de 2026”, disse Lelis. Seria um cenário de altíssimo risco fiscal. E perverso. Para cada R$ 1 que o governo pagaria para o Bolsa Família (R$ 200 bilhões fora do teto de gastos), outro R$ 1,50 (R$ 300 bilhões) seria pago a mais na forma de juros.
Na visão do economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, se a PEC da transição for aprovada como está no Congresso, sem qualquer limitação de prazo ou de valor, há chances de o Tesouro encontrar dificuldades para rolar a dívida. “Como está, a PEC passou a percepção que a preocupação fiscal do próximo governo é zero. O mercado também deseja desenvolvimento social, mas com responsabilidade fiscal. Sem isso, o Tesouro quebra”, afirmou. Na projeção dele, num cenário de gastos públicos amplamente permitidos, a dívida deve subir para mais 90% do PIB rapidamente. “Não somos um país desenvolvido para ter uma dívida tão alta”, disse.
Para o economista da XP Tiago Sbardelotto, a projeção atual gira em torno de R$ 600 bilhões em juros em 12 meses, o equivalente a 6,3% de um PIB nominal de R$ 9 trilhões. Mas num cenário de inflação insistente, com PIB nominal de cerca de R$ 10 trilhões e taxa Selic a 13,75% até meados do próximo ano, Sbardelotto calcula R$ 780 bilhões em pagamento, ou 7,8% do PIB. “Se o BC não baixar a taxa de juros, essa conta pode subir ainda mais”, disse. Mas o economista da XP não vê dificuldades para o governo rolar sua dívida. “O Tesouro tem condições de liquidez”, afirmou. Questionado sobre o ambiente para investimentos financeiros, Sbardelotto respondeu que a renda fixa ficará ainda mais atrativa para financiar essa expansão do estoque. “O brasileiro está acostumado com juros altos”, disse.
DETENTORES Segundo o coordenador de Operações da Dívida da STN, Roberto Lobarinhas, em outubro, entre os detentores de títulos públicos — os que ficam com esses juros —, houve aumento do estoque por investidores não-residentes (estrangeiros), fundos de investimento e de previdência. “A exceção foi de instituições financeiras (bancos), com uma menor participação no estoque em outubro”, afirmou Lobarinhas, em apresentação do boletim mensal do Tesouro à imprensa, no dia 25 de novembro.
De acordo com o Lobarinhas, a fatia dos bancos oscilou de 29,43% em setembro para 28,68% em outubro (R$ 1,585 trilhão). “Um movimento normal por causa do vencimento de títulos nesse período”, disse. Ao passo que os fundos de investimento aproveitaram o momento de juros elevados para aumentar a participação de 24,23% para 24,63% (R$ 1,361 trilhão), mesmo movimento dos fundos de previdência, que elevaram sua fatia de 22,66% para 22,92% (R$ 1,266 trilhão). Ou seja, os juros da dívida pública estão atrativos e geram lucros bilionários aos seus credores.
Regras fiscais são instrumentos para aumentar a credibilidade e a disciplina fiscal, podendo ser regras de resultado, de dívida, de despesa ou de receita, com suas respectivas vantagens e desvantagens. O arcabouço fiscal, formado por essas regras, pode prejudicar o crescimento econômico, se tiver caráter pró-cíclico ou se prejudicar despesas com maior efeito multiplicador, como investimentos em infraestrutura e políticas sociais e assistenciais, ou impacto sobre o crescimento de longo prazo, como os gastos em ciência e tecnologia. É possível que esse prejuízo ao crescimento possa afetar negativamente a própria sustentabilidade fiscal.
No caso brasileiro, há três regras principais, além de outras complementares. A primeira delas é a Regra de Ouro, segundo a qual o governo só pode fazer dívida para financiar seus investimentos e/ou gerir dívidas passadas. Em tese, seria uma regra razoável, mas a versão brasileira tem algumas peculiaridades, sendo que deveria ser abandonada, tal como o Reino Unido, Alemanha e outros países fizeram.
A segunda regra é a meta de resultado primário constante na Lei de Responsabilidade Fiscal. Um de seus problemas é ser pró-cíclica, com estímulos à economia em momentos de crescimento acima do potencial e desestímulos nos momentos de recessão. Como aumentar receitas no curto prazo costuma ser difícil, a variável de ajuste acabe sendo o investimento, piorando a composição do gasto público. Outro problema é que, dada a incerteza sobre os parâmetros utilizados no orçamento, o ano começa com contenção de despesas, e termina com liberação de verbas, quando há mais clareza sobre o resultado primário, com a tentativa de gastar rapidamente (e sem qualidade, na maioria das vezes). Vale dizer, essa regra funcionou até certo momento, mas principalmente no período em que o Brasil passava por um momento de maior crescimento – em parte por conta do boom de commodities. Passado esse ciclo, novamente a sustentabilidade fiscal foi colocada em dúvida.
A terceira regra é o Teto de Gastos, a qual define um crescimento real zero para parte das despesas primárias por 10 anos, a partir de 2017. Ao contrário do esperado pelos defensores do teto, os investimentos não foram preservados e o crescimento não se acelerou frente a sua tendência de longo prazo, mesmo antes da pandemia. E já tinha problemas na implantação, como ignorar o crescimento populacional de 0,7% a.a., o que resultou em queda real nas despesas primárias per capita ao longo dos anos; a impossibilidade de fazer estímulo fiscal pelo lado das despesas; o crescimento real de despesas previdenciárias, o que impôs um esmagamento das demais rubricas do orçamento, dado o teto geral sem ajuste acima da inflação. Ademais, desde 2017, foram feitas seis Emendas Constitucionais para tentar acomodar outras despesas fora do Teto, que eram 16,6% das despesas primárias em 2017 e passaram para 25,8% em 2021. Além disso, o Teto gerou incentivos indesejáveis, como estímulos fiscais feitos pelo lado da receita e adiamento contábil de despesas (precatórios).
Propostas de alteração no arcabouço fiscal têm surgido, como regras de dívida e variações de regra de despesa. Regras de dívida tendem a ser pró-cíclicas, ainda mais quando indicam um menor crescimento das despesas em momentos de maior relação dívida/PIB. Nesse caso, em períodos recessivos, a relação dívida/PIB tende a aumentar devido à queda do denominador, levando, dada a regra, a uma menor variação real do gasto primário justamente quando deveria ser feito o oposto. Regras de despesa poderiam incorrer nos mesmos problemas descritos para o Teto atual, em diferentes medidas.
Assim, sugerimos um novo arcabouço, substituindo o atual, que indique sustentabilidade fiscal, que esteja de acordo com as particularidades do país e que não prejudique o crescimento econômico. Seria instituída apenas a regra de resultado primário estrutural, considerando desvios do PIB em relação ao seu potencial e desvios nos preços de médio-longo prazos das principais commodities do Brasil, algo similar ao praticado no Chile e na Suíça, dentre outros, e com cláusulas de escape.
A meta de resultado estrutural seria escolhida para estabilizar a Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG) no médio prazo. Considerando as receitas de médio prazo, se estabeleceria o nível de despesas. As variáveis não observáveis seriam calculadas a partir de uma média do cálculo de várias instituições, como o Banco Central, o Tesouro Nacional e a Instituição Fiscal Independente. Quando o resultado primário apurado for superior ao estrutural, uma parte da diferença iria para amortização da dívida e outra para a formação de um fundo soberano, sendo que uma parcela de seus rendimentos poderia ser usada para despesas mais qualificadas, fora das despesas limitadas pela regra descrita.
Anualmente, seria apresentada a meta, em conjunto com estimativas de resultado primário estrutural, receita potencial, nível de despesas e DLGG para os quatro anos subsequentes. Ainda, com a composição das receitas e das despesas, demonstrando de forma transparente a evolução de cada item, como a previdência, por exemplo.
O novo arcabouço seria transparente e reduziria o caráter pró-cíclico da política fiscal. Também seria mais democrático, sendo que um governo poderia elevar a carga tributária para aumentar a receita de médio prazo e poder aumentar as despesas; ou poderia reduzir as receitas, com redução de carga, se acompanhadas de reformas nas despesas.
[1] Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Contato: joreiro@unb.br.
[2] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). Contato: helder.laferf@gmail.com. Opiniões pessoais, não institucionais.
A desaceleração da atividade econômica já era esperada, mas o desempenho informado pelo IBGE veio abaixo das estimativas
Os estímulos bilionários injetados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na economia na reta final da campanha eleitoral foram insuficientes para evitar a perda de fôlego do crescimento econômico no terceiro trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços gerados em determinado período) cresceu 0,4% em relação ao segundo trimestre, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, 1º.
A desaceleração da atividade econômica já era esperada, mas o desempenho informado pelo IBGE veio abaixo das estimativas captadas pelo Estadão/Broadcast, que apontavam para um crescimento de 0,6%.
Segundo economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, pesaram na perda de fôlego do crescimento os efeitos dos juros mais elevados sobre a contenção da demanda e o fim do processo de normalização das atividades afetadas pelas medidas de contenção da pandemia de covid-19.
Na avaliação da economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e coordenadora do Boletim Macro Ibre, está claro que o cenário econômico deste segundo semestre é pior do que o primeiro, quando a força da volta ao normal do funcionamento de uma série de negócios surpreendeu positivamente.
“Há vários sinais de que o cenário está pior, e o terceiro trimestre está no meio do caminho”, diz ela, lembrando que vários analistas projetam uma freada ainda mais forte neste quarto trimestre. “Todos os indicadores de alta frequência mostram perda de impulso no crescimento econômico”, completa a economista, citando os dados sobre geração de empregos formais de outubro, registrados no Caged, e os indicadores de confiança do empresariado, calculados pela FGV, que deterioraram em outubro e novembro.
Assim como na primeira metade do ano, o setor de serviços ditou o ritmo do crescimento, puxando, portanto, a desaceleração. O PIB de serviços avançou 1,1% ante o segundo trimestre. O PIB da indústria cresceu 0,8%, enquanto a agropecuária recuou 0,9%.
Mesmo assim, a perda de fôlego foi até menor do que o inicialmente estimado por especialistas. Quando o IBGE divulgou o PIB do segundo trimestre, três meses atrás, as estimativas captadas pelo Projeções Broadcast apontavam para um crescimento de 0,3% no terceiro trimestre ante o segundo.
Medidas de estímulo
Segundo Eduardo Vilarim, economista do Banco Original, o desempenho do setor de serviços “veio acima do esperado mês após mês e isso aconteceu durante todo o terceiro trimestre”. Para ele, as medidas de estímulo adotadas pelo governo federal – especialmente a elevação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 por mês, o auxílio temporário para taxistas e caminhoneiros, e a redução de tributos federais e estaduais sobre os combustíveis – ajudaram a impulsionar o crescimento acima do esperado.
Pela ótica da demanda, o consumo das famílias cresceu 1% em relação ao segundo trimestre. Já o consumo do governo registrou avanço de 1,3%, enquanto os investimentos, medidos na formação bruta de capital fixo (FBCF), cresceram 2,8%.
O economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), lembrou ainda o arrefecimento da inflação nos últimos meses favoreceu o consumo de serviços e bens não duráveis. O alívio nos preços dos combustíveis permitiu que as famílias de classe média e alta gastassem mais um pouco.
Na visão de Matos, da FGV, as medidas de estímulo “anabolizaram” o crescimento no terceiro trimestre, mas não mudam o cenário de desaceleração da economia, seja no fim deste ano seja em 2023. Além das próprias medidas perderem a força para impulsionar a economia, sem o efeito da normalização do funcionamento dos negócios afetados pela pandemia, a alta dos juros arrefece a atividade.
Se as transferências de renda e a moderação da inflação dão algum impulso ao consumo de serviços e bens não duráveis, os bens duráveis, como eletrodomésticos e veículos, que dependem das vendas a prazo, enfrentam uma demanda em queda. Ao mesmo tempo, o aumento da pobreza que as transferências procuram enfrentar impede um avanço mais generalizado do consumo.
“Tivemos mais PIB, mas também mais desafios fiscais. Se temos um PIB maior em 2022, temos que ter um PIB menor em 2023 para acomodar esses estímulos. Não dá pra comemorar um PIB com um ciclo de desaceleração já contratado”, diz Matos.
Desafios fiscais Os “desafios fiscais” citados pela pesquisadora da FGV também estão na lista de preocupações de analistas do mercado financeiro. Vilarim, do Banco Original, explica que um aumento dos desequilíbrios das contas do governo poderia levar a novas rodadas de alta no dólar e mais inflação, o que levaria a novos aumentos na taxa básica de juros (a Selic, hoje em 13,75% ao ano). Assim, “a queda esperada para a taxa no fim de 2023 pode não existir”, o que levaria a um crescimento ainda menor no próximo ano.
“O risco fiscal pode levar a um desdobramento negativo na economia. Estamos aguardando as negociações da PEC de Transição [proposta de emenda à Constituição que o Gabinete de Transição de governo pretende aprovar para acomodar crescimento de gastos públicos nos próximos anos] e o anúncio dos nomes da equipe econômica [do novo governo Lula] para uma sinalização mais clara do que vai acontecer”, diz Mauricio Nakahodo, economista sênior do banco MUFG Brasil.
De formação teórica desenvolvimentista, Oreiro, da UnB, considera as preocupações com os desequilíbrios das contas públicas exageradas. Os indicadores de risco de calote nos títulos da dívida pública do Brasil, determinados pelo próprio mercado financeiro, estão, atualmente, muito melhores do que estavam na transição para o primeiro governo Lula, 20 anos atrás. Além disso, estão longe de apontar para desconfiança em relação ao pagamento da dívida.
“Sou mais otimista para o segundo semestre [de 2023]. Tendo uma nova regra fiscal [no lugar do teto de gastos, regra que limita o crescimento da despesa pública de um ano ao valor do ano anterior, corrigido apenas pela inflação], vai abrir espaço para um aumento dos investimentos públicos, e aí pode ter espaço para um crescimento maior”, afirma Oreiro, citando a perspectiva de acomodação nas cotações internacionais das matérias-primas exportadas pelo Brasil como um obstáculo ao crescimento.
Economista diz que “o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB”
Por: João Vitor Santos | 28 Novembro 2022
Bastou o presidente eleito Lula erguer a voz para falar que o combate à fome e a busca por um bem-estar social não devem ser preteridos a um ajuste fiscal para que começasse uma cantilena acerca do descontrole das contas. Com o dólar em alta e a bolsa de valores lá embaixo, o discurso hegemônico se arvora para defender, por vezes até de forma velada, o famigerado teto de gastos. Para o economista e professor José Luis Oreiro, “o problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico”. “Essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do ‘consenso macroeconômico’”, completa.
Oreiro observa que tal postura interdita um debate efetivo sobre o teto de gastos. “Este assumiu um status de ‘dogma de fé’. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira”, critica. Por isso, na entrevista a seguir concedia por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele detalha a perspectiva de que o Estado tem condições de expandir seus gastos ainda sem perder o controle. “O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal”, pontua.
O professor, que com outros economistas endereçou uma carta ao governo eleito defendendo o fim do tacanho e truculento controle de gastos, detalha os principais pontos dessa correspondência e indica um caminho saudável, pela via da economia, para a conciliação nacional. “Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça”, explica.
Por fim, ainda escarna as contradições do teto que nem sequer cumpre o que busca. “Veja como o ‘teto de gastos’ é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões”, exemplifica.
José Luis Oreiro
Foto: Arquivo pessoal
José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, na Espanha, pesquisador Nível I do CNPq, membro sênior da Post-Keynesian Economics Society e da European Association for Evolutionary Political Economy. É líder do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, do CNPq e assessor do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal – CORECON-DF. Entre suas publicações, mais de 130 artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior, destacamos os livros: Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana(LTC, 2016) e Macrodinâmica pós-keynesiana: crescimento e distribuição de renda(Alta Books, 2018).
Confira a entrevista.
IHU – Como podemos compreender as resistências à revogação do teto de gastos?
José Luis Oreiro – Começo respondendo com uma citação de John Maynard Keynes tirada do prefácio do seu magnum opus “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda” publicada em 1936: “A dificuldade não reside em desenvolver novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram educados como a maioria de nós, em cada canto da nossa mente”.
Para Oreiro, A teoria geral do emprego, do juro e da moeda (Atlas, 1982),de Keynes, permite compreender as resistências à revogação do teto de gastos
Foto: Divulgação
O teto de gastos é o equivalente moderno do padrão-ouro, sistema monetário que vigorou até o colapso do sistema de Bretton Woods que estabelecia que a base monetária deveria estar “lastreada” em ouro para assegurar a confiança do mercado no valor da moeda.
No Brasil, a partir de 2016, criou-se uma convenção (definida por Keynes como uma crença compartilhada) de que o crescimento econômico só seria restaurado por intermédio de uma regra fiscal que impedisse o governo de aumentar seus gastos primários (o gasto com juros nunca é mencionado, pois se trata de uma “despesa ausente” no debate público sobre o ajuste fiscal no Brasil), pois o aumento dos gastos do governo levaria a um deslocamento (efeito crowding-out) dos investimentos do setor privado.
Trata-se de uma versão tupiniquim da velha “visão do tesouro” apresentada no início da década de 1930 pelo staff do Tesouro Britânico contra o programa de obras públicas defendido por Lloyd George, nas eleições gerais de 1929 no Reino Unido, para reduzir as elevadas taxas de desemprego observadas no país desde 1924. A revolução keynesiana demonstrou que a “visão do tesouro” pressupõe uma economia que está operando permanentemente em estado de pleno emprego, o qual é apenas um caso fortuito na dinâmica das economias capitalistas, as quais tendem a operar em uma situação persistente de subutilização da capacidade produtiva (homens e máquinas).
O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB – José Luis Oreiro Tweet
Um debate reduzido a “dogma de fé”
O problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico, sendo que essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do “consenso macroeconômico”.
Dessa forma, o debate público sobre o teto de gastos fica interditado, pois este assumiu um status de dogma de fé. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira.
A forma pela qual o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que leitura faz das críticas que o presidente Lula vem recebendo ao falar que os gastos sociais não devem ser preteridos em nome do controle fiscal?
José Luis Oreiro – Acredito que a forma como o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais. A questão fundamental, no debate político, é definir qual o tamanho do Estado que a sociedade deseja.
A história brasileira mostrou repetidas vezes, por intermédio da eleição de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff por dois mandatos consecutivos cada um, que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social. Parafraseando Santo Agostinho: “Populus locutus, contenda finita” (“o povo falou, o debate está encerrado”, numa tradução livre). A frase original de Santo Agostinho é: “Roma locuta, contenda finita” (Roma se pronunciou, acabou o debate). Sendo assim, a disciplina fiscal consiste tão somente em arrecadar o volume de impostos necessários para financiar aquilo que o povo deseja. Se o déficit fiscal (estrutural, ou seja, ajustado pelo ciclo econômico) para financiar o Estado do bem-estar social se mostrar insustentável, então a solução econômica e política é aumentar a carga tributária para garantir a solvência intertemporal das contas do governo. É exatamente isso o que se espera de um governo de centro-esquerda, como é o caso do presidente eleito.
A história brasileira mostrou (…) que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Precisamos de um controle fiscal?
José Luis Oreiro – Temos que definir precisamente o que se entende por controle fiscal. Defino controle fiscal como uma situação na qual a relação dívida pública/PIB apresenta uma tendência de estabilidade ou queda no médio e longo prazo. No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione o mais próximo possível do pleno emprego dos fatores de produção.
Esse princípio elementar de finanças públicas tem sido omitido do debate público no Brasil, onde frequentemente se faz uma comparação grosseira entre as finanças públicas e as finanças de uma dona de casa. Essa comparação parece ser baseada no bom senso, mas veja: se fôssemos nos basear no bom senso, então a Terra deveria ser plana, dado que ninguém é capaz de ficar em pé, ao menos por muito tempo, sobre uma bola de futebol. Em suma, comparar as finanças públicas com as finanças de uma dona de casa é “terraplanismo econômico”.
Por outro lado, uma situação na qual a relação dívida pública/PIB aumenta de forma persistente, no médio e no longo prazo, não é sustentável, mesmo que a dívida pública esteja denominada na moeda legal do país. O real não é uma moeda de reserva internacional, razão pela qual se encontra num nível inferior na chamada hierarquia de moedas. Um aumento persistente da dívida pública pode levar o mercado – atuando com base nas suas convenções – a retirar dinheiro do país, produzindo uma desvalorização acentuada e súbita da taxa de câmbio, ou seja, uma crise cambial.
Está claro que o Banco Central tem instrumentos para amenizar os impactos dessa crise se assim o desejar. Mas a instabilidade nos mercados financeiros acabará por aumentar a percepção de incerteza de parte dos empresários, resultando em uma redução do investimento privado e, consequentemente, em recessão.
Em suma, o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal.
No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione – José Luis Oreiro Tweet
IHU – O senhor, junto de outros economistas, encaminhou uma carta a Lula em apoio à revogação do teto de gastos. Entre outras ponderações, vocês consideram esse teto como uma falácia, dada a sua ineficácia para o controle fiscal. Gostaria que o senhor recuperasse esse argumento e o detalhasse.
José Luis Oreiro – Na carta aberta ao presidente Lula, está escrito:
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extrateto em quatro anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.”
A ideia que levou à criação do teto de gastos era congelar o gasto primário da União por um período de dez anos, de forma que o crescimento do PIB durante esse período se encarregasse de reduzir o gasto primário como proporção do PIB entre 3 e 4 pontos porcentuais. Dessa forma, continua o argumento, o governo federal voltaria a gerar superávits primários expressivos, capazes de gerar uma queda da dívida pública como proporção do PIB, sem ter que realizar um aumento da carga tributária.
Em 2016, no debate público sobre a PEC do teto de gastos, afirmei que o teto era insustentável porque implicava numa redução do gasto públicoper capita, uma vez que a população brasileira crescia a um ritmo de 0,8% a.a. Dessa forma, o congelamento do gasto público implicava numa redução da oferta de bens e serviços públicos para a população num contexto em que existem claras deficiências na área de saúde, educação e assistência social. Além disso, existiam componentes do gasto da União que apresentavam taxas de crescimento real significativas e que não poderiam ser significativamente reduzidas, a não ser que direitos garantidos pela Constituição fossem negados.
É o caso, por exemplo, dos gastos com a Previdência Social. Mesmo após a reforma da Previdência em 2019, os gastos previdenciários continuaram aumentando em termos reais devido ao simples crescimento vegetativo dos aposentados e pensionistas. Sendo assim, a manutenção do teto de gastos num contexto de crescimento real das despesas previdenciárias exigiria a redução do chamado gasto não obrigatório, ou seja, aquele que o governo precisa executar por estarem amparados na Constituição.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial. Durante o governo Bolsonaro, os salários reais dos servidores públicos também apresentaram uma queda significativa devido à não reposição das perdas inflacionárias.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial – José Luis Oreiro Tweet
Teto de gastos, uma sandice
Durante a pandemia de covid-19, o Congresso aprovou a emenda constitucional do “orçamento de guerra” que suspendia o teto de gastos até 31-12-2020. Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões.
No fim de 2021, com a aproximação das eleições e a baixa popularidade de Bolsonaro, o governo conseguiu que o Congresso aprovasse a chamada PEC dos Precatórios, visando abrir espaço no orçamento para manter o Auxílio Brasil em R$ 400,00 neste ano.
A PEC trouxe duas medidas. Uma delas foi alterar a regra de cálculo do teto de gastos. A regra originalmente estabelecida na EC nº 95 estabelecia que o valor autorizado para as despesas do governo seria atualizado pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Isso porque o orçamento é formulado ao longo do segundo semestre do ano anterior. Dessa forma, o orçamento poderia ser formulado com a informação exata do valor do reajuste do teto.
Com a mudança proposta pelo governo Bolsonaro em 2021, o reajuste do teto passou a ser fixado com a inflação acumulada até dezembro. Ou seja, o orçamento é inicialmente formulado com base na inflação esperada para o ano e, ao fim dele, poderia ser ajustado, caso a inflação, no período final do ano, fosse diferente da inflação acumulada em 12 meses até junho.
O governo fez isso porque já projetava que a inflação fecharia 2021 mais alta do que o acumulado em 12 meses até junho daquele ano. Essa manobra permitiu ao governo gastar, em 2022, R$ 26 bilhões a mais do que seria autorizado pela regra original do teto, segundo os cálculos do economista Bráulio Borges do IBRE/FGV.
Além disso, a PEC autorizou o atraso no pagamento de precatórios (dívidas da União com pessoas e empresas já reconhecidas pela Justiça). O adiamento desses gastos abriu uma folga de mais R$ 49 bilhões no teto.
Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir a situação – José Luis Oreiro Tweet
PEC kamikaze
Em julho de 2022, o Congresso aprovou a chamada PEC kamikaze, autorizando uma série de benefícios acima do limite constitucional, como o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até 31 de dezembro e novos auxílios para caminhoneiros e taxistas. Foi necessário modificar a Constituição não só devido ao limite do teto, mas também para contornar a legislação eleitoral, que veda a criação de benefícios às vésperas da eleição.
Bráulio Borges calcula que serão gastos R$ 41,2 bilhões acima do teto até o final deste ano, devido à PEC kamikaze. Somando isso ao atraso dos precatórios e à mudança do cálculo do teto, o governo terá usado R$ 116,2 bilhões acima do que a regra original permitiria para este ano.
Um velho adágio popular diz que “contra fatos não há argumentos”. E os fatos mostram que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história da República brasileira.
Os fatos apontam que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Ainda na carta, é dito que é equivocado considerar que o país tem taxas de juros altíssimas pelo fato de o Brasil ser considerado mau pagador. Por que há esse equívoco e o que explica as atuais taxas de juros?
José Luis Oreiro – O risco de um calote soberano é algo que é precificado no mercado. O índice EMBI+, criado pelo banco J.P.Morgan, mede a diferença (spread) entre as taxas de juros pagas sobre títulos da dívida pública de diversos países que são negociados nos Estados Unidos e a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana com idêntico prazo de maturidade. Dessa forma, a percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor” pode ser visualizada dia a dia nos preços de mercado dos títulos da dívida pública.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos. No fim do governo Lula, o spread soberano se encontrava num patamar mais baixo, em torno de 190 pontos. Se a taxa de juros no Brasil fosse determinada apenas com base na percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor”, então a Selic nominal deveria estar hoje entre 6 e 7% a.a., ao invés de 13,75%.
A taxa de juros está em 13,75% porque o Banco Central acredita que esse é o valor adequado para trazer a inflação para a meta de 3,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 p.p; ou seja, um valor máximo de 5% para o ano de 2022. Isso não tem nenhuma relação com a percepção de mercado sobre o risco de emprestar dinheiro para o governo brasileiro, mas com o modus operandi da política monetária no Brasil. Dado que no Brasil é dever do Banco Central manter a inflação na meta, que a inflação é medida pelo IPCA cheio, sem expurgos para itens mais voláteis como alimentos e energia, e que o prazo de convergência da inflação para a meta é o ano calendário, fica muito difícil para o Banco Central não impor doses cavalares de aumento da taxa de juros, mesmo num contexto de atividade econômica fraca, para cumprir aquilo que a sociedade brasileira manda que ele faça. Daqui, segue-se que só será possível ter taxas de juros mais baixas no Brasil por intermédio de uma mudança no arcabouço institucional da política monetária.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que caminho deve ser adotado pelo novo governo quanto à política de juros?
José Luis Oreiro – O primeiro passo será uma flexibilização do regime de metas de inflação no Brasil. Uma ideia é aproveitar a lei que garantiu a autonomia operacional do Banco Central do Brasil para regulamentar o mandato duplo para a autoridade monetária. Embora essa lei preveja que o Banco Central deve se preocupar também com os efeitos da política de juros sobre o nível de atividade econômica, não há nenhuma orientação específica a respeito de como essa “preocupação” deve se manifestar em termos da condução da política monetária.
Eu proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária. Assim, em períodos de baixo crescimento – por exemplo, abaixo de 1% –, o Banco Central deverá calibrar a taxa Selic de maneira a estimular a atividade econômica, de forma a que o crescimento anual se situe acima desse patamar mínimo.
Proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária – José Luis Oreiro Tweet
Inércia inflacionária
Um segundo elemento fundamental será reduzir o grau de inércia inflacionária existente na economia brasileira. No trabalho intitulado “The Unfinished Stabilization of the Real Plan: An Analysis of the Indexation of the Brazilian Economy”, escrito em coautoria com o professor Júlio Fernando Costa Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, e que será publicado em 2023 no livro Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies – organizado pelos professores Luiz Fernando de Paula (IE/UFRJ) e Fernando Ferrari Filho (UFRGS) e editado pela Edward Elgar (Reino Unido) –, mostramos que a permanência da indexação de preços, salários e contratos com prazo de maturidade superior a um ano faz com que o coeficiente de autocorrelação das séries de inflação (o termo técnico para designar o grau de inércia inflacionária) no Brasil seja significativamente maior do que o observado nos Estados Unidos.
Dessa forma, o Banco Central do Brasil precisa usar uma dosagem de juros maior do que o Federal Reserve para conseguir reduzir a inflação. A indexação de quase 50% da dívida pública federal à taxa Selic, por sua vez, faz com que o custo de rolagem da dívida pública aumente instantaneamente com a elevação da taxa de juros por parte do Banco Central, ou seja, temos um efeito de contágio da política monetária sobre a dívida pública, justamente o inverso do que os economistas ortodoxos afirmam. Sendo assim, para eliminar o problema dos juros no Brasil será necessária uma reforma monetária com a extinção de todos os mecanismos de indexação ainda existentes no Brasil, o que inclui a substituição de todo o estoque de Letras Financeiras do Tesouro por papéis pré-fixados.
A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Qual sua avaliação quanto à PEC da transição? É o melhor caminho do ponto de vista econômico e social? E do ponto de vista da conciliação de forças, mercado e investimento social?
José Luis Oreiro – A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 para cumprir algumas das mais importantes promessas de campanha como, por exemplo, um valor de R$ 600,00 para o Bolsa Família com acréscimo de R$ 150,00 por filho.
IHU – Qual seu diagnóstico caso essa PEC da transição não seja aprovada?
José Luis Oreiro – Esse cenário é impossível.
IHU – São muitos os analistas que dizem que o grande desafio do governo Lula III será a promoção de uma conciliação no Brasil. Na área econômica, como essa conciliação se apresenta? Que forças estão em jogo?
José Luis Oreiro – Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça. Vimos isso após a implantação do teto de gastos.
Os defensores do teto de gastos afirmavam, em 2016, que ele seria a solução definitiva para o desequilíbrio fiscal no Brasil. Não foi. No fim de 2022, continuamos discutindo o problema do desequilíbrio fiscal no Brasil. Por quê? Certamente que não foi devido à adoção de medidas de controle fiscal. A reforma da Previdência foi aprovada em 2019. O teto de gastos e a reforma da Previdência deveriam ter equacionado a questão fiscal, mas isso não ocorreu. O que ficou faltando? Faltou o principal: a economia brasileira não retomou a tendência de crescimento do período 1980-2014 de 2,88% a.a, isso mesmo antes da pandemia da covid-19.
Entre 2017 e 2019, a economia brasileira cresceu em torno de 1,5% a.a. A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante.
Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Diante do atual cenário nacional e internacional, quais são os três pontos de que a equipe econômica do governo Lula III não pode abrir mão?
José Luis Oreiro – A futura equipe econômica precisa apresentar três coisas para a sociedade brasileira.
1. Uma nova regra que permita a realização de uma política fiscal anticíclica no curto prazo e garanta a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
2. Um projeto de reforma monetária que reformate o arcabouço institucional do regime de metas de inflação e elimine a indexação de preços, salários, contratos e dívida pública.
3. Um projeto para a reindustrialização do país que seja compatível com a transição para uma economia de baixo carbono.
A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Deseja acrescentar algo?
José Luis Oreiro – Apenas que estou à disposição para colaborar com o governo eleito no que ele precisar. Este governo tem que dar certo, porque a opção será o retorno da barbárie que vivemos durante o governo Bolsonaro.
“Todas as expectativas do setor industrial no mês de novembro recuaram fortemente”, segundo a entidade
Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que a indústria obteve desempenho negativo em outubro em relação a setembro. A entidade afirma que a produção, o emprego e a utilização da capacidade instalada da indústria recuaram no período.
“Reforçando esse cenário, os estoques do setor industrial aumentaram para bem acima do planejado, indicando estoques excessivos e frustração dos empresários com a demanda”, destacou a CNI
A CNI também exibiu que todas as expectativas do setor industrial no mês de novembro recuaram fortemente, sendo “a primeira vez em mais de dois anos, que há expectativa de queda no emprego industrial e nas exportações para os próximos seis meses”. A intenção de investimento do setor industrial também recuou e passou a se situar no menor patamar em mais de dois anos”, disse a entidade que consultou, entre 1º e 10 de novembro, 1.757 empresas, destas: 703 pequenas, 615 médias e 439 grandes.
Em outubro, o índice que mede a evolução da produção da indústria caiu para 48,5 pontos, ficando, assim, abaixo da linha divisória de 50 pontos, o que indica que não houve crescimento da produção. Essa foi a primeira queda na produção industrial para um mês de outubro desde 2016.
Já o indicador que mede evolução do emprego do setor também recuou, após ter crescido por cinco meses consecutivos. O índice caiu para 49,6 pontos, número abaixo da linha divisória de 50 pontos (que separa aumento de queda do emprego industrial). A queda do emprego industrial para um mês de outubro não era constatada desde 2019.
A Utilização da Capacidade Instalada (UCI) caiu um ponto percentual em outubro, para 71%. Nos últimos dois meses, a UCI acumula queda de dois pontos percentuais. Por sua vez, o índice de evolução do nível de estoques aumentou em relação a setembro, batendo a marca de 51,5 pontos em outubro. “O índice de estoque efetivo em relação ao planejado se afastou da linha divisória dos 50 pontos, subindo de 50,9 pontos para 52,4 pontos entre setembro e outubro. O resultado coloca os estoques do setor industrial no nível mais acima do planejado desde julho de 2019”, disse a CNI.
No acumulado do ano até setembro, a produção da indústria brasileira caiu -1,1% e, em 12 meses, -2,3%, segundo o IBGE. Do lado das exportações, o setor também amarga números negativos. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) calcula que a indústria brasileira terminará o ano com um déficit na balança comercial de US$ 125 bilhões, o maior da história. No ano passado, a conta da balança comercial de manufaturados fechou no negativo – déficit de US$ 111 bilhões.
Os números ruins do setor são reflexo dos juros altos, os mais altos do mundo, desestimulando a produção e o consumo no país e obstruindo as ações por novos investimentos, além de colocar por terra as mentiras propagadas pelo atual governo de que a economia estava bombando. Além disso, a escassez de investimentos públicos – agravada no governo Bolsonaro – dificulta o setor de sair da crise.
O economista José Luís Oreiro lembra que “a produtividade da indústria está estagnada há anos por falta de investimento em equipamento de capital”. Segundo ele, a baixa ou nula acumulação de capital na indústria brasileira é decorrência de vinte anos de câmbio sobrevalorizado e da estagnação da produção física e das vendas da indústria de transformação. “As empresas industriais não investem porque o mercado interno não cresce”, afirma o professor da UNB.
Para o Brasil voltar a crescer, a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a proposta de Emenda Constitucional (PEC) que não só garante o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, com os acréscimos de R$ 150 por filho até seis anos, mas também recursos para investimentos públicos em obras paradas. E que esses recursos, para garantir investimentos e os programas sociais, fiquem fora do teto de gastos, que só exclui o pagamento de juros.
De 2017 (quando da implantação do teto de gastos) até setembro deste ano, foram consumidos R$ 2 trilhões, 343 bilhões e 679 milhões do Orçamento Geral da União – ou seja, dinheiro transferido de toda sociedade para o setor financeiro: bancos, rentistas, e outros especuladores – na sua maioria estrangeiros – que não produzem um parafuso no país.
Um dia após publicar na Folha de São Paulo uma carta aberta ao Presidente Lula em conjunto com os economistas Edmar Bacha e Pedro Malan na qual recomendavam ao Presidente Lula a manutenção estrita do teto de gastos para evitar uma espiral inflacionária no seu próximo governo (curioso não terem feito o mesmo alerta ao Presidente Bolsonaro, deve ter sido por falta de tempo), Arminio Fraga em matéria publicada originalmente no jornal O Globo, no dia 19 de novembro de 2022 afirmou que “estamos trilhando um caminho perigoso, o Brasil é um país muito endividado” (para quem não é assinante do Globo sugiro ver a matéria no link https://inteligenciafinanceira.com.br/saiba/economia/arminio-fraga-brasil-pais-muito-endividado/).
Ao me deparar com afirmação tão enfática (e desprovida de embasamento nos dados) fui verificar no site do Fundo Monetário Internacional como está a relação dívida pública como proporção do PIB nos diversos países que compõe este planeta azul e brilhante conhecido como Terra.
O IMF datamapper apresenta o seguinte mapa para a relação dívida pública/PIB no mundo:
Conforme podemos ver claramente no mapa com dados do ano de 2022, o Brasil é um país de endividamento médio (88,2% do PIB) com valores similares aos observados na China (76,9%) e na Índia (83,4%), mas inferior ao observado nos Estados Unidos (122,1%), Espanha (113,6%), Portugal (114,7%), França (111,8%), Itália (147,2%) e Japão (263,9%). Devo recordar ao leitor que o critério de cálculo usado pelo FMI para o endividamento do governo Geral inclui a carteira livre do Banco Central do Brasil que são título da dívida pública emitidos pelo Tesouro Nacional, mas que não estão nas mãos do setor privado, mas na carteira do Banco Central sendo assim uma espécie de dívida do governo com ele mesmo. Neste critério a DBGG se encontrava em 77,5% do PIB em agosto de 2022 (https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/09/30/bc-divida-bruta-do-governo-geral-cai-para-775percent-do-pib-em-agosto.ghtml)
Em suma, a afirmação feita pelo economista Armínio Fraga ao jornal O Globo é, no melhor dos casos, bastante exagerada.
Cinco economistas divulgaram nova carta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), desta vez, fazendo críticas aos alertas feitos pelos representantes da ala ortodoxa
postado em 18/11/2022 19:28 / atualizado em 18/11/2022 20:00
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Transição provocou uma briga entre economistas com linhas de pensamentos opostas. Um dia após a divulgação da carta aberta dos economistas Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central; Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); e do ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cinco economistas desenvolvimentistas se uniram e divulgaram uma segunda carta aberta, nesta sexta-feira (18/11), rebatendo a missiva dos economistas que tiveram um importante papel na implementação do Plano Real e são reconhecidos como ortodoxos.
Na carta aberta, os economistas José Luis da Costa Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; Luiz Fernando Rodrigues de Paula, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-Líder do grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-minstro da Fazneda e professor emérito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Kalinka Martins da Silva, professora do Instituto Federal de Goiás (IFG); e Luiz Carlos Garcia de Magalhães, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirmam, logo no início, que discordam “do início ao fim “da missiva escrita Fraga, Bacha e Malan, na defesa de um teto para as despesas do governo a fim de evitar uma espiral inflacionária.
De acordo com o documento, a ideia de que o teto de gastos como garantia para garantir a disciplina fiscal é uma “falácia” e, nesse sentido, destacam que a atual regra não foi suficiente para evitar um estouro de R$ 795 bilhões durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), em referência ao cálculo do economista Braulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) para a BBC News.
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra teto em quatro anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro”, destacaram os economistas da segunda missiva. “O teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos ‘estouros do teto’ patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial”, acrescentaram.
A primeira carta foi motivada, de acordo com Armínino Fraga, pela declaração de Lula criticando o mercado, que recebeu de forma negativa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Transição propondo a exclusão de R$ 198 bilhões em despesas fora do teto de gastos. A proposta para um rombo muito acima do esperado pelo mercado gerou uma crise de credibilidade do novo governo junto ao mercado.
Nesse valor estão os R$ 175 bilhões previstos com o Bolsa Família, que retomará o lugar do Auxílio Brasil, de R$ 600, mais os R$ 150 para cada criança abaixo de seis anos, e mais R$ 23 bilhões extras para investimentos. Só que R$ 105 bilhões dos recursos para o auxílio estão incluídos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2023. Ao explicar a motivação da carta, Fraga destacou que os “indícios preocupantes” para o quadro fiscal.
Oreiro, um dos autores da segunda carta aberta ao presidente eleito, reconheceu a necessidade de uma nova âncora fiscal, que deverá ser discutida a partir de 2023. Além disso, defendeu o corte de subsídios criados pelo atual governo, reduzindo tributos sobre combustíveis, por exemplo, como alternativa para financiar os cerca de R$ 200 bilhões propostos na PEC e que, pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), deverá abrir um espaço de R$ 203 bilhões de despesas não sujeitas ao teto.
“O que tem para cortar no Orçamento são os benefícios tributários, por exemplo, com a PEC Kamikaze, R$ 150 bilhões de impostos federais e estaduais deixaram de ser arrecadados, que deixaram de ser arrecadados, e aí retorna para o mesmo valor de antes. Praticamente já paga o rombo”, afirmou Oreiro, em entrevista ao Correio.”Mas, como dizemos na carta, é preciso ter uma nova regra fiscal a partir do ano que vem, a partir de quando o presidente assumir”, frisou o acadêmico, que defende a desindexação generalizada da economia para permitir a redução o custo do pagamento de juros da dívida pública.
Veja a íntegra da segunda carta dos economistas
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Eleito da República Federativa do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva.
Prezado Presidente Lula,
Nós os pesquisadores e economistas abaixo assinados gostaríamos inicialmente por parabenizá-lo pela sua eleição ao cargo de Presidente da República Federativa do Brasil no último dia 30 de outubro de 2022. Sua eleição representou o triunfo da civilização e da democracia contra a barbárie e a ameaça autoritária de Jair Bolsonaro. Todos nós ficamos muito felizes e aliviados pelo desfecho do processo eleitoral bem como pelo reconhecimento por parte dos governos das nações civilizadas da sua vitória incontestável no pleito.
Nossa intenção com esta carta, além de parabenizá-lo pela sua vitória, é fazer um contraponto a carta recentemente endereçada a Vossa Excelência pelos economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan. A parte da defesa da civilização e da democracia que os citados economistas fizeram em sua carta, discordamos do início ao fim da missiva escrita por eles.
Na carta enviada a Vossa Excelência, os economistas supracitados se opõem ao seu compromisso de campanha de revogar o Teto de Gastos, o qual na interpretação de Vossa Excelência, a qual é compartilhada por nós, estaria impedindo o aumento dos gastos com saúde, educação, assistência social e investimento em infraestrutura.
Para Fraga, Bacha e Malan o teto de gastos teria desempenhado no Brasil um papel fundamental no sentido de garantir a “responsabilidade fiscal”, a qual é fundamental para manter a inflação sob controle ao assegurar a confiança do “mercado” nas políticas econômicas do governo. Tais economistas afirmam também que a revogação do teto de gastos jogaria o país numa espiral inflacionária devido aos efeitos da desvalorização da taxa de câmbio, o que produziria um arrocho salarial, com efeito negativo para a classe trabalhadora.
A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o Governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra teto em 4 anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.
Fraga, Bacha e Malan argumentam que o Brasil paga taxas de juros altíssimas porque o Estado não é percebido com um bom devedor. Essa afirmação está equivocada. A avaliação de mercado sobre o risco envolvido em emprestar dinheiro para governos soberanos pode ser medida, entre outras formas possíveis, pelo EMBI + calculado pelo Banco J.P. Morgan. No dia 02 de janeiro de 2002, primeiro dia útil do seu primeiro mandato como Presidente da República, Vossa Excelência herdou do governo anterior – no qual trabalharam Fraga, Bacha e Malan – um risco país medido pelo EMBI + de 1527 p.b, ou seja, um spread de 15,27 % sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana de idêntico prazo de maturidade. No dia 31 de dezembro de 2010 o risco país havia se reduzido para 189 b.p; prova inconteste da confiança do “mercado” na responsabilidade fiscal do seu governo. O teto de gastos foi aprovado em segundo turno no Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, data na qual o risco país medido pelo EMBI + do J.P. Morgan se encontrava em 324 b.p, valor 71,42% acima do registrado do último dia de governo do seu segundo mandato como Presidente da República. No primeiro dia útil do governo de Jair Bolsonaro o risco país se encontrava em 275 p.b, valor apenas 15% inferior ao observado no dia da aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos pelo Congresso Nacional, mas 45,5% superior ao verificado em 31/12/2010, último dia do seu segundo mandato como Presidente da República. A avaliação do mercado, tal como expressa nos preços dos títulos da dívida pública transacionados nos mercados internacionais, é claríssima: o teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos “estouros do teto” patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial.
Na carta endereçada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan também afirmam que a elevação da inflação ocorrida entre 2021 e 2022 foi o resultado do descontrole dos gastos públicos patrocinado pelo governo Bolsonaro, o qual “furou” o teto de gastos em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 Bilhões (previsto) para o ano de 2022. Esse é outro equívoco na carta dos economistas supracitados. A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal. Com efeito, a pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram eventos extraeconômicos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial, quer pela desorganização das cadeias globais de valor (caso da pandemia) quer pelas restrições impostas a exportação de petróleo, gás, soja, milho e trigo por conta dos desdobramentos do conflito da Ucrânia. Esse choque de oferta global produziu um aumento dos preços dos produtos intermediários, energia e alimentos que está alimentando a escalada inflacionária em todo o mundo. A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia, calculada em outubro de 2022, se encontra em 11,25%, quase o dobro do valor observado no mesmo período para o Brasil. Na austera Alemanha a inflação se encontra em 11,6% no acumulado em 12 meses. Nos Estados Unidos a inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (dados de outubro de 2022). A política fiscal e monetária do Brasil tem capacidade muito restrita de intervir num processo inflacionário que é gerado fora do país.
No final da carta encaminhada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan afirmam que o problema da falta de recursos para saúde, educação, assistência social e investimento público não são decorrência do teto de gastos, mas da falta de prioridade dada pelo governo a essas áreas. Isso é uma meia verdade. Com efeito, é inegável que o governo de Jair Bolsonaro, tendo Paulo Guedes como Czar da Economia, só deu atenção a assistência social quando isso lhe era eleitoralmente conveniente. Quanto a saúde e educação os números de mortos durante a covid-19 e a falta de recursos para pagar a merenda escolar falam por si mesmos. Mas o teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas. Isso porque ao congelar em termos reais por um período de 20 anos, a contar de 2016, os gastos primários da União o crescimento puramente vegetativo dos gastos com previdência social, os quais mesmo após a reforma previdenciária continuam crescendo 3% a.a em termos reais, faz com que os demais itens do orçamento da União atuem com variável de ajuste para fechar o orçamento, comprimindo os mesmos. Durante o governo Bolsonaro, além da redução do investimento público e dos recursos destinados as áreas de saúde e educação, a folha de salários dos servidores (ativos e inativos) da União foi reduzida de uma média de 4,4% do PIB durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Temer para menos de 3% do PIB em 2022. Isso porque o governo Bolsonaro, ao não conceder reajuste aos servidores públicos nos últimos 4 anos, fez com que a inflação corroesse o valor real dos salários dos servidores da União. O problema é que esse processo de ajuste das demais rubricas do orçamento público chegou ao limite. Não é mais social e politicamente possível reduzir o investimento público, ou os gastos com saúde e educação, ou manter congelados os salários dos servidores públicos. Em outras palavras, o teto de gastos é inviável. Essa é a razão pela qual deve ser substituído por uma nova regra fiscal, cuja definição deverá ser feita a partir do momento em que Vossa Excelência assuma efetivamente, pela terceira vez, o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.
Para finalizar esta carta, gostaríamos de fazer um alerta a Vossa Excelência. No debate sobre o ajuste fiscal no Brasil existe um elemento ausente, a saber: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Em 2022 os gastos com juros serão de mais de R$ 500 bilhões, devendo ultrapassar os R$ 700 bilhões no próximo ano. Trata-se da segunda maior rubrica do orçamento público, ficando atrás apenas dos gastos com previdência social. Esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população. Não existem soluções mágicas para o problema dos juros como tem sido sustentada, por exemplo, pela famosa “auditoria cidadã da dívida”. Por outro lado, o volume pago com juros não decorre de um elevado endividamento público como proporção do PIB (atualmente em 77,12% do PIB segundo dados do Banco Central do Brasil para setembro de 2022). A título de comparação a Espanha tinha, em março de 2022, uma dívida pública como proporção do PIB de 117,7%, mas paga apenas 2% do seu PIB como juros sobre a dívida pública. Não existe uma relação direta entre o tamanho da dívida pública como proporção do PIB e o custo de carregamento da dívida pública, o qual é, em larga medida, determinado pela política monetária conduzida pelo Banco Central.
Todo o complexo de taxas de juros no Brasil é uma anomalia na comparação com o resto do mundo. Nos últimos 30 anos o Brasil não apenas exibiu uma das mais altas, se não a mais alta, taxa básica de juros do mundo; como também as maiores taxas de juros sobre empréstimos bancários e cartões de crédito. Nosso sistema financeiro é gigante e disfuncional, pois não atua como criador de crédito e de financiamento do investimento e do consumo do setor privado; mas como corretor dos rentistas que vivem às custas do financiamento da dívida pública. No Brasil a verdadeira luta de classes não é entre capital e trabalho, mas entre o capital financeiro, de um lado, e os trabalhadores e o capital produtivo do outro. Esse é o conflito de classes que Vossa Excelência deverá arbitrar a partir do dia 01 de janeiro de 2023. Neste contexto, entendemos ser absolutamente legítimo e viável abrir espaço no orçamento para viabilizar gastos públicos imprescindíveis para o enfrentamento da enorme crise social e econômica que o país está passando. Isto deverá ser combinado, quando estiver empossado, com a adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade na execução do orçamento com sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
Era isso o que queríamos comunicar a Vossa Excelência. Sem mais por hora nos despedimos cordialmente, com sinceros votos de sucesso em seu terceiro mandato como Presidente da República.
José Luis da Costa Oreiro (UnB, líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Fernando Rodrigues de Paula (UFRJ, vice-Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP, professor emérito)
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Eleito da República Federativa do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva.
Prezado Presidente Lula,
Nós os pesquisadores e economistas abaixo assinados gostaríamos inicialmente por parabenizá-lo pela sua eleição ao cargo de Presidente da República Federativa do Brasil no último dia 30 de outubro de 2022. Sua eleição representou o triunfo da civilização e da democracia contra a barbárie e a ameaça autoritária de Jair Bolsonaro. Todos nós ficamos muito felizes e aliviados pelo desfecho do processo eleitoral, bem como pelo reconhecimento por parte dos governos das nações civilizadas da sua vitória incontestável no pleito.
Nossa intenção com esta carta, além de parabenizá-lo pela sua vitória, é fazer um contraponto a carta recentemente endereçada a Vossa Excelência pelos economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan. A parte da defesa da civilização e da democracia que os citados economistas fizeram em sua carta, discordamos do início ao fim da missiva escrita por eles.
Na carta enviada a Vossa Excelência, os economistas supracitados se opõem ao seu compromisso de campanha de revogar o Teto de Gastos, o qual na interpretação de Vossa Excelência, a qual é compartilhada por nós, estaria impedindo o aumento dos gastos com saúde, educação, assistência social e investimento em infraestrutura. Para Fraga, Bacha e Malan o teto de gastos teria desempenhado no Brasil um papel fundamental no sentido de garantir a “responsabilidade fiscal”, a qual é fundamental para manter a inflação sob controle ao assegurar a confiança do “mercado” nas políticas econômicas do governo. Tais economistas afirmam também que a revogação do teto de gastos jogaria o país numa espiral inflacionária devido aos efeitos da desvalorização da taxa de câmbio, o que produziria um arrocho salarial, com efeito negativo para a classe trabalhadora.
A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o Governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra-teto em 4 anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.
Fraga, Bacha e Malan argumentam que o Brasil paga taxas de juros altíssimas porque o Estado não é percebido com um bom devedor. Essa afirmação está equivocada. A avaliação de mercado sobre o risco envolvido em emprestar dinheiro para governos soberanos pode ser medida, entre outras formas possíveis, pelo EMBI + calculado pelo Banco J.P. Morgan. No dia 02 de janeiro de 2003, primeiro dia útil do seu primeiro mandato como Presidente da República, Vossa Excelência herdou do governo anterior – no qual trabalharam Fraga, Bacha e Malan – um risco país medido pelo EMBI + de 1374 p.b, ou seja, um spread de 13,74 p.p sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana de idêntico prazo de maturidade. No dia 31 de dezembro de 2010 o risco país havia se reduzido para 189 b.p; prova inconteste da confiança do “mercado” na responsabilidade fiscal do seu governo. O teto de gastos foi aprovado em segundo turno no Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, data na qual o risco país medido pelo EMBI + do J.P. Morgan se encontrava em 324 b.p, valor 71,42% acima do registrado no último dia de governo do seu segundo mandato como Presidente da República. No primeiro dia útil do governo de Jair Bolsonaro o risco país se encontrava em 275 p.b, valor apenas 15% inferior ao observado no dia da aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos pelo Congresso Nacional, mas 45,5% superior ao verificado em 31/12/2010, último dia do seu segundo mandato como Presidente da República. A avaliação do mercado, tal como expressa nos preços dos títulos da dívida pública transacionados nos mercados internacionais, é claríssima: o teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos “estouros do teto” patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial.
Na carta endereçada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan também afirmam que a elevação da inflação ocorrida entre 2021 e 2022 foi o resultado do descontrole dos gastos públicos patrocinado pelo governo Bolsonaro, o qual “furou” o teto de gastos em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 Bilhões (previsto) para o ano de 2022. Esse é outro equívoco na carta dos economistas supracitados. A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal. Com efeito, a pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram eventos extraeconômicos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial, quer pela desorganização das cadeias globais de valor (caso da pandemia) quer pelas restrições impostas a exportação de petróleo, gás, soja, milho e trigo por conta dos desdobramentos do conflito da Ucrânia. Esse choque de oferta global produziu um aumento dos preços dos produtos intermediários, energia e alimentos que está alimentando a escalada inflacionária em todo o mundo. A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia, calculada em outubro de 2022, se encontra em 11,25%, quase o dobro do valor observado no mesmo período para o Brasil. Na austera Alemanha a inflação se encontra em 11,6% no acumulado em 12 meses. Nos Estados Unidos a inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (dados de outubro de 2022). A política fiscal e monetária do Brasil tem capacidade muito restrita de intervir num processo inflacionário que é gerado fora do país.
No final da carta encaminhada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan afirmam que o problema da falta de recursos para saúde, educação, assistência social e investimento público não são decorrência do teto de gastos, mas da falta de prioridade dada pelo governo a essas áreas. Isso é uma meia verdade. Com efeito, é inegável que o governo de Jair Bolsonaro, tendo Paulo Guedes como Czar da Economia, só deu atenção a assistência social quando isso lhe era eleitoralmente conveniente. Quanto a saúde e educação os números de mortos durante a covid-19 e a falta de recursos para pagar a merenda escolar falam por si mesmos. Mas o teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas. Isso porque ao congelar em termos reais por um período de 20 anos, a contar de 2016, os gastos primários da União o crescimento puramente vegetativo dos gastos com previdência social, os quais mesmo após a reforma previdenciária continuam crescendo 3% a.a em termos reais, faz com que os demais itens do orçamento da União atuem com variável de ajuste para fechar o orçamento, comprimindo os mesmos. Durante o governo Bolsonaro, além da redução do investimento público e dos recursos destinados as áreas de saúde e educação, a folha de salários dos servidores (ativos e inativos) da União foi reduzida de uma média de 4,4% do PIB durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Temer para menos de 3% do PIB em 2022. Isso porque o governo Bolsonaro, ao não conceder reajuste aos servidores públicos nos últimos 4 anos, fez com que a inflação corroesse o valor real dos salários dos servidores da União. O problema é que esse processo de ajuste das demais rubricas do orçamento público chegou ao limite. Não é mais social e politicamente possível reduzir o investimento público, ou os gastos com saúde e educação, ou manter congelados os salários dos servidores públicos. Em outras palavras, o teto de gastos é inviável. Essa é a razão pela qual deve ser substituído por uma nova regra fiscal, cuja definição deverá ser feita a partir do momento em que Vossa Excelência assuma efetivamente, pela terceira vez, o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.
Para finalizar esta carta, gostaríamos de fazer um alerta a Vossa Excelência. No debate sobre o ajuste fiscal no Brasil existe um elemento ausente, a saber: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Em 2022 os gastos com juros serão de mais de R$ 500 bilhões, devendo ultrapassar os R$ 700 bilhões no próximo ano. Trata-se da segunda maior rubrica do orçamento público, ficando atrás apenas dos gastos com previdência social. Esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população. Não existem soluções mágicas para o problema dos juros como tem sido sustentada, por exemplo, pela famosa “auditoria cidadã da dívida”. Por outro lado, o volume pago com juros não decorre de um elevado endividamento público como proporção do PIB (atualmente em 77,12% do PIB segundo dados do Banco Central do Brasil para setembro de 2022). A título de comparação a Espanha tinha, em março de 2022, uma dívida pública como proporção do PIB de 117,7%, mas paga apenas 2% do seu PIB como juros sobre a dívida pública. Não existe uma relação direta entre o tamanho da dívida pública como proporção do PIB e o custo de carregamento da dívida pública, o qual é, em larga medida, determinado pela política monetária conduzida pelo Banco Central.
Todo o complexo de taxas de juros no Brasil é uma anomalia na comparação com o resto do mundo. Nos últimos 30 anos o Brasil não apenas exibiu uma das mais altas, se não a mais alta, taxa básica de juros do mundo; como também as maiores taxas de juros sobre empréstimos bancários e cartões de crédito. Nosso sistema financeiro é gigante e disfuncional, pois não atua como criador de crédito e de financiamento do investimento e do consumo do setor privado; mas como corretor dos rentistas que vivem às custas do financiamento da dívida pública. No Brasil a verdadeira luta de classes não é entre capital e trabalho, mas entre o capital financeiro, de um lado, e os trabalhadores e o capital produtivo do outro. Esse é o conflito de classes que Vossa Excelência deverá arbitrar a partir do dia 01 de janeiro de 2023. Neste contexto, entendemos ser absolutamente legítimo e viável abrir espaço no orçamento para viabilizar gastos públicos imprescindíveis para o enfrentamento da enorme crise social e econômica que o país está passando. Isto deverá ser combinado, quando estiver empossado, com a adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade na execução do orçamento com sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
Era isso o que queríamos dizer a Vossa Excelência. Sem mais por hora nos despedimos cordialmente, com sinceros votos de sucesso em seu terceiro mandato como Presidente da República.
José Luis da Costa Oreiro (UnB, Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Fernando Rodrigues de Paula (UFRJ, Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP, Professor Emérito)
Especialistas defendem reindustrializar o Brasil. Foto: Agência Brasil
Fruto da desindustrialização no país, a indústria brasileira terá déficit na balança comercial de US$ 125 bi em 2022, o maior da história, segundo projeções da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Os cálculos da AEB têm como base o desempenho de janeiro a outubro deste ano da balança comercial da manufatura. Nos dez meses deste ano, o saldo da balança comercial encolheu 11,7%, para US$ 51,6 bilhões, em comparação com o mesmo período de 2021. A entidade prevê um avanço desta queda para 11,9% no saldo comercial, para US$ 54,1 bilhões.
Dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério da Economia, apontam que enquanto as exportações nacionais cresceram 19,1% em valores, no período de janeiro a outubro deste ano em comparação ao mesmo período de 2021, somando US$ 281 bilhões, mas a quantidade de produtos exportados (quantidade física) cresceu apenas 4,4%.
O presidente da AEB, José Augusto de Castro, ressalta que “o detalhe é que, no ano passado, a conta da balança comercial de manufaturados teve um déficit grande, de US$ 111 bilhões”, disse Castro em entrevista ao jornal Correio Braziliense, ao destacar que as exportações brasileiras estão sendo sustentadas pelas commodities. “Devido à alta dos preços das commodities, após a pandemia, o país tem exportado preços, porque a quantidade de produtos praticamente não aumentou”.
Em 2000, os produtos manufaturados chegaram a representar 59% das exportações nacionais. No ano passado, aponta Castro, esse percentual respondeu por apenas 28%.
“E tudo isso é desemprego, ou seja, pensando em comércio exterior, o país atravessa uma clara desindustrialização e, para reindustrializar o país, é preciso mudar a estrutura de custos interna, a fim de atrair novamente investimentos de empresas de produtos manufaturados no país”, explica o especialista, ao afirmar que “para o país mudar o comércio internacional, será preciso recuperar a competitividade da indústria”.
“E, para isso, é preciso reduzir o custo Brasil”. “Não tenho nada contra o país exportar commodities, que têm a China como principal destino”, sustentou.
Para o economista José Luis Oreiro, “a perda de competitividade da indústria brasileira deve-se a anos de baixo investimento em atualização tecnológica do parque industrial. As máquinas e equipamentos da indústria brasileira estão velhos e tecnologicamente obsoletos”, comentou o economista neste domingo (13), em sua rede social, referindo-se aos dados apresentados pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
José Luís Oreiro lembra que “a produtividade da indústria está estagnada há anos por falta de investimento em equipamento de capital. A produtividade não cai do céu, não é um atributo do trabalhador (Samuel Pessoa), mas resultado do aumento do estoque de capital físico por trabalhador”, escreveu Oreiro, pontuando que “a baixa ou nula acumulação de capital na indústria brasileira é decorrência de (i) vinte anos de câmbio sobrevalorizado e (ii) da estagnação da produção física e das vendas da indústria de transformação. As empresas industriais não investem porque o mercado interno não cresce. E porque não tem acesso aos mercados internacionais devido ao câmbio sobrevalorizado, o qual também estimula a substituição de produção interna por importações”.
O professor da UNB também afirmou que “a solução liberal para o problema – reduzir as tarifas de importação – só vai contribuir para acabar com o que resta da indústria nacional”. “Nas condições atuais a indústria brasileira não tem como aguentar uma nova onda de abertura comercial. O diagnóstico liberal é de uma tolice inacreditável, pois a competitividade não resulta automaticamente de mais pressão competitiva, mas do investimento em novas máquinas e equipamentos. É preciso criar as condições macroeconômicas para as empresas industriais voltarem a investir. O que significa juros baixos, câmbio competitivo e o retorno do crescimento da economia. O custo do capital precisa ser drasticamente reduzido. Para isso, o BNDES deve retornar ao seu papel histórico de financiador de projetos de investimento a juros competitivos a nível internacional”, defendeu o economista.
Além das questões apontadas pelo economista, cabe ressaltar que a entrada estúpida do “investimento direto estrangeiro” (IDE) no país nestes últimos anos – estimulada pela política de juros elevados – culminou na aceleração do processo de desindustrialização no Brasil, através da compra de empresas privadas nacionais e estatais pelo capital externo, que busca obter o máximo do lucro aqui para remetê-lo para fora.
“O imposto de renda no Brasil é altamente regressivo, as pessoas mais pobres estão pagando mais da sua renda do que os ricos”, advertiu José Luís Oreiro
O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro diz que a proposta do ex-presidente Lula de isentar do imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil é fiscalmente responsável e, do ponto de vista da distribuição de renda, justa. “O imposto de renda no Brasil é altamente regressivo, as pessoas mais pobres estão pagando mais da sua renda do que os ricos”, considerou.
Na avaliação dele, o ex-presidente deve estar pensando numa alíquota adicional de imposto de renda para quem ganha R$ 30 mil. “Ele não falou isso na proposta, mas eu acredito que essa é a maneira pela qual ele vai financiar todo mundo que ganha menos de R$ 5mil”, afirmou Oreiro em entrevista ao Portal Vermelho.
De acordo com o economista, a tabela do imposto de renda está há anos sem reajuste. “Na medida que inflação vai aumentado, as rendas das pessoas, em termos nominais, vão sendo jogada cada vez mais para alíquotas mais altas do imposto de renda, mesmo não tendo um ganho real de renda”, avaliou.
Para ele, trata-se de uma proposta importante e que vai ajudar a classe média dinamizando a economia, pois haverá aumento de consumo. “Isso vai ser perfeitamente financiado com a criação de uma alíquota extra de 35% sobre quem ganha quem ganha mais de R$ 30 mil por mês. Outro ponto é a criação de um imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos, isso também terá que ser feito”, explicou.
Lembrou que o sistema tributário brasileiro está “muito baseado” no consumo. “Como os mais pobres são os que nais consumem alimentos, na proporção da sua renda do que os mais ricos, pagam mais impostos diretos.
Além disso, o professor esclareceu que a legislação tributária atual privilegia profissionais liberais como médicos e advogados que pagam menos imposto de renda na condição de pessoas jurídicas. “Eles são isentos do imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos. Profissional liberal que recebe R$ 40 mil como pj vai pagar zero de imposto de renda”, lembrou.
José Luís Oreiro é professor de economia da UnB. Foto: Agência Câmara
Promessa não cumprida
A campanha de Lula acusa Bolsonaro de prometer o ajuste na tabela do imposto de renda e não cumprir. Com isso, as finanças das famílias brasileiras viraram um dos maiores problemas do país.
“O salário mínimo já está congelado há anos e a Saúde e a Educação se transformaram em antros de corrupção amplamente denunciados. Os impostos que a gente paga não resultam em serviços melhores: e como são caros os impostos! É por isso que Luiz Inácio Lula da Silva quer voltar: para dar fim à baderna bolsonarista, melhorar a sua vida e isentar do imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil”, diz um trecho de nota distribuída pela campanha.
“Com a proposta de Lula, as pessoas que mais precisam vão pagar menos impostos. É tudo pensado cuidadosamente para o Brasil crescer e você crescer junto, tendo mais poder de compra, o que faz a roda da economia girar e aumentando o poder de compra de todos e todas”, completou.
A equipe do ex-presidente explicou que quem ganha até R$ 5 mil paga, por mês, R$ 368,23 de impostos retidos na fonte. “Esse é o valor que já é descontado do seu holerite. Se a gente multiplicar esse desconto por 48 vezes (12 meses em um ano, durante 4 anos), ele resulta em R$ 17.675. Ou seja: com a proposta de Lula, você vai economizar 17 mil reais ao longo do período de governo, de quatro nos”, observou.
Cuando le preguntas por los últimos sondeos se revuelve inquieto en la silla. Las últimas encuestas apuntan a una ligera reducción de la ventaja que Lula da Silva lleva sobre Jair Bolsonaro de cara a las elecciones presidenciales en Brasil, que tendrán su segunda y definitiva vuelta el próximo domingo. Los cinco puntos de ventaja de la primera vuelta se han convertido en cuatro en las últimas encuestas. «Va a estar reñido», asegura este economista, profesor de la Universidad de Brasilia, cuyo nombre suena como candidato a ocupar un ministerio del área económica en el Gobierno de Lula. José Luis Dacosta Oreiro, cruza el charco con frecuencia para participar como profesor en un máster de la Universidad del País Vasco, en la facultad de Económicas de Sarriko. Esta semana ha participado en esa facultad el tribunal de una tesis doctoral y ha dado a los alumnos una clase, fruto de la experiencia en su país, de plena actualidad: el riesgo de que unos tipos de interés elevados para combatir la inflación duerman el crecimiento económico.
– El debate económico ¿se ha convertido en el elemento clave de la campaña presidencial?
– Si me lo llega a preguntar hace un año le hubiese dicho que sí, pero en estos momentos no. Desde poco antes de la primera vuelta de las elecciones, hay otros temas que han cobrado protagonismo. Asuntos religiosos, acusaciones a Lula de querer cerrar las iglesias, lo cual resulta chocante porque es católico practicante, las polémicas sobre la política de género o incluso ‘fake news’ como que en las escuelas la izquierda pretende enseñar a los niños a tener sexo. Es lo que el economista Paul Krugman definió como «armas de distracción masiva». Sacas la economía del debate y lo llevas a otro sitio.
– Resulta curioso, porque es un país con problemas serios de desarrollo económico, desigualdad, pobreza…
– Efectivamente. Para una población de algo más de 211 millones de habitantes, 33 millones están en situación de pobreza y 100 millones no tienen garantizado que puedan hacer con normalidad las tres comidas diarias, desayuno almuerzo y cena. Están en inseguridad alimentaria.
Afortunadamente el paro no es muy elevado. Está en torno al 9% y la tasa es más baja que la española.
– Sí, pero en Latinoamérica las cifras de paro son engañadoras. Hay un sector informal muy grande, que ocupa el 50% de la fuerza de trabajo.
– ¿Sector informal?
– Son las personas que no tienen un contrato de trabajo. Además, el 25% de la fuerza de trabajo son autónomos con un formato de supervivencia.
– Hay muchas voces que alertan también sobre el riesgo de un gasto público desmedido en manos de Lula, que puede provocar las reticencias del sector financiero y con ello la dificultad para financiar el endeudamiento.
– En realidad creo que lo que sucede es que cuando los periodistas buscan una opinión sobre economía recurren mucho a los economistas de la banca…
Reforma fiscal
– En el debate de estas elecciones también ha aparecido algo que en España es recurrente. La necesidad de una reforma fiscal.
– En nuestro caso es porque tenemos una reforma pendiente desde hace veinte años. La industria paga muchísimos impuestos. El 47% de la imposición indirecta es aportada por la industria. Junto a ello, el Impuesto sobre la Renta es absolutamente regresivo. Hace diez años que la tabla no se ajusta a la inflación y los profesionales liberales pueden escudarse tras una sociedad mercantil, con una presión fiscal muy baja. En la actualidad, quienes más pagan en Brasil son los funcionarios públicos. Yo lo soy y pago aproximadamente el 50% de mis ingresos, frente a una carga tributaria general en Brasil del 33%. Conozco gente que gana diez veces más que yo con una carga inferior.
– ¿Cuál es la herencia del Gobierno de Bolsonaro en su opinión?
– Bolsonaro ha destruido todas las políticas públicas en nuestro país. La fiscalización en la Amazonía; la sanidad pública en la que incluso se ha abandonada la vacunación obligatoria contra la polio; una reducción del 90% en el presupuesto de ciencia tecnología. A donde mires, es un desastre.
Oposición a lula
«Hay una clase media que no perdona haber perdido el privilegio de contratar barato»
La población
«33 millones de personas viven en la pobreza y 100 en la inseguridad alimentaria»
Impuestos
«En Brasil el que paga más impuestos es el funcionario. Tenemos una reforma pendiente»
– La desigualdad ¿es el principal problema del país?
– Hay dos problemas unidos, la desigualdad social y la desindustrialización prematura. En 1980 la producción industrial era igual a la de China, India y Corea del Sur. Teníamos el parque industrial más desarrollado de los países en desarrollo. Y desde entonces no ha dejado de disminuir. Cuando pierdes industria pierdes el sector que paga los salarios más altos y eso ha dejado a mucha gente en subsistencia. Vendiendo cosas en los semáforos, pidiendo limosna. Ahora incluso en Brasili, que es nuestro Versalles, hay gente viviendo en la calle.
– ¿Cuál es su fórmula para intentar superar esa situación?
– Invertir en formación y apoyar la reindustrialización del país.
– Y esa desindustrialización ¿por qué se ha producido?
– Ha sido por esa trampa de reducir la inflación pero a cambio de una tasa de cambio a corto plazo muy alta, que en algunos años ha llegado al 25% y una tasa de cambio con la moneda muy sobrevaluada, combinada con la liberalización comercial. Cualquier inversor pudiendo ganar el 10% prestándole dinero al Gobierno no arriesga en una empresa.
Pérdida de privilegios
– Voy a volver al principio de la entrevista. Los votos de la izquierda y la derecha se reparten más o menos en dos mitades. ¿A qué se debe un reparto de este tipo con más de la mitad de la población en dificultades?
– Hay varias razones. La primera es el efecto ante Partido de los Trabajadores, como consecuencia de la corrupción. Lula ha sido absuelto y no se ha podido demostrar que tuviese participación en ello, pero corrupción hubo. La segunda es el alza de la iglesia evangelista, que transmite un mensaje curioso: hay que ganarse a Dios para convertirse en rico. Eso, además de relegar a la mujer a un segundo plano o no aceptar la homoxesualidad. Mire, el 10% de la población brasileña cree que la tierra es plana, no le digo más. Y hay una tercera razón… peor es bastante duro de contar.
– Anímese, hágalo.
– Brasil fue el último país del mundo en abolir el esclavismo y eso ha dejado un cierto poso en la sociedad. Amplias capas de la población a las que podemos identificar como clase media, profesionales o empleados con salarios aceptables, siempre han tenido servicio doméstico interno. Incluso es lo habitual que todos los edificios de viviendas tengan un portero, cuando ustedes en España tienen porteros automáticos. Pues bien, en el anterior Gobierno de Lula hubo un importante aumento del salario mínimo y muchas de esas familias ahora ya no pueden disponer de servicio doméstico en las mismas condiciones. Puede parecer curioso, pero eso ha generado un sentimiento de esa parte de la población ante Lula porque consideran que les ha quitado algo.
Dacosta afirma que con Lula habrá «riesgo cero de un Gobierno comunista» en Brasil / JUAN ECHEVARRÍA
El hijo de un gallego a las puertas de un ministerio
JUAN ECHEVARRÍA
Es hijo de un gallego, nacido en Mazaricos, una población de La Coruña, que en 1954 emigro junto a un hermano a Brasil, mientras que otro lo hacía a Alemania. Su madre es portuguesa y sus progenitores se conocieron en Brasil, donde nació, para ya en la juventud encaminar sus pasos en la senda académica de la economía.
– Su nombre suena como candidato a ocupar el cargo de ministro de Economía en el caso de que Lula gane las elecciones.
– (Sonríe) Puede ser pero eso nunca se sabe. En realidad un ministerio en el área económica, porque la idea de Lula es volver a separar lo que Bolsonaro unió en el Ministerio de Economía, en el que unificó Hacienda, Planificación, trabajo y Desarrollo e Industria. Ya le puedo anticipar que de Hacienda no será ministro porque ahí se necesita un político, no un tecnócrata como yo.
– ¿Un político en Hacienda?
– Sí, en este caso está justificado. Lula se va a encontrar con el parlamento más de derechas de la historia de Brasil. Eso va a exigir a un político para negociar cuestiones fundamentales, como el presupuesto. Y un tecnócrata en medio de políticos aguanta poco…
– ¿Es mejor una voz o varias en un Gobierno discutiendo sobre medidas económicas?
– Tradicionalmente en Brasil el Ministerio de Hacienda siempre ha sido más ortodoxo y el de planificación más desarrollista. El estilo de Lula es muy peculiar porque él adora la contradicción en el debate de las ideas. Esto es, cuando hay una medida en estudio llama a una persona y escucha. Luego llama a otra y le escucha. Y así hasta que tiene todos los argumentos a favor y en contra. Y luego decide. Es un tipo muy inteligente.
– Si uno repasa el programa electoral de Lula y de los partidos que le respaldan en su intento de vuelta a la presidencia, puede pensar que está ante una copia exacta de lo que está haciendo Pedro Sánchez en España. Ayudas a familias, aumento de impuestos, incremento del gasto público, reforma laboral…
– Es cierto. En estos momentos en Brasil la acusación fácil contra Lula es decir que es un comunista.
– Bueno, la radicalización lleva a este tipo de cosas. En España cualquier que verbaliza alguna crítica contra el Gobierno es acusado de ser fascista.
– Pues en lo que hace referencia al Gobierno de Brasil puedo asegurarle que jamás ha estado más lejos de caer en una tentación comunista. Lula es católico y el vicepresidente que ha elegido para acompañarle, Geraldo Alckmin, es del Opus Dei. Ya le digo, riesgo cero de un Gobierno comunista.
“Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza”, afirma i economista José Luis Oreiro. Reprodução Youtube
“Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos”, afirma o economista e professor da UnB
O economista José Luis Oreiro afirmou que uma eventual continuidade do governo Bolsonaro seria “um desastre” para o país. “Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos”, disse em entrevista ao HP.
“Quando a gente olha o conjunto da obra, a gente observa que o crescimento da economia brasileira durante o governo Bolsonaro foi pífio. O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano, na média, isso considerando que o crescimento de 2022 deve ser em torno de 2%. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Com 0,2% de crescimento da renda per capita vai levar exatamente 144 anos para o Brasil dobrar a sua renda per capita. Então, o desempenho econômico é pífio”, avalia o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).
O economista também ressalta que “a indústria de transformação está com percentual mais baixo no PIB desde 1947 e, note lá, continuou caindo no governo Bolsonaro que não fez nada pela indústria”, destacou. “O nosso processo de desindustrialização prematura continuou de vento em popa com o governo Bolsonaro, que não está minimamente preocupado com a indústria”. “Nós temos um Presidente da República que não se importa com a Educação, que não se importa com a Ciência e Tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente. Ou seja, não se importa com nada. Se Bolsonaro for reeleito, é a destruição do país”.
O professor Oreiro declarou que a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva significará “a vitória da civilização contra a barbárie” e afirmou que, na questão econômica, o governo Lula e Alckmin precisa “se comprometer com uma agenda de reindustrialização do país ao estilo do plano de metas do Juscelino Kubitschek. Fora da indústria não há salvação. Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza. Essa tem que ser a agenda número um do governo”, defendeu Oreiro.
Leia a entrevista na íntegra.
HORA DO POVO – O governo Bolsonaro alega que com seu governo a economia do país está indo bem. Qual a sua avaliação sobre o atual quadro econômico do Brasil?
JOSÉ LUIS OREIRO – Quando a gente olha o conjunto da obra – o governo Bolsonaro começou em 2019 -, a gente observa que o crescimento da economia brasileira durante o governo Bolsonaro foi pífio. Foi mais baixo do que no governo de Michel Temer, que por sua vez foi mais baixo que no governo Dilma Rousseff, que por sua vez foi muito mais baixo que o governo Lula. Isso apesar da reforma da Previdência, que diziam que ia fazer e acontecer, etc, etc. O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média, de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano, na média, isso considerando que o crescimento de 2022 deve ser em torno de 2%. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Com 0,2% de crescimento da renda per capita vai levar exatamente 144 anos para o Brasil dobrar a sua renda per capita. Então, o desempenho econômico é pífio.
“O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média, de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Um desempenho econômico pífio”
O problema é que o governo Bolsonaro está explorando os últimos três ou quatro meses em que a inflação caiu, devido às medidas eleitoreiras e insustentáveis que o governo Bolsonaro adotou, como, por exemplo, a redução do ICMS sobre os combustíveis, a redução do IPI sobre Combustíveis e também sobre eletricidade. Quer dizer, só a redução dos impostos estaduais e federais custa por ano mais de R$ 150 bilhões, evidente que esse dinheiro vai ter que ser devolvido aos Estados no ano que vem. Os Estados não podem ficar sem essa arrecadação. Então, é uma medida puramente eleitoreira. Quando a gente soma essa redução de impostos, não é possível mantê-la, é exatamente o mesmo erro que nós vimos lá em 2013, no governo Dilma Rousseff. Então, Bolsonaro está se comportando igualzinho a Dilma.Quando a gente soma isto (a redução de impostos) com o Auxílio Brasil de R$ 600 até dezembro, você dá um estímulo fiscal importante para a economia. E, por fim, a guerra da Ucrânia, para o Brasil não está sendo ruim, porque o Brasil é um exportador de commodities, principalmente de soja e de carne, e com a guerra da Ucrânia os preços dessas commodities aumentaram, o que gerou mais renda para o agronegócio. Então, esses últimos seis meses foram de boas notícias para a economia, mas isso não é mérito do governo Bolsonaro, pelo contrário, é uma melhoria artificial da situação econômica, cujo objetivo é apenas reeleger o Bolsonaro. Nesse aspecto é similar à reeleição de Fernando Henrique em 1998, segurou o câmbio até ganhar as eleições, depois que ele ganhou as eleições soltou o câmbio. A mesma coisa vai acontecer com os preços dos combustíveis.
“Bolsonaro nunca gostou de pobre, ele odeia pobre. Só aumentou de R$ 400 para R$ 600 para ver se tirava um pouco da vantagem do Lula no Nordeste, é só isso”
Se Bolsonaro ganhar as eleições, o que eu acho muito pouco provável, o que vai acontecer? No ano que vem vai voltar tudo o que era dantes na terra de Abrantes. Ou seja, a gasolina vai voltar a R$ 7, os alimentos vão voltar a subir, e ele vai manter o Auxílio Brasil em R$ 400, ele não vai aumentar para R$ 600. Ele não tem nenhuma razão para aumentar para R$ 600, Bolsonaro nunca gostou de pobre, ele odeia pobre. Só aumentou de R$ 400 para R$ 600 para ver se tirava um pouco da vantagem do Lula no Nordeste, é só isso. Uma vez que sacramentar o resultado, fechar as urnas, e Bolsonaro é eleito, ele vai simplesmente fazer o que sempre fez, que é não dar a mínima para os pobres.
HORA DO POVO – Em caso de uma possível vitória de Bolsonaro, quais são suas perspectivas de futuro para o Brasil e para economia?
JOSÉ LUIS OREIRO – A vitória de Bolsonaro vai ser um desastre. Por quê? Bolsonaro não tem nenhum comprometimento com a questão ambiental, pelo contrário, durante o governo Bolsonaro houve um aumento exponencial das queimadas ilegais no Brasil e isso vai continuar. Isso significa que o Brasil vai ser extensamente retaliado pela União Europeia e pelos Estados Unidos na questão ambiental. Isso significa que o agronegócio brasileiro vai sofrer um profundo baque, e não adianta a gente achar que “não, a China é nosso principal parceiro comercial”. Sim, a China é, mas a União Europeia é o segundo. Então, as sanções econômicas que vão ser adotadas pela União Europeia e pelos Estados Unidos contra o Brasil vão produzir um baque muito grande no agronegócio, e esses mesmos empresários do agronegócio que hoje acham que é melhor votar no Bolsonaro no que Lula vão chorar sangue pela escolha errada, míope e burra que estão fazendo pelo projeto de Bolsonaro, que é insustentável do ponto de vista ambiental.
Segundo ponto, Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos. A indústria de transformação está com o percentual mais baixo no PIB desde 1947 e, note lá, continuou caindo no governo Bolsonaro que não fez nada pela indústria. O Paulo Guedes (ministro da Economia) disse que ia salvar a indústria, porque ia dar um choque de redução de custos de eletricidade, etc. O que aconteceu? Nada. O nosso processo de desindustrialização prematura continuou de vento em popa com o governo Bolsonaro, que não está minimamente preocupado com a indústria. Bolsonaro não está preocupado com nada, só com seu próprio umbigo e com seus familiares, isso é a única coisa que Bolsonaro se preocupa.
Outra coisa que vai ser um desastre, vai ser a política de Ciência e Tecnologia. O orçamento da Ciência e Tecnologia foi destruído no governo Bolsonaro e agora, principalmente, em 2022 por conta do “orçamento secreto”. Para poder bancar as emendas parlamentares, o Presidente da República praticamente zerou os recursos disponíveis para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Como que um país como o Brasil, que está muito atrasado tecnologicamente, vai conseguir se desenvolver sem ciência e tecnologia? É outro descalabro do governo Bolsonaro. Bolsonaro quer um país primitivo, pobre, atrasado, ignorante, porque só com esse país que ele consegue governar. Porque se o país for um país avançado, aberto ao exterior, etc., Bolsonaro perde, em qualquer cenário.
“Temos um Presidente da República que não se importa com a educação, que não se importa com a ciência e tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente”
Idem para a questão da Educação, Bolsonaro odeia a Educação, porque é uma pessoa muito pouco letrada. O que o governo Bolsonaro fez com as universidades federais é inenarrável. Quantas universidades federais o governo Bolsonaro fez? Ele só fez uma, que é a Universidade Federal de Jataí. Mas, na verdade, não é uma universidade nova. O campus de Jataí da Universidade Federal de Goiás foi convertido em uma nova Universidade, chamada de Universidade Federal de Jataí. Foi a única universidade que Bolsonaro fez. É inacreditável. Nós temos um Presidente da República que não se importa com a educação, que não se importa com a ciência e tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente. Ou seja, não se importa com nada. Bolsonaro, se for reeleito, é a destruição do país, é o caminho para este país se transformar numa Venezuela ou coisa pior.
HORA DO POVO – Em caso de vitória de Lula, quais são as suas perspectivas e, na sua avaliação, que medidas seriamnecessárias para tirar o país da crise?
JOSÉ LUIS OREIRO – A vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva significa a vitória da civilização contra a barbárie. Isso eu tenho dito desde o início do ano quando eu declarei meu voto em Lula, apesar de ter uma preferência pelo projeto de governo do candidato Ciro Gomes. Eu avaliei que esta eleição não era um plebiscito sobre o novo desenvolvimentismo, sobre as minhas ideias, mas sim um embate entre a civilização e a barbárie. Por isso, desde janeiro de 2022 eu declarei publicamente o meu voto em Luiz Inácio Lula da Silva, e agora com o vice-presidente, o ex-governador Geraldo Alckmin. Então, eu acho que esse é o primeiro significado, a vitória da civilização contra a barbárie.
“Orçamento secreto, tem que acabar, é a legalização da corrupção”
Agora não vai ser um governo fácil. O presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin vão encontrar não só um Congresso extremamente conservador, mas um Congresso que está bem cevado com o “orçamento secreto” e isso tem que acabar, porque “orçamento secreto” é a legalização da corrupção. Isso tem que acabar. Em um ano, oorçamento secreto é muito mais dinheiro do que todas as estimativas de corrupção ocorridas ao longo de 13 anos do governo do PT.
Eu acho que o governo Lula e Alckmin vai precisar se comprometer com uma agenda de reindustrialização do país ao estilo do plano de metas do Juscelino Kubitschek. Recentemente fiz um post no meu blog fazendo propostas no sentido de reindustrialização do Brasil. Fora da indústria não há salvação. Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza. Essa tem que ser a agenda número um do governo.
Passado o primeiro turno das eleições presidenciais é chegado o momento do(a) eleitor(a) averiguar qual o projeto de seu candidato para o Brasil.
O maior problema do Brasil é o declínio da taxa de crescimento econômico de longo-prazo (média móvel decenal do crescimento do PIB) desde 2013, conforme podemos observar na figura abaixo.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
A média móvel decenal (10 anos) de crescimento da economia brasileira caiu de 3,84% a.a no terceiro ano do governo Dilma Rouseff para míseros 0,29% a.a no terceiro ano do governo Bolsonaro.
A desaceleração do crescimento da economia brasileira tem início em 1977, durante o governo do General Geisel, quando a média móvel de 10 anos da taxa de crescimento atinge seu valor máximo a 8,67% a.a, caindo progressivamente até alcançar 1,64% a.a no primeiro ano do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Durante o governo do Presidente Luis Inacio Lula da Silva observa-se uma breve aceleração do crescimento o qual passa de 2,55% a.a na média móvel decenal de 2003 para 3,53% na média móvel decenal de 2010. Essa aceleração do crescimento atinge seu zênite em 2013, no governo Dilma Rouseff, quando a média móvel decenal alcançou 3,84% a.a.
A figura acima deixa claro a olho nu que a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com o início do seu processo de desindustrialização, ou seja, de redução da participação da indústria de transformação no PIB.
A participação da indústria de transformação no PIB em 2021, durante o governo Bolsonaro, é a mais baixa da história desde 1947, durante o governo do Marechal Dutra. Em números, em 1947 a participação da indústria de transformação era 13,06%. Em 2021 a participação da indústria de transformação havia se reduzido para 10,44%.
O Brasil está se transformando num grande fazendão, incapaz de crescer e produzir emprego e renda para uma população de mais de 210 milhões de pessoas.
A correlação entre a taxa média de crescimento decenal do PIB e a participação da indústria de transformação é de 0,75, valor alto e estatisticamente significativo.
Apenas o candidato Luis Inacio Lula da Silva tem a reindustrialização do Brasil como proposta no seu programa de governo. O candidato Bolsonaro não trata de temas econômicos, mas apenas de temais morais e religiosos para desviar o foco de atenção dos eleitores da economia, na qual seu governo foi um desastre.
Minhas sugestões para a chapa Lula-Alckimin para pôr em prática um processo de reindustrialização:
(i) Programa de Renovação da Frota de Automóveis: nas periferias das grandes cidades brasileiras, como se observa claramente nas cidades no entorno de Brasília, observa-se uma grande quantidade de automóveis em circulação com até 30 anos ou mais de uso. Ao mesmo tempo a indústria automobilística brasileira opera com elevada capacidade ociosa. O governo federal deverá implantar um programa de renovação da frota de automóveis com financiamento do BNDES e do Tesouro nacional no qual os proprietários de veículos com mais de 15 anos de uso poderão vender para as concessionárias de automóveis seus carros ao preço da tabela FIPE e comprar automóveis zero quilômetro que tenham baixa emissão de CO2. O Tesouro nacional irá pagar o valor referente ao preço do carro usado vendido e o BNDES irá financiar a diferença entre o preço de compra do carro novo e o preço de venda do carro velho. Os carros vendidos serão tirados de circulação e transformados em sucata para reciclagem dos seus componentes. Esse programa terá um triplo benefício: irá reduzir as emissões de CO2 dos veículos de passageiros, irá aumentar a produção da indústria automobilística, reduzindo assim a ociosidade da mesma e gerando empregos de qualidade e, por fim, irá aumentar o bem-estar da população que poderá usufruir de carros mais novos e mais econômicos.
(ii) Programa de Ampliação e Atualização Tecnológica do Transporte Público: Nas grandes cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, etc. é notória a deficiência de transporte público, barato e de boa qualidade. Milhões de brasileiros andam todos os dias em ônibus, trens e metrôs lotados e gastam, em média, 3 horas por dia no transporte público. O governo federal deverá ter como meta reduzir à metade o número de horas gastas em transporte público nas grandes cidades entre 2023 e 2026. Para isso o BNDES deverá conceder financiamento a juros subsidiados para os governos estaduais e municipais para a ampliação e atualização tecnológica do transporte público, com prioridade para trens urbanos, BRT, VLT e metro. A realização de um grande bloco de investimentos em mobilidade urbana irá criar mercado para as indústrias produtoras de equipamento de transporte e para as empresas de engenharia civil que irão executar essas obras. Milhões de empregos poderão ser criados em 4 anos.
(iii) Programa de Geração de Energia Limpa. Atualmente 30% da produção de energia elétrica no Brasil advém de usinas térmicas que jogam CO2 na atmosfera contribuindo assim para o efeito estufa e as mudanças climáticas. O governo federal deverá ter como meta reduzir essa proporção a metade até 2026. Uma primeira medida nesse sentido seria criar um PL obrigando que todas as novas edificações, sejam para uso comercial ou residencial, deverão dispor de painéis solares para o atendimento de, pelo menos, 50% das suas necessidades energéticas. O governo federal deverá também construir usinas de painéis solares e parques eólicos para a obtenção da meta de redução da geração de eletricidade por intermédio de usinas térmicas. Por fim, um PL deverá proibir a construção de usinas térmicas movidas a carvão, mesmo que seja por parte da iniciativa privada. Tal como no item anterior a realização de um grande bloco de investimentos na produção de energia limpa irá criar demanda para indústrias produtoras de painéis solares e cataventos. Como se trata de uma indústria infante no Brasil e de interesse geral como forma de enfrentar as mudanças climáticas, o governo deverá introduzir um imposto de importação específico para esse equipamento, de maneira a estimular a substituição de importações por produção doméstica. Esse imposto deverá vigorar por um prazo de dez anos.
José Luis Oreiro, Professor do Departamento de Economia da UnB e pesquisador do CNPq. Coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Research Group (SDM).
Luiz Fernando de Paula, Professor de Economia do IE/UFRJ e do IESP/UERJ e pesquisador do CNPq e da FAPERJ. Vice-coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Research Group (SDM).
“A dificuldade não reside tanto em desenvolver novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram educados como a maioria de nós, em cada canto da nossa mente.”
J. M. Keynes, 1936, Prefácio do livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”.
Na edição 97 de Insight Inteligência foi publicado um artigo de Samuel Pessoa – intitulado “Monólogo com a faca entre os dentes” – fazendo uma crítica aos escritos de André Lara Rezende (doravante ALR) nos últimos anos. Samuel faz dois tipos de crítica a ALR. A primeira é de que as divergências que ALR apresenta com respeito à teoria convencional já foram totalmente absorvidas pela “fronteira do conhecimento” da “teoria convencional”. A segunda crítica é de que o entendimento de ALR à determinação da taxa de juros real não só é incompatível com a teoria tradicional, como é essencialmente equivocado. No referido artigo, Samuel faz um percurso inusitado: começa elaborando uma razoável descrição da teoria pós-keynesiana, do qual parece aceitar algumas ideias, para em seguida propor uma síntese com a teoria convencional e, finalmente, defender a abordagem convencional da teoria monetária.
Não é nosso objetivo neste artigo defender as posições de ALR. Não temos procuração ou interesse para fazê-lo. Pretendemos com este artigo, para usar a expressão inglesa “set the record straight” (deixar as coisas em pratos limpos, numa tradução livre), a discussão econômica feita no Brasil – a qual cai constantemente em problemas como generalizações indevidas – e a construção de caricaturas das posições divergentes em debate, com o objetivo de fazer o leitor acreditar que na economia existe uma única forma correta do ponto de vista científico de abordar um determinado problema (a qual Samuel Pessoa chama de “Teoria Convencional”) e que abordagens alternativas seriam, portanto, não científicas. Nesse contexto, procuraremos aqui esclarecer quais afirmações de Samuel Pessoa no seu monólogo são corretas, quais são as mistificações a respeito da “confiança racional” (para usar uma variante do termo “peso do argumento” criado por Keynes no seu “Tratado sobre probabilidade” publicado em 1919) que os economistas têm sobre certas proposições e, por fim, mas não menos importante, checar quais afirmações feitas por Samuel Pessoa naquele artigo divergem de posições que esse autor apresenta em outras publicações na grande mídia.
Para iniciar nossa argumentação, é necessário definir, previamente, o termo “Teoria Convencional”, algo que Samuel não faz em seu artigo, dando a entender implicitamente que seria um conceito autoevidente e que, portanto, carece de explicações adicionais. Toda e qualquer ciência começa necessariamente pela definição adequada de termos e conceitos para que haja clareza sobre as questões que serão analisadas a partir de um determinado arcabouço teórico. O termo “teoria convencional” é vago e carece de sentido. Uma teoria científica é construída, primeiramente, a partir daquilo que o economista austríaco Joseph Schumpeter chamava de “visão de mundo”, que nada mais é do que a forma pela qual o cientista, no caso em questão o economista, enxerga como o mundo funciona. Existem diversas visões de mundo. Samuel Pessoa se encaixa, salvo melhor juízo, naquilo que podemos chamar de “princípio do individualismometodológico”, ou seja, de modo que a economia deve ser analisada do ponto de vista das escolhas racionais dos indivíduos e como essas decisões são coordenadas (ou em certos casos não) por intermédio do sistema de preços de mercado. A partir dessa visão de mundo pode-se construir uma série de teorias ou “modelos” para explicar esse ou aquele aspecto do funcionamento do sistema econômico. Esse conjunto de modelos e teorias elaborados a partir desse princípio metodológico é denominado “Teoria Neoclássica” no meio acadêmico de economia.
Atualmente, o estado da arte ou a fronteira do conhecimento da “Teoria Neoclássica” consiste no modelo de equilíbrio geral estocástico dinâmico (doravante DSGE) no qual se assume a existência de um agente representativo de todas as famílias que existem e existirão na economia até o dia do Juízo Final, e que esse agente representativo é um ser onisciente capaz de definir uma lista completa de eventos futuros ou “estados da natureza” que possam afetar os resultados de suas escolhas racionais feitas de hoje até o armagedon. Essa é uma economia na qual a moeda não é essencial, ou seja, não é necessária para o entendimento do processo de tomada de decisões dos agentes, haja vista que (i) a existência de mercados contingentes completos (a ideia implícita nesses modelos de que existe um preço cotado hoje para um guarda-chuva que será entregue em Brasília no Natal de 2568, se chover) elimina a existência de incerteza e, portanto, a demanda de moeda como estratégia defensiva, face ao contexto de tomada de decisões sob incerteza (no sentido não probabilístico); (ii) a adição da moeda a esse tipo de modelo é sempre feita de forma ad hoc, por intermédio de “atalhos”, de maneira que a sua presença ou não no modelo não afeta a natureza da posição final de equilíbrio do sistema econômico.
Nessa classe de modelos, a taxa de juros não é o “preço da moeda”, mas sim o “preço da espera”; ou seja, quanto que o agente representativo precisa ser recompensado em termos de aumento do consumo no futuro para desistir de consumir hoje. Em outras palavras a taxa de juros expressa o preço do consumo futuro em termos do consumo presente, refletindo assim a impaciência intertemporal do agente representativo, sendo um fenômeno não monetário. Bancos centrais não podem determinar a taxa real de juros da economia, a qual é uma relação de troca entre bens hoje e bens amanhã, mas apenas a taxa de juros nominal ou, na expressão de Kaldor (1939), “a taxa própria de juros da moeda”, a qual é definida como o retorno da moeda em termos se si mesma, constituindo-se assim na relação de troca entre moeda hoje e moeda amanhã.
Os mercados financeiros permitem ao agente representativo fazer operações de arbitragem entre a taxa de juros real e a taxa de juros monetária, alocando seus recursos entre “aplicações reais” ou “aplicações monetárias”, a depender da relação entre as taxas em consideração. Em equilíbrio, deve ser igualmente vantajoso para o indivíduo “aplicar” em bens ou moeda, ou seja, as taxas próprias de juros dos bens e da moeda devem ser iguais entre si, quando medidas na mesma unidade. Aqui entra a “identidade de Fisher”. A taxa de juros da moeda medida em termos de bens será igual a taxa de juros própria da moeda menos a taxa esperada de desvalorização da moeda frente aos bens (que é a taxa esperada de inflação). A taxa própria de juros dos bens – a taxa real de juros – é determinada, como vimos, pelas preferências intertemporais do Agente Representativo. A taxa de juros da moeda em termos de bens será igual a diferença entre a taxa própria de juros da moeda em termos de si mesma menos a taxa esperada de inflação. O Banco Central pode fixar a taxa própria de juros da moeda no nível que desejar, mas não pode alterar a taxa real de juros. Nesse contexto, a taxa nominal de juros estará indeterminada, a não ser que exista um elemento externo ao modelo que “fixe” ou ancore as expectativas de inflação. Esse elemento externo é a meta inflacionária que a autoridade monetária deve buscar atingir. Se a meta inflacionária for crível, então a taxa própria de juros da moeda será igual a diferença entre a taxa real de juros e a meta de inflação. Isso posto, no modelo neoclássico da fronteira do conhecimento, o Banco Central não tem liberdade para fixar a taxa de juros em qualquer nível, embora tenha as condições técnicas de fazê-lo, porque está restrito pela obrigação institucional de obter a meta inflacionária. Quanto maior for a meta inflacionária maior terá que ser, ceteris paribus, a taxa própria de juros da moeda para garantir a igualdade entre as taxas de retorno das aplicações em bens e moeda.i
Uma vez apresentada o que entendemos por “teoria convencional” passemos a análise dos argumentos de Samuel. Ele afirma que a teoria convencional não só não se apoia na teoria quantitativa da moeda, como também aceita a endogeneidade da oferta de moeda. Essas afirmações são corretas. De fato, a teoria neoclássica no seu atual estado da arte admite a endogeneidade da oferta de moeda (Woodford, 2003) e, ao fazê-lo, rejeita a teoria quantitativa da moeda, que se apoia explicitamente na hipótese de moeda exógena. Samuel também afirma que a teoria convencional aceita a tese cara a assim chamada Teoria Monetária Moderna de que o governo não possui uma restrição financeira. Essa afirmação precisa ser contextualizada. Quando o governo é introduzido nos modelos DSGE é definida a assim chamada restrição orçamentária intertemporal do governo, que estabelece que o fluxo de superávits primários obtidos pelo governo de hoje até uma determinada data futura, quando trazido para valor presente, tem que ser igual ou maior do que o valor real da dívida pública hoje. Essa é uma restrição de recursos reais, que impede o governo de comprar bens e serviços de forma ilimitada, deixando uma dívida positiva para o dia do armagedon. Em outras palavras, a restrição orçamentária do governo estabelece que a dívida do governo, em termos da capacidade de compra de bens e serviços, não pode crescer para sempre.
Essa é uma restrição de natureza intertemporal, de maneira que é per se compatível com a existência de déficits primários por um período indefinidamente longo de tempo, desde que não seja infinito.
Mas o que acontece se o agente representativo for um político populista com tendências autoritárias que deseja se perpetuar no poder por intermédio da distribuição de benesses para os seus eleitores? Nesse caso, o valor presente do fluxo de resultados fiscais primários pode se tornar menor do que o valor real da dívida do governo no tempo presente. Desse modo, para que a restrição orçamentária do governo seja satisfeita, é necessário que a inflação se acelere de maneira a reduzir o valor real da dívida do governo no tempo presente. Daqui se segue que, com base na teoria convencional, é impossível que o governo declare moratória da dívida que ele mesmo emite, desde que esteja disposto a aceitar a taxa de inflação requerida (mais elevada) para fazer o ajuste. Aqui pode ocorrer um conflito com a meta inflacionária. Se a inflação necessária para fazer cumprir a restrição orçamentária do governo for maior do que a meta inflacionária, então o modelo estará, na linguagem matemática, sobredeterminado, ou seja, uma mesma variável (no caso a taxa de inflação) terá dois valores distintos. A forma natural de resolver a sobredeterminação é assumir que no caso de conflito entre a autoridade monetária e a autoridade fiscal, quem prevalece é a autoridade fiscal, ou seja, a meta de inflação será ajustada para o nível necessário, no atendimento da restrição orçamentária intertemporal do governo. Isso é o que a literatura neoclássica chama de dominância fiscal. Sendo assim, o governo nunca irá se defrontar com uma restrição financeira aos seus gastos, e muito menos declarar default sobre a dívida, ainda que possa ser ao custo de uma inflação maior. Portanto, a afirmação de Samuel sobre a ausência de restrição financeira na teoria convencional também está correta.
Nossas divergências com Samuel começam pela sua interpretação do princípio da demanda efetiva. Samuel corretamente coloca que o princípio da demanda efetiva estabelece que uma relação de causalidade unidirecional do investimento para a poupança, ou seja, a poupança sempre se ajusta, por intermédio de algum mecanismo, ao volume de investimento decidido pelos empresários. O princípio da demanda efetiva foi originalmente formulado por Keynes na sua “Teoria Geral” (1936) para o curto prazo marshalliano, mas estendido para o longo prazo por Kaldor (1956) e Bortis (1997). No curto prazo, a poupança se ajusta ao investimento por intermédio de mudanças no nível de emprego dos recursos produtivos; ao passo que no longo prazo o ajuste se dá por intermédio de mudanças na distribuição de renda entre salários e lucros (Kaldor) ou na relação entre a demanda autônoma e o nível de atividade produtiva (Bortis). Nessas condições, a poupança nunca será um obstáculo para o aumento do investimento, o qual poderá ser restrito apenas pela disposição dos bancos em conceder crédito, dada a sua capacidade de criar poder de compra novo, a qual depende da sua maior ou menor preferência pela liquidez. Em outras palavras, investimento requer financiamento, que por sua vez não se confunde com poupançaii (esse ponto é assinalado pelo Samuel).
Qual a nossa divergência com Samuel sobre o princípio da demanda efetiva? No seu artigo Samuel afirma que:
Todos os modelos empregados pelos Bancos Centrais mundo afora atende[m] ao princípio da demanda efetiva. A causalidade é do investimento para a poupança. Não é necessária poupança prévia para financiar o investimento.
Os modelos usados pelos bancos centrais, exceto, mais recentemente, os modelos usados pelo Banco da Inglaterra,iii se baseiam em alguma variante do modelo DSGE. Nesse modelo, a oferta de poupança é infinitamente elástica ao nível da taxa real de juros de equilíbrio, o qual é determinada pelas preferências intertemporais do agente representativo. Supondo que o investimento seja uma função inversa da taxa real de juros, então os empresários irão investir até o ponto que o retorno real dos seus projetos de investimento for igual à taxa real de juros. Nesse contexto, um aumento da “propensão a poupar” por parte do agente representativo – isto é, uma redução da sua taxa de impaciência intertemporal – levará a um aumento do investimento, invertendo assim a relação de causalidade proposta pelo princípio da demanda efetiva. Portanto, é um mito que a teoria convencional tenha incorporado o princípio da demanda efetiva.
Samuel deixa de lado o princípio da demanda efetiva e a teoria da preferência pela liquidez quando afirma que as elevadas taxas de poupança no Japão e na China – uma vez que a previdência pública tem benefícios muito baixos, o que leva as pessoas a pouparem parte substancial da sua renda – resultam numa taxa neutra de juros baixa, que permite níveis elevados de dívida pública. Nenhuma referência se faz ao papel crucial dos bancos públicos (inclusive bancos de desenvolvimento) no financiamento de longo prazo na China, resolvendo a problemática da restrição financeira do investimento, contribuindo assim para as elevadíssimas taxas de investimento no país. Seguindo a linha de argumentação de Samuel, os países nórdicos europeus, com seus sistemas públicos previdenciários abrangentes, produziriam baixo estímulo à poupança individual, resultando numa poupança agregada baixa e uma taxa neutra de juros muito elevada!
Outro ponto que nos chamou atenção na argumentação de Samuel foi seu reconhecimento explícito de que a indústria de transformação é o setor de atividade econômica que está sujeito a retornos crescentes de escala. Acreditamos que Samuel não se deu conta das implicações desse reconhecimento não apenas para o seu “monólogo” com ALR, mas sobre as posições que o próprio Samuel tem assumido no debate público sobre o processo de desindustrialização do país. Se a indústria de transformação estiver sujeita a retornos crescentes de escala, conforme é atestado por vasta evidência empírica (Ros, 2013, pp. 193-196), então a indústria é o motor de crescimento da economia no longo prazo (Thirwall, 2002, cap. 3), de forma que a desindustrialização tem efeito negativo sobre o processo de desenvolvimento econômico. Essa é a posição da escola novodesenvolvimentista brasileira, da qual os autores deste artigo não só fazem parte como contribuem para o seu aprimoramento teórico e empírico, chamando em particular atenção para os problemas causados pelo processo de desindustrialização precoce, como está ocorrendo no Brasil. O problema é que em matéria publicada no Valor Econômico em 25 de agosto de 2022, quando indagado sobre a importância do processo de desindustrialização, Samuel afirma que
(…) não é bom, nem ruim, é o que o mercado produziu.
Aqui temos uma contradição clara com o que Samuel afirma no monólogo com ALR e o que ele afirma na matéria do Valor Econômico. Retornos crescentes de escala é uma das possíveis causas de “falhas de mercado”, ou seja, situações nas quais o mercado produz uma alocação ineficiente de recursos. Sendo assim, se o mercado produziu a desindustrialização brasileira, isso não quer dizer que seja uma situação neutra do ponto de vista da alocação de recursos: o Estado poderia melhorar o bem-estar de toda a população se tivesse adotado as medidas corretas para deter o processo de desindustrialização precoce (ou seja, de países que se desindustrializam antes de atingirem um nível de renda per capita elevado).
Contudo, nossa maior divergência com Samuel se dá por conta da seguinte afirmação feita em seu “monólogo”:
O fato é que o modelo de determinação da taxa de juros que vigora hoje nos livros-textos representa uma síntese do pensamento neoclássico com a contribuição de Keynes.
Aqui Samuel parece querer recuperar um velho debate na história do pensamento econômico a respeito da equivalência entre a teoria dos fundos de empréstimos (a fronteira do conhecimento da teoria neoclássica nos anos 1930) e a teoria da preferência pela liquidez.iv Essa controvérsia teve origem com Hicks (1939[1987]) para quem:
A taxa de juros é determinada pela oferta e procura de fundos de financiamento, ou é determinada pela oferta e procura do próprio dinheiro? (…) Espero provar que não faz a menor diferença essa forma de apresentar a questão ou se seguirmos os autores que adotam no presente momento o ponto de vista contrário. Seguidas adequadamente, as duas abordagens levam aos mesmos resultados (Hicks, 1987, p. 129).
Samuel faz uma pequena inovação com respeito à argumentação de Hicks. Em vez de afirmar que ambas as teorias levam ao mesmo resultado, Samuel afirma que na teoria tradicional o juro médio da economia é determinado pelo modelo dos fundos emprestáveis, ao passo que a preferência pela liquidez determina os prêmios que títulos de dívida de diferentes maturidades pagam com relação ao juro médio ou básico da economia.
O primeiro problema com essa argumentação é que a estrutura dos modelos DSGE não permite o aparecimento de preferência pela liquidez, porque a liquidez só é um atributo desejável dos ativos financeiros numa situação de incerteza, ou seja, onde os agentes econômicos não são capazes de definir uma lista completa de estados da natureza que podem afetar o resultado do seu processo de tomada de decisão. Nenhum modelo DSGE pode ser construído em tais condições.
Mas esse não é a nossa maior divergência com respeito à argumentação de Samuel. O grande problema da argumentação de Samuel é que todo o seu artigo está estruturado com base na premissa de que existe apenas uma forma cientificamente correta de abordar o tema da determinação da taxa de juros na economia. Discordamos totalmente disso. E vamos além. Iremos argumentar que a Teoria da Preferência pela Liquidez é uma forma alternativa de determinação da taxa de juros, na qual é a taxa de juros própria da moeda que determina a taxa real de juros, ao invés do contrário.
Keynes na sua “Teoria Geral” (TG) apresentou a determinação da taxa de juros em dois níveis de agregação distintos. Nos capítulos 13 e 15 Keynes apresenta um modelo de escolha de portfólio no qual existem apenas dois ativos: moeda e títulos. Nesse contexto, a preferência pela liquidez se reduz à demanda de moeda. Para simplificar ainda mais sua argumentação, Keynes deixa de lado todos os detalhes operacionais do processo de determinação da oferta de moeda por intermédio da escolha de portfólio dos bancos comerciais, os quais ele havia apresentado no seu “Tratado sobre a Moeda” (1930), e supõe que a oferta de moeda é exógena. Trata-se de um modelo tipo “Ford T” cujo objetivo era mostrar da maneira mais clara e direta possível que a taxa de juros é determinada pela “preferência pela liquidez”, não pela “impaciência intertemporal” dos agentes econômicos. No capítulo 17 da TG, que aparentemente não foi do agrado de Samuel, Keynes apresenta um modelo mais sofisticado no qual os agentes econômicos podem escolher entre diversos ativos com base na sua taxa própria de juros, ou seja, a taxa de retorno do ativo medido em termos de si mesmo. A taxa própria de juros é uma medida do retorno total do ativo, o qual inclui os rendimentos esperados pela posse ou uso do ativo, o custo de carregamento do ativo e a facilidade com a qual o mesmo pode ser convertido em meio de pagamento se e quando o seu proprietário assim o deliberar (ou seja, o prêmio de liquidez). Dessa forma, teremos uma taxa própria de juros diferente para cada ativo existente na economia. Para que as taxas próprias de juros possam ser comparadas, é necessário que se use um denominador comum, o qual iremos supor que é a moeda. Nesse contexto, teremos que adicionar à taxa própria de juros de cada ativo a valorização ou desvalorização esperada desse ativo em termos de moeda. Feito isso, o equilíbrio de portfólio implica a equalização das taxas próprias de juros em termos de moeda.
A moeda é um ativo sui generis porque seu rendimento esperado e seu custo de carregamento é igual a zero. A valorização ou desvalorização esperada da moeda em termos de si mesmo é também igual a zero. Sendo assim, parece irracional a manutenção de moeda, exceto para a realização de pagamentos, tal como estabelecia a velha e ultrapassada Teoria Quantitativa da Moeda. Contudo, a “visão de mundo” de Keynes é diferente da visão de mundo da Teoria Neoclássica. Se nela a liquidez é um atributo pelo qual os agentes não estão dispostos a pagar, devido a onisciência do Agente Representativo, para Keynes a liquidez é fundamental, pois a posse de ativos líquidos é uma espécie de seguro geral contra eventos não só inesperados, mas que sequer poderiam ser previstos. Como a liquidez é definida como o grau de conversibilidade de um ativo em meio de pagamento, então a moeda é o ativo que possui, por definição, a maior liquidez possível em todo o espectro de ativos.
Mas de que forma é a taxa própria de juros da moeda que regula ou determina as taxas de retorno de todos os demais ativos da economia? Antes de responder a essa pergunta temos que concordar com Samuel que esse ponto não está adequadamente explicado por Keynes na sua “Teoria Geral” (1936). Foi no debate com os economistas neoclássicos da sua época, após a publicação da “Teoria Geral”, que Keynes deixou mais clara a natureza da sua teoria da determinação da taxa de juros. No artigo “A Teoria da Taxa de Juros”, publicado em 1937, Keynes afirma que:
Muito resumidamente, a teoria ortodoxa mantém que as forças que determinam o valor comum da eficiência marginal dos vários ativos são independentes do dinheiro (…) e que os preços variarão até que a eficiência marginal do dinheiro, isto é, a taxa de juros, se alinhe pelo valor comum da eficiência dos outros ativos, determinada por outras forças. A minha teoria, em contrapartida, mantém que é um caso especial e que, num variado leque de casos possíveis, se passa quase o contrário, isto é, a eficiência marginal do dinheiro é determinada por forças que lhe são parcialmente apropriadas e os preços dos outros ativos se alinhem pela taxa de juros.
Vimos anteriormente que a taxa própria de juros de um ativo medido em termos de moeda inclui a valorização ou desvalorização esperada do ativo. No longo prazo o preço esperado de um ativo reprodutível (por exemplo, máquinas e equipamentos) deverá ser igual ao preço de oferta do equipamento de capital, o qual depende da produtividade do trabalho nas indústrias produtoras de equipamento de capital e da taxa monetária de salários. O preço de oferta é, nessas condições, o preço para entrega futura do ativo. Se o ativo em consideração puder ser transacionado em mercados secundários, ainda que pouco organizados e, portanto, com baixa liquidez, então podemos definir um preço para a entrega imediata do ativo. Se o preço para entrega futura do ativo for menor do que o preço para entrega imediata, então haverá um estímulo para a produção de unidades adicionais desse ativo; do contrário, não.
Nesse contexto, o que acontece com a economia se houver um aumento da percepção de incerteza que leve a um aumento da preferência pela liquidez dos agentes? O resultado imediato será um aumento da taxa própria de juros da moeda, produzindo um desequilíbrio com relação a taxa própria de juros dos demais ativos. Para que o equilíbrio seja restabelecido, é necessário que o preço para entrega imediata dos demais ativos caia relativamente ao preço para entrega futura, o que no caso dos bens de capital corresponde ao seu preço de oferta. Como o preço do ativo de capital para entrega futura está mais baixo do que o preço do ativo de capital para entrega imediata, não há nenhum estímulo para a produção de novas unidades de bens de capital, o que gera uma retração do investimento. Dessa forma, uma variação da taxa própria de juros da moeda terá causado uma variação da taxa própria de juros dos demais ativos. Trata-se de umarelação de causalidadeinversa a da“teoria convencional”. Logo, Samuel parece se equivocar ao afirmar que a teoria da determinação da taxa de juros, tal como apresentada nos livros texto de economia, é uma síntese entre a teoria de Keynes e a teoria neoclássica.
Concluindo, a diferença fundamental entre a teoria pós-keynesiana e a teoria neoclássica não se encontra no processo de criação da moeda, ou seja, na elasticidade da oferta de moeda com relação à taxa de juros, dando ensejo a uma curva de oferta de moeda mais “vertical” ou mais “horizontal”, mas, sim, como procuramos mostrar neste artigo, no papel da moeda (e ativos líquidos) para o funcionamento da economia. Isso diz respeito à teoria da preferência pela liquidez e sua relação com a tomada de decisões sob condições de incerteza, que pode afetar abruptamente o estado de expectativas dos agentes, com implicações sobre as variáveis reais da economia (produto e emprego). É nesse sentido que Keynes disse que “a moeda afeta motivos e decisões dos agentes”, ou seja, é moeda é não neutra, seja no curto quanto no longo prazo.
Bibliografia
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Thirwall, A.P. (2002). The Nature of Economic Growth: an alternative framework for understanding the performance of nations. Cheltenham: Edward Elgar.
Woodford (2003). Interest and Prices: Foundations of a Theory of Monetary Policy. New Jersey: Princeton University Press.
[1] Aqui cabe um esclarecimento importante sobre a relação entre a taxa de juros e a taxa de inflação. No equilíbrio de longo-prazo do modelo neoclássico a igualdade entre as taxas próprias de juros dos bens e da moeda exige que a taxa real de retorno da moeda seja igual a taxa real de juros dos bens, determinada pala impaciência intertemporal do agente representativo. Isso significa que quanto maior for a meta de inflação definida pela autoridade monetária maior será a taxa própria de juros da moeda para que essa condição de equilíbrio seja atingida. No curto-prazo, contudo, devido a existência de custos de ajustamento de preços, a economia pode operar por vários períodos em desequilíbrio. Nesse contexto, se estabelece uma relação inversa entre a taxa de juros própria da moeda e a taxa de inflação: uma elevação da taxa monetária de juros irá reduzir a taxa de inflação até que seja atingida a meta inflacionária definida pelas autoridades monetárias. Dessa forma, a relação de curto-prazo entre taxa de juros e inflação é diferente da relação de longo-prazo, algo que nem ALR e nem Samuel Pessoa percebem em suas análises.
[1] Sobre uma discussão mais aprofundada da relação entre investimento-financiamento-poupança, ver Paula (2003).
[1] Após a crise financeira internacional de 2008, o Banco da Inglaterra incorporou os modelos Keynesianos de consistência entre estoques e fluxos baseados no trabalho seminal de Godley e Lavoie (2007) no seu arsenal de modelos de previsão sobre o comportamento da economia no curto e no médio-prazo.
Prolongamento da guerra na Ucrânia e aumento de juros para conter alta da inflação vão desacelerar crescimento econômico em todo o mundo, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
O número está bem abaixo do ritmo de crescimento econômico projetado antes da guerra e representa cerca de US$ 2,8 trilhões de perdas no mundo no ano que vem. Segundo a OCDE, o conflito deve continuar afetando a economia, em particular nos preços da energia e dos alimentos. A previsão de inflação mundial foi elevada para 8,2% em 2022 e 6,6% em 2023. “As pressões inflacionárias são cada vez mais generalizadas, com o aumento dos custos da energia, transportes e outros que são transferidos para os preços”, destacou o relatório.
Em linha com as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), a organização projeta que o Brasil crescerá 2,5%, quase dois pontos acima da estimativa de junho, bem superior às previsões iniciais. No entanto, a estimativa para 2023 foi 0,4 ponto percentual abaixo da previsão anterior, projetando que o país deve crescer apenas 0,8% no próximo ano.
Segundo o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, o crescimento mais expressivo neste ano não é sinônimo de que a economia brasileira esteja pujante e em pleno crescimento. “Na verdade é o resultado das medidas fiscais extremamente expansionistas e eleitorais, chamando atenção para a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) dos combustíveis e da eletricidade, que reduziram a inflação”, disse.
A guerra elevou ainda mais os preços da energia, especialmente na Europa, agravando as pressões inflacionárias em um momento em que o custo de vida já estava subindo rapidamente em todo o mundo devido aos impactos persistentes da pandemia de covid-19. Por outro lado, o economista destacou que o conflito acabou favorecendo o Brasil com o preço das commodities agrícolas. “Ajudou o valor das exportações brasileiras, principalmente da soja. A combinação de todos esses elementos vai fazer a economia brasileira se expandir 2,5%, mas eu quero chamar atenção que esse [crescimento de dois e ]meio por cento é inferior a nossa média [histórica de 1980-2014, que foi de 2,8% a.a]”, acrescentou.
O economista especialista em macroeconomia e doutorando em ciência política, Felipe Queiroz, atribui o baixo crescimento projetado para os próximos anos à recuperação lenta da indústria, que é quem realmente contribui para o aquecimento da economia. “Nos últimos anos perdemos capacidade de produção de fertilizantes, de refino e de petróleo. Além disso, a indústria em diferentes setores está estrangulada, isso contribui para que as projeções, especialmente dos organismos internacionais, sejam não apenas conservadoras, mas muito cautelosas e até mesmo pessimista em relação à capacidade do país crescer”, afirmou.
Os países do G20 devem avançar no próximo o mesmo ritmo da economia mundial, após uma redução de 0,6 ponto da perspectiva para o grupo na comparação com junho. Neste grupo, a OCDE diminuiu em 1,5 ponto a previsão para a Argentina, que deve crescer 0,4% no próximo ano, depois de um avanço calculado em 3,6% para 2022, que não teve alteração, e de 10,4% em 2021.
pri-2709-economia(foto: pri-2709-economia)
Riscos de recessão
O relatório projeta recessão na Alemanha e na Rússia no ano que vem. Na Alemanha, a previsão é de crescimento de 1,2% este ano, mas a economia alemã entraria em recessão, com contração de 0,7% em 2023. E, após uma contração de 5,5% em 2022, a OCDE reduziu a estimativa para o próximo ano na Rússia, que deve registrar resultado negativo de 4,5% em 2023.
O crescimento na China também foi atingido e deve cair para uma projeção de 3,2% em 2022. Exceto pela pandemia de 2020, esta será a menor taxa de crescimento na China desde a década de 1970. Para 2023, a projeção é 4,7%. Já o crescimento da economia dos Estados Unidos seria de 0,5% em 2023, sete décimos a menos que na previsão anterior. Além dos efeitos da guerra nos preços, o aumento das taxas de juros pelos Bancos Centrais para conter a inflação e as consequências da pandemia também repercutem na economia mundial, concluiu o relatório.
Preço da alimentação não dá trégua e diminuição dos preços dos combustíveis é “redistribuição de renda dos pobres para a classe média”, aponta economista da UNB.
A semana será marcada por anúncios sobre as taxas de juros do Brasil e dos Estados Unidos. Na próxima quarta-feira (21), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) brasileiro se reunirá para decidir se coloca fim ao ciclo de alta dos juros, ou se realiza mais um aumento antes de finalizar o ciclo. No mesmo sentido, o Federal Reserve dos EUA decidirá o quanto aumentar para controlar a inflação no país.
No Brasil, a taxa de juros (Selic) está em 13,75% ao ano. Parte do mercado acredita que os juros serão mantidos após divulgação do boletim Focus do BC. De acordo com o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro, é possível que a manutenção aconteça, porém ele acredita em uma elevação de 0,25%, em um último aumento que encerraria o ciclo de elevação.
“Nos últimos dois aumentos, o Banco Central elevou em 0,5%. Acredito que antes de finalizar o ciclo de aperto monetário o Banco Central vai fazer um ajuste residual de 0,25%. Então acredito que a taxa de juros vá aumentar para 14% e a partir daí será sinalizado o encerramento, ou suspensão temporária do ciclo de elevação da Selic”, diz.
Inflação
A inflação é medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE) construído em cima de uma cesta representativa do consumo de bens entre famílias que ganham entre um e quarenta salários mínimos.
Segundo o Focus, a projeção para a inflação do ano caiu de 6,40% para 6%. No entanto, a queda apontada acontece em meio as ações do governo que visam ganhar popularidade com a classe média pela redução do preço dos combustíveis. No entanto, as medidas não auxiliam a questão da subida dos preços dos alimentos. Além disso, houve redução no valor da energia elétrica no período, com a operação tarifária em bandeira verde.
“No ano passado operou-se com bandeira vermelha tipo 2. As condições dos reservatórios, das usinas hidrelétricas estão melhores do que o ano passado. Isso significa que se aciona menos as termoelétricas e por isso estamos em bandeira verde. Quando você junta a redução dos preços de combustíveis e eletricidade, devido à redução do ICMS, com a redução sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), isso explica toda a queda observada na inflação nos últimos dois meses, junho e julho”, aponta Oreiro.
Peso da alimentação X Combustíveis
O economista ainda alerta que a redução apontada pelo IPCA, que tem uma grande amplitude, diz mais sobre as famílias que tem automóveis e, portanto, se beneficiam da redução do preço dos combustíveis, do que para as famílias com renda menor, para quem a cesta básica de alimentos tem maior peso.
“O peso da alimentação para famílias que ganham de um a dois salários mínimos é muito maior do que para famílias que ganham mais de 20 salários mínimos. Assim como o peso dos combustíveis para quem ganha entre um e dois salários mínimos é nenhum, porque essas pessoas não tem carro. Já quem ganha entre 5 e 6 salários mínimos, provavelmente, tem o seu próprio carro, pode ir trabalhar com ele e tem um gasto considerável devido aos combustíveis. Com isso, o efeito da queda do preço dos combustíveis é assimétrico, ele beneficia mais quem ganha mais, ou seja, foi uma medida regressiva do ponto de vista da distribuição de renda”, explica.
Conforme demonstra o professor, os mais pobres não se beneficiam com a queda da inflação puxada pelos combustíveis e pela eletricidade, pois a inflação dos alimentos continua alta, com entressafra, guerra e lockdown.
“Os alimentos continuaram subindo de preço, até porque a gente já está em entressafra e existem os problemas com a guerra da Ucrânia e Rússia e tem os lockdowns na China. Tudo isso continua pressionando os alimentos enquanto os combustíveis, que são mais importantes para a classe média e classe média alta, caíram de preço, isto é, foi uma política de redistribuição de renda dos pobres para a classe média”, crítica o economista as medidas do governo às vésperas da eleição.
Estados Unidos
A economia norte-americana continua em alerta com alta na inflação, de 8,3% em 12 meses (até agosto), o que afeta os preços dos alimentos no Brasil.
Como sinaliza o professor da UNB, os analistas apostam que Federal Reserve pode aumentar em até 1% a taxa de juros. Porém, ele acredita em uma nova elevação de 0,75% na taxa básica de juros norte-americana.
Sobre a influência sobre o Brasil, Oreiro observa que o câmbio nacional continuará pressionado acima de 5 reais por dólar.
“Isso significa que a inflação de alimentos não vai ceder, porque a única maneira de fazer ceder essa inflação seria por intermédio de uma valorização do real frente ao dólar. Coisa que não vai acontecer por conta da política monetária nos EUA e na Europa”, completa.
José Luis Oreiro Associate Professor of Economics, University of Brasília (Brazil)
“So, the rentiers and the financial sector, which have a very thigh relationship with the Central Bank, are taking advantage of the last few months that remain of their absolute dominance over the Central Bank to make the largest possible income extraction from the rest of the society. … Taking advantage of a government that is falling apart, which has no chance of re-election, to make the most of it, that is, it is pure plunder of the Brazilian economy.”
On Wednesday August 3, the Monetary Policy Committee of the Brazilian Central Bank (COPOM/BCB) raised the short-term interest rate by 50 basis points, from 13.25% to 13.75%. Despite the unemployment rate still above the 2014–2016 pre-crisis level, since March 2021, the Brazilian Central Bank began a very fast and deep process of “normalization” of monetary policy, raising the Selic rate from 2% to 13,75% — the greatest increase in the short-term nominal interest rate in the western world in such a short time-span. In this note, I will discuss the reasons — or rather excuses — the Brazilian Central Bank (BCB hereafter) gives in defending the increases of the selic rate in the last meeting of COPOM.
One of the reasons given by the BCB is the so-called Bolsonaro’s goodness package, also called “PEC Kamikaze” — a 50% increase in income transfers to the poorest Brazilian people in a desperate attempt to increase Bolsonaro’s popularity and win the presidential elections, in October 2022. The BCB warns against the risk of this “populist measure” becoming permanent after the end of 2022. They do not say so explicitly, but the BCB refers to the future government of President Luiz Inácio Lula da Silva. As such, due to the increased fiscal risk this new government would pose, the Central Bank justified another rise of half a percentage point of the Selic rate.
The problem with the successive increases in the short-term interest rate made by the BCB is that it is not clear what is the nature of inflation, according to the analysis of the Central Bank?
In my view, not the BCB´s view, actual inflation in Brazil (and maybe in the western world in general) is a persistent — but not permanent — supply shock problem: you have food and energy inflation resulting from a series of events that are persistent in time, such as the war between Russia and Ukraine, the long-standing effects of COVID-19 on the world supply chains, and so on. These effects are lasting longer than we expected. In fact, no one expected that at the end of 2021 that the war of Russia and Ukraine would take place, which certainly added great inflationary pressure due to the interruption of exports of corn and wheat from both Russia and Ukraine, as well as western sanctions against Russia which affected the international price of oil and gas, increasing global energy and food inflation. That’s my diagnosis.
However, the BCB apparently has two contradictory diagnoses. The first diagnosis is that the rise in inflation in Brazil stems from a deterioration of the fiscal framework that has recently been accentuated by increases in government expenditures that resulted from the so-called ‘PEC Kamikaze’, and that there is a risk that the measures of the ‘PEC Kamikaze’ will become permanent if former President Lula wins the presidential run in October. That is, in the next government, they will be maintained, which would increase the public debt and inflation.
Well, there’s no direct causal relationship between public debt and inflation. That’s an unbelievable primitive economic thinking. I mean, if it were because of that, Japan should have the highest inflation rate in the world, because Japan has a government debt-to-GDP ratio of almost 300%. This is a ridiculous explanation.
The second diagnosis is that the fiscal expansion made by Bolsonaro at the end of his term will have such a huge impact on aggregate demand that they would put the Brazilian economy to work above its potential output. Well, the Brazilian economy still has a 10% unemployment rate, but in the case of a dual economy like Brazil, the unemployment rate is not such an important variable for us to assess the pressure over productive capacity. Why? Most of the jobs that have been generated in the Brazilian economy in the last two years and, mainly, now, after the beginning of vaccination against COVID-19, were jobs in the informal or subsistence sector of the economy, which are precarious jobs. So, the unemployment rate just a little below 10% hides a huge, disguised unemployment. There is no demand pressure on the Brazilian economy. So, in my view, the two justifications that the Central Bank uses to continue raising the interest rate are completely unfounded.
That’s what brings me to the question of what political economy is behind the increase in interest rates. The only reason I see for such insane policies is that this is a government that is at the end of its mandate. Everyone knows that Bolsonaro will lose the elections, that President Lula will be elected and there will be a change in macroeconomic policy. For sure, the interest rate will be reduced not at once but in a gradual way. So, the rentiers and the financial sector, which have a very thigh relationship with the Central Bank, are taking advantage of the last few months that remain of their absolute dominance over the Central Bank to make the largest possible income extraction from the rest of the society.
Moreover, each percentage point increase in interest rates generates an increase in government spending (debt servicing) of about R$30 billion (almost US$6 Billions), over a 12-month period. In this context, the recent increase of half a percent made means that it will add over the next 12 months approximately R$15 billion in government spending (US$ 3 billions), that is, a transfer of income from the rest of society to the richest 1% of R$ 15 billion.
In my view, what is happening is simply the ‘end of game´ effect, which means that the remaining time for plunder Brazilian Treasury with insane high level of short-term interest rate is ending, so it is necessary to increase the rate of plundering before it is too late. So, they are taking advantage of the government’s last days in office to make the most of it. Taking advantage of a government that is falling apart, which has no chance of re-election, to make the most of it, that is, it is pure plunder of the Brazilian economy.
Economista Jose Luis Oreiro. Foto: Reproducao/Youtube
“Juro de 1,7% ao mês representa uma taxa anual de 22,4%, cerca de 4 vezes maior do que a inflação”, diz o economista, ao contestar decisão dos bancos públicos e privados de suspender o consignado por conta da redução dos juros de 2,14% para 1,70%
O economista e professor da UnB José Luis Oreiro criticou nesta sexta-feira (17) a decisão dos bancos públicos e privados de suspender os empréstimos consignados a aposentados e pensionistas do INSS após a decisão do Conselho Nacional de Previdência Social de reduzir o teto dos juros cobrados por esta modalidade de empréstimo.
“A decisão dos bancos públicos e privados de suspender o crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS devido à redução do teto de juros desses empréstimos de 2,14% ao mês para 1,79% ao mês é uma prova cabal do grau de oligopolização do mercado bancário brasileiro”, disse Oreiro, em entrevista ao HP.
Ele explica que “uma taxa de juro de 1,7% ao mês representa uma taxa de juro anual de 22,4%, cerca de 4 vezes maior do que a inflação esperada para o ano de 2023, para uma modalidade de empréstimo livre de risco de inadimplência”, acrescenta o economista.
O especialista enxerga essa posição como uma chantagem dos bancos contra os aposentados brasileiros e o governo. “Claro que a redução de juros reduz a rentabilidade dos empréstimos bancários, mas num mercado concentrado como o brasileiro, o lucro dos bancos é muito maior do que o lucro normal”, argumentou.
“Os bancos extraem renda de monopólio a partir do excedente do consumidor. O que os bancos estão fazendo é chantagear o governo para continuar obtendo seus lucros extraordinários com a reversão da decisão de redução do teto de juros”, completou o economista e professor da Universidade de Brasília.
O governo anunciou que vai tomar uma decisão final em reunião que ocorrerá na próxima segunda-feira (20), com a participação do ministro da Previdência, Carlos Lupi, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Novo arcabouço fiscal tem a capacidade de reduzir até 3 pontos percentuais a Selic, jogando a batata quente da redução no colo de Roberto Campos Neto.
Fagundes Schandert e Paula Cristina10/03/23 – 05h20 – Atualizado em 10/03/23 – 09h29
A terceira lei de Newton, conhecida como lei da ação e reação, determina que, para toda força de ação que é aplicada a um corpo, surge uma força de reação em um corpo diferente. Isso funciona na física, mas também nas relações humanas. A manutenção da Selic no patamar dos 13,75% tem sido a pedra no sapato do governo Lula. Mas para que ela mude é preciso que o governo também empregue alguma ação para instar o Banco Central a reagir. O argumento de Roberto Campos Neto, presidente do BC, é que faltam sustentação sólida de comprometimento fiscal. O mercado, por sua vez, fala em uma queda de 3 pontos percentuais ainda este ano caso seja posta em vigor a nova âncora.
Mas como a paciência é uma das virtudes humanas mais valorizadas, Campos Neto precisará provar a sua nos próximos dias e, do alto da autoridade monetária que representa, deverá buscar o equilíbrio necessário para manter a calma e suportar a pressão que virá para baixar os juros. Na outra ponta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o agora apoio da ministra do Planejamento, Simone Tebet, vai tentar convencer o mercado de que o novo arcabouço fiscal será suficiente para garantir a estabilidade da dívida pública no futuro, sem provocar inflação.
Haddad já fez suas apostas e disse ter desenhado a âncora fiscal ideal para atender as demandas de investimento do presidente Lula e ainda assim perseguir de modo permanente o superávit fiscal. Com a dívida atual (R$ 5,7 trilhões) 3 pontos representam uma redução de R$ 173 bilhões ao ano em juros da dívida.
PROJEÇÃO FEITA Fernando Haddad diz que governo já tem o desenho da nova âncora fiscal e logo enviará ao Congresso. (Crédito:Mateus Bonomi)
A alternativa ao teto de gastos foi uma das primeiras demandas de Lula para a equipe econômica e, segundo o próprio Haddad, os esforços começaram no governo de transição. Agora, com o projeto desenhado, o ministro afirma que ainda falta bater alguns números com outros integrantes da equipe econômica. A expectativa de assessores próximos ao ministro é que o texto final seja apresentado antes da próxima reunião do Copom, dias 21 e 22 deste mês.
E com este prazo, Haddad precisa preparar terreno porque sabe que precisará do apoio do Congresso Nacional na jornada. “Vai envolver uma Lei complementar a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Neste momento estamos com o desenho fechado, vamos apresentar para a área econômica, levar ao presidente Lula e encaminhar ao Congresso”, afirmou o ministro. A lei complementar regulamenta assuntos específicos quando expressamente determinado na Constituição. Diferentemente das leis ordinárias, que exigem maioria simples para sua aprovação, as leis complementares exigem aprovação de dois terços dos deputados e senadores — a única diferença em relação a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é que a votaçnao acontece em um turno nas duas Casas em vez de dois turnos. Dentro da Câmara, o presidente Arthur Lira tem mandado sinais para o Palácio do Planalto. Na quarta-feira (8) garantiu que Lula ainda não possui a base que pensa ter no Legislativo. E sobre o arcabouço, disse que o tema só avançará se for, nas palavras dele, “prudente e responsável”. Esse recado vem depois de Lula ter dito que a nova âncora fiscal seria desenhada no Executivo, contrariando o interesse da Câmara e do Senado de dividirem sua paternidade.
MUITA CALMA Arthur Lira alerta que os projetos do governo não terão trajetória fácil dentro da Câmara. (Crédito:Divulgação)
VISÃO DO MERCADO A expectativa dos agentes econômicos é de que uma âncora ideal seria capaz de reduzir a Selic nos tais 3 pontos. Os especialistas em contas públicas costumam lembrar que antes da aprovação da PEC da Transição, no final de 2022, que acabou com o teto de gastos, as projeções mostravam a Selic em torno de 10% no final de 2023. “Essa diferença de cerca de 3 pontos percentuais é o prêmio pelo risco fiscal”, afirmou o economista da XP Tiago Sbardelotto, que também foi analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional entre 2014 e 2021. Sbardelotto avalia que a proposta de arcabouço que está discutida, de uma correção da despesa com base no PIB per capita, produz um ajuste fiscal de médio prazo. “Não vemos a dívida se estabilizando nos próximos dez anos. Ela só deve se estabilizar na metade da próxima década”, disse. O economista argumenta que a ideia parte de um princípio de crescimento anual de 1% a 1,5% do PIB. “Só uma boa reforma tributária garantiria esse PIB potencial. Mas aumento do salário mínimo acima da inflação e o reajuste do funcionalismo como já foi sinalizado, não cabem nessa regra.”
Das experiências internacionais, Sbardelotto considera que as regras fiscais estão ficando mais flexíveis, mas consideram o controle de despesas, como na Suécia. “No passado, eram regras mais simples: superávit primário, superávit nominal, regra de ouro, mas levaram para um aumento da carga tributária”, disse. O economista cita que as regras que permitem flexibilidade também estabelecem limites. “Há gatilhos automáticos para cortes de despesas e, em momentos de recessão, permitem aumentar temporariamente os investimentos de curto prazo”, afirmou.
DEVER DE CASA Na avaliação do CEO da Azimut Brasil Wealth Management, Wilson Barcellos, uma regra fiscal que considere o controle das despesas irá trazer mais tranqüilidade para o mercado voltar a investir no crescimento do País. “É só fazer o dever de casa e trazer tranqüilidade para os juros recuarem”, disse. Segundo Barcelllos, essa briga do governo com o Banco Central não serve para nada. “Na próxima reunião do Copom, o mercado pode ficar em dúvida, se os juros vão mudar por causa da inflação ou por pressão do governo. Isso gera incertezas para os agentes de investimentos”, disse.
Para o economista José Luis da Costa Oreiro, que atuou na equipe de transição do atual governo, o teto de gastos foi um erro da gestão Michel Temer (2016-2018) e engessou o Orçamento. “O governo não precisa reinventar a roda. É só pegar a regra da União Europeia e trazer, o mundo todo vai aceitar”, disse. Para ele, a melhor solução é uma regra que torne o Orçamento mais flexível. “Um resultado primário mais estruturado, que permita flexibilidade por razões cíclicas”, afirmou
Foto: José Luis Oreiro
Já na visão do economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, a regra com base no crescimento do PIB per capita é interessante. “O teto sufocava o gasto público. Não era razoável. Temos de encontrar o meio do caminho, com prioridade para saúde, educação e previdência”, afirmou. “O grande abacaxi é a meta da inflação do BC. Com a atual será difícil cortar a Selic. Depois da regra fiscal, haverá mais espaço para esse corte”, afirmou.
REFORMA TRIBUTÁRIA Como sinalizado pelos analistas, a âncora precisa ser acompanhada de outras medidas, e aqui entramos em outro ruído de comunicação entre Executivo e Legislativo: a Reforma Tributária. O projeto tem andado a passos de tartaruga na Câmara e já incomoda o governo — que, na verdade, ainda não tem base para aprovar nada. Na quarta-feira (8) o primeiro encontro do Grupo de Trabalho que discute o tema na Câmara teve a presença do secretário especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Ele reforçou que a posição do governo é manter o mínimo de desonerações e exceções possível, com uma alíquota do IVA girando em torno de 25%. “Quanto mais exceção tiver, maior tem que ser a alíquota para outros setores, e aí é uma decisão política.” Ele cobrou celeridade do grupo condicionando a aprovação ao melhor desempenho da economia e redução da Selic.
À DINHEIRO, o coordenador do Grupo de Trabalho, Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou que essas questões serão tratadas no tempo necessários e servem para mitigar os medos que envolvem uma alteração tão grande nas regras. “Todos estão com receio que a mudança seja brusca. Mas não será, e mesmo depois de aprovada haverá ao menos seis anos de transição”, disse. Talvez ele precise ler sobre outra lei de Newton, a primeira, àquela que trata sobre a inércia.
Eu gosto de ler as colunas dominicais de Samuel Pessoa na Folha de São Paulo. Não porque concorde com elas, mas porque elas me dão uma visão bastante clara do pensamento liberal brasileiro e, dessa forma, uma fonte quase inesgotável de ideias sobre como combater o liberalismo no Brasil. Na coluna publicada no domingo 05 de março de 2023, intitulada “Imposto sobre exportação de matérias-primas”, Samuel Pessoa faz menção a um artigo publicado na Economic History Review pelo historiador da USP Thales Zamberlan sobre os efeitos da tributação das exportações de algodão no Brasil no período 1800-1860. Segundo o estudo a imposição do imposto de exportação sobre algodão gerou uma queda acentuada das exportações brasileiras dessa produto na primeira metade do século XIX, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos (na verdade no sul dos Estados Unidos onde prevalecia a monocultura escravista de exportação) onde ocorreu um elevado aumento das exportações de algodão para a Inglaterra (algo que certamente atuou no sentido de alongar a escravidão nos Estados Unidos por algumas décadas).
Samuel Pessoa comenta que devido a imposição do imposto de exportação, ocorreu um descasamento entre a produtividade da produção de algodão nos Estados Unidos e a produção de algodão no Brasil, o que teria inviabilizado a produção de algodão no Maranhão.
Esse artigo de Samuel Pessoa suscita uma série de questões que marcam claramente a diferença entre o pensamento liberal e o pensamento desenvolvimentista. Primeiramente a argumentação de Pessoa deixa explicita a ideia de que o imposto de exportação sobre algodão foi uma medida equivocava porque (i) reduziu as exportações de algodão e (ii) levou a um aumento do hiato de produtividade entre a produção de algodão nos Estados Unidos e a produção brasileira. A redução das exportações de um produto primário pode ser um problema para países que enfrentam um desequilíbrio estrutural externo no Balanço de Pagamentos, como é o caso do Brasil ao longo da maior parte do período pós-independência. Trata-se aliás de um problema reconhecido por Raul Prebisch e pela Cepal, que desaconselhavam a introdução de medidas de política econômica que restringissem as exportações de produtos primários, pois as divisas geradas por essas exportações eram fundamentais para o financiamento do processo de industrialização por substituição de importações. Já o aumento do hiato tecnológico intra-setorial (produção de algodão) não será um problema relevante se as restrições a exportação de produtos primários permitirem um aumento da oferta desses produtos no mercado interno, reduzindo assim seus preços e possibilitando a transformação desses produtos em bens manufaturados, os quais estarão disponíveis tanto para o mercado interno como para a exportação. Essa medida foi adotada pelo Rei Henrique VII da Inglaterra que ao assumir o trono em 1485 percebeu que:
“Quando, posteriormente, Henrique assumiu a chefia do seu reino que estava empobrecido, com vários anos de produção de lã hipotecados a banqueiros italianos , ele se lembrou se sua adolescência no continente. Na Borgonha, não só os produtores têxteis , mas também os padeiros e outros artesãos estavam abastados. A Inglaterra estava no negócio errado: o rei percebeu isso e definiu uma política para tornar a Inglaterra uma nação produtora de têxteis, não uma exportadora de matérias-primas”
“Henrique VII criou um considerável arsenal de política econômica. Sua primeira e mais importante ferramenta eram as tarifas de exportação: os produtores de têxteis estrangeiros teriam de processar as matérias-primas mais caras que suas contrapartes inglesas. Aos fabricantes de lã recem-estabelecidos concediam-se isenção fiscal por certo período e monopólios em determinadas regiões. Também houve uma política para atrair artesãos e empreendedores do exterior, especialmente da Holanda e da Itália (…) Tal como Veneza e Holanda, a Inglaterra posicionou-se na situação de renda tripla: um setor comercial forte, monopólio sobre determinada matéria-prima (lã) e comércio ultra-marino” (Reinert, 2016, pp. 128-129).
Em resumo, Henrique VII intuiu que o desenvolvimento econômico não é o resultado de se fazer de maneira mais eficiente a mesma atividade econômica, mas decorre da mudança estrutural: deslocar recursos produtivos dos setores com menor valor adicionado per-capita (a produção e exportação de lã) para os setores com maior valor adicionado per-capita (a produção e exportação de produtos têxteis).
Isso posto, o resultado logicamente esperado da introdução de um imposto de exportação de matérias-primas é a redução das exportações das mesmas para incentivar a substituição de importações de produtos manufaturados por produção local, num primeiro momento, para na sequência, após aproveitadas as economias de aprendizado tecnológico, passar para a exportação de produtos manufaturados que utilizem como insumos as matérias-primas que antes eram exportadas. Esse é o verdadeiro caminho da Riqueza das Nações.
O objetivo do artigo de Pessoa foi atacar a surpreendente medida adotada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada de criar um imposto de exportação sobre o petróleo cru. Ao criticar o imposto de exportação criado por Haddad, Pessoa curiosamente não utiliza o argumento desenvolvido na primeira parte do artigo mas faz referência a uma suposta quebra contratual com relação as petroleiras que entraram nos leilões de blocos de petróleo. Esse argumento me parece estapafúrdio: só haveria quebra de contratos se o governo brasileiro tivesse explicitamente se comprometido em manter as exportações de petróleo isentas de tributação. Não existindo essa restrição não se pode falar de quebra de contratos.
A lógica da tributação das exportações de petroleo cru é aumentar a oferta para o mercado interno e assim estimular o refino do petróleo no Brasil, substituindo importações de derivados de petróleo por produção doméstica. Como existe uma grande capacidade ociosa nas refinarias brasileiras então essa medida irá reduzir as importações, aumentando o saldo da balança comercial, e estimular a geração de empregos no setor de refino de petróleo. No final o Brasil irá adicionar valor ao petróleo produzido domesticamente, gerando uma massa maior de salários e lucros no mercado interno, a qual será gasta com a compra de produtos made in Brazil. Intencionalmente ou não o Ministro da Fazenda Fernando Haddad está adotando uma das políticas econômicas defendidas pela escola novo-desenvolvimentista Brasileira. Da minha parte só tenho que parabenizar o Ministro Fernando Haddad.
Referências
Reinert, E.S. (2016). “Como os países ricos ficaram ricos … e porque os países pobres continuam pobres”. Contraponto: Rio de Janeiro.
Em matéria publicada no Valor Econômico no dia 02/03/2023 intitulada “Expectativas cruzam limiar que pode acelerar a inflação” (veja em
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/03/02/expectativas-cruzam-limiar-que-pode-acelerar-inflacao.ghtml) apresenta-se um estudo realizado por uma equipe de economistas ortodoxos composta por Carlos Viana de Carvalho, ex-diretor de política econômica do Banco Central, ex-economista do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e atual sócio da Kapitalo Investimentos, Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), e Marco Bonomo, do Insper, na qual se lê que (sic) ” O cenário é sugerido a partir de um estudo feito por um grupo de economistas, que comprova de forma robusta, pela primeira vez, que as expectativas de inflação estão relacionadas com as decisões que as empresas tomam para fixar os preços de seus produtos. Quando as expectativas de longo prazo estão desancoradas, os reajustes são mais pronunciados“. Na matéria lê-se ainda que “As conclusões desse estudo têm implicações no debate atual de política monetária no Brasil, confrontando a tese de alguns economistas de que seria possível um corte acelerado de juros sem que a inflação saia de controle. Também desaconselham uma eventual mudança nas metas de inflação já definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). O risco, nesses casos, é justamente a desancoragem das expectativas e seus efeitos perversos na fixação de preços da economia e na própria inflação, argumentam os responsáveis pelo trabalho”
Em suma, os autores do suposto estudo teriam obtido provas conclusivas e contendentes, a partir de micro-dados, de que quando a inflação esperada pelas instituições financeiras (a Faria Lima no Brasil ou a Wall Street nos EUA) se afasta da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional então os formadores de preços do mundo real (a main streat) atuam no sentido de fazer com que o rapasse da desvalorização cambial para os preços seja mais forte, de maneira que os pesquisadores, com base no suposto estudo, afirmam categoricamente ser equivocado o debate sobre o aumento da meta de inflação no Brasil pois isso poderia levar, dado a desancoragem das expectativas, a uma aceleração da inflação.
Sem dúvida de que o resultado que foi propagandeado em prosa e verso pelos autores do suposto estudo seria uma enorme descoberta no campo da macroeconomia. Desde o final dos anos 1960 os economistas debatem o papel das expectativas de inflação na determinação da inflação correte. A assim chamada versão aceleracionista da curva de Phillips desenvolvida por Milton Friedman na década de 1960 postula que a inflação corrente depende das expectativas de inflação dos formadores de preços (firmas e sindicatos) e do estado do mercado de trabalho, expresso pela diferença entre a taxa de desemprego efetiva e a taxa de desemprego de equilíbrio (a taxa natural de desemprego). A questão central, contudo, é saber como as expectativas de inflação são formadas. No mundo mágico das expectativas racionais, onde se supõe que a economia já alcançou um estado estacionário onde os agentes já aprenderam tudo o que tinham pra aprender, as expectativas de inflação são dadas pela média ponderada entre a meta de inflação que o banco central deve alcançar (multiplicada pelo grau de independência do Banco Central) e a inflação discricionária, dada pela maximização da função de perda social da autoridade monetária (multiplicada por um menos o grau de independência do Banco Central) [ Ver Franceze Jr, 2004, p. 110]. Nesse contexto, a meta de inflação e o grau de autonomia do banco central teriam um papel fundamental para determinar a inflação corrente: quanto menor a meta de inflação e maior a autonomia do Banco Central menor será, tudo o mais mantido constante, a inflação corrente.
O grande problema com essa hipótese é que nunca se demonstrou a existência de um elo entre as expectativas de inflação medidas pelas instituições financeiras e o comportamento de reajuste de preços por parte dos agentes que tem, de fato, poder de formação de preços, ou seja, as firmas e os sindicatos. O suposto ineditismo do estudo dos economistas brasileiros supracitados é que pela primeira vez na história da macroeconomia a nível mundial teria sido demonstrado de “forma robusta” a existência desse elo.
Movido pela natural curiosidade científica que todo pesquisador tem, fui procurar o artigo que fundamentaria as prescrições de política econômica propostas pelo “estudo”. Com base nas informações divulgadas na matéria do Valor cheguei ao site: https://sites.google.com/view/stefano-eusepi/working-papers onde o paper que deu base a matéria do Valor, cujo título é “Price Setting When Expectations are Unanchored” simplesmente não está disponível!!!!! No site le-se que “Draft available soon, in preparation for the JME-SNB-SCG conference on inflation: Expectations & Dynamics”, ou seja, a versão PRELIMINAR do artigo ainda está em elaboração para SER APRESENTADA numa conferência que ainda não ocorreu!
Resumindo: os autores do estudo sequer tem uma versão preliminar do mesmo, não discutiram o trabalho com seus pares, o trabalho não foi avaliado por ninguém da comunidade científica de economia e os autores divulgam que (sic) o estudo apresenta evidências conclusivas sobre a relação entre as expectativas de inflação e a formação de preços e ainda querem dar pitaco na formulação de política econômica no Brasil !!!! Sério isso?
O fato é que sem ter sequer a versão preliminar do estudo dos economistas citados na matéria do Valor é IMPOSSÍVEL saber se as conclusões que eles alegam obter podem ser, de fato, obtidas. O pior de tudo é que com base num estudo cuja versão preliminar sequer foi publicada, esses economistas se arrogam ao direito de discutir propostas de política econômica para o Brasil, as quais, se forem equivocadas, trarão sofrimento para milhões de cidadãos do Brasil.
Um pouco mais de responsabilidade e compromisso com o protocolo científico é de bom tom para quem quiser se meter no debate sobre política econômica.
Referências:
Franceze Jr, R.J. (2004). “Institutional and Sectoral Interactions in Monetary Policy and Wage/Price-Bargaining” In: Hall, P.A; Soskice, D. (orgs,). Varieties of Capitalism: the institutional foundations of camparative advantage. Oxford University Press: Oxford.
No período de 02 a 21 de março estarei lecionando na ENAP o curso de “Desenvolvimento Econômico” no Programa de Aperfeiçoamento para carreiras, 2023. O programa e o material do curso podem ser obtidos em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=56
“Cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis”, ressalta o economista
“As elevadas taxas de juros podem estar levando o Brasil a uma crise financeira”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor da UnB, em entrevista ao HP. Oreiro destacou que as empresas brasileiras estão “aumentando o seu endividamento não para aumentar o investimento, mas para simplesmente pagar os juros da dívida que elas já têm”.
Crítico das elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central, o economista foi taxativo em condenar as despesas financeiras: “cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis”.
Oreiro afirmou que “se não houver uma redução das taxas de juros, não só da taxa de juros Selic, mas principalmente das taxas de juros do crédito bancário e dos papéis negociados no mercado de capitais, é possível sim a ocorrência de uma crise financeira”.
Para o economista, “o caso das Lojas Americanas, que é só fraude, ao que tudo indica até agora, não é uma fraude que veio do nada. Ela é uma fraude que na verdade foi feita para encobrir a fragilidade financeira das Lojas Americanas”.
“Isso pode sim ser um sintoma de que algo similar está acontecendo com empresas do setor varejista, que são empresas que dependem muito do capital de giro e que, portanto, quando o Banco Central aumenta o custo do dinheiro, o custo capital de giro fica muito alto para essas empresas”, observou o especialista.
Leia a seguir, a entrevista completa.
HORA DO POVO: As altas taxas de juros podem estar levando o país a uma crise financeira?
JOSÉ LUIS OREIRO: Sim. As elevadas taxas de juros podem estar levando o Brasil a uma crise financeira. Em matéria divulgada no Valor Econômico nessa semana foi demonstrado, acho que uma pesquisa feita pelo professor Carlos Rocca da USP, de que aproximadamente 15% das empresas brasileiras de capital aberto tinham um EBITDA* – rendimento antes dos juros, impostos, depreciação do capital e amortização da dívida -, que era insuficiente sequer para o pagamento dos juros que essas empresas devem sobre suas dívidas.
Então, isto é uma postura financeira que o economista keynesiano norte americano Hyman Minsky chamava de postura financeira Ponzi. Uma postura financeira Ponzi é aquela em que o fluxo de caixa da empresa não é suficiente sequer para pagamento de juros. Isso significa que as empresas que estão com esse tipo de posição financeira, elas estão aumentando o seu endividamento, não para aumentar o investimento, mas para simplesmente pagar os juros da dívida que ela já tem. Ou seja, é um endividamento do tipo bola de neve. Então, 15% é um número já bastante significativo.
Eu acredito que se não houver uma redução das taxas de juros, não só da taxa de juros Selic, mas principalmente das taxas de juros sobre o crédito bancário e sobre os papéis negociados no mercado de capitais, é possível sim a ocorrência de uma crise financeira. Não posso dizer com 100% de certeza, porque quem disser isso é mentiroso. Mas o que eu posso afirmar, com toda certeza, é que existem sinais concretos de fragilidade financeira minskyana na economia brasileira e que, portanto, é possível que essa fragilidade financeira em algum momento, devido às vezes a um evento que pode ser até de pouca monta, pode desencadear uma onda de falência em massas das empresas, principalmente, no setor de varejo.
HP: Além da fraude, a Americana pode ser sintoma dessa crise?
JOSÉ LUIS OREIRO: O caso das lojas Americanas, que é fraude ao que tudo indica até agora, mas ela não é uma fraude que veio do nada. Ela é uma fraude que na verdade foi feita para encobrir a fragilidade financeira das Lojas Americanas. Quer dizer, o que aconteceu, pelos dados que foram apresentados até agora, é que as Lojas Americanas vieram encurtando o prazo de maturidade do seu passivo e fizeram um jeito contabilmente criativo de esconder isso. Isso pode sim ser um sintoma de que algo similar está acontecendo com empresas do setor varejista, que são empresas que dependem muito do capital de giro e que, portanto, quando o Banco Central aumenta o custo do dinheiro, o custo do capital de giro fica muito alto para essas empresas e aí elas têm que acabar fazendo algum tipo de contabilidade criativa ou de instrumentos criativos de financiamento para poder sobreviver.
HP: A inflação no Brasil não é causada por um excesso de demanda, então por que a insistência do Banco Central em manter os juros mais altos do mundo?
JOSÉ LUIS OREIRO: A inflação não é de demanda, isso é bem claro. Mesmo a ideia de que o núcleo de inflação já mostraria que eu tenho uma inflação alta, que portanto isso não seria derivado dos choques de oferta no preço dos alimentos e de energia, acontece que existem mecanismos de contaminação do choque de oferta sobre os núcleos de inflação. Por outro lado, o que nós temos é uma insistência, não só do Banco Central, mas também do próprio Conselho Monetário Nacional – que se reuniu este ano, poucos dias atrás – de manter a meta de inflação inalterada para 2023 de 3,25% ao ano com uma margem de variação de 1,5.
Então, isso significa que a inflação máxima que o Banco Central pode aceitar para o ano de 2023 seria de 4,75%. O problema é que o Banco Central vem de dois anos consecutivos sem alcançar a meta de inflação, e esta meta de inflação, a cada ano, é mais baixa do que a do ano anterior. Isso acaba reduzindo o espaço para o Banco Central afrouxar a política monetária. Porque, veja bem, se no ano passado a meta de inflação, que era mais alta que este ano, o BC não cumpriu, então ele, a rigor, pelo protocolo do regime de metas de inflação, não tem como baixar a taxa de juros. Porque as expectativas de inflação estão em torno de 5,8% para o ano de 2023. Então, devido a insistência na manutenção de uma meta irrealista de inflação, o Banco Central cumprindo o seu mandato vai ter que manter a taxa de juros inalterada pelo tempo necessário até a inflação convergir ou dar amostras que está convergindo para um patamar que esteja dentro do intervalo de tolerância do regime de metas.
A solução para isso é o realismo. Ou seja, o Conselho Monetário Nacional, que é composto pelo ministro da Fazenda, pelo ministro do Planejamento e pelo presidente do Banco Central, na sua próxima reunião ou a qualquer momento, já que ele pode se reunir em caráter extraordinário, tem que rever a meta de inflação de 2023 e 2024 para algo como 4% ao ano. Ele fazendo essa revisão, abriria espaço para o Banco Central reduzir os juros.
Os economistas liberais vão contra-argumentar dizendo: Ah! Mas se o Conselho Monetário Nacional aumentar a meta de inflação, isso vai contaminar as expectativas de inflação, que vai acabar levando a uma inflação mais alta. Bom, isso é uma grandessíssima bobagem. Em primeiro lugar, porque o Banco Central não ganha credibilidade tentando atingir uma meta que é inalcançável. Parafraseando aquele filme, ou citando aquele famoso filme, ‘é uma ponte longe demais’. Então esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto, quando você olha para os 23 anos do regime de metas no Brasil, a inflação média nesses 23 anos foi em torno de 6,5% ao ano. Então é óbvio que uma meta de inflação de 3,25% dado ao histórico do regime de metas de inflação no Brasil e dado que a inflação mundial está muito alta – você tem uma inflação na área do Euro em torno de 8% ao ano ou no acumulado dos últimos doze meses – isso é assim, evidente, que a meta de inflação está errada.
E é melhor que o Conselho Monetário Nacional explicite de maneira clara e transparente, como é exigido pelo regime de metas, que a inflação perseguida vai ser mais alta, porque não dá para alcançar 3,25, do que, como eu já vi o Luiz Fernando Figueiredo dizendo na entrevista para a Folha de São Paulo, que o Banco Central do Brasil está fazendo. Dizer que vai perseguir uma meta de 3,25%, mas na verdade ele está perseguindo uma meta de inflação mais alta. Quer dizer, isso é completamente contrário aos princípios de transparência do regime de metas de inflação.
Então, a melhor opção a ser feita neste momento é a revisão da meta de inflação para 2023/2024 para 4% ao ano, mantido intervalo de tolerância de 1,5% para mais ou para menos. Isso vai permitir uma redução de pelo menos uns 300 pontos base na taxa de juros Selic. Lembrando que cada um ponto base de redução da taxa Selic gera uma redução em 12 meses na despesa com juros de R$ 27 bilhões, que é o que o governo está querendo ganhar, por exemplo, com a reoneração dos preços dos combustíveis.
ANTONIO ROSA
*EBITDA – Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O regime de metas de inflação chegará em 2023 ao seu 25ª ano de vigência no Brasil, com uma “taxa de sucesso” de 70% e em meio ao debate sobre uma possível revisão de seus parâmetros.
O próprio Banco Central possui estudos para aprimoramento desse sistema, conforme afirmou o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em entrevista recente, na qual não detalhou quais as possíveis mudanças.
O Brasil está entre os dez primeiros países que adotaram o sistema que prevê o uso de uma taxa básica de juros, por um banco central, como principal ferramenta para tentar garantir a estabilidade de preços e colocar a inflação em um determinado valor.
Praticamente todas as economias relevantes do planeta possuem uma meta para a inflação, que pode ser formal ou não, definida pelo governo ou por um órgão autônomo, a ser alcançada no ano calendário ou em prazos mais longos. A forma de medir a alta dos preços e a tolerância com alguns desvios também muda de acordo com o país.
O tema também ganhou destaque com as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condução da política monetária pelo BC autônomo e com as preocupações do ministro Fernando Haddad (Fazenda) com o patamar elevado da taxa básica (Selic) no Brasil, o que deu início a uma discussão sobre os benefícios de se elevar ou não a meta atual.
Um dos responsáveis pela implantação do sistema de metas no Brasil em 1999, o presidente do conselho da Jive Investments, Luiz Fernando Figueiredo, afirma que esse regime era o que havia de mais moderno na época para substituir a política de câmbio fixo e se tornou uma tendência nos anos seguintes.
Ele também avalia que a regra se mostrou flexível para lidar com choques de inflação ao longo desses anos. Segundo Figueiredo, nenhum banco central está tentando neste momento, por exemplo, derrubar a inflação sem avaliar os custos em termos de crescimento econômico.
“Os bancos centrais, que cada vez mais usam o sistema de metas, fazem uma suavização [da redução da inflação] por conta da atividade econômica. Se você levar a ferro e fogo, pode gerar uma recessão com pouco benefício em termos de inflação”, afirma Figueiredo.
“Os outros países estão, na prática, subindo a meta de inflação, mas sem dizer isso. O Banco Central está mirando 3,25% para este ano e 3% para o ano que vem? Ele tem de dizer que sim, mas está com uma flexibilidade, olhando o que está acontecendo no mundo. O que o mundo está fazendo é suavizando, achando que isso é mais produtivo do que mudar a meta.”
José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília, avalia que o regime de metas no Brasil ainda segue parâmetros muito rígidos. Para ele, não há possibilidade, por exemplo, de adiar o cumprimento do objetivo em casos de choques que não são de demanda.
Oreiro considera necessário rever a meta atual e diz que a literatura econômica aponta uma taxa ótima de inflação entre 5% a 8% ao ano para países em desenvolvimento. Também avalia que ter um objetivo que não será alcançado pelo terceiro ano seguido não parece ser a melhor forma de o Banco Central ganhar credibilidade.
“Uma meta de 3,25% para o Brasil é irrealista. Vai exigir um sacrifício muito grande em termos de juros elevados e o prejuízo para a atividade econômica. Estamos vendo várias empresas com problemas de liquidez. O país está à beira de uma crise financeira de grandes proporções”, afirma.
Esse debate não é uma exclusividade brasileira. No artigo “É hora de revisitar a meta de inflação de 2%”, publicado em novembro do ano passado, o economista Olivier Blanchard (ex-FMI) afirma que a inflação nos EUA deve ceder dos atuais 6,4% para algo próximo de 3% neste ou no próximo ano.
A partir daí, haverá um debate sobre os custos de trazê-la para 2%, meta estabelecida pelo próprio Federal Reserve (banco central americano) para ser alcançada no “médio prazo”. Blanchard argumenta que o benefício de trazer a inflação de 4% para 2% é pequeno, diante dos custos em termos de redução da atividade e do emprego.
Atualmente, economias avançadas e alguns emergentes possuem metas de 2%. Na América Latina, o objetivo em geral é de 3%. No Brasil, a meta ficou em 4,5% de 2005 a 2018. Foi reduzida gradativamente nos anos seguintes. Atualmente está em 3,25%. Será de 3% a partir de 2024.
Os economistas Bráulio Borges e Ricardo Barboza, da FGV (Fundação Getulio Vargas), publicaram artigo no qual afirmam que não está claro que o alvo de 3% seja o mais adequado para a realidade atual da economia brasileira.
Eles defendem a elevação da meta para 4% a partir de 2024, destacando que o valor ainda seria inferior ao na maior parte do tempo desde 1999. Argumentam que a inflação média no Brasil de 1999 a 2022 foi de 6,4% ao ano e que a média das metas de 59 países em desenvolvimento foi de 4,5% no ano passado.
About the Author: José Luis Oreiro has a B.A degree in economics from the Federal University of Rio de Janeiro (1992), a master degree in Economics from the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (1996) and a PhD in the economics of industry and technology from Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). He is currently Associate Professor of the Department of Economics of the University of Brasilia, Level IB Researcher at National Council for Scientific and Technological Development (CPQq) and Associate Researcher at the Center for Studies of the New Developmentalism of Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. He was president of the Brazilian Keynesian Association (2013-2015). He was professor at Institute of Economics of the Federal University of Rio de Janeiro (2013-2017), the Department of Economics of the University of Brasilia (2008-2013) and the Federal University of Paraná (2003-2008), where he served as director of the Center for Economic Research (CEPEC), vice coordinator of the graduate program in economic development (2004-2008) and coordinator of the Economics & Technology Bulletin (2005-2007), of which he was the founder. He has experience in economics, with emphasis on macroeconomic dynamics, working mainly on the following topics: Capital accumulation, economic growth, monetary policy autonomy, interest rate and non-linear dynamics. He has published more than 100 articles in scientific journals in Brazil and abroad, for example, the Journal of Post Keynesian Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista Brasileira de Economia, Brazilian Review of Political Economy, Economia & Sociedade and Estudos Econômicos. According to the REPEC criteria he is among the 10% most productive researchers in economics in Brazil. It is organiser of the books “Agenda Brazil: Economic policies for growth with price stability” published by Monole in 2003, “financial system: An analysis of the Brazilian banking sector” published by Campus in 2007, “Monetary Policy, Central banks and inflation targeting: theory and Brazilian Experience “, published by FGV Editora in 2009 and” An Assessment of the Global Impact of Financial Crisis “published by Palgrave Macmillan in 2010. He is co-author of the book “Developmental Macroeconomics: New developmentalism as a growth strategy” published by Routledge in 2015 and author of the book “Macroeconomics of Development: A Keynesian Perspective” published by LTC in 2016. Won the Brazil Award in Economics (2017) in the book category
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Source: World Development Indicators. World Bank. Author´s own elaboration.
The figure above shows data about the share of high and medium technological intensity on total manufacturing for Brazil, China, Germany, Japan, South Korea and Spain in the period between 1996 and 2019.
The data clearly shows that share of high and medium tech manufacturing in China for 2019 (41%) is much lower than the levels observed in South Korea (64%), Germany (61%), Japan (57%) and also United States (47%). Moreover, the share of high and medium tech manufacturing sector in China, after reaching a peak of 44% in 2022, started a process of smooth decline, reaching a level of 41% in 2019, which is almost the same of Spain (40%) and just a little higher than the one observed in Brazil (34%).
When we add this information to the declining share of manufacturing industryin GDP of China (https://jlcoreiro.wordpress.com/2023/02/24/the-surprizing-deindustrialization-of-chinese-economy/), then we are compelled to conclude that China is losing its low tech industries to other East Asian countries that had lower unit labor costs, but it is not been able to substitute these industries for medium and high technological intensity industries, which would be expected if China was, so to speak, condemmened to catch-up with high income industrialized countries as South Korea, Germany and Japan.
These are further empirical evidences that China may be going into a process of premature deindustrialization that can result in a middle-income trap.
About the Author: José Luis Oreiro has a B.A degree in economics from the Federal University of Rio de Janeiro (1992), a master degree in Economics from the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (1996) and a PhD in the economics of industry and technology from Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). He is currently Associate Professor of the Department of Economics of the University of Brasilia, Level IB Researcher at National Council for Scientific and Technological Development (CPQq) and Associate Researcher at the Center for Studies of the New Developmentalism of Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. He was president of the Brazilian Keynesian Association (2013-2015). He was professor at Institute of Economics of the Federal University of Rio de Janeiro (2013-2017), the Department of Economics of the University of Brasilia (2008-2013) and the Federal University of Paraná (2003-2008), where he served as director of the Center for Economic Research (CEPEC), vice coordinator of the graduate program in economic development (2004-2008) and coordinator of the Economics & Technology Bulletin (2005-2007), of which he was the founder. He has experience in economics, with emphasis on macroeconomic dynamics, working mainly on the following topics: Capital accumulation, economic growth, monetary policy autonomy, interest rate and non-linear dynamics. He has published more than 100 articles in scientific journals in Brazil and abroad, for example, the Journal of Post Keynesian Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista Brasileira de Economia, Brazilian Review of Political Economy, Economia & Sociedade and Estudos Econômicos. According to the REPEC criteria he is among the 10% most productive researchers in economics in Brazil. It is organiser of the books “Agenda Brazil: Economic policies for growth with price stability” published by Monole in 2003, “financial system: An analysis of the Brazilian banking sector” published by Campus in 2007, “Monetary Policy, Central banks and inflation targeting: theory and Brazilian Experience “, published by FGV Editora in 2009 and” An Assessment of the Global Impact of Financial Crisis “published by Palgrave Macmillan in 2010. He is co-author of the book “Developmental Macroeconomics: New developmentalism as a growth strategy” published by Routledge in 2015 and author of the book “Macroeconomics of Development: A Keynesian Perspective” published by LTC in 2016. Won the Brazil Award in Economics (2017) in the book category
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It is a basic proposition of both classical development theory and new-developmentalism that industrialization is the engine of economic growth at least the economy reaches the phase of a mature oeconomy when alll labor force is transferred from the subsistence sector to the modern sector (Lewis, 1954; Kaldor, 1967). Deindustrialization is a feature of mature economies when the continued rise in the level of per-capita income induced a change in the composition of consumption demand of households from manufacturing goods to sophisticated services, which are in general associated with the production of manufacturing goods. This, so to speak, “natural deindustrialization” (Rowthorn and Ramaswany, 1999) affected almost all high income economies since in the last 40 years witth different levels of maginude. High income economies of East Asia as Japan and South Korea managed to make the manufacturing share in GDP more or less constant from 1991 to 2019. In Europe Switzerland is almost one of the few cases that manufacturing share had have only a slighty reduction between 1991 and 2019. Spain, on the other hand, had a pronunced deindustrialization in this period: its manufacturing share in GDP falls from 16,26% in 1994 to 10,91% in 2014. Even Germany, usually considered to be the most powerful industrial economy of Europe, had experienced a medium size deindustrialization process. Indeed, its manufacturing share falled from 24,84% in 1991 to 19,55% in 2019.
Another type of deindustrialization is what is Rodrik (2016) defined as premature deindustrialization. This ocurrus when the manufacturing share in GDP starts to fall before the economy reached the Lewis point and still remains a dual or immature economy. Several factores can account for premature deindustrialization. New-developmentalism (Bresser-Pereira, Oreiro and Marconi, 2015) stressed the role of real exchange rate overvaluation due to Dutch-disease and short-term capital inflows induced by financial liberalization and high short-term interest rates required by the low liquidity premium of domestic currencies developing countries compared to US dollar or Euro. This factors seems to be very important to explain the premature deindustrialization of Latin-American Economies, mainly Argentina, Brazil and Colombia in the last 25 years.
China is today a mediun-income economy that experienced the longer and stronger phenomenon of growth acceleration in the last 40 years. According to both classical development economics and new-developmentalism its manufacturing share should be increasing or at least stable for a long period of time in order to allow China to reach the level of a mature economy. However, a brief look in Chinese data shows clearly that China started a process of premature deindustrialization since 2006 which was followed by a sharp decrease in the growth rate of per-capita GDP (See figure 1 below).
Source: World Development Indicators (World Bank). Author´s own elaboration. The left axis measures the manufacturing share and the right axis measures the GDP per-capita growth rate.
This is puzzle for development theory. Not only China did not reach the status of a high income economy, but also China did not had any of the causes of real exchange rate overvaluation stressed by new-developmentalist literature. China is a country that is poor in natural resources and had a lot of capital controls that allowed policy-makers to manage the real exchange rate.
This premature deindustrialization can be a first syntom that China can fall in a middle-income trap as many other countries before it. The Brazilian experience should be a clear warning for China. At the end of 1970´s Brazil had the most advanced manufacturing sector of the entire developing country and its manufacturing output was bigger than the combined manufacturing output of China, India and South Korea. Since then, Brazilian economy stagnated with a huge process of premature deindustrialization. The manufacturing share in Brazil in 2019 was lower than the level observed in 1947!
I have no explanation for what is going on in China. It is possible that, in the near future, the manufacturing share stabilizes in a lower although high level for high income countries. The other possibility is that this process of premature deindustrialization continues until GDP per-capita growth decline to a level that makes impossible for China to catch-up with high income countries. Future is not yet written.
References
Bresser-Pereira L.C., Oreiro J.L. and Marconi N. (2015), Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a Growth Strategy, London: Routledge.
Lewis W.A. (1954), “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”, The Manchester School, 22 (2), pp. 139-191.
Kaldor N. (1967), Strategic factors in economic development, Ithaca (NY): New York State School of Industrial and Labor Relations, Cornell University.
Rodrik D. (2016), “Premature Deindustrialization”, Journal of Economic Growth, 21 (1), pp. 1-33.
Rowthorn, Robert & Ramaswamy, Ramana. (1999), “Growth, Trade, and Deindustrialization”, IMF Staff Papers, n. 46 (2), DOI: 10.5089/9781451848021.001
Eu não assisti a entrevista de ontem com o Campos Neto no Roda Viva, mas alguns economistas com quem conversei hoje tiveram as seguintes impressões:
Economista 1 : Com respeito à entrevista do presidente do BCB, ontem, no Roda Viva. Começou nervoso, mas conseguiu defender relativamente a tese de autonomia da instituição, sempre usando o argumento teórico da credibilidade. Mas, não conseguiu em nenhum momento (tergiversou, deu voltas, mas não respondeu) por que o Brasil tem a mais alta taxa real de juros do mundo. Esse é o ponto central.
Economista 2: Na minha opinião ele não usou argumentos teóricos de credibilidade para defender somente a autonomia do Bacen. Ele se colocou por trás desses argumentos para encobrir sua insegurança. Trata-se de um mero tecnocrata, sem jogo de cintura político. Caberia como uma luva em uma assessoria técnica, não como presidente do BC.
Economista 3: Nervoso e inseguro (o papel na mão condena). Cresceu como vítima e defensor do tal SOCIAL do BC ao longo da entrevista!
Nas últimas semanas o debate sobre conjuntura econômica no Brasil finalmente saiu da mesmice sobre o sacrossanto “Teto de Gastos” (cuja missa de réquiem está marcada para o dia 31/08/2023) e passou para a autonomia do Banco Central do Brasil. A questão de fundo é o patamar elevado da taxa Selic, tanto em termos nominais como em termos reais, o que parece ser inconsistente com o cenário macroeconômico internacional caracterizado por inflação elevada nos países desenvolvidos, devido ao choque de oferta decorrente da política de covid zero na China e da guerra da Ucrânia, e taxas de juros reais ainda em campo negativo. O presidente Lula tem reiteradas vezes mostrado seu descontentamento com esse situação a qual, no seu julgamento, poderia comprometer a performance macroeconômica do seu governo. Caso a autonomia do Banco Central não tivesse sido aprovada em lei durante o governo Bolsonaro, o Presidente Lula teria a liberdade para nomear o presidente e a diretoria do Banco Central como ocorreu com todos os presidentes eleitos no Brasil desde a nova república desde Fernando Henrique Cardoso em 1995, passando por Lula em 2003, Dilma em 2011, Temer em 2016 e Bolsonaro em 2019. A aprovação da lei de autonomia do Banco Central se deu apenas após a elegibilidade do Presidente Lula em 25 de fevereiro de 2021. As circunstâncias apontam para uma lei feita sob medida para tirar poder do Presidente Lula se eleito fosse em 2022, fato que acabou ocorrendo.
Acontece que 11 em cada 10 economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro dirão que “a mulher de César é honesta mesmo que não pareça ser”, ou seja, que não existe nenhuma relação entre o ciclo político e as decisões sobre a taxa de juros, as quais são um problema eminentemente técnico.
Os economistas liberais gostam de propagar a ideia de que a economia é uma ciência dura (hard science) como a física. Dessa forma, pode-se dissimular as paixões e os interesses dos economistas, principalmente quando eles estão em posições nas quais a sua remuneração presente ou futura depende de serem capazes de não enxergar certos problemas. Aqui quero fazer uma ressalva. Eu não estou afirmando que eu como economista não tenha paixões ou interesses, mas apenas o fato inegável que minha situação financeira presente ou futura não é impactada pelas análises que faço como economista. Posso errar como qualquer mortal, mas meus erros, se e quando ocorrem, não são devidos a ignorância premeditada ou miopia consentida.
Mas vamos aos argumentos. Quais as razões que fundamentam a tese da “autonomia” do Banco Central, ou seja, a ideia de que a autoridade monetária tem que estar protegida contra a ameaça de demissão arbitrária na forma de mandatos fixos e não coincidentes (com o mandato do Presidente da República) para a diretoria dessa instituição?
A tese da autonomia ou independência do Banco Central tem sua origem nas décadas de 1980 e 1990 no bojo do debate entre regras versus comportamento discricionário da política monetária. A tese apresentada então era que se a autoridade monetária atuasse de forma discricionária, ou seja, escolhendo a melhor resposta em termos de juros e oferta de moeda ao estado da economia (inflação e desemprego) a cada momento, o resultado seria a criação de um “viés inflacionário”, ou seja, de uma inflação mais alta do que a inflação ótima do ponto de vista social (por simplicidade suposta ser igual a zero). No modelo utilizado para fundamentar esse resultado se supõe que (i) a existência de rigidez nominal e real faz com que a autoridade monetária tenha incentivo para criar surpresa inflacionária e (ii) o setor privado, no entanto, está ciente desses incentivos e incorporam as suas consequências inflacionárias no processo de fixação de preços e salários. Daqui se segue que no equilíbrio com expectativas racionais, as autoridades monetárias são incapazes de surpreender os agentes do setor privado, de forma que a inflação inesperada é igual a zero, e os salários reais e a taxa de desemprego são iguais aos seus níveis naturais de mercado. O único resultado é uma taxa de inflação mais alta do que a socialmente ótima (Franceze, 2004, p.106).
Para resolver esse problema a solução proposta foi a institucionalização de um Banco Central conservador, ou seja, com um grau de aversão a inflação maior do que o da sociedade como um todo, com relativa autonomia com relação aos políticos para conquistar credibilidade, entendida como o compromisso com uma taxa de inflação baixa e estável, de preferência próxima de zero.
Uma hipótese explicita desses modelos é que a autoridade monetária tem controle completo sobre a taxa de inflação, a qual é uma variável que está sob sua discrição. Nesse contexto, a inflação discricionária, ou seja, a taxa de inflação que maximiza a função objetivo do Banco Central é dada por:
Onde: A é o coeficiente de aversão a inflação na função objetivo do Banco Central (o qual mede o seu grau de conservadorismo), alpha mede a sensibilidade do emprego à surpresa inflacionária, N* é o emprego socialmente ótimo e Nn é o emprego natural, ou seja, aquele nível de emprego para o qual a surpresa inflacionária é igual a zero.
O argumento pró autonomia do Banco Central é que quanto menor for o coeficiente A menor será a taxa de inflação discricionária e, portanto, maior o bem-estar social. A política monetária é tida como neutra sobre o nível de emprego pois não é capaz de afetar nem a taxa de emprego socialmente ótima ou a taxa de emprego natural. A única função da política monetária é entregar uma taxa de inflação o mais baixo quanto possível e para tanto maior deve ser o seu conservadorismo, o qual só será crível por intermédio da autonomia do Banco Central.
O modelo apresentado tem, no entanto, uma série de limitações. A que mais salta aos olhos é hipótese de que o Banco Central tem controle absoluto sobre a taxa de inflação. Tal hipótese assume implicitamente que os preços e os salários nominais de toda a economia são fixados de maneira absolutamente coordenada pelo setor privado, o qual toma suas decisões de formação de preços e salários levando em conta apenas o comportamento do Banco Central. No mundo real os salários são fixados com graus variados de coordenação a depender das instituições que regulam as negociações salariais entre firmas e sindicatos. As firmas também fixam preços em intervalos distintos de tempo de maneira que podem surgir situações mais ou menos persistentes de desequilíbrio de preços relativos entre as empresas, as quais darão ensejo a aumentos de preço de maneira descoordenada.
Devemos ressaltar que no modelo que fundamenta a tese de autonomia do Banco Central não existe espaço para inflação causada por choques de oferta: a inflação é sempre e em todo lugar um problema monetário. Embora a teoria econômica tradicional tenha a muito tempo abandonado o monetarismo e a teoria quantitativa da moeda, o status teórico do problema inflacionário continua o mesmo. A inflação é o resultado de uma política monetária permissiva, voltada para a obtenção de uma taxa de emprego maior do que a que é compatível com o equilíbrio entre oferta e demanda em todos os mercados. Não há espaço para inflação de custos pois o equilíbrio de mercado garante que os agentes econômicos, sejam firmas ou sindicatos, estarão sempre satisfeitos com os preços que recebem de seus produtos ou serviços. A inflação só pode ter sua origem “fora” do setor privado, ou seja, no Banco Central e no governo.
Mas a crítica mais geral a tese de autonomia do Banco Central é que ela não é a única solução para o problema da inflação discricionária. Conforme podemos visualizar na equação acima qualquer política que reduza o valor de A, ou a sensibilidade da taxa de emprego a surpresa inflacionária ou diminua a diferença entre a taxa de emprego socialmente ótima e a taxa natural de emprego irão produzir o mesmo resultado (Franzese, 2004, p. 107).
Quando saímos do mundo fantástico da concorrência perfeita, a taxa de emprego de equilíbrio é aquela que equaliza o salário real que as firmas estão dispostas a pagar com o salário real que os sindicatos desejam obter nas negociações salariais com as firmas, dado o estado da economia e um conjunto de outras variáveis institucionais que afetam o poder de barganha relativo dos sindicatos na negociação coletiva como, por exemplo, o grau de sindicalização da força de trabalho, o percentual dos salários que é negociado coletivamente, o grau de centralização e coordenação das barganhas salariais (Carlin e Soskice, 2010, 2015). O desemprego atua como um mecanismo disciplinador dos sindicatos e das firmas, forçando esses agentes a entrarem num acordo a respeito do salário real prevalecente na economia.
Nesse contexto, um choque de oferta decorrente, por exemplo, do aumento do preço relativo da energia irá reduzir o salário real que as firmas estão dispostas a pagar, fazendo com que a taxa de emprego que compatibiliza as demandas salariais dos sindicatos com o que as firmas estão dispostas a pagar se reduza, aumentando assim a inflação discricionária, dado o grau de “autonomia do Banco Central”. O aumento da taxa de inflação não será um fenômeno temporário, mas irá durar enquanto persistir o preço relativo mais alto da energia.
O Banco Central poderá reduzir a inflação neste caso apenas se aumentar o seu grau de conservadorismo, ou seja, se reduzir o valor do coeficiente A na equação acima. Os defensores da tese de autonomia do Banco Central implicitamente assumem que não existe nenhuma relação entre o parâmetro A e os demais parâmetros da equação que determina a inflação discricionária, particularmente o emprego de equilíbrio. Nesse contexto, um aumento do grau de conservadorismo da política monetária não teria nenhum efeito sobre o lado real da economia, particularmente sobre o mercado de trabalho.
O problema é que existem boas razões para acreditarmos que isso não é verdade. A moderna teoria econômica ja identificou pelo menos dois canais pelos quais uma redução persistente da taxa de emprego pode levar a uma redução cumulativa da taxa de emprego de equilíbrio, fenômeno esse conhecido como efeito histerese. O primeiro canal é o efeito insider-outsider e o segundo e o problema de sucateamento do capital.
Efeito Insider/Outsider
Considere que os desempregados perdem o seu status de membros do sindicato após alguns períodos de desemprego. Dessa forma, eles se tornam “outsiders” sendo incapazes de influenciar nas decisões dos sindicatos.
Considere também que os sindicatos só se preocupam com o nível de emprego e de salário real dos seus filiados. Dessa forma, quando o desemprego aumenta e permanece elevado por um certo período de tempo; os sindicatos perdem filiados e passam a demandar salários mais altos para os membros remanescentes.
Uma queda da demanda agregada irá aumentar a taxa de desemprego. Esse aumento da taxa de desemprego irá diminuir o número de insiders, levando a um aumento do salário real desejado pelos sindicatos e, portanto, a uma queda da taxa de emprego de equilíbrio.
Capital Scrapping (“sucateamento de capital”)
Uma recessão prolongada leva as firmas a “sucatear” uma parte do seu estoque de capital á medida que os gastos de investimento não são suficientes para cobrir as necessidades de reposição devido a depreciação ou mesmo a obsolescência tecnológica.
Quando a economia se recupera, as elevadas taxas de utilização da capacidade produtiva fazem com que as firmas aumentem as suas margens de lucro, reduzindo assim o salário real que estão dispostas a pagar. Com isso, ocorre uma redução da taxa de emprego.
As questões levantadas acima apontam para a possibilidade de que um Banco Central excessivamente conservador possa agravar o problema inflacionário ao invés de resolve-lo. Se uma redução do valor do parâmetro A, ou seja, um aumento do grau de aversão do Banco Central a inflação, desencadear uma redução da taxa de emprego de equilíbrio pelos mecanismos expostos acima, então a taxa de inflação discricionária pode ficar constante ou até mesmo se elevar, agravando assim o quadro inflacionário.
O que deve ser feito então para reduzir a inflação discricionária? Uma alternativa seria a adoção de políticas de rendas que aumentassem a coordenação e a centralização das negociações salariais de forma a incentivar o setor privado a moderar as demandas por reajustes de preços e salários. Outra possibilidade, bastante pertinente no caso brasileiro, é reduzir a sensibilidade do emprego a surpresa inflacionária (o coeficiente alpha), diminuindo o grau de indexação de preços e salários a inflação passada. Para tanto, o governo brasileiro deveria proceder a uma reforma monetária (Sobre essa proposta ver Oreiro e Costa Santos, 2023), decretando por intermédio de lei complementar, o fim da indexação de todos os contratos assinados em território nacional.
Isso posto, não existe nada de sacrossanto na autonomia do Banco Central. Trata-se de um arranjo institucional para a condução da política monetária que tem efeitos dúbios sobre o problema que pretende resolver. Existem outras alternativas para o controle da inflação no Brasil que não passam pela manutenção da autonomia do Banco Central. Tal como o ocorrido com o Teto de Gastos, esse é um debate urgente e necessário para o Brasil.
Referências:
Carlin, W; Soskice, D. (2015). Macroeconomics: Institutions, Instability, and the Financial System. Oxford University Press: Oxford.
Carlin, W; Soskice, D. (2010). “Teaching Intermediate Macroeconomics using a 3-Equation Model” In: Fontana, G and Setterfield, M. (Eds.). Macroeconomic Theory and Macroeconomic Pedagogy. Palgrave Macmillan: London.
Franzese, R.J. (2004). “Institutional and Sectoral Interactions in Monetary Policy and Wage/Price-Bargaining” In: Hall, P; Soskice, D (orgs.). Varieties of Capitalism: the institutional foundations of comparatice advantage. Oxford University Press: Oxford.
Oreiro, J.L; Costa Santos, J.F. (2023). ” The unfinished stabilization ot the Real Plan: an analysis of the indexation of the Brazilian economy” In Ferrari-Filho, F and De Paula, L.F. (orgs.). Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Countries. Edaward Elgar: Aldershot.
Onze entre cada dez economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro atribuem o elevado patamar da taxa de juros selic observado no Brasil ao desequilíbrio fiscal do governo central (governo federal + Banco Central). Segundo o seu seu, por assim dizer, raciocínio, como o governo gasta mais do que arrecada então ele precisa pedir muito dinheiro emprestado no mercado, aumentando a demanda por crédito e, dada a baixa taxa de poupança existente no Brasil, produzindo uma elevada taxa de juros. A solução é reduzir a despesa primária do governo geral, cortando despesas desnecessárias e/ou ineficientes (quais?), para então conseguir reduzir a taxa de juros. Dessa forma, o desequilíbrio fiscal brasileiro teria sua origem no excesso de despesa primária do governo geral, razão pela qual o teto de gastos deveria ser mantido a forceps pela equipe econômica do novo governo Lula.
Na posse do novo presidente do BNDES Aloisio Mercadante, o Presidente Lula mais uma vez se pronunciou contra a decisão do Copom do Banco Central de manter a taxa selic em 13,75% a.a. Com uma inflação acumulada em 12 meses de 5,79% temos que a taxa real de juros (ex-post) é de 7,52% a.a, a mais elevada do mundo. O Presidente Lula afirmou hoje que “Não tem explicação para a taxa de juros a 13,5 [13,75]%. Faz anos que a gente briga pela taxa de juros no Brasil”.
Não existe efeito sem causa. Claro que existe uma explicação para o elevado patamar da taxa de juros no Brasil, mas essa explicação não é o desequilíbrio fiscal. Pelo contrário, o desequilíbrio fiscal é o resultado da política de juros adotada pelo Banco Central do Brasil nos últimos anos.
Vamos aos números. A Figura 1 abaixo mostra a evolução no acumulado em 12 meses do resultado primário do governo central e dos juros nominais que o governo central paga sobre o estoque de sua dívida. Observem que até março de 2020 (mês em que as primeiras medidas de distanciamento social são adotadas no Brasil) o governo central incorria num déficit primário em torno de 1,5% do PIB e pagava juros nominais ligeiramente superiores a 4% do PIB. Com os gastos primários realizados para o enfrentamento das consequências econômicas, sociais e sanitárias da pandemia do Covid-19, o déficit primário do setor público aumenta para quase 10% do PIB em dezembro de 2020, mas o pagamento de juros nominais cai para 3,5% do PIB nesse mês, continuando sua trajetória de queda até junho de 2021 quando chega a 2,93% do PIB. Observem, caros leitores, que um aumento espectacular nas despesas primárias do governo central (como % do PIB) foi obtido com uma redução da conta de juros nominais paga pelo governo central, ou seja, um resultado OPOSTO ao esperado com base na (sic) teoria econômica usada pelos analistas do mercado financeiro. Qual a razão disso? Muito simples: a taxa de juros não é o preço dos “fundos emprestáveis” mas o preço do dinheiro, o qual é fixado pelo Banco Central nas reuniões do Copom. Como o Banco Central reduziu a taxa de juros para 2% a.a ao longo do ano de 2022, o custo de carregamento da dívida pública (fortemente atrelado a selic devido as Letras Financeiras do Tesouro e as operações compromissadas) diminui em quase 25% entre março de 2020 e junho de 2021.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do autor.
Em março de 2021 o Banco Central do Brasil começou um ciclo de elevação da taxa de juros que levou a taxa selic a 13,75% a.a no final de 2022. Essa elevação da taxa selic fez com que os juros nominais passassem de 2,93% do PIB em junho de 2021 para 5,12% do PIB em dezembro de 2022, ficando acima do patamar observado no período anterior a pandemia. Nesse mesmo período, o resultado primário do governo geral passou de um déficit de 4,61% do PIB para um superávit 0,56% do PIB. Ou seja, uma melhoria do resultado primário de 5,17% do PIB foi seguido por um aumento da despesa com juros nominais de 2,19% do PIB. Parte significativa (42%) da melhoria do resultado primário foi dissipada em aumento das despesas com juros da dívida pública.
A figura 2 abaixo mostra o percentual do resultado nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) que pode ser atribuído a despesa com pagamento de juros da dívida pública.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do Autor.
O leitor pode verificar que a despesa con juros respondia por aproximadamente 80% do déficit nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) até o início da pandemia do covid-19. Esse percentual cai para pouco mais de 20% até dezembro de 2020 devido ao aumento do déficit primário e a redução da despesa com juros. A partir de março de 2021, o percentual volta a aumentar ultrapassando 100% no início de 2022. Em dezembro do ano passado os gastos com o pagamento de juros respondiam por 112% do déficit nominal do governo geral.
Esses números não permitem outra interpretação de que o desequilíbrio fiscal no Brasil é de natureza financeira. Nesse contexto, reduzir as despesas primárias não é apenas uma crueldade do ponto de vista social, mas uma estupidez do ponto de vista econômico. O reequilíbrio das contas públicas no Brasil passa pela solução do problema da “despesa ausente” no debate público no Brasil, ou seja, o gasto excessivo com o pagamento de juros da dívida pública. Sua solução se encontra numa reforma monetária no Brasil e na institucionalidade do regime de metas de inflação, de maneira a permitir que a obtenção de uma taxa de inflação estável e razoável (algo como 4% a.a.) seja possível com uma taxa de juros estruturalmente mais baixa.
Golpe fracassado, vitória de Pacheco e agenda ambiental superam incertezas herdadas de Bolsonaro, afirma professor da UnB
Por Tiago Pereira, da RBA
Com Lula, Brasil deixou de ser “párea internacional” e começa a atrair investimentos estrangeiros
São Paulo – O dólar operou em baixa frente ao real nesta quinta-feira (2). Na mínima do dia, a moeda norte-americana chegou a R$ 4,94, menor patamar desde 10 de junho de 2022, quando atingiu R$ 4,98. No meio da tarde, a cotação atingiu R$ 5,04, redução de cerca de 0,3% sobre o dia anterior. Fontes do mercado financeiro atribuem essa desvalorização à decisão do Federal Reserve (FED, o banco central dos Estados Unidos), de reduzir o aperto monetário. Em um mês, no entanto, o dólar registrou queda de mais de 6,09% em relação à moeda brasileira. Portanto, a política monetária dos Estados Unidos, por si só, não explica o fenômeno.
Para o professor José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), as análises não devem desconsiderar fatores políticos. “É basicamente o resultado da percepção que presidente Lula está reunindo condições de governabilidade”, afirmou. “O comportamento do dólar nas últimas semanas reflete a derrota completa do bolsonarismo. Assim, parte da incerteza política é resolvida.
Como exemplo, ele cita a reação unificada das instituições para debelar a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro. Outro fator positivo foi a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à presidência do Senado. A derrota do bolsonarista Rogério Marinho (PL-RN) garante certa “tranquilidade” ao governo para conduzir pautas importantes ao país no Congresso Nacional.
Novo “normal”
De acordo com dados do Banco Central, o fluxo cambial de janeiro foi positivo em US$ 4,198 bilhões. Desse modo, a entrada de investimentos estrangeiros no país colaborou para a valorização do real frente ao dólar. “O aumento do investimento externo está relacionado com a posse de um governo que não é visto como um párea internacional. Houve uma clara mudança de atitude em relação à questão da preservação da Amazônia, por exemplo”, afirma Oreiro.
Ele ressalta que parte da apreciação do dólar durante a gestão Bolsonaro estava ligada à sua postura “negacionista” nas questões ambientais. Para o professor, a grande diferença é que o país voltou a ter um governo “normal”, segundo ele. Já o anterior produzia “crises” e “ruídos” em ritmo quase diário.
Cabe lembrar que, em março de 2020, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou o dólar poderia ultrapassar a casa dos R$ 5 se o governo “fizesse muita besteira”. Foi o que acabou ocorrendo, em praticamente todas as áreas, desde o negacionismo durante a pandemia ao estímulo à devastação ambiental. O próprio Guedes chegou a atacar parceiros importantes, como a França e a Argentina. “Agora a gente tem um ministro da Fazenda (Fernando Haddad) que é comedido nas suas afirmações, que não fica falando coisas sem pensar”, afirmou o professor.
Frutos
Ao contribuir para arrefecer todas essas incertezas, Oreiro diz que o governo “está colhendo os frutos”. E as próximas colheitas podem ser ainda melhores. Isso porque a queda do dólar frente ao real deve trazer alívio à inflação. Como resultado, eventual queda nos índices de inflação também contribuiria para a redução da taxa de juros. O dinheiro mais barato ampliaria o consumo e, por consequência, os investimentos, melhorando o cenário econômico como um todo.
“O que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros”, disse o economista da UnB
O economista José Luis Oreiro defendeu nesta quarta-feira (1) que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) inicie o ciclo de redução da taxa de juros da economia (Selic). O Copom realiza hoje a sua primeira reunião do ano e decide se manterá a Selic no atual patamar de 13,75%, ou se reajusta para baixo ou para cima a taxa.
Para Oreiro, “o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Se você olhar a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022 não vão se repetir”, afirmou o professor da UnB, em entrevista à Hora do Povo.
O economista também afirmou que o BC tem perseguido metas de inflação que não correspondem à realidade.
“O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado”, avaliou o economista.
Oreiro alertou, ainda, que o caso das Lojas Americanas pode ser apenas o começo de uma crise financeira no setor de varejo e que a taxa de juros mantida em níveis elevados pode agravar ainda mais este problema.
“O caso das Lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas”. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros”, defendeu Oreiro.
Leia, na sequência, a íntegra da declaração do economista José Luis Oreiro ao HP.
JURO REAL EXTRAORDINARIAMENTE ELEVADO
“Na minha opinião, o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Cupom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Você tem aí uma taxa de juros real de mais de 6%. a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta, que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022, não vão se repetir. Um exemplo, a gente está vendo o índice pluviométrico no Brasil está muito elevado, isso significa que os reservatórios das usinas hidrelétricas vão aumentar consideravelmente o seu nível num período de chuvas, que terminam agora em abril. Então, muito provavelmente a gente não vai ter que acionar as usinas térmicas. Nós vamos ter um período de tranquilidade nas tarifas de energia elétrica ao longo do ano de 2023. Isso já alivia a pressão da energia sobre a inflação”.
“Então, assim, embora a meta de inflação seja de 3,25 e com teto de um e meio, daria 4,75, portanto a inflação projetada para esse ano ainda esteja acima da meta, o problema é que a meta de inflação é irrealista. O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado.”
“O caso das lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive, o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros. Se fosse eu o presidente do Banco Central reduziria hoje a Selic de 13,75% para 13%.”
Nas últimas semanas o “mercado” parece estar mais calmo com a equipe econômica montada pelo presidente Lula. Um cenário bastante diferente do que se desenhava em meados de novembro do ano passado quando Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan escrevam uma carta aberta ao Presidente Lula alertando-o de que o Brasil se achava a beira de um precipício fiscal e que a PEC da transição, ao propor inicialmente a realização de um gasto extra teto de R$ 195 bilhões por dois anos iria fazer com que o mercado se recusasse a continuar a refinanciar a dívida pública, criando assim uma crise fiscal com consequências catastróficas sobre a taxa de câmbio nominal (maxidesvalorização da moeda nacional) e o retorno da hiperinflação. Essa análise foi contestada por mim e por outros colegas do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento (www.sdmrg.com.br) publicada neste blog no dia 18 de novembro de 2022 (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/11/18/carta-aberta-ao-presidente-lula/) e posteriormente repercutida pela grande imprensa. A PEC da transição foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 e imediatamente promulgada. Na versão aprovada o gasto extra teto foi reduzido para R$ 145 bilhões por um período menor, de apenas um ano; mas ficou definido que o Ministério da Fazenda deverá enviar até o dia 31 de agosto de 2023 um projeto com um novo arcabouço fiscal para o Brasil. Dessa forma, o teto de gastos foi declarado oficialmente morto, embora o sepultamento definitivo ainda não tenha ocorrido pois ainda estamos celebrando a missa de corpo presente pelo teto de gastos.
Passado um mês da aprovação da PEC da transição nada do que os profetas do apocalipse previram se concretizou. A prévia da inflação em janeiro de 2023 medida pelo IPCA-15 ficou em 0,55% acumulando uma alta de 5,87% em 12 meses, valor ligeiramente inferior ao observado em dezembro do ano passado (5,9%) [a esse respeito verhttps://noticias.r7.com/economia/previa-da-inflacao-ganha-ritmo-e-avanca-055-em-janeiro-24012023]. A taxa de câmbio continua flutuando entre R$5,20 e R$5,50, dependendo do humor do mercado financeiro no Brasil e no exterior, mas nada de sistematicamente diferente do observado no período anterior ao segundo turno das eleições presidenciais. Pelo menos por enquanto o Brasil parece estar livre de entrar num buraco negro.
Não obstante a isso, alguns analistas continuam afirmando que o Brasil continua a passos largos para um abismo fiscal pois as projeções para a relação dívida pública/PIB apontam para um valor superior a 90% do PIB até o final desta década. Não é a primeira vez que esse tipo de previsão é feito. Em abril de 2020 a Instituição Fiscal Independente previu que a DBGG (Dívida bruta do governo) geral poderia chegar a 100,2% do PIB em 2030, no cenário intermediário ou 138,5% do PIB no cenário pessimista (https://www.cbncaruaru.com/artigo/divida-bruta-deve-chegar-a-100-do-pib-em-dez-anos-preve-ifi)
A dívida bruta do governo geral fechou o ano de 2022 em 76,9% do PIB numa trajetória de queda a partir do pico observado em 2020. Trata-se de um valor ligeiramente maior do que o observado no final de 2019 quando a DBGG atingiu a marca de 75,8% do PIB apesar dos gastos extra teto de quase 700 bilhões de reais realizados em 2020 e das PECs dos precatórios e Kamikaze que permitiram a realização de mais algumas centenas de bilhões de reais fora do teto de gastos.
Qualquer economista que entenda o mínimo de Teoria Keynesiana sabe que “o futuro é incerto e o passado é irrecuperável”, nas palavras da economista Britânica Joan Robinson. Prever o comportamento futuro das variáveis econômicas é uma tarefa muito difícil, quando não impossível, principalmente para períodos de tempo muito longos. Isso ocorre devido ao “princípio da não-ergodicidade” dos processos econômicos segundo o qual é impossível a convergência entre a média amostral e a média da população de forma que a observação do comportamento passado de qualquer série de tempo não nos permite inferir nada sobre o comportamento dessa série no futuro. Nas palavras de Keynes “nós simplesmente não sabemos”.
Nem sempre os economistas tem a humildade para reconhecer, ainda mais em debates públicos, as limitações de suas projeções sobre o comportamento futuro da economia. Tudo o que o conhecimento econômico nos permite fazer é construir projeções baseadas em algumas hipóteses sobre o comportamento de certas variáveis chave, hipóteses essas que são apenas conjecturas que o economista faz com base na sua experiência e na sua “visão de mundo”. Dessa forma, as previsões econômicas são necessariamente viesadas no sentido de que se baseiam nas “crenças” dos economistas a respeito do funcionamento do sistema econômico.
A partir do que foi dito acima a honestidade científica no campo da economia exige que o economista explicite suas hipóteses e o “modelo” (entendido como um sistema de equações que descrevem as relações supostas entre as variáveis econômicas) a partir do qual irá basear sua análise.
Neste post eu me proponho a fazer uma simulação numérica da trajetória da DBGG como proporção do PIB para o Brasil no período entre 2023 a 2032. Trata-se de uma projeção que eu considero plausível a partir dos pressupostos e do arcabouço teórico que irei utilizar no exercício de simulação. O modelo a ser utilizado é bastante parcimonioso, pois estou deliberadamente excluindo diversas complicações observadas no mundo real que eu acredito que não são essenciais para a análise a ser feita. Por exemplo, o modelo desconsidera que a DBGG é composta por diversos tipos de títulos (pré-fixados, indexados a índice de preços, indexados a taxa de juros, indexados a taxa de câmbio), seus diferentes prazos de maturidade e etc. O modelo também supõe que a produção das firmas é restrita apenas pelo estoque de capital físico que elas possuem e que o grau de utilização da capacidade produtiva se ajusta de maneira gradual ao nível normal ou desejado pelas empresas no longo prazo. O estoque de capital também é tido como homogêneo e se deprecia a uma taxa constante por período (o qual iremos supor igual ao ano calendário). A taxa de juros de curto prazo (a selic) é determinada com base numa regra de Taylor simples, na qual a autoridade monetária aumenta a taxa de juros com respeito ao seu valor de equilíbrio de longo prazo quando a inflação esperada fica acima da meta de inflação. Por fim, iremos supor que os agentes, na falta de uma melhor alternativa dada a limitação na sua capacidade cognitiva (a racionalidade limitada de Herbert Simon), formulam suas expectativa de maneira adaptativa, considerando que a inflação atual será igual a inflação do período anterior.
Onde:
Os valores usados para os parâmetros do modelo são os seguintes:
No exercício de simulação iremos supor que (i) o Conselho Monetário Nacional irá alterar a meta de inflação para 4% a.a em 2023 e essa meta irá vigorar até 2032; (ii) o governo geral irá incorrer num déficit primário de 1% do PIB em 2023, premissa em conformidade com o resultado primário esperado para o ano de 2023 pelo próprio ministro da fazenda; (ii) o novo arcabouço fiscal a ser aprovado em 2023 em conjunto com a aprovação da reforma tributária ainda no primeiro semestre de 2023 permitirá um ajuste fiscal gradual com o resultado primário alcançando 1% do PIB em 2024, aumentando 0,5% por ano até alcançar 2,5% do PIB em 2027 ficando estável nesse patamar até o final do período; (iii) a taxa de inflação irá ficar em 5% no ano de 2023, se reduzindo para 4% a.a a partir de 2024 e (iv) a taxa de investimento (FBKF/PIB) irá aumentar 0,5 p.p ao ano a partir de 2023, atingindo 24,5% do PIB em 2032. Esse aumento da taxa de investimento é esperado como resultado do aumento do investimento público em infraestrutura (permitido devido ao novo arcabouço fiscal) e da reindustrialização gradual da economia brasileira iniciada no biênio 2023/2024.
Nessas condições, a dinâmica da DBGG/PIB, taxa real de crescimento do PIB, taxa real de juros e resultado primário como proporção do PIB pode ser visualizado na figura abaixo.
Fonte: Elaboração do autor.
Neste exercício a DBGG/PIB aumenta até 2024, quando alcança o patamar de 80,89%, iniciando a partir de 2025 uma trajetória consistente de queda até alcançar 68,83% do PIB em 2032, 10 p.p abaixo do valor registrado no final de 2019.
Esse cenário é bastante diferente do que habitualmente é divulgado pela grande imprensa. Por que? A razão fundamental, na minha visão, é que os profetas do apocalipse trabalham com cenários extremamente pessimistas para a taxa real de juros e a taxa de crescimento do PIB real. Atualmente a taxa real de juros está acima de 6% a.a. Para 2023 a maioria dos analistas prevê um crescimento do PIB em torno de 1%. Dada essa combinação de juros e crescimento a estabilização da dívida pública no patamar vigente no final de 2022 exigiria um superávit primário provavelmente em torno de 3,5% do PIB. A questão que não se coloca, contudo, é que não há nenhuma razão objetiva para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB no primeiro ano de mandato do presidente Lula. O que importa é desenhar não apenas um novo arcabouço fiscal, mas um regime de política macroeconômica e um modelo de desenvolvimento que permita o aumento da taxa de investimento, a redução da taxa real de juros e um aumento gradual do superávit primário como proporção do PIB. Se a equipe econômica do governo conseguir desenhar esse arcabouço (e aqui existe um grande SE), então a estabilização/redução da DBGG/PIB será o resultado da retomada do desenvolvimento econômico.
Com o fim do teto de gastos programado para o próximo ano, mercado aguarda sinais claros da equipe econômica sobre o desenho da nova âncora focado no controle de despesas para equilibrar o Orçamento
Com o fim do teto de gastos decretado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em vários discursos desde que assumiu, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sinalizado que pretende apresentar um novo arcabouço fiscal na primeira metade deste ano. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que ampliou o limite de despesas no Orçamento deste ano em R$ 168 bilhões, e, com isso, elevou o rombo fiscal do Orçamento de 2023 para R$ 231,6 bilhões, prevê a definição da nova âncora até agosto.
O mercado financeiro, que vem dando sinais de não estar em lua de mel com Lula desde a posse, aguarda ansiosamente alguma sinalização da equipe econômica sobre qual será o desenho do arcabouço fiscal que precisará ser respeitado a partir de 2024. O plano de medidas de até R$ 242,7 bilhões para reduzir o rombo fiscal anunciado por Haddad é pouco efetivo. Pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), por exemplo, quatro medidas são factíveis neste ano, e, juntas, poderiam ajudar a reduzir o rombo fiscal deste ano em R$ 81,3 bilhões. Isso é menos do que os R$ 131,6 bilhões a R$ 141,6 bilhões de impacto previsto pelo ministro para reduzir o rombo fiscal deste ano para algo entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões.
Não à toa, a reação do mercado financeiro é negativa toda vez que Lula vocifera em relação à independência do Banco Central e ao teto de gastos — última âncora fiscal vigente, embora tenha sofrido várias alterações pelo governo anterior, foi a medida que ajudou o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conter o aumento da despesa e da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), na avaliação do economista e ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria. “Eu diria que essa melhora que houve no campo fiscal tem pouco a ver com o governo. Ela ocorreu sobretudo em 2022, por fatores alheios à ação do governo”, disse ele, citando como exemplos a alta dos preços das commodities por causa da guerra na Ucrânia, que aumentou a arrecadação. “O teto de gastos ajudou na redução da manutenção da relação entre despesa federal em relação ao PIB. Então, não há nenhum mérito do governo nisso aí, a rigor. Pelo contrário”, frisou.
Em entrevista ao Correio na semana passada, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, contou que defende um arcabouço que tenha como foco o controle das despesas e que o ministro Hadad tem duas ou três propostas sobre a mesa e deverá se reunir com a equipe econômica sobre o assunto a partir desta semana. “Eu acho que tem que olhar para o gasto. Nós vamos olhar para o gasto público e, no momento que tiver maduro, vamos apresentar algumas pequenas ou grandes propostas para a Casa Civil, para o Ministério da Fazenda, que tem essa visão também de que tem que olhar. A Fazenda está pensando em algumas alternativas em relação ao novo arcabouço fiscal.”
O modelo será definido em conjunto com os integrantes da Junta Orçamentária, composta por Tebet, Haddad, e os ministros Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e Rui Costa (Casa Civil), de acordo com a chefe do Planejamento. A ministra vem reforçando que será uma voz divergente na equipe econômica, porque o país gasta muito e mal e, portanto, precisará cortar, inclusive subsídios. “Eu acho que não tem como. Esse é o meu papel. E vou ser a chata da história”, frisou.
Apesar dos discursos de posse dos ministros de Lula de que haverá responsabilidade fiscal junto com responsabilidade social, como a equipe econômica tem mais expansionistas, como Haddad e Esther, do que fiscalistas, como Tebet, muitos se preocupam com uma tentativa de “inventar a roda”, buscando um arcabouço que não seja crível. Um aperfeiçoamento do teto de gastos em vez de uma nova regra tem sido uma das principais alternativas defendidas pelos especialistas.
Além de Mailson e Tebet, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles é outro defensor de que o novo arcabouço fiscal seja focado na despesa, em vez de dívida ou PIB, porque eles fogem do controle. Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também vê com desconfiança o uso da dívida pública como substituto do teto de gastos. “Nesse caso, vai ser o início do desmonte do governo”, disse. Para ele, “a melhor sinalização de Haddad” foi colocar o economista Bernard Appy como secretário especial da Reforma Tributária, o que vai ajudar o governo na tarefa de fazer um ajuste fiscal, que será inevitável, por meio de ampla reforma no sistema tributário. Lula e integrantes do governo, inclusive, defendem aumento de impostos para os mais ricos.
Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), engrossou o coro nas críticas a um arcabouço sem controle no aumento dos gastos, pois, neste ano não haverá excesso de arrecadação como em 2022. O colchão de liquidez do Tesouro Nacional, com R$ 1,1 trilhão no fim de 2022, pode não ser suficiente para fazer a gestão da dívida pública se não houver credibilidade fiscal do governo junto ao mercado. Apenas o novo Bolsa Família vai custar R$ 600 bilhões em todo o mandato, logo, essa reserva poderá ser queimada rapidamente se o Tesouro tiver dificuldade para rolar essa dívida. “Não podemos nos esquecer que a dívida pública bruta chegou a quase 90% do PIB e só caiu com a ajuda da inflação, que aumentou o denominador do indicador, o PIB nominal. E, se o governo não respeitar as regras fiscais, na melhor das hipóteses, as despesas ficam incontroláveis e a dívida volta para 90% do PIB e, na pior, para 100% do PIB. O mercado não vai aceitar uma dívida nesse patamar. Vamos ter dólar mais alto, juros mais elevados e mais inflação”, alertou.
Silber lembrou que o Brasil não tem a mesma credibilidade de Estados Unidos e Japão para ter uma dívida acima de 100% do PIB, mesmo com a dívida sendo majoritariamente interna. “O novo governo não combinou isso com o mercado e ele não vai aceitar. Portanto, não haverá gol, e a dívida pode explodir”, afirmou ele, fazendo analogia com a famosa de Garrincha ao técnico antes do jogo não combinado com a Rússia. Pelas estimativas da Tendências, a dívida pública bruta pode ultrapassar 100% do PIB, em 2026, considerando o cenário pessimista.
Além de defender um arcabouço fiscal focado no controle das despesas, Evandro Buccini, diretor da gestora de investimentos Rio Bravo, reforçou que o combate à pobreza, uma das prioridades de Lula, estará em risco se não houver uma boa âncora fiscal. “Esse é o grande desafio do novo governo, porque, sem um equilíbrio fiscal, o crescimento econômico vai para baixo e isso bate no mercado de trabalho e na renda, que são condições para as famílias mais pobres melhorarem de vida”, orientou o economista.
Consenso por regra factível
O consenso entre analistas é de que será preciso um arcabouço com metas críveis para o país recuperar a credibilidade da âncora fiscal e, assim, permitir ao governo conseguir fazer um ajuste fiscal mais gradual.
Evandro Buccini, diretor da Rio Bravo, ressaltou que o mercado não está achando ruim que o governo gaste mais a curto prazo para socorrer os mais necessitados e adotar medidas mais urgentes. Contudo, é preciso que “a perspectiva futura seja de melhor responsabilidade fiscal”. “Se a nova regra fiscal for ruim, será preciso cortar gastos ou aumentar imposto a curto prazo, o que terá consequências políticas ao novo governo”, pontuou.
Na avaliação do economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, que integrou o grupo de transição do novo governo, é possível fazer um novo arcabouço por meio do da regra de superavit estrutural — cálculo que exclui fatores transitórios do resultado fiscal, e, segundo ele, pode garantir a redução da relação dívida-Produto Interno Bruto (PIB), a médio e longo prazos. “No superavit primário estrutural, o excesso de superavit primário vai ser usado, em parte, para abater dívida e outra parte para um fundo de estabilização, que pode ser usado em momentos de recessão para investimentos em infraestrutura”, destacou ele, que é um grande crítico do teto de gastos e da regra de superavit primário.
Foto: José Luis Oreiro
A proposta defendida por Oreiro, segundo ele, seria calibrada para que a dívida pública caísse em uma trajetória descendente de médio e longo prazos. “É a melhor política fiscal possível, usada em países da União Europeia e no Chile. Não é preciso inventar a roda. E, toda vez que o Brasil tenta ser criativo, cria uma regra que não para em pé”, pontuou.
No apagar das luzes do governo anterior, técnicos do Ministério da Economia divulgaram duas propostas de arcabouço fiscal que podem ser analisadas. A primeira, do Tesouro Nacional, sugere a vinculação do crescimento das despesas ao tamanho da dívida pública no lugar do teto de gastos e propõe uma reformulação da regra de meta de resultado primário. A segunda, da Secretaria de Política Econômica (SPE), prevê o aprimoramento do teto de gastos, por meio de uma regra que inclui a evolução do PIB, condicionada ao tamanho da dívida pública. A conferir o que virá nos próximos meses.
Economistas de diferentes vertentes elogiam as primeiras medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para melhorar as contas públicas do País. O “pacote de Haddad” se tornou público no último dia 12 e visa reduzir o déficit primário da União em 2023, estimado em R$ 231,5 bilhões.
No cenário mais otimista, o plano ajudaria a gestão Lula (PT) a buscar um superávit primário de R$ 11,13 bilhões. Para aumentar as receitas, Haddad aposta em pontos como as renegociações de dívidas e a suspensão de desonerações mais recentes, além do uso de créditos do ICMS.
Professor da Universidade de Brasília (UnB) e alinhado ao chamado “novo desenvolvimentismo”, José Luis Oreiro acredita que, de uma tacada só, a equipe econômica conseguiu acenar ao mercado sem aumentar impostos. As medidas, segundo o economista, confirmam que “o governo não é irresponsável, está preocupado com o equilíbrio fiscal, quer reduzir o déficit primário”.
Por ora, o desafio do governo é revisar contratos com a garantia de que os pagamentos futuros serão feitos em dia. “Os contratos têm sobrepreço, o que não tem nada a ver com corrupção”, explica. “As empresas que prestam serviços ao governo sabem que ele é mau pagador – atrasa, tem contingenciamento, não libera. Então já embutem no preço uma certa margem.”
Em caso de uma revisão bem-sucedida, a economia pode ser “expressiva”, agrega Oreiro. Mas o professor ressalta que, se de um lado Haddad conseguiu “ganhar tempo”, de outro já deve idealizar “uma estratégia fiscal mais consistente”, que pode passar por “aumento de impostos” e “redução do gasto tributário”.
Além disso, é preciso enfrentar a questão da taxa básica de juros, a Selic, que disparou sob o governo Bolsonaro. “As projeções para 2023 falam de R$ 700 bi em pagamento de juros. Em 2022, deve ter sido algo como R$ 550 bi”, projeta. “Como a Selic média vai ser mais alta, o aumento é de uns R$ 150 bi. Estamos enxugando gelo.”
Já na visão de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, “Haddad deu uma freada de arrumação que é importante”. De viés liberal, Fraga defende que o aperto fiscal seja ainda maior, o que não está no radar de um governo de feição popular.
Ainda assim, ele afirma que Lula dá um recado ao mercado – “um bom primeiro passo” – de compromisso com a responsabilidade fiscal. “Vejo as medidas de Haddad com bons olhos. É o início de um trabalho difícil”, pontua.
Segundo o economista, o “pacote de Haddad” se soma à revisão em outras políticas estruturais dilapidadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL), como no Meio Ambiente. “Agora, o Brasil tem a perspectiva de um conjunto de boas notícias, na área ambiental, por exemplo, que poderia colocar a economia em trajetória de crescimento acelerado.”
De acordo com Luiz Fernando de Paula, economista da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a gestão Lula “quis mostrar que vai fazer um ajuste fiscal que não vai ser radical”. A cautela, a seu ver, se justifica. “O governo entrou agora e está sendo muito cobrado, até de forma precipitada.” Mas a repercussão do “pacote de Haddad” foi positiva.
“O mercado é muito volúvel. Minha impressão, por indicadores como o câmbio, é de que o mercado recebeu bem o pacote, que mostra uma preocupação do governo de fazer algum tipo de controle sobre os gastos”, diz De Paula. “O mercado faz uma pressão forte e o governo vai ter que caminhar num fio de navalha, porque o equilíbrio político é tênue.”
Os depoimentos dos economistas sobre o “pacote de Haddad” foram concedidos ao jornal Valor Econômico e publicados nesta sexta-feira (20). O ministro da Fazenda retorna ao País após passar a semana em Davos, na Suíça, onde representou o governo brasileiro no Fórum Econômico Mundial.
O período que sucedeu a vitória de Luis Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições presidenciais foi marcado pelas controvérsias sobre o “estouro do teto de gastos” previsto pela “PEC da Transição”. Na versão aprovada pelo Senado Federal no dia 07 de dezembro de 2022, ficou estabelecido que o governo federal poderá gastar até R$ 145 bilhões “fora do Teto” para executar políticas como a manutenção do Bolsa Família em R$ 600,00 com acréscimo de R$ 150,00 por filho, recompor o orçamento do programa farmácia popular, entre outras políticas sociais e assistenciais. Muitos economistas, a maioria deles ligada direta ou indiretamente ao mercado financeiro, se opuseram publicamente a essa medida alegando que a (sic) “farra fiscal” iria produzir uma fuga de capitais do país, a interrupção do financiamento da dívida pública por parte do mercado, uma maxidesvalorização cambial e o recrudescimento da inflação ao longo do ano de 2023, o que levaria a uma queda do salário real e a um agravamento da situação de fome e pobreza no país.
Não é a primeira vez que esse tipo de cenário apocalíptico é desenhado. Em 2020, durante a pandemia do covid-19, não foram poucos os que disseram que o Brasil caminhava para um “abismo fiscal” devido aos gastos excessivos com o auxílio emergencial, os quais levariam a relação dívida pública/PIB pra perto de 100% em 2022 e que, devido a algum mecanismo mágico, a economia brasileira entraria numa espécie de “buraco negro” com consequências catastróficas para a economia do país. Como sabemos nada disso ocorreu. Graças em larga medida ao auxílio emergencial, a economia brasileira teve uma contração modesta em 2020 (de apenas 3,3%) na comparação com os Estados Unidos e os países da União Europeia. Além disso, a relação dívida pública/PIB no Brasil deve fechar em torno de 78% em 2022, muito abaixo do cenário desenhado pelos profetas do apocalipse.
Está claro que a situação fiscal no Brasil está longe de ser confortável, mas a dívida pública brasileira (% do PIB) é similar a de países como Índia e China. Se o próximo governo for capaz de desenhar uma nova regra fiscal para por no lugar do teto de gastos, que seja capaz de conciliar o espaço fiscal necessário para o aumento do investimento público em infraestrutura e dos gastos assistenciais com a redução da dívida pública como proporção do PIB no médio prazo, para um patamar em torno de 65% do PIB, não há razão para acreditar que o crescimento econômico possa ser restrito pelo lado fiscal.
Uma ausência gritante, para não dizer escandalosa, no debate econômico brasileiro é o desequilíbrio externo. Conforme verificamos na figura 1 abaixo, a partir de maio de 2008, no acumulado em 12 meses, o Brasil começou a apresentar déficit crescente na conta de transações correntes do balanço de pagamentos, o qual atingiu a marca de 4,25% do PIB em outubro de 2015. Esse desequilíbrio externo resultou numa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio de 17,12% entre janeiro e dezembro de 2015, contribuindo de forma decisiva para a aceleração da inflação nesse ano e para a elevação da taxa básica de juros por parte do Banco Central, amplificando a recessão que havia começado no segundo semestre de 2014.
Fonte: Ipeadata. Elaboração do autor.
Graças a forte desvalorização cambial e a queda de mais de 8% do PIB entre o segundo semestre de 2014 e o ultimo trimestre de 2016, o déficit em conta corrente se reduziu para 0,894% do PIB em março de 2018. Embora déficits em conta corrente inferiores a 1% do PIB não sejam preocupantes do ponto de vista do financiamento externo, chama atenção que, após a maior recessão dos últimos 40 anos e de uma forte desvalorização da taxa de câmbio, a economia brasileira se mostrou incapaz de voltar a gerar superávits em conta corrente como no período entre junho de 2003 e dezembro de 2007. Mais grave ainda é o fato de que uma vez passados os efeitos da grande recessão brasileira (2014-2016), o déficit em conta corrente como proporção do PIB no acumulado em 12 meses volta a se elevar atingindo 3,52% do PIB em junho de 2020, já no período da pandemia do covid-19.
Entre fevereiro de 2020 e maio de 2021 a taxa real efetiva de câmbio se desvaloriza em 30,75% e a economia se encontra em recessão. Apesar da enorme mudança de preços relativos e da queda do nível de atividade econômica, o déficit em conta corrente no acumulado em 12 meses se reduz para apenas 1,90% em agosto de 2021, apresentando desde então nova tendência a elevação.
Os dados apresentados parecem apontar para o retorno da rigidez estrutural do balanço de pagamentos, situação na qual a desvalorização cambial se mostra incapaz de resolver o desequilíbrio externo devido ao perfil da pauta de exportações. A desindustrialização precoce da economia brasileira resultou numa reprimarização da pauta de exportações, reduzindo assim a sensibilidade das exportações ao câmbio. Nesse contexto, o crescimento do PIB a um ritmo mais robusto será inevitavelmente estrangulado pelo aumento explosivo do déficit em conta corrente, que termina sempre desencadeando uma crise cambial, com maxidesvalorização do câmbio, elevação da inflação e da taxa de juros, abortando assim a retomada do crescimento.
* Professor do Departamento de Economia da UnB. E-mail: joreiro@unb.br.
A revista Insight Inteligência (https://inteligencia.insightnet.com.br/) publicou na sua edição 98 um artigo de minha autoria em conjunto com o Luiz Fernando de Paula no qual fazemos uma análise crítica da apresentação que Samuel Pessoa faz, na edição 97 da Revista, da Teoria Keynesiana, em especial o princípio da demanda efetiva e a teoria da preferência pela liquidez, no seu “monólogo com uma faca nos dentes” com André Lara Rezende e sua exposição da Teoria Monetária Moderna.
Os leitores interessados em maiores detalhes sobre a teoria da preferência pela liquidez e a sua absorção pela teoria neoclássica do qual Samuel Pessoa é adepto podem consultar os links abaixo
O teto de gastos foi criado em 2016 pelo então presidente Michel Temer. Visava reduzir despesas e investimentos do governo federal para impedir o crescimento da dívida pública e abrir espaço para investidores privados. Mas quando veio a crise econômica, os empresários buscaram amparo no governo, que derrubou o teto. Agora discute-se a elaboração de nova regra fiscal que corte despesas e, ao mesmo tempo, favoreça o crescimento econômico. Neste Agenda, o professor de economia da UnB, José Luis Oreiro, apresenta as bases de uma dessas propostas.
“Espero que eu possa contribuir com o novo governo que assume no dia 1º de janeiro 2023, colocando a serviço do Brasil todo esse conhecimento acumulado ao longo de mais de 20 anos”, declarou
O economista José Luis Oreiro, professor Associado do Departamento de Economia da UNB, Pesquisador do CNPq e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolviment, se destacou no ranking da AD Scientific Index 2023 na 17ª posição entre os economistas no Brasil e no 44º lugar na América Latina. O AD Scientific Index se baseia exclusivamente no desempenho científico individual dos pesquisadores, os mais produtivos e mais influentes, em universidades e instituições de mais de 200 países.
“Eu fiquei muito satisfeito com esse ranking da AD Scientific Index”, declarou José Luis Oreiro ao HP. “Isso reflete os anos de dedicação que tenho tido à pesquisa científica com artigos publicados em revistas científicas no Brasil e no exterior na área de macroeconomia e desenvolvimento econômico e eu espero que eu possa contribuir com a área econômica do novo governo que assume no dia 1º de janeiro 2023, colocando a serviço do Brasil todo esse conhecimento acumulado ao longo de mais de 20 anos”.
Segundo explicou Oreiro, “esse é um índice objetivo, não é subjetivo, não é criado por mim. É um índice que avalia o impacto da produção científica de um determinado pesquisador. Esse ranking é feito com três itens, o primeiro é o número total de citações dos artigos do pesquisador, o segundo é o índice H que mede o número de artigos que têm o número equivalente de citações , por exemplo, se o H é 35, significa que o pesquisador tem 35 artigos com pelo menos 35 citações, e tem o índice i10 que mede o número de artigos que tem pelo menos 10 citações . Trata-se de um ranking elaborado de maneira objetiva que compara de maneira objetiva a produção científica dos pesquisadores”.
De acordo com o AD Scientific Index, são analisados estudos acadêmicos de 216 países, 19.525 universidades/instituições e 1.200.035 cientistas e se baseia no desempenho científico dos indivíduos em diversos ramos.
Novo governo precisa fortalecer as instituições de Estado, evitando o discurso de demonização do serviço público feito nos últimos anos
Lula durante entrevista no CCBB | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Daniel Arruda Coronel e José Luis Oreiro (*)
O ano de 2022 foi marcado por vários desafios e questões, tais como a retomada gradual das atividades, depois de dois anos de pandemia e efeitos deletérios da Covid-19. Além disso, o país teve uma forte disputa política, a maior desde a redemocratização brasileira, com reflexo nas atividades econômicas e sociais e nas relações interpessoais.
Não obstante a isso, o novo governo, democraticamente eleito e legitimado pelas urnas, que assume em primeiro de janeiro de 2023, terá que equacionar importantes variáveis para a retomada do crescimento econômico e para diminuição das disparidades sociais, tais como: o distensionar político, visto que o país não suporta mais quatro anos de “o quanto pior melhor”, mas deseja paz e um amplo diálogo com todos os espectros da sociedade, respeitando as diferenças e buscando o conserto social e democrático; a reindustrialização nacional, visto que indústria de transformação brasileira vem perdendo participação no Produto Interno Bruto – conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sua participação, que chegou a perfazer 30% do PIB na década de 1980, passou para 13,3% em 2012 e, caso continue nesse ritmo, a projeção para 2029 é de menos de 10%.
Além disso, o governo precisa urgentemente criar ações para diminuir o endividamento das famílias brasileiras, que comprometeram suas finanças com uso de cheque especial e empréstimos; com isso um número significativo de brasileiros está nos órgãos de proteção ao crédito, número que aumentou significativamente, inibindo que milhões de brasileiros façam três refeições ao dia, enquanto os lucros do rentismo e do capital internacional cada vez mais aumentam. Muitos desses brasileiros tornaram-se dependentes de um amplo programa de assistência social que visa diminuir a fome. Somado a isso, o governo tem que enfrentar a piora das contas públicas, que se deterioraram nos últimos anos em função da ortodoxia equivocada e do baixo crescimento econômico, fruto não apenas da pandemia da Covid-19, como também da continua redução do investimento público em infraestrutura devido ao esmagamento dessa rubrica promovido pelo “Teto de Gastos”. Uma saída para isso é a PEC da transição, que dá uma margem para o governo investir em programas de assistência social, saúde e em educação, setores que precisam urgentemente de fortes ações, principalmente focadas nas camadas mais pobres da sociedade, as quais sentiram com maior magnitude os efeitos da pandemia.
Enfim, 2023 será um ano difícil, mas o novo governo poderá combinar a retomada do desenvolvimento econômico com responsabilidade fiscal se optar por projetos e ações que aumentem o investimento em infraestrutura e os gastos com assistência social de maneira a permitir a geração de emprego e renda. Além disso, o novo governo precisa fortalecer as instituições de Estado, evitando o discurso de demonização do serviço público feito nos últimos anos, e personificado na PEC 32 da Reforma Administrativa, bem como fortalecer a própria Democracia e o Estado Democrático de Direito que são condições sine qua non para o país voltar a ser respeitado nos fóruns e debates internacionais. Nesse sentido, todas as manifestações que defendem a quebra da legalidade, da constituição e do Estado democrático de direito devem ser repelidas de maneira enfática. Nesse contexto, é pertinente lembrar das palavras do grande estadista inglês Winston Churchill: “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.
(*)Daniel Arruda Coronel é Professor Associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM e Doutor em Economia Aplicada.
José Luis Oreiro é Professor Associado do Departamento de Economia da UNB, Pesquisador do CNPq e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.
Expandir investimentos sociais sem perder o controle fiscal. Esse é apenas um dos muitos desafios econômicos do governo eleito, liderado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. “A PEC da Transição é necessária para recompor o orçamento público e retomar obras que estão paradas no governo Bolsonaro. Mas uma ampla reforma monetária também é essencial para o país voltar a crescer de forma sólida”, defende o economista José Luis Oreiro.
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Oreiro é o convidado desta semana do podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), que analisa os desafios econômicos do governo Lula. Autor dos livros “Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana” e “Macrodinâmica Pós-Keynesiana: crescimento e distribuição de renda”, José Luis Oreiro foi um dos organizadores da obra “Retomada do desenvolvimento – Reflexões econômicas para um modelo de crescimento com inclusão social”, lançada pela FAP em setembro deste ano.
As perspectivas da retomada de políticas voltadas para o social e para o investimento público, a importância de uma reforma do sistema monetário brasileiro e os erros econômicos do governo Bolsonaro também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do SBT News e do webinar O futuro das regras fiscais no Brasil, realizado na semana passada.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
Brasil pagará mais de R$ 600 bilhões em juros aos seus credores em 2023, valor três vezes maior que o orçamento do Bolsa Família.
Fagundes Schandert
02/12/22 – 04h30
Após uma trégua em prol da democracia nas eleições presidenciais, o mercado local voltou a contemplar nos últimos dias um debate saudável: o velho embate de argumentos e considerações entre economistas liberais e desenvolvimentistas. Em carta aberta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os economistas Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), Edmar Bacha (ex-presidente do BNDES) e Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda) defenderam a correção do teto de gastos, mas a manutenção de controle fiscal, e alertaram para a volta da inflação diante de sucessivos rombos no orçamento. Do outro lado do front, a corrente dos desenvolvimentistas — formada por Luiz Carlos Bresser-Pereira (ex-ministro da Fazenda) e os economistas José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula, Kalinka Martins e Luiz Magalhães — rebateu sobre inflação e criticou a falta de flexibilidade do teto fiscal.
Para a glória da dialética, ambas as cartas foram amplamente repercutidas no mercado e na imprensa, com analistas e comentaristas contra ou a favor dessa ou daquela corrente. Uma boa discussão cordial que pode trazer soluções para o País nos próximos anos. Mas independentemente das premissas, das razões e da lógica de cada uma das correntes, no centro da disputa estão o tamanho da dívida pública brasileira e as taxas de juros dos títulos que são pagos aos credores.
Por isso, vamos aos números. De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi) alcançou a cifra de R$ 5,53 trilhões em outubro. Segundo o boletim de estatísticas fiscais do Banco Central divulgado na quarta-feira (30), nos 12 meses acumulados até outubro, os juros nominais somaram R$ 573,2 bilhões (6,03% do PIB), comparativamente a R$ 378,3 bilhões (4,44% do PIB) nos 12 meses até outubro de 2021. Para dar uma ideia dessa montanha de recursos que é paga aos credores, esse volume é mais que suficiente para bancar três anos do novo programa Bolsa Família, com R$ 600 e outros R$ 150 por filho para mais de 20 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico).
A maior parte dos títulos públicos federais não está atrelada à Selic, se a inflação recuar um pouco, o custo com a dívida tende a diminuir” Denis Medina professor da FAC-SP.
Para o economista José Luis Oreiro, a conta com os juros pode alcançar R$ 700 bilhões em 2023. “Existe algo de muito errado com os juros no Brasil. Nós pagamos três vezes mais em proporção do PIB do que a Espanha, que possui uma dívida de 120% do PIB, enquanto a nossa dívida é de cerca de 77% do PIB”, afirmou. Para ele, a dívida no Brasil é muito custosa por causa dos juros altos e o caminho para o Tesouro é deixar de emitir títulos pós-fixados. “A Selic é instrumento de política monetária do Banco Central para alcançar suas metas. O Tesouro só deveria emitir papéis prefixados e de inflação, como ocorre em outros países no mundo.”
Segundo outros economistas consultados pela DINHEIRO, o volume em juros tende a crescer em 2023 por causa do aumento da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, e do crescimento da dívida que caminha para o patamar entre R$ 6 trilhões e R$ 6,4 trilhões, conforme o próprio Plano Anual de Financiamento (PAF) do Tesouro. Na projeção mais otimista para 2023, o professor da FAC-SP, Denis Medina, calcula que os gastos com juros podem diminuir para R$ 460 bilhões se a inflação ceder parcialmente no próximo ano. “A maior parte dos títulos não está atrelada à Selic, se a inflação recuar um pouco, as despesas com o serviço da dívida devem diminuir”, afirmou. Mas se a inflação persistir e houver necessidade de o BC manter os juros, Medina projeta gastos em torno de R$ 520 bilhões.
Já na estimativa mais pessimista, do economista Davi Lelis, da Valor Investimentos, com um estoque de R$ 6,4 trilhões e um juro médio de 12,75% ao ano, as despesas com juros podem alcançar R$ 816 bilhões, mais de quatro vezes o orçamento do Bolsa Família. “A dívida crescerá de 76% do PIB para mais de 90% do PIB com o aumento dos gastos públicos até o final de 2026”, disse Lelis. Seria um cenário de altíssimo risco fiscal. E perverso. Para cada R$ 1 que o governo pagaria para o Bolsa Família (R$ 200 bilhões fora do teto de gastos), outro R$ 1,50 (R$ 300 bilhões) seria pago a mais na forma de juros.
Na visão do economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, se a PEC da transição for aprovada como está no Congresso, sem qualquer limitação de prazo ou de valor, há chances de o Tesouro encontrar dificuldades para rolar a dívida. “Como está, a PEC passou a percepção que a preocupação fiscal do próximo governo é zero. O mercado também deseja desenvolvimento social, mas com responsabilidade fiscal. Sem isso, o Tesouro quebra”, afirmou. Na projeção dele, num cenário de gastos públicos amplamente permitidos, a dívida deve subir para mais 90% do PIB rapidamente. “Não somos um país desenvolvido para ter uma dívida tão alta”, disse.
Para o economista da XP Tiago Sbardelotto, a projeção atual gira em torno de R$ 600 bilhões em juros em 12 meses, o equivalente a 6,3% de um PIB nominal de R$ 9 trilhões. Mas num cenário de inflação insistente, com PIB nominal de cerca de R$ 10 trilhões e taxa Selic a 13,75% até meados do próximo ano, Sbardelotto calcula R$ 780 bilhões em pagamento, ou 7,8% do PIB. “Se o BC não baixar a taxa de juros, essa conta pode subir ainda mais”, disse. Mas o economista da XP não vê dificuldades para o governo rolar sua dívida. “O Tesouro tem condições de liquidez”, afirmou. Questionado sobre o ambiente para investimentos financeiros, Sbardelotto respondeu que a renda fixa ficará ainda mais atrativa para financiar essa expansão do estoque. “O brasileiro está acostumado com juros altos”, disse.
DETENTORES Segundo o coordenador de Operações da Dívida da STN, Roberto Lobarinhas, em outubro, entre os detentores de títulos públicos — os que ficam com esses juros —, houve aumento do estoque por investidores não-residentes (estrangeiros), fundos de investimento e de previdência. “A exceção foi de instituições financeiras (bancos), com uma menor participação no estoque em outubro”, afirmou Lobarinhas, em apresentação do boletim mensal do Tesouro à imprensa, no dia 25 de novembro.
De acordo com o Lobarinhas, a fatia dos bancos oscilou de 29,43% em setembro para 28,68% em outubro (R$ 1,585 trilhão). “Um movimento normal por causa do vencimento de títulos nesse período”, disse. Ao passo que os fundos de investimento aproveitaram o momento de juros elevados para aumentar a participação de 24,23% para 24,63% (R$ 1,361 trilhão), mesmo movimento dos fundos de previdência, que elevaram sua fatia de 22,66% para 22,92% (R$ 1,266 trilhão). Ou seja, os juros da dívida pública estão atrativos e geram lucros bilionários aos seus credores.
Regras fiscais são instrumentos para aumentar a credibilidade e a disciplina fiscal, podendo ser regras de resultado, de dívida, de despesa ou de receita, com suas respectivas vantagens e desvantagens. O arcabouço fiscal, formado por essas regras, pode prejudicar o crescimento econômico, se tiver caráter pró-cíclico ou se prejudicar despesas com maior efeito multiplicador, como investimentos em infraestrutura e políticas sociais e assistenciais, ou impacto sobre o crescimento de longo prazo, como os gastos em ciência e tecnologia. É possível que esse prejuízo ao crescimento possa afetar negativamente a própria sustentabilidade fiscal.
No caso brasileiro, há três regras principais, além de outras complementares. A primeira delas é a Regra de Ouro, segundo a qual o governo só pode fazer dívida para financiar seus investimentos e/ou gerir dívidas passadas. Em tese, seria uma regra razoável, mas a versão brasileira tem algumas peculiaridades, sendo que deveria ser abandonada, tal como o Reino Unido, Alemanha e outros países fizeram.
A segunda regra é a meta de resultado primário constante na Lei de Responsabilidade Fiscal. Um de seus problemas é ser pró-cíclica, com estímulos à economia em momentos de crescimento acima do potencial e desestímulos nos momentos de recessão. Como aumentar receitas no curto prazo costuma ser difícil, a variável de ajuste acabe sendo o investimento, piorando a composição do gasto público. Outro problema é que, dada a incerteza sobre os parâmetros utilizados no orçamento, o ano começa com contenção de despesas, e termina com liberação de verbas, quando há mais clareza sobre o resultado primário, com a tentativa de gastar rapidamente (e sem qualidade, na maioria das vezes). Vale dizer, essa regra funcionou até certo momento, mas principalmente no período em que o Brasil passava por um momento de maior crescimento – em parte por conta do boom de commodities. Passado esse ciclo, novamente a sustentabilidade fiscal foi colocada em dúvida.
A terceira regra é o Teto de Gastos, a qual define um crescimento real zero para parte das despesas primárias por 10 anos, a partir de 2017. Ao contrário do esperado pelos defensores do teto, os investimentos não foram preservados e o crescimento não se acelerou frente a sua tendência de longo prazo, mesmo antes da pandemia. E já tinha problemas na implantação, como ignorar o crescimento populacional de 0,7% a.a., o que resultou em queda real nas despesas primárias per capita ao longo dos anos; a impossibilidade de fazer estímulo fiscal pelo lado das despesas; o crescimento real de despesas previdenciárias, o que impôs um esmagamento das demais rubricas do orçamento, dado o teto geral sem ajuste acima da inflação. Ademais, desde 2017, foram feitas seis Emendas Constitucionais para tentar acomodar outras despesas fora do Teto, que eram 16,6% das despesas primárias em 2017 e passaram para 25,8% em 2021. Além disso, o Teto gerou incentivos indesejáveis, como estímulos fiscais feitos pelo lado da receita e adiamento contábil de despesas (precatórios).
Propostas de alteração no arcabouço fiscal têm surgido, como regras de dívida e variações de regra de despesa. Regras de dívida tendem a ser pró-cíclicas, ainda mais quando indicam um menor crescimento das despesas em momentos de maior relação dívida/PIB. Nesse caso, em períodos recessivos, a relação dívida/PIB tende a aumentar devido à queda do denominador, levando, dada a regra, a uma menor variação real do gasto primário justamente quando deveria ser feito o oposto. Regras de despesa poderiam incorrer nos mesmos problemas descritos para o Teto atual, em diferentes medidas.
Assim, sugerimos um novo arcabouço, substituindo o atual, que indique sustentabilidade fiscal, que esteja de acordo com as particularidades do país e que não prejudique o crescimento econômico. Seria instituída apenas a regra de resultado primário estrutural, considerando desvios do PIB em relação ao seu potencial e desvios nos preços de médio-longo prazos das principais commodities do Brasil, algo similar ao praticado no Chile e na Suíça, dentre outros, e com cláusulas de escape.
A meta de resultado estrutural seria escolhida para estabilizar a Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG) no médio prazo. Considerando as receitas de médio prazo, se estabeleceria o nível de despesas. As variáveis não observáveis seriam calculadas a partir de uma média do cálculo de várias instituições, como o Banco Central, o Tesouro Nacional e a Instituição Fiscal Independente. Quando o resultado primário apurado for superior ao estrutural, uma parte da diferença iria para amortização da dívida e outra para a formação de um fundo soberano, sendo que uma parcela de seus rendimentos poderia ser usada para despesas mais qualificadas, fora das despesas limitadas pela regra descrita.
Anualmente, seria apresentada a meta, em conjunto com estimativas de resultado primário estrutural, receita potencial, nível de despesas e DLGG para os quatro anos subsequentes. Ainda, com a composição das receitas e das despesas, demonstrando de forma transparente a evolução de cada item, como a previdência, por exemplo.
O novo arcabouço seria transparente e reduziria o caráter pró-cíclico da política fiscal. Também seria mais democrático, sendo que um governo poderia elevar a carga tributária para aumentar a receita de médio prazo e poder aumentar as despesas; ou poderia reduzir as receitas, com redução de carga, se acompanhadas de reformas nas despesas.
[1] Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Contato: joreiro@unb.br.
[2] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). Contato: helder.laferf@gmail.com. Opiniões pessoais, não institucionais.
A desaceleração da atividade econômica já era esperada, mas o desempenho informado pelo IBGE veio abaixo das estimativas
Os estímulos bilionários injetados pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na economia na reta final da campanha eleitoral foram insuficientes para evitar a perda de fôlego do crescimento econômico no terceiro trimestre. O Produto Interno Bruto (PIB, o valor de todos os produtos e serviços gerados em determinado período) cresceu 0,4% em relação ao segundo trimestre, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, 1º.
A desaceleração da atividade econômica já era esperada, mas o desempenho informado pelo IBGE veio abaixo das estimativas captadas pelo Estadão/Broadcast, que apontavam para um crescimento de 0,6%.
Segundo economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, pesaram na perda de fôlego do crescimento os efeitos dos juros mais elevados sobre a contenção da demanda e o fim do processo de normalização das atividades afetadas pelas medidas de contenção da pandemia de covid-19.
Na avaliação da economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e coordenadora do Boletim Macro Ibre, está claro que o cenário econômico deste segundo semestre é pior do que o primeiro, quando a força da volta ao normal do funcionamento de uma série de negócios surpreendeu positivamente.
“Há vários sinais de que o cenário está pior, e o terceiro trimestre está no meio do caminho”, diz ela, lembrando que vários analistas projetam uma freada ainda mais forte neste quarto trimestre. “Todos os indicadores de alta frequência mostram perda de impulso no crescimento econômico”, completa a economista, citando os dados sobre geração de empregos formais de outubro, registrados no Caged, e os indicadores de confiança do empresariado, calculados pela FGV, que deterioraram em outubro e novembro.
Assim como na primeira metade do ano, o setor de serviços ditou o ritmo do crescimento, puxando, portanto, a desaceleração. O PIB de serviços avançou 1,1% ante o segundo trimestre. O PIB da indústria cresceu 0,8%, enquanto a agropecuária recuou 0,9%.
Mesmo assim, a perda de fôlego foi até menor do que o inicialmente estimado por especialistas. Quando o IBGE divulgou o PIB do segundo trimestre, três meses atrás, as estimativas captadas pelo Projeções Broadcast apontavam para um crescimento de 0,3% no terceiro trimestre ante o segundo.
Medidas de estímulo
Segundo Eduardo Vilarim, economista do Banco Original, o desempenho do setor de serviços “veio acima do esperado mês após mês e isso aconteceu durante todo o terceiro trimestre”. Para ele, as medidas de estímulo adotadas pelo governo federal – especialmente a elevação do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 por mês, o auxílio temporário para taxistas e caminhoneiros, e a redução de tributos federais e estaduais sobre os combustíveis – ajudaram a impulsionar o crescimento acima do esperado.
Pela ótica da demanda, o consumo das famílias cresceu 1% em relação ao segundo trimestre. Já o consumo do governo registrou avanço de 1,3%, enquanto os investimentos, medidos na formação bruta de capital fixo (FBCF), cresceram 2,8%.
O economista José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), lembrou ainda o arrefecimento da inflação nos últimos meses favoreceu o consumo de serviços e bens não duráveis. O alívio nos preços dos combustíveis permitiu que as famílias de classe média e alta gastassem mais um pouco.
Na visão de Matos, da FGV, as medidas de estímulo “anabolizaram” o crescimento no terceiro trimestre, mas não mudam o cenário de desaceleração da economia, seja no fim deste ano seja em 2023. Além das próprias medidas perderem a força para impulsionar a economia, sem o efeito da normalização do funcionamento dos negócios afetados pela pandemia, a alta dos juros arrefece a atividade.
Se as transferências de renda e a moderação da inflação dão algum impulso ao consumo de serviços e bens não duráveis, os bens duráveis, como eletrodomésticos e veículos, que dependem das vendas a prazo, enfrentam uma demanda em queda. Ao mesmo tempo, o aumento da pobreza que as transferências procuram enfrentar impede um avanço mais generalizado do consumo.
“Tivemos mais PIB, mas também mais desafios fiscais. Se temos um PIB maior em 2022, temos que ter um PIB menor em 2023 para acomodar esses estímulos. Não dá pra comemorar um PIB com um ciclo de desaceleração já contratado”, diz Matos.
Desafios fiscais Os “desafios fiscais” citados pela pesquisadora da FGV também estão na lista de preocupações de analistas do mercado financeiro. Vilarim, do Banco Original, explica que um aumento dos desequilíbrios das contas do governo poderia levar a novas rodadas de alta no dólar e mais inflação, o que levaria a novos aumentos na taxa básica de juros (a Selic, hoje em 13,75% ao ano). Assim, “a queda esperada para a taxa no fim de 2023 pode não existir”, o que levaria a um crescimento ainda menor no próximo ano.
“O risco fiscal pode levar a um desdobramento negativo na economia. Estamos aguardando as negociações da PEC de Transição [proposta de emenda à Constituição que o Gabinete de Transição de governo pretende aprovar para acomodar crescimento de gastos públicos nos próximos anos] e o anúncio dos nomes da equipe econômica [do novo governo Lula] para uma sinalização mais clara do que vai acontecer”, diz Mauricio Nakahodo, economista sênior do banco MUFG Brasil.
De formação teórica desenvolvimentista, Oreiro, da UnB, considera as preocupações com os desequilíbrios das contas públicas exageradas. Os indicadores de risco de calote nos títulos da dívida pública do Brasil, determinados pelo próprio mercado financeiro, estão, atualmente, muito melhores do que estavam na transição para o primeiro governo Lula, 20 anos atrás. Além disso, estão longe de apontar para desconfiança em relação ao pagamento da dívida.
“Sou mais otimista para o segundo semestre [de 2023]. Tendo uma nova regra fiscal [no lugar do teto de gastos, regra que limita o crescimento da despesa pública de um ano ao valor do ano anterior, corrigido apenas pela inflação], vai abrir espaço para um aumento dos investimentos públicos, e aí pode ter espaço para um crescimento maior”, afirma Oreiro, citando a perspectiva de acomodação nas cotações internacionais das matérias-primas exportadas pelo Brasil como um obstáculo ao crescimento.
Economista diz que “o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB”
Por: João Vitor Santos | 28 Novembro 2022
Bastou o presidente eleito Lula erguer a voz para falar que o combate à fome e a busca por um bem-estar social não devem ser preteridos a um ajuste fiscal para que começasse uma cantilena acerca do descontrole das contas. Com o dólar em alta e a bolsa de valores lá embaixo, o discurso hegemônico se arvora para defender, por vezes até de forma velada, o famigerado teto de gastos. Para o economista e professor José Luis Oreiro, “o problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico”. “Essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do ‘consenso macroeconômico’”, completa.
Oreiro observa que tal postura interdita um debate efetivo sobre o teto de gastos. “Este assumiu um status de ‘dogma de fé’. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira”, critica. Por isso, na entrevista a seguir concedia por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele detalha a perspectiva de que o Estado tem condições de expandir seus gastos ainda sem perder o controle. “O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal”, pontua.
O professor, que com outros economistas endereçou uma carta ao governo eleito defendendo o fim do tacanho e truculento controle de gastos, detalha os principais pontos dessa correspondência e indica um caminho saudável, pela via da economia, para a conciliação nacional. “Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça”, explica.
Por fim, ainda escarna as contradições do teto que nem sequer cumpre o que busca. “Veja como o ‘teto de gastos’ é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões”, exemplifica.
José Luis Oreiro
Foto: Arquivo pessoal
José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, na Espanha, pesquisador Nível I do CNPq, membro sênior da Post-Keynesian Economics Society e da European Association for Evolutionary Political Economy. É líder do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, do CNPq e assessor do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal – CORECON-DF. Entre suas publicações, mais de 130 artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior, destacamos os livros: Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana(LTC, 2016) e Macrodinâmica pós-keynesiana: crescimento e distribuição de renda(Alta Books, 2018).
Confira a entrevista.
IHU – Como podemos compreender as resistências à revogação do teto de gastos?
José Luis Oreiro – Começo respondendo com uma citação de John Maynard Keynes tirada do prefácio do seu magnum opus “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda” publicada em 1936: “A dificuldade não reside em desenvolver novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram educados como a maioria de nós, em cada canto da nossa mente”.
Para Oreiro, A teoria geral do emprego, do juro e da moeda (Atlas, 1982),de Keynes, permite compreender as resistências à revogação do teto de gastos
Foto: Divulgação
O teto de gastos é o equivalente moderno do padrão-ouro, sistema monetário que vigorou até o colapso do sistema de Bretton Woods que estabelecia que a base monetária deveria estar “lastreada” em ouro para assegurar a confiança do mercado no valor da moeda.
No Brasil, a partir de 2016, criou-se uma convenção (definida por Keynes como uma crença compartilhada) de que o crescimento econômico só seria restaurado por intermédio de uma regra fiscal que impedisse o governo de aumentar seus gastos primários (o gasto com juros nunca é mencionado, pois se trata de uma “despesa ausente” no debate público sobre o ajuste fiscal no Brasil), pois o aumento dos gastos do governo levaria a um deslocamento (efeito crowding-out) dos investimentos do setor privado.
Trata-se de uma versão tupiniquim da velha “visão do tesouro” apresentada no início da década de 1930 pelo staff do Tesouro Britânico contra o programa de obras públicas defendido por Lloyd George, nas eleições gerais de 1929 no Reino Unido, para reduzir as elevadas taxas de desemprego observadas no país desde 1924. A revolução keynesiana demonstrou que a “visão do tesouro” pressupõe uma economia que está operando permanentemente em estado de pleno emprego, o qual é apenas um caso fortuito na dinâmica das economias capitalistas, as quais tendem a operar em uma situação persistente de subutilização da capacidade produtiva (homens e máquinas).
O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB – José Luis Oreiro Tweet
Um debate reduzido a “dogma de fé”
O problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico, sendo que essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do “consenso macroeconômico”.
Dessa forma, o debate público sobre o teto de gastos fica interditado, pois este assumiu um status de dogma de fé. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira.
A forma pela qual o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que leitura faz das críticas que o presidente Lula vem recebendo ao falar que os gastos sociais não devem ser preteridos em nome do controle fiscal?
José Luis Oreiro – Acredito que a forma como o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais. A questão fundamental, no debate político, é definir qual o tamanho do Estado que a sociedade deseja.
A história brasileira mostrou repetidas vezes, por intermédio da eleição de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff por dois mandatos consecutivos cada um, que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social. Parafraseando Santo Agostinho: “Populus locutus, contenda finita” (“o povo falou, o debate está encerrado”, numa tradução livre). A frase original de Santo Agostinho é: “Roma locuta, contenda finita” (Roma se pronunciou, acabou o debate). Sendo assim, a disciplina fiscal consiste tão somente em arrecadar o volume de impostos necessários para financiar aquilo que o povo deseja. Se o déficit fiscal (estrutural, ou seja, ajustado pelo ciclo econômico) para financiar o Estado do bem-estar social se mostrar insustentável, então a solução econômica e política é aumentar a carga tributária para garantir a solvência intertemporal das contas do governo. É exatamente isso o que se espera de um governo de centro-esquerda, como é o caso do presidente eleito.
A história brasileira mostrou (…) que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Precisamos de um controle fiscal?
José Luis Oreiro – Temos que definir precisamente o que se entende por controle fiscal. Defino controle fiscal como uma situação na qual a relação dívida pública/PIB apresenta uma tendência de estabilidade ou queda no médio e longo prazo. No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione o mais próximo possível do pleno emprego dos fatores de produção.
Esse princípio elementar de finanças públicas tem sido omitido do debate público no Brasil, onde frequentemente se faz uma comparação grosseira entre as finanças públicas e as finanças de uma dona de casa. Essa comparação parece ser baseada no bom senso, mas veja: se fôssemos nos basear no bom senso, então a Terra deveria ser plana, dado que ninguém é capaz de ficar em pé, ao menos por muito tempo, sobre uma bola de futebol. Em suma, comparar as finanças públicas com as finanças de uma dona de casa é “terraplanismo econômico”.
Por outro lado, uma situação na qual a relação dívida pública/PIB aumenta de forma persistente, no médio e no longo prazo, não é sustentável, mesmo que a dívida pública esteja denominada na moeda legal do país. O real não é uma moeda de reserva internacional, razão pela qual se encontra num nível inferior na chamada hierarquia de moedas. Um aumento persistente da dívida pública pode levar o mercado – atuando com base nas suas convenções – a retirar dinheiro do país, produzindo uma desvalorização acentuada e súbita da taxa de câmbio, ou seja, uma crise cambial.
Está claro que o Banco Central tem instrumentos para amenizar os impactos dessa crise se assim o desejar. Mas a instabilidade nos mercados financeiros acabará por aumentar a percepção de incerteza de parte dos empresários, resultando em uma redução do investimento privado e, consequentemente, em recessão.
Em suma, o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal.
No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione – José Luis Oreiro Tweet
IHU – O senhor, junto de outros economistas, encaminhou uma carta a Lula em apoio à revogação do teto de gastos. Entre outras ponderações, vocês consideram esse teto como uma falácia, dada a sua ineficácia para o controle fiscal. Gostaria que o senhor recuperasse esse argumento e o detalhasse.
José Luis Oreiro – Na carta aberta ao presidente Lula, está escrito:
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extrateto em quatro anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.”
A ideia que levou à criação do teto de gastos era congelar o gasto primário da União por um período de dez anos, de forma que o crescimento do PIB durante esse período se encarregasse de reduzir o gasto primário como proporção do PIB entre 3 e 4 pontos porcentuais. Dessa forma, continua o argumento, o governo federal voltaria a gerar superávits primários expressivos, capazes de gerar uma queda da dívida pública como proporção do PIB, sem ter que realizar um aumento da carga tributária.
Em 2016, no debate público sobre a PEC do teto de gastos, afirmei que o teto era insustentável porque implicava numa redução do gasto públicoper capita, uma vez que a população brasileira crescia a um ritmo de 0,8% a.a. Dessa forma, o congelamento do gasto público implicava numa redução da oferta de bens e serviços públicos para a população num contexto em que existem claras deficiências na área de saúde, educação e assistência social. Além disso, existiam componentes do gasto da União que apresentavam taxas de crescimento real significativas e que não poderiam ser significativamente reduzidas, a não ser que direitos garantidos pela Constituição fossem negados.
É o caso, por exemplo, dos gastos com a Previdência Social. Mesmo após a reforma da Previdência em 2019, os gastos previdenciários continuaram aumentando em termos reais devido ao simples crescimento vegetativo dos aposentados e pensionistas. Sendo assim, a manutenção do teto de gastos num contexto de crescimento real das despesas previdenciárias exigiria a redução do chamado gasto não obrigatório, ou seja, aquele que o governo precisa executar por estarem amparados na Constituição.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial. Durante o governo Bolsonaro, os salários reais dos servidores públicos também apresentaram uma queda significativa devido à não reposição das perdas inflacionárias.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial – José Luis Oreiro Tweet
Teto de gastos, uma sandice
Durante a pandemia de covid-19, o Congresso aprovou a emenda constitucional do “orçamento de guerra” que suspendia o teto de gastos até 31-12-2020. Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões.
No fim de 2021, com a aproximação das eleições e a baixa popularidade de Bolsonaro, o governo conseguiu que o Congresso aprovasse a chamada PEC dos Precatórios, visando abrir espaço no orçamento para manter o Auxílio Brasil em R$ 400,00 neste ano.
A PEC trouxe duas medidas. Uma delas foi alterar a regra de cálculo do teto de gastos. A regra originalmente estabelecida na EC nº 95 estabelecia que o valor autorizado para as despesas do governo seria atualizado pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Isso porque o orçamento é formulado ao longo do segundo semestre do ano anterior. Dessa forma, o orçamento poderia ser formulado com a informação exata do valor do reajuste do teto.
Com a mudança proposta pelo governo Bolsonaro em 2021, o reajuste do teto passou a ser fixado com a inflação acumulada até dezembro. Ou seja, o orçamento é inicialmente formulado com base na inflação esperada para o ano e, ao fim dele, poderia ser ajustado, caso a inflação, no período final do ano, fosse diferente da inflação acumulada em 12 meses até junho.
O governo fez isso porque já projetava que a inflação fecharia 2021 mais alta do que o acumulado em 12 meses até junho daquele ano. Essa manobra permitiu ao governo gastar, em 2022, R$ 26 bilhões a mais do que seria autorizado pela regra original do teto, segundo os cálculos do economista Bráulio Borges do IBRE/FGV.
Além disso, a PEC autorizou o atraso no pagamento de precatórios (dívidas da União com pessoas e empresas já reconhecidas pela Justiça). O adiamento desses gastos abriu uma folga de mais R$ 49 bilhões no teto.
Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir a situação – José Luis Oreiro Tweet
PEC kamikaze
Em julho de 2022, o Congresso aprovou a chamada PEC kamikaze, autorizando uma série de benefícios acima do limite constitucional, como o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até 31 de dezembro e novos auxílios para caminhoneiros e taxistas. Foi necessário modificar a Constituição não só devido ao limite do teto, mas também para contornar a legislação eleitoral, que veda a criação de benefícios às vésperas da eleição.
Bráulio Borges calcula que serão gastos R$ 41,2 bilhões acima do teto até o final deste ano, devido à PEC kamikaze. Somando isso ao atraso dos precatórios e à mudança do cálculo do teto, o governo terá usado R$ 116,2 bilhões acima do que a regra original permitiria para este ano.
Um velho adágio popular diz que “contra fatos não há argumentos”. E os fatos mostram que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história da República brasileira.
Os fatos apontam que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Ainda na carta, é dito que é equivocado considerar que o país tem taxas de juros altíssimas pelo fato de o Brasil ser considerado mau pagador. Por que há esse equívoco e o que explica as atuais taxas de juros?
José Luis Oreiro – O risco de um calote soberano é algo que é precificado no mercado. O índice EMBI+, criado pelo banco J.P.Morgan, mede a diferença (spread) entre as taxas de juros pagas sobre títulos da dívida pública de diversos países que são negociados nos Estados Unidos e a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana com idêntico prazo de maturidade. Dessa forma, a percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor” pode ser visualizada dia a dia nos preços de mercado dos títulos da dívida pública.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos. No fim do governo Lula, o spread soberano se encontrava num patamar mais baixo, em torno de 190 pontos. Se a taxa de juros no Brasil fosse determinada apenas com base na percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor”, então a Selic nominal deveria estar hoje entre 6 e 7% a.a., ao invés de 13,75%.
A taxa de juros está em 13,75% porque o Banco Central acredita que esse é o valor adequado para trazer a inflação para a meta de 3,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 p.p; ou seja, um valor máximo de 5% para o ano de 2022. Isso não tem nenhuma relação com a percepção de mercado sobre o risco de emprestar dinheiro para o governo brasileiro, mas com o modus operandi da política monetária no Brasil. Dado que no Brasil é dever do Banco Central manter a inflação na meta, que a inflação é medida pelo IPCA cheio, sem expurgos para itens mais voláteis como alimentos e energia, e que o prazo de convergência da inflação para a meta é o ano calendário, fica muito difícil para o Banco Central não impor doses cavalares de aumento da taxa de juros, mesmo num contexto de atividade econômica fraca, para cumprir aquilo que a sociedade brasileira manda que ele faça. Daqui, segue-se que só será possível ter taxas de juros mais baixas no Brasil por intermédio de uma mudança no arcabouço institucional da política monetária.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que caminho deve ser adotado pelo novo governo quanto à política de juros?
José Luis Oreiro – O primeiro passo será uma flexibilização do regime de metas de inflação no Brasil. Uma ideia é aproveitar a lei que garantiu a autonomia operacional do Banco Central do Brasil para regulamentar o mandato duplo para a autoridade monetária. Embora essa lei preveja que o Banco Central deve se preocupar também com os efeitos da política de juros sobre o nível de atividade econômica, não há nenhuma orientação específica a respeito de como essa “preocupação” deve se manifestar em termos da condução da política monetária.
Eu proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária. Assim, em períodos de baixo crescimento – por exemplo, abaixo de 1% –, o Banco Central deverá calibrar a taxa Selic de maneira a estimular a atividade econômica, de forma a que o crescimento anual se situe acima desse patamar mínimo.
Proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária – José Luis Oreiro Tweet
Inércia inflacionária
Um segundo elemento fundamental será reduzir o grau de inércia inflacionária existente na economia brasileira. No trabalho intitulado “The Unfinished Stabilization of the Real Plan: An Analysis of the Indexation of the Brazilian Economy”, escrito em coautoria com o professor Júlio Fernando Costa Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, e que será publicado em 2023 no livro Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies – organizado pelos professores Luiz Fernando de Paula (IE/UFRJ) e Fernando Ferrari Filho (UFRGS) e editado pela Edward Elgar (Reino Unido) –, mostramos que a permanência da indexação de preços, salários e contratos com prazo de maturidade superior a um ano faz com que o coeficiente de autocorrelação das séries de inflação (o termo técnico para designar o grau de inércia inflacionária) no Brasil seja significativamente maior do que o observado nos Estados Unidos.
Dessa forma, o Banco Central do Brasil precisa usar uma dosagem de juros maior do que o Federal Reserve para conseguir reduzir a inflação. A indexação de quase 50% da dívida pública federal à taxa Selic, por sua vez, faz com que o custo de rolagem da dívida pública aumente instantaneamente com a elevação da taxa de juros por parte do Banco Central, ou seja, temos um efeito de contágio da política monetária sobre a dívida pública, justamente o inverso do que os economistas ortodoxos afirmam. Sendo assim, para eliminar o problema dos juros no Brasil será necessária uma reforma monetária com a extinção de todos os mecanismos de indexação ainda existentes no Brasil, o que inclui a substituição de todo o estoque de Letras Financeiras do Tesouro por papéis pré-fixados.
A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Qual sua avaliação quanto à PEC da transição? É o melhor caminho do ponto de vista econômico e social? E do ponto de vista da conciliação de forças, mercado e investimento social?
José Luis Oreiro – A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 para cumprir algumas das mais importantes promessas de campanha como, por exemplo, um valor de R$ 600,00 para o Bolsa Família com acréscimo de R$ 150,00 por filho.
IHU – Qual seu diagnóstico caso essa PEC da transição não seja aprovada?
José Luis Oreiro – Esse cenário é impossível.
IHU – São muitos os analistas que dizem que o grande desafio do governo Lula III será a promoção de uma conciliação no Brasil. Na área econômica, como essa conciliação se apresenta? Que forças estão em jogo?
José Luis Oreiro – Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça. Vimos isso após a implantação do teto de gastos.
Os defensores do teto de gastos afirmavam, em 2016, que ele seria a solução definitiva para o desequilíbrio fiscal no Brasil. Não foi. No fim de 2022, continuamos discutindo o problema do desequilíbrio fiscal no Brasil. Por quê? Certamente que não foi devido à adoção de medidas de controle fiscal. A reforma da Previdência foi aprovada em 2019. O teto de gastos e a reforma da Previdência deveriam ter equacionado a questão fiscal, mas isso não ocorreu. O que ficou faltando? Faltou o principal: a economia brasileira não retomou a tendência de crescimento do período 1980-2014 de 2,88% a.a, isso mesmo antes da pandemia da covid-19.
Entre 2017 e 2019, a economia brasileira cresceu em torno de 1,5% a.a. A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante.
Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Diante do atual cenário nacional e internacional, quais são os três pontos de que a equipe econômica do governo Lula III não pode abrir mão?
José Luis Oreiro – A futura equipe econômica precisa apresentar três coisas para a sociedade brasileira.
1. Uma nova regra que permita a realização de uma política fiscal anticíclica no curto prazo e garanta a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
2. Um projeto de reforma monetária que reformate o arcabouço institucional do regime de metas de inflação e elimine a indexação de preços, salários, contratos e dívida pública.
3. Um projeto para a reindustrialização do país que seja compatível com a transição para uma economia de baixo carbono.
A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Deseja acrescentar algo?
José Luis Oreiro – Apenas que estou à disposição para colaborar com o governo eleito no que ele precisar. Este governo tem que dar certo, porque a opção será o retorno da barbárie que vivemos durante o governo Bolsonaro.
“Todas as expectativas do setor industrial no mês de novembro recuaram fortemente”, segundo a entidade
Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que a indústria obteve desempenho negativo em outubro em relação a setembro. A entidade afirma que a produção, o emprego e a utilização da capacidade instalada da indústria recuaram no período.
“Reforçando esse cenário, os estoques do setor industrial aumentaram para bem acima do planejado, indicando estoques excessivos e frustração dos empresários com a demanda”, destacou a CNI
A CNI também exibiu que todas as expectativas do setor industrial no mês de novembro recuaram fortemente, sendo “a primeira vez em mais de dois anos, que há expectativa de queda no emprego industrial e nas exportações para os próximos seis meses”. A intenção de investimento do setor industrial também recuou e passou a se situar no menor patamar em mais de dois anos”, disse a entidade que consultou, entre 1º e 10 de novembro, 1.757 empresas, destas: 703 pequenas, 615 médias e 439 grandes.
Em outubro, o índice que mede a evolução da produção da indústria caiu para 48,5 pontos, ficando, assim, abaixo da linha divisória de 50 pontos, o que indica que não houve crescimento da produção. Essa foi a primeira queda na produção industrial para um mês de outubro desde 2016.
Já o indicador que mede evolução do emprego do setor também recuou, após ter crescido por cinco meses consecutivos. O índice caiu para 49,6 pontos, número abaixo da linha divisória de 50 pontos (que separa aumento de queda do emprego industrial). A queda do emprego industrial para um mês de outubro não era constatada desde 2019.
A Utilização da Capacidade Instalada (UCI) caiu um ponto percentual em outubro, para 71%. Nos últimos dois meses, a UCI acumula queda de dois pontos percentuais. Por sua vez, o índice de evolução do nível de estoques aumentou em relação a setembro, batendo a marca de 51,5 pontos em outubro. “O índice de estoque efetivo em relação ao planejado se afastou da linha divisória dos 50 pontos, subindo de 50,9 pontos para 52,4 pontos entre setembro e outubro. O resultado coloca os estoques do setor industrial no nível mais acima do planejado desde julho de 2019”, disse a CNI.
No acumulado do ano até setembro, a produção da indústria brasileira caiu -1,1% e, em 12 meses, -2,3%, segundo o IBGE. Do lado das exportações, o setor também amarga números negativos. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) calcula que a indústria brasileira terminará o ano com um déficit na balança comercial de US$ 125 bilhões, o maior da história. No ano passado, a conta da balança comercial de manufaturados fechou no negativo – déficit de US$ 111 bilhões.
Os números ruins do setor são reflexo dos juros altos, os mais altos do mundo, desestimulando a produção e o consumo no país e obstruindo as ações por novos investimentos, além de colocar por terra as mentiras propagadas pelo atual governo de que a economia estava bombando. Além disso, a escassez de investimentos públicos – agravada no governo Bolsonaro – dificulta o setor de sair da crise.
O economista José Luís Oreiro lembra que “a produtividade da indústria está estagnada há anos por falta de investimento em equipamento de capital”. Segundo ele, a baixa ou nula acumulação de capital na indústria brasileira é decorrência de vinte anos de câmbio sobrevalorizado e da estagnação da produção física e das vendas da indústria de transformação. “As empresas industriais não investem porque o mercado interno não cresce”, afirma o professor da UNB.
Para o Brasil voltar a crescer, a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a proposta de Emenda Constitucional (PEC) que não só garante o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, com os acréscimos de R$ 150 por filho até seis anos, mas também recursos para investimentos públicos em obras paradas. E que esses recursos, para garantir investimentos e os programas sociais, fiquem fora do teto de gastos, que só exclui o pagamento de juros.
De 2017 (quando da implantação do teto de gastos) até setembro deste ano, foram consumidos R$ 2 trilhões, 343 bilhões e 679 milhões do Orçamento Geral da União – ou seja, dinheiro transferido de toda sociedade para o setor financeiro: bancos, rentistas, e outros especuladores – na sua maioria estrangeiros – que não produzem um parafuso no país.
Um dia após publicar na Folha de São Paulo uma carta aberta ao Presidente Lula em conjunto com os economistas Edmar Bacha e Pedro Malan na qual recomendavam ao Presidente Lula a manutenção estrita do teto de gastos para evitar uma espiral inflacionária no seu próximo governo (curioso não terem feito o mesmo alerta ao Presidente Bolsonaro, deve ter sido por falta de tempo), Arminio Fraga em matéria publicada originalmente no jornal O Globo, no dia 19 de novembro de 2022 afirmou que “estamos trilhando um caminho perigoso, o Brasil é um país muito endividado” (para quem não é assinante do Globo sugiro ver a matéria no link https://inteligenciafinanceira.com.br/saiba/economia/arminio-fraga-brasil-pais-muito-endividado/).
Ao me deparar com afirmação tão enfática (e desprovida de embasamento nos dados) fui verificar no site do Fundo Monetário Internacional como está a relação dívida pública como proporção do PIB nos diversos países que compõe este planeta azul e brilhante conhecido como Terra.
O IMF datamapper apresenta o seguinte mapa para a relação dívida pública/PIB no mundo:
Conforme podemos ver claramente no mapa com dados do ano de 2022, o Brasil é um país de endividamento médio (88,2% do PIB) com valores similares aos observados na China (76,9%) e na Índia (83,4%), mas inferior ao observado nos Estados Unidos (122,1%), Espanha (113,6%), Portugal (114,7%), França (111,8%), Itália (147,2%) e Japão (263,9%). Devo recordar ao leitor que o critério de cálculo usado pelo FMI para o endividamento do governo Geral inclui a carteira livre do Banco Central do Brasil que são título da dívida pública emitidos pelo Tesouro Nacional, mas que não estão nas mãos do setor privado, mas na carteira do Banco Central sendo assim uma espécie de dívida do governo com ele mesmo. Neste critério a DBGG se encontrava em 77,5% do PIB em agosto de 2022 (https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/09/30/bc-divida-bruta-do-governo-geral-cai-para-775percent-do-pib-em-agosto.ghtml)
Em suma, a afirmação feita pelo economista Armínio Fraga ao jornal O Globo é, no melhor dos casos, bastante exagerada.
Cinco economistas divulgaram nova carta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), desta vez, fazendo críticas aos alertas feitos pelos representantes da ala ortodoxa
postado em 18/11/2022 19:28 / atualizado em 18/11/2022 20:00
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Transição provocou uma briga entre economistas com linhas de pensamentos opostas. Um dia após a divulgação da carta aberta dos economistas Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central; Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); e do ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cinco economistas desenvolvimentistas se uniram e divulgaram uma segunda carta aberta, nesta sexta-feira (18/11), rebatendo a missiva dos economistas que tiveram um importante papel na implementação do Plano Real e são reconhecidos como ortodoxos.
Na carta aberta, os economistas José Luis da Costa Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; Luiz Fernando Rodrigues de Paula, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-Líder do grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-minstro da Fazneda e professor emérito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Kalinka Martins da Silva, professora do Instituto Federal de Goiás (IFG); e Luiz Carlos Garcia de Magalhães, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirmam, logo no início, que discordam “do início ao fim “da missiva escrita Fraga, Bacha e Malan, na defesa de um teto para as despesas do governo a fim de evitar uma espiral inflacionária.
De acordo com o documento, a ideia de que o teto de gastos como garantia para garantir a disciplina fiscal é uma “falácia” e, nesse sentido, destacam que a atual regra não foi suficiente para evitar um estouro de R$ 795 bilhões durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), em referência ao cálculo do economista Braulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) para a BBC News.
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra teto em quatro anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro”, destacaram os economistas da segunda missiva. “O teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos ‘estouros do teto’ patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial”, acrescentaram.
A primeira carta foi motivada, de acordo com Armínino Fraga, pela declaração de Lula criticando o mercado, que recebeu de forma negativa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Transição propondo a exclusão de R$ 198 bilhões em despesas fora do teto de gastos. A proposta para um rombo muito acima do esperado pelo mercado gerou uma crise de credibilidade do novo governo junto ao mercado.
Nesse valor estão os R$ 175 bilhões previstos com o Bolsa Família, que retomará o lugar do Auxílio Brasil, de R$ 600, mais os R$ 150 para cada criança abaixo de seis anos, e mais R$ 23 bilhões extras para investimentos. Só que R$ 105 bilhões dos recursos para o auxílio estão incluídos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2023. Ao explicar a motivação da carta, Fraga destacou que os “indícios preocupantes” para o quadro fiscal.
Oreiro, um dos autores da segunda carta aberta ao presidente eleito, reconheceu a necessidade de uma nova âncora fiscal, que deverá ser discutida a partir de 2023. Além disso, defendeu o corte de subsídios criados pelo atual governo, reduzindo tributos sobre combustíveis, por exemplo, como alternativa para financiar os cerca de R$ 200 bilhões propostos na PEC e que, pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), deverá abrir um espaço de R$ 203 bilhões de despesas não sujeitas ao teto.
“O que tem para cortar no Orçamento são os benefícios tributários, por exemplo, com a PEC Kamikaze, R$ 150 bilhões de impostos federais e estaduais deixaram de ser arrecadados, que deixaram de ser arrecadados, e aí retorna para o mesmo valor de antes. Praticamente já paga o rombo”, afirmou Oreiro, em entrevista ao Correio.”Mas, como dizemos na carta, é preciso ter uma nova regra fiscal a partir do ano que vem, a partir de quando o presidente assumir”, frisou o acadêmico, que defende a desindexação generalizada da economia para permitir a redução o custo do pagamento de juros da dívida pública.
Veja a íntegra da segunda carta dos economistas
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Eleito da República Federativa do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva.
Prezado Presidente Lula,
Nós os pesquisadores e economistas abaixo assinados gostaríamos inicialmente por parabenizá-lo pela sua eleição ao cargo de Presidente da República Federativa do Brasil no último dia 30 de outubro de 2022. Sua eleição representou o triunfo da civilização e da democracia contra a barbárie e a ameaça autoritária de Jair Bolsonaro. Todos nós ficamos muito felizes e aliviados pelo desfecho do processo eleitoral bem como pelo reconhecimento por parte dos governos das nações civilizadas da sua vitória incontestável no pleito.
Nossa intenção com esta carta, além de parabenizá-lo pela sua vitória, é fazer um contraponto a carta recentemente endereçada a Vossa Excelência pelos economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan. A parte da defesa da civilização e da democracia que os citados economistas fizeram em sua carta, discordamos do início ao fim da missiva escrita por eles.
Na carta enviada a Vossa Excelência, os economistas supracitados se opõem ao seu compromisso de campanha de revogar o Teto de Gastos, o qual na interpretação de Vossa Excelência, a qual é compartilhada por nós, estaria impedindo o aumento dos gastos com saúde, educação, assistência social e investimento em infraestrutura.
Para Fraga, Bacha e Malan o teto de gastos teria desempenhado no Brasil um papel fundamental no sentido de garantir a “responsabilidade fiscal”, a qual é fundamental para manter a inflação sob controle ao assegurar a confiança do “mercado” nas políticas econômicas do governo. Tais economistas afirmam também que a revogação do teto de gastos jogaria o país numa espiral inflacionária devido aos efeitos da desvalorização da taxa de câmbio, o que produziria um arrocho salarial, com efeito negativo para a classe trabalhadora.
A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o Governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra teto em 4 anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.
Fraga, Bacha e Malan argumentam que o Brasil paga taxas de juros altíssimas porque o Estado não é percebido com um bom devedor. Essa afirmação está equivocada. A avaliação de mercado sobre o risco envolvido em emprestar dinheiro para governos soberanos pode ser medida, entre outras formas possíveis, pelo EMBI + calculado pelo Banco J.P. Morgan. No dia 02 de janeiro de 2002, primeiro dia útil do seu primeiro mandato como Presidente da República, Vossa Excelência herdou do governo anterior – no qual trabalharam Fraga, Bacha e Malan – um risco país medido pelo EMBI + de 1527 p.b, ou seja, um spread de 15,27 % sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana de idêntico prazo de maturidade. No dia 31 de dezembro de 2010 o risco país havia se reduzido para 189 b.p; prova inconteste da confiança do “mercado” na responsabilidade fiscal do seu governo. O teto de gastos foi aprovado em segundo turno no Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, data na qual o risco país medido pelo EMBI + do J.P. Morgan se encontrava em 324 b.p, valor 71,42% acima do registrado do último dia de governo do seu segundo mandato como Presidente da República. No primeiro dia útil do governo de Jair Bolsonaro o risco país se encontrava em 275 p.b, valor apenas 15% inferior ao observado no dia da aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos pelo Congresso Nacional, mas 45,5% superior ao verificado em 31/12/2010, último dia do seu segundo mandato como Presidente da República. A avaliação do mercado, tal como expressa nos preços dos títulos da dívida pública transacionados nos mercados internacionais, é claríssima: o teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos “estouros do teto” patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial.
Na carta endereçada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan também afirmam que a elevação da inflação ocorrida entre 2021 e 2022 foi o resultado do descontrole dos gastos públicos patrocinado pelo governo Bolsonaro, o qual “furou” o teto de gastos em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 Bilhões (previsto) para o ano de 2022. Esse é outro equívoco na carta dos economistas supracitados. A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal. Com efeito, a pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram eventos extraeconômicos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial, quer pela desorganização das cadeias globais de valor (caso da pandemia) quer pelas restrições impostas a exportação de petróleo, gás, soja, milho e trigo por conta dos desdobramentos do conflito da Ucrânia. Esse choque de oferta global produziu um aumento dos preços dos produtos intermediários, energia e alimentos que está alimentando a escalada inflacionária em todo o mundo. A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia, calculada em outubro de 2022, se encontra em 11,25%, quase o dobro do valor observado no mesmo período para o Brasil. Na austera Alemanha a inflação se encontra em 11,6% no acumulado em 12 meses. Nos Estados Unidos a inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (dados de outubro de 2022). A política fiscal e monetária do Brasil tem capacidade muito restrita de intervir num processo inflacionário que é gerado fora do país.
No final da carta encaminhada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan afirmam que o problema da falta de recursos para saúde, educação, assistência social e investimento público não são decorrência do teto de gastos, mas da falta de prioridade dada pelo governo a essas áreas. Isso é uma meia verdade. Com efeito, é inegável que o governo de Jair Bolsonaro, tendo Paulo Guedes como Czar da Economia, só deu atenção a assistência social quando isso lhe era eleitoralmente conveniente. Quanto a saúde e educação os números de mortos durante a covid-19 e a falta de recursos para pagar a merenda escolar falam por si mesmos. Mas o teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas. Isso porque ao congelar em termos reais por um período de 20 anos, a contar de 2016, os gastos primários da União o crescimento puramente vegetativo dos gastos com previdência social, os quais mesmo após a reforma previdenciária continuam crescendo 3% a.a em termos reais, faz com que os demais itens do orçamento da União atuem com variável de ajuste para fechar o orçamento, comprimindo os mesmos. Durante o governo Bolsonaro, além da redução do investimento público e dos recursos destinados as áreas de saúde e educação, a folha de salários dos servidores (ativos e inativos) da União foi reduzida de uma média de 4,4% do PIB durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Temer para menos de 3% do PIB em 2022. Isso porque o governo Bolsonaro, ao não conceder reajuste aos servidores públicos nos últimos 4 anos, fez com que a inflação corroesse o valor real dos salários dos servidores da União. O problema é que esse processo de ajuste das demais rubricas do orçamento público chegou ao limite. Não é mais social e politicamente possível reduzir o investimento público, ou os gastos com saúde e educação, ou manter congelados os salários dos servidores públicos. Em outras palavras, o teto de gastos é inviável. Essa é a razão pela qual deve ser substituído por uma nova regra fiscal, cuja definição deverá ser feita a partir do momento em que Vossa Excelência assuma efetivamente, pela terceira vez, o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.
Para finalizar esta carta, gostaríamos de fazer um alerta a Vossa Excelência. No debate sobre o ajuste fiscal no Brasil existe um elemento ausente, a saber: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Em 2022 os gastos com juros serão de mais de R$ 500 bilhões, devendo ultrapassar os R$ 700 bilhões no próximo ano. Trata-se da segunda maior rubrica do orçamento público, ficando atrás apenas dos gastos com previdência social. Esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população. Não existem soluções mágicas para o problema dos juros como tem sido sustentada, por exemplo, pela famosa “auditoria cidadã da dívida”. Por outro lado, o volume pago com juros não decorre de um elevado endividamento público como proporção do PIB (atualmente em 77,12% do PIB segundo dados do Banco Central do Brasil para setembro de 2022). A título de comparação a Espanha tinha, em março de 2022, uma dívida pública como proporção do PIB de 117,7%, mas paga apenas 2% do seu PIB como juros sobre a dívida pública. Não existe uma relação direta entre o tamanho da dívida pública como proporção do PIB e o custo de carregamento da dívida pública, o qual é, em larga medida, determinado pela política monetária conduzida pelo Banco Central.
Todo o complexo de taxas de juros no Brasil é uma anomalia na comparação com o resto do mundo. Nos últimos 30 anos o Brasil não apenas exibiu uma das mais altas, se não a mais alta, taxa básica de juros do mundo; como também as maiores taxas de juros sobre empréstimos bancários e cartões de crédito. Nosso sistema financeiro é gigante e disfuncional, pois não atua como criador de crédito e de financiamento do investimento e do consumo do setor privado; mas como corretor dos rentistas que vivem às custas do financiamento da dívida pública. No Brasil a verdadeira luta de classes não é entre capital e trabalho, mas entre o capital financeiro, de um lado, e os trabalhadores e o capital produtivo do outro. Esse é o conflito de classes que Vossa Excelência deverá arbitrar a partir do dia 01 de janeiro de 2023. Neste contexto, entendemos ser absolutamente legítimo e viável abrir espaço no orçamento para viabilizar gastos públicos imprescindíveis para o enfrentamento da enorme crise social e econômica que o país está passando. Isto deverá ser combinado, quando estiver empossado, com a adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade na execução do orçamento com sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
Era isso o que queríamos comunicar a Vossa Excelência. Sem mais por hora nos despedimos cordialmente, com sinceros votos de sucesso em seu terceiro mandato como Presidente da República.
José Luis da Costa Oreiro (UnB, líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Fernando Rodrigues de Paula (UFRJ, vice-Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP, professor emérito)
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Eleito da República Federativa do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva.
Prezado Presidente Lula,
Nós os pesquisadores e economistas abaixo assinados gostaríamos inicialmente por parabenizá-lo pela sua eleição ao cargo de Presidente da República Federativa do Brasil no último dia 30 de outubro de 2022. Sua eleição representou o triunfo da civilização e da democracia contra a barbárie e a ameaça autoritária de Jair Bolsonaro. Todos nós ficamos muito felizes e aliviados pelo desfecho do processo eleitoral, bem como pelo reconhecimento por parte dos governos das nações civilizadas da sua vitória incontestável no pleito.
Nossa intenção com esta carta, além de parabenizá-lo pela sua vitória, é fazer um contraponto a carta recentemente endereçada a Vossa Excelência pelos economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan. A parte da defesa da civilização e da democracia que os citados economistas fizeram em sua carta, discordamos do início ao fim da missiva escrita por eles.
Na carta enviada a Vossa Excelência, os economistas supracitados se opõem ao seu compromisso de campanha de revogar o Teto de Gastos, o qual na interpretação de Vossa Excelência, a qual é compartilhada por nós, estaria impedindo o aumento dos gastos com saúde, educação, assistência social e investimento em infraestrutura. Para Fraga, Bacha e Malan o teto de gastos teria desempenhado no Brasil um papel fundamental no sentido de garantir a “responsabilidade fiscal”, a qual é fundamental para manter a inflação sob controle ao assegurar a confiança do “mercado” nas políticas econômicas do governo. Tais economistas afirmam também que a revogação do teto de gastos jogaria o país numa espiral inflacionária devido aos efeitos da desvalorização da taxa de câmbio, o que produziria um arrocho salarial, com efeito negativo para a classe trabalhadora.
A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o Governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra-teto em 4 anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.
Fraga, Bacha e Malan argumentam que o Brasil paga taxas de juros altíssimas porque o Estado não é percebido com um bom devedor. Essa afirmação está equivocada. A avaliação de mercado sobre o risco envolvido em emprestar dinheiro para governos soberanos pode ser medida, entre outras formas possíveis, pelo EMBI + calculado pelo Banco J.P. Morgan. No dia 02 de janeiro de 2003, primeiro dia útil do seu primeiro mandato como Presidente da República, Vossa Excelência herdou do governo anterior – no qual trabalharam Fraga, Bacha e Malan – um risco país medido pelo EMBI + de 1374 p.b, ou seja, um spread de 13,74 p.p sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana de idêntico prazo de maturidade. No dia 31 de dezembro de 2010 o risco país havia se reduzido para 189 b.p; prova inconteste da confiança do “mercado” na responsabilidade fiscal do seu governo. O teto de gastos foi aprovado em segundo turno no Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, data na qual o risco país medido pelo EMBI + do J.P. Morgan se encontrava em 324 b.p, valor 71,42% acima do registrado no último dia de governo do seu segundo mandato como Presidente da República. No primeiro dia útil do governo de Jair Bolsonaro o risco país se encontrava em 275 p.b, valor apenas 15% inferior ao observado no dia da aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos pelo Congresso Nacional, mas 45,5% superior ao verificado em 31/12/2010, último dia do seu segundo mandato como Presidente da República. A avaliação do mercado, tal como expressa nos preços dos títulos da dívida pública transacionados nos mercados internacionais, é claríssima: o teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos “estouros do teto” patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial.
Na carta endereçada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan também afirmam que a elevação da inflação ocorrida entre 2021 e 2022 foi o resultado do descontrole dos gastos públicos patrocinado pelo governo Bolsonaro, o qual “furou” o teto de gastos em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 Bilhões (previsto) para o ano de 2022. Esse é outro equívoco na carta dos economistas supracitados. A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal. Com efeito, a pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram eventos extraeconômicos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial, quer pela desorganização das cadeias globais de valor (caso da pandemia) quer pelas restrições impostas a exportação de petróleo, gás, soja, milho e trigo por conta dos desdobramentos do conflito da Ucrânia. Esse choque de oferta global produziu um aumento dos preços dos produtos intermediários, energia e alimentos que está alimentando a escalada inflacionária em todo o mundo. A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia, calculada em outubro de 2022, se encontra em 11,25%, quase o dobro do valor observado no mesmo período para o Brasil. Na austera Alemanha a inflação se encontra em 11,6% no acumulado em 12 meses. Nos Estados Unidos a inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (dados de outubro de 2022). A política fiscal e monetária do Brasil tem capacidade muito restrita de intervir num processo inflacionário que é gerado fora do país.
No final da carta encaminhada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan afirmam que o problema da falta de recursos para saúde, educação, assistência social e investimento público não são decorrência do teto de gastos, mas da falta de prioridade dada pelo governo a essas áreas. Isso é uma meia verdade. Com efeito, é inegável que o governo de Jair Bolsonaro, tendo Paulo Guedes como Czar da Economia, só deu atenção a assistência social quando isso lhe era eleitoralmente conveniente. Quanto a saúde e educação os números de mortos durante a covid-19 e a falta de recursos para pagar a merenda escolar falam por si mesmos. Mas o teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas. Isso porque ao congelar em termos reais por um período de 20 anos, a contar de 2016, os gastos primários da União o crescimento puramente vegetativo dos gastos com previdência social, os quais mesmo após a reforma previdenciária continuam crescendo 3% a.a em termos reais, faz com que os demais itens do orçamento da União atuem com variável de ajuste para fechar o orçamento, comprimindo os mesmos. Durante o governo Bolsonaro, além da redução do investimento público e dos recursos destinados as áreas de saúde e educação, a folha de salários dos servidores (ativos e inativos) da União foi reduzida de uma média de 4,4% do PIB durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Temer para menos de 3% do PIB em 2022. Isso porque o governo Bolsonaro, ao não conceder reajuste aos servidores públicos nos últimos 4 anos, fez com que a inflação corroesse o valor real dos salários dos servidores da União. O problema é que esse processo de ajuste das demais rubricas do orçamento público chegou ao limite. Não é mais social e politicamente possível reduzir o investimento público, ou os gastos com saúde e educação, ou manter congelados os salários dos servidores públicos. Em outras palavras, o teto de gastos é inviável. Essa é a razão pela qual deve ser substituído por uma nova regra fiscal, cuja definição deverá ser feita a partir do momento em que Vossa Excelência assuma efetivamente, pela terceira vez, o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.
Para finalizar esta carta, gostaríamos de fazer um alerta a Vossa Excelência. No debate sobre o ajuste fiscal no Brasil existe um elemento ausente, a saber: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Em 2022 os gastos com juros serão de mais de R$ 500 bilhões, devendo ultrapassar os R$ 700 bilhões no próximo ano. Trata-se da segunda maior rubrica do orçamento público, ficando atrás apenas dos gastos com previdência social. Esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população. Não existem soluções mágicas para o problema dos juros como tem sido sustentada, por exemplo, pela famosa “auditoria cidadã da dívida”. Por outro lado, o volume pago com juros não decorre de um elevado endividamento público como proporção do PIB (atualmente em 77,12% do PIB segundo dados do Banco Central do Brasil para setembro de 2022). A título de comparação a Espanha tinha, em março de 2022, uma dívida pública como proporção do PIB de 117,7%, mas paga apenas 2% do seu PIB como juros sobre a dívida pública. Não existe uma relação direta entre o tamanho da dívida pública como proporção do PIB e o custo de carregamento da dívida pública, o qual é, em larga medida, determinado pela política monetária conduzida pelo Banco Central.
Todo o complexo de taxas de juros no Brasil é uma anomalia na comparação com o resto do mundo. Nos últimos 30 anos o Brasil não apenas exibiu uma das mais altas, se não a mais alta, taxa básica de juros do mundo; como também as maiores taxas de juros sobre empréstimos bancários e cartões de crédito. Nosso sistema financeiro é gigante e disfuncional, pois não atua como criador de crédito e de financiamento do investimento e do consumo do setor privado; mas como corretor dos rentistas que vivem às custas do financiamento da dívida pública. No Brasil a verdadeira luta de classes não é entre capital e trabalho, mas entre o capital financeiro, de um lado, e os trabalhadores e o capital produtivo do outro. Esse é o conflito de classes que Vossa Excelência deverá arbitrar a partir do dia 01 de janeiro de 2023. Neste contexto, entendemos ser absolutamente legítimo e viável abrir espaço no orçamento para viabilizar gastos públicos imprescindíveis para o enfrentamento da enorme crise social e econômica que o país está passando. Isto deverá ser combinado, quando estiver empossado, com a adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade na execução do orçamento com sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
Era isso o que queríamos dizer a Vossa Excelência. Sem mais por hora nos despedimos cordialmente, com sinceros votos de sucesso em seu terceiro mandato como Presidente da República.
José Luis da Costa Oreiro (UnB, Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Fernando Rodrigues de Paula (UFRJ, Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP, Professor Emérito)
Especialistas defendem reindustrializar o Brasil. Foto: Agência Brasil
Fruto da desindustrialização no país, a indústria brasileira terá déficit na balança comercial de US$ 125 bi em 2022, o maior da história, segundo projeções da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Os cálculos da AEB têm como base o desempenho de janeiro a outubro deste ano da balança comercial da manufatura. Nos dez meses deste ano, o saldo da balança comercial encolheu 11,7%, para US$ 51,6 bilhões, em comparação com o mesmo período de 2021. A entidade prevê um avanço desta queda para 11,9% no saldo comercial, para US$ 54,1 bilhões.
Dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério da Economia, apontam que enquanto as exportações nacionais cresceram 19,1% em valores, no período de janeiro a outubro deste ano em comparação ao mesmo período de 2021, somando US$ 281 bilhões, mas a quantidade de produtos exportados (quantidade física) cresceu apenas 4,4%.
O presidente da AEB, José Augusto de Castro, ressalta que “o detalhe é que, no ano passado, a conta da balança comercial de manufaturados teve um déficit grande, de US$ 111 bilhões”, disse Castro em entrevista ao jornal Correio Braziliense, ao destacar que as exportações brasileiras estão sendo sustentadas pelas commodities. “Devido à alta dos preços das commodities, após a pandemia, o país tem exportado preços, porque a quantidade de produtos praticamente não aumentou”.
Em 2000, os produtos manufaturados chegaram a representar 59% das exportações nacionais. No ano passado, aponta Castro, esse percentual respondeu por apenas 28%.
“E tudo isso é desemprego, ou seja, pensando em comércio exterior, o país atravessa uma clara desindustrialização e, para reindustrializar o país, é preciso mudar a estrutura de custos interna, a fim de atrair novamente investimentos de empresas de produtos manufaturados no país”, explica o especialista, ao afirmar que “para o país mudar o comércio internacional, será preciso recuperar a competitividade da indústria”.
“E, para isso, é preciso reduzir o custo Brasil”. “Não tenho nada contra o país exportar commodities, que têm a China como principal destino”, sustentou.
Para o economista José Luis Oreiro, “a perda de competitividade da indústria brasileira deve-se a anos de baixo investimento em atualização tecnológica do parque industrial. As máquinas e equipamentos da indústria brasileira estão velhos e tecnologicamente obsoletos”, comentou o economista neste domingo (13), em sua rede social, referindo-se aos dados apresentados pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
José Luís Oreiro lembra que “a produtividade da indústria está estagnada há anos por falta de investimento em equipamento de capital. A produtividade não cai do céu, não é um atributo do trabalhador (Samuel Pessoa), mas resultado do aumento do estoque de capital físico por trabalhador”, escreveu Oreiro, pontuando que “a baixa ou nula acumulação de capital na indústria brasileira é decorrência de (i) vinte anos de câmbio sobrevalorizado e (ii) da estagnação da produção física e das vendas da indústria de transformação. As empresas industriais não investem porque o mercado interno não cresce. E porque não tem acesso aos mercados internacionais devido ao câmbio sobrevalorizado, o qual também estimula a substituição de produção interna por importações”.
O professor da UNB também afirmou que “a solução liberal para o problema – reduzir as tarifas de importação – só vai contribuir para acabar com o que resta da indústria nacional”. “Nas condições atuais a indústria brasileira não tem como aguentar uma nova onda de abertura comercial. O diagnóstico liberal é de uma tolice inacreditável, pois a competitividade não resulta automaticamente de mais pressão competitiva, mas do investimento em novas máquinas e equipamentos. É preciso criar as condições macroeconômicas para as empresas industriais voltarem a investir. O que significa juros baixos, câmbio competitivo e o retorno do crescimento da economia. O custo do capital precisa ser drasticamente reduzido. Para isso, o BNDES deve retornar ao seu papel histórico de financiador de projetos de investimento a juros competitivos a nível internacional”, defendeu o economista.
Além das questões apontadas pelo economista, cabe ressaltar que a entrada estúpida do “investimento direto estrangeiro” (IDE) no país nestes últimos anos – estimulada pela política de juros elevados – culminou na aceleração do processo de desindustrialização no Brasil, através da compra de empresas privadas nacionais e estatais pelo capital externo, que busca obter o máximo do lucro aqui para remetê-lo para fora.
“O imposto de renda no Brasil é altamente regressivo, as pessoas mais pobres estão pagando mais da sua renda do que os ricos”, advertiu José Luís Oreiro
O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro diz que a proposta do ex-presidente Lula de isentar do imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil é fiscalmente responsável e, do ponto de vista da distribuição de renda, justa. “O imposto de renda no Brasil é altamente regressivo, as pessoas mais pobres estão pagando mais da sua renda do que os ricos”, considerou.
Na avaliação dele, o ex-presidente deve estar pensando numa alíquota adicional de imposto de renda para quem ganha R$ 30 mil. “Ele não falou isso na proposta, mas eu acredito que essa é a maneira pela qual ele vai financiar todo mundo que ganha menos de R$ 5mil”, afirmou Oreiro em entrevista ao Portal Vermelho.
De acordo com o economista, a tabela do imposto de renda está há anos sem reajuste. “Na medida que inflação vai aumentado, as rendas das pessoas, em termos nominais, vão sendo jogada cada vez mais para alíquotas mais altas do imposto de renda, mesmo não tendo um ganho real de renda”, avaliou.
Para ele, trata-se de uma proposta importante e que vai ajudar a classe média dinamizando a economia, pois haverá aumento de consumo. “Isso vai ser perfeitamente financiado com a criação de uma alíquota extra de 35% sobre quem ganha quem ganha mais de R$ 30 mil por mês. Outro ponto é a criação de um imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos, isso também terá que ser feito”, explicou.
Lembrou que o sistema tributário brasileiro está “muito baseado” no consumo. “Como os mais pobres são os que nais consumem alimentos, na proporção da sua renda do que os mais ricos, pagam mais impostos diretos.
Além disso, o professor esclareceu que a legislação tributária atual privilegia profissionais liberais como médicos e advogados que pagam menos imposto de renda na condição de pessoas jurídicas. “Eles são isentos do imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos. Profissional liberal que recebe R$ 40 mil como pj vai pagar zero de imposto de renda”, lembrou.
José Luís Oreiro é professor de economia da UnB. Foto: Agência Câmara
Promessa não cumprida
A campanha de Lula acusa Bolsonaro de prometer o ajuste na tabela do imposto de renda e não cumprir. Com isso, as finanças das famílias brasileiras viraram um dos maiores problemas do país.
“O salário mínimo já está congelado há anos e a Saúde e a Educação se transformaram em antros de corrupção amplamente denunciados. Os impostos que a gente paga não resultam em serviços melhores: e como são caros os impostos! É por isso que Luiz Inácio Lula da Silva quer voltar: para dar fim à baderna bolsonarista, melhorar a sua vida e isentar do imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil”, diz um trecho de nota distribuída pela campanha.
“Com a proposta de Lula, as pessoas que mais precisam vão pagar menos impostos. É tudo pensado cuidadosamente para o Brasil crescer e você crescer junto, tendo mais poder de compra, o que faz a roda da economia girar e aumentando o poder de compra de todos e todas”, completou.
A equipe do ex-presidente explicou que quem ganha até R$ 5 mil paga, por mês, R$ 368,23 de impostos retidos na fonte. “Esse é o valor que já é descontado do seu holerite. Se a gente multiplicar esse desconto por 48 vezes (12 meses em um ano, durante 4 anos), ele resulta em R$ 17.675. Ou seja: com a proposta de Lula, você vai economizar 17 mil reais ao longo do período de governo, de quatro nos”, observou.
Cuando le preguntas por los últimos sondeos se revuelve inquieto en la silla. Las últimas encuestas apuntan a una ligera reducción de la ventaja que Lula da Silva lleva sobre Jair Bolsonaro de cara a las elecciones presidenciales en Brasil, que tendrán su segunda y definitiva vuelta el próximo domingo. Los cinco puntos de ventaja de la primera vuelta se han convertido en cuatro en las últimas encuestas. «Va a estar reñido», asegura este economista, profesor de la Universidad de Brasilia, cuyo nombre suena como candidato a ocupar un ministerio del área económica en el Gobierno de Lula. José Luis Dacosta Oreiro, cruza el charco con frecuencia para participar como profesor en un máster de la Universidad del País Vasco, en la facultad de Económicas de Sarriko. Esta semana ha participado en esa facultad el tribunal de una tesis doctoral y ha dado a los alumnos una clase, fruto de la experiencia en su país, de plena actualidad: el riesgo de que unos tipos de interés elevados para combatir la inflación duerman el crecimiento económico.
– El debate económico ¿se ha convertido en el elemento clave de la campaña presidencial?
– Si me lo llega a preguntar hace un año le hubiese dicho que sí, pero en estos momentos no. Desde poco antes de la primera vuelta de las elecciones, hay otros temas que han cobrado protagonismo. Asuntos religiosos, acusaciones a Lula de querer cerrar las iglesias, lo cual resulta chocante porque es católico practicante, las polémicas sobre la política de género o incluso ‘fake news’ como que en las escuelas la izquierda pretende enseñar a los niños a tener sexo. Es lo que el economista Paul Krugman definió como «armas de distracción masiva». Sacas la economía del debate y lo llevas a otro sitio.
– Resulta curioso, porque es un país con problemas serios de desarrollo económico, desigualdad, pobreza…
– Efectivamente. Para una población de algo más de 211 millones de habitantes, 33 millones están en situación de pobreza y 100 millones no tienen garantizado que puedan hacer con normalidad las tres comidas diarias, desayuno almuerzo y cena. Están en inseguridad alimentaria.
Afortunadamente el paro no es muy elevado. Está en torno al 9% y la tasa es más baja que la española.
– Sí, pero en Latinoamérica las cifras de paro son engañadoras. Hay un sector informal muy grande, que ocupa el 50% de la fuerza de trabajo.
– ¿Sector informal?
– Son las personas que no tienen un contrato de trabajo. Además, el 25% de la fuerza de trabajo son autónomos con un formato de supervivencia.
– Hay muchas voces que alertan también sobre el riesgo de un gasto público desmedido en manos de Lula, que puede provocar las reticencias del sector financiero y con ello la dificultad para financiar el endeudamiento.
– En realidad creo que lo que sucede es que cuando los periodistas buscan una opinión sobre economía recurren mucho a los economistas de la banca…
Reforma fiscal
– En el debate de estas elecciones también ha aparecido algo que en España es recurrente. La necesidad de una reforma fiscal.
– En nuestro caso es porque tenemos una reforma pendiente desde hace veinte años. La industria paga muchísimos impuestos. El 47% de la imposición indirecta es aportada por la industria. Junto a ello, el Impuesto sobre la Renta es absolutamente regresivo. Hace diez años que la tabla no se ajusta a la inflación y los profesionales liberales pueden escudarse tras una sociedad mercantil, con una presión fiscal muy baja. En la actualidad, quienes más pagan en Brasil son los funcionarios públicos. Yo lo soy y pago aproximadamente el 50% de mis ingresos, frente a una carga tributaria general en Brasil del 33%. Conozco gente que gana diez veces más que yo con una carga inferior.
– ¿Cuál es la herencia del Gobierno de Bolsonaro en su opinión?
– Bolsonaro ha destruido todas las políticas públicas en nuestro país. La fiscalización en la Amazonía; la sanidad pública en la que incluso se ha abandonada la vacunación obligatoria contra la polio; una reducción del 90% en el presupuesto de ciencia tecnología. A donde mires, es un desastre.
Oposición a lula
«Hay una clase media que no perdona haber perdido el privilegio de contratar barato»
La población
«33 millones de personas viven en la pobreza y 100 en la inseguridad alimentaria»
Impuestos
«En Brasil el que paga más impuestos es el funcionario. Tenemos una reforma pendiente»
– La desigualdad ¿es el principal problema del país?
– Hay dos problemas unidos, la desigualdad social y la desindustrialización prematura. En 1980 la producción industrial era igual a la de China, India y Corea del Sur. Teníamos el parque industrial más desarrollado de los países en desarrollo. Y desde entonces no ha dejado de disminuir. Cuando pierdes industria pierdes el sector que paga los salarios más altos y eso ha dejado a mucha gente en subsistencia. Vendiendo cosas en los semáforos, pidiendo limosna. Ahora incluso en Brasili, que es nuestro Versalles, hay gente viviendo en la calle.
– ¿Cuál es su fórmula para intentar superar esa situación?
– Invertir en formación y apoyar la reindustrialización del país.
– Y esa desindustrialización ¿por qué se ha producido?
– Ha sido por esa trampa de reducir la inflación pero a cambio de una tasa de cambio a corto plazo muy alta, que en algunos años ha llegado al 25% y una tasa de cambio con la moneda muy sobrevaluada, combinada con la liberalización comercial. Cualquier inversor pudiendo ganar el 10% prestándole dinero al Gobierno no arriesga en una empresa.
Pérdida de privilegios
– Voy a volver al principio de la entrevista. Los votos de la izquierda y la derecha se reparten más o menos en dos mitades. ¿A qué se debe un reparto de este tipo con más de la mitad de la población en dificultades?
– Hay varias razones. La primera es el efecto ante Partido de los Trabajadores, como consecuencia de la corrupción. Lula ha sido absuelto y no se ha podido demostrar que tuviese participación en ello, pero corrupción hubo. La segunda es el alza de la iglesia evangelista, que transmite un mensaje curioso: hay que ganarse a Dios para convertirse en rico. Eso, además de relegar a la mujer a un segundo plano o no aceptar la homoxesualidad. Mire, el 10% de la población brasileña cree que la tierra es plana, no le digo más. Y hay una tercera razón… peor es bastante duro de contar.
– Anímese, hágalo.
– Brasil fue el último país del mundo en abolir el esclavismo y eso ha dejado un cierto poso en la sociedad. Amplias capas de la población a las que podemos identificar como clase media, profesionales o empleados con salarios aceptables, siempre han tenido servicio doméstico interno. Incluso es lo habitual que todos los edificios de viviendas tengan un portero, cuando ustedes en España tienen porteros automáticos. Pues bien, en el anterior Gobierno de Lula hubo un importante aumento del salario mínimo y muchas de esas familias ahora ya no pueden disponer de servicio doméstico en las mismas condiciones. Puede parecer curioso, pero eso ha generado un sentimiento de esa parte de la población ante Lula porque consideran que les ha quitado algo.
Dacosta afirma que con Lula habrá «riesgo cero de un Gobierno comunista» en Brasil / JUAN ECHEVARRÍA
El hijo de un gallego a las puertas de un ministerio
JUAN ECHEVARRÍA
Es hijo de un gallego, nacido en Mazaricos, una población de La Coruña, que en 1954 emigro junto a un hermano a Brasil, mientras que otro lo hacía a Alemania. Su madre es portuguesa y sus progenitores se conocieron en Brasil, donde nació, para ya en la juventud encaminar sus pasos en la senda académica de la economía.
– Su nombre suena como candidato a ocupar el cargo de ministro de Economía en el caso de que Lula gane las elecciones.
– (Sonríe) Puede ser pero eso nunca se sabe. En realidad un ministerio en el área económica, porque la idea de Lula es volver a separar lo que Bolsonaro unió en el Ministerio de Economía, en el que unificó Hacienda, Planificación, trabajo y Desarrollo e Industria. Ya le puedo anticipar que de Hacienda no será ministro porque ahí se necesita un político, no un tecnócrata como yo.
– ¿Un político en Hacienda?
– Sí, en este caso está justificado. Lula se va a encontrar con el parlamento más de derechas de la historia de Brasil. Eso va a exigir a un político para negociar cuestiones fundamentales, como el presupuesto. Y un tecnócrata en medio de políticos aguanta poco…
– ¿Es mejor una voz o varias en un Gobierno discutiendo sobre medidas económicas?
– Tradicionalmente en Brasil el Ministerio de Hacienda siempre ha sido más ortodoxo y el de planificación más desarrollista. El estilo de Lula es muy peculiar porque él adora la contradicción en el debate de las ideas. Esto es, cuando hay una medida en estudio llama a una persona y escucha. Luego llama a otra y le escucha. Y así hasta que tiene todos los argumentos a favor y en contra. Y luego decide. Es un tipo muy inteligente.
– Si uno repasa el programa electoral de Lula y de los partidos que le respaldan en su intento de vuelta a la presidencia, puede pensar que está ante una copia exacta de lo que está haciendo Pedro Sánchez en España. Ayudas a familias, aumento de impuestos, incremento del gasto público, reforma laboral…
– Es cierto. En estos momentos en Brasil la acusación fácil contra Lula es decir que es un comunista.
– Bueno, la radicalización lleva a este tipo de cosas. En España cualquier que verbaliza alguna crítica contra el Gobierno es acusado de ser fascista.
– Pues en lo que hace referencia al Gobierno de Brasil puedo asegurarle que jamás ha estado más lejos de caer en una tentación comunista. Lula es católico y el vicepresidente que ha elegido para acompañarle, Geraldo Alckmin, es del Opus Dei. Ya le digo, riesgo cero de un Gobierno comunista.
“Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza”, afirma i economista José Luis Oreiro. Reprodução Youtube
“Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos”, afirma o economista e professor da UnB
O economista José Luis Oreiro afirmou que uma eventual continuidade do governo Bolsonaro seria “um desastre” para o país. “Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos”, disse em entrevista ao HP.
“Quando a gente olha o conjunto da obra, a gente observa que o crescimento da economia brasileira durante o governo Bolsonaro foi pífio. O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano, na média, isso considerando que o crescimento de 2022 deve ser em torno de 2%. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Com 0,2% de crescimento da renda per capita vai levar exatamente 144 anos para o Brasil dobrar a sua renda per capita. Então, o desempenho econômico é pífio”, avalia o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).
O economista também ressalta que “a indústria de transformação está com percentual mais baixo no PIB desde 1947 e, note lá, continuou caindo no governo Bolsonaro que não fez nada pela indústria”, destacou. “O nosso processo de desindustrialização prematura continuou de vento em popa com o governo Bolsonaro, que não está minimamente preocupado com a indústria”. “Nós temos um Presidente da República que não se importa com a Educação, que não se importa com a Ciência e Tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente. Ou seja, não se importa com nada. Se Bolsonaro for reeleito, é a destruição do país”.
O professor Oreiro declarou que a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva significará “a vitória da civilização contra a barbárie” e afirmou que, na questão econômica, o governo Lula e Alckmin precisa “se comprometer com uma agenda de reindustrialização do país ao estilo do plano de metas do Juscelino Kubitschek. Fora da indústria não há salvação. Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza. Essa tem que ser a agenda número um do governo”, defendeu Oreiro.
Leia a entrevista na íntegra.
HORA DO POVO – O governo Bolsonaro alega que com seu governo a economia do país está indo bem. Qual a sua avaliação sobre o atual quadro econômico do Brasil?
JOSÉ LUIS OREIRO – Quando a gente olha o conjunto da obra – o governo Bolsonaro começou em 2019 -, a gente observa que o crescimento da economia brasileira durante o governo Bolsonaro foi pífio. Foi mais baixo do que no governo de Michel Temer, que por sua vez foi mais baixo que no governo Dilma Rousseff, que por sua vez foi muito mais baixo que o governo Lula. Isso apesar da reforma da Previdência, que diziam que ia fazer e acontecer, etc, etc. O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média, de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano, na média, isso considerando que o crescimento de 2022 deve ser em torno de 2%. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Com 0,2% de crescimento da renda per capita vai levar exatamente 144 anos para o Brasil dobrar a sua renda per capita. Então, o desempenho econômico é pífio.
“O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média, de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Um desempenho econômico pífio”
O problema é que o governo Bolsonaro está explorando os últimos três ou quatro meses em que a inflação caiu, devido às medidas eleitoreiras e insustentáveis que o governo Bolsonaro adotou, como, por exemplo, a redução do ICMS sobre os combustíveis, a redução do IPI sobre Combustíveis e também sobre eletricidade. Quer dizer, só a redução dos impostos estaduais e federais custa por ano mais de R$ 150 bilhões, evidente que esse dinheiro vai ter que ser devolvido aos Estados no ano que vem. Os Estados não podem ficar sem essa arrecadação. Então, é uma medida puramente eleitoreira. Quando a gente soma essa redução de impostos, não é possível mantê-la, é exatamente o mesmo erro que nós vimos lá em 2013, no governo Dilma Rousseff. Então, Bolsonaro está se comportando igualzinho a Dilma.Quando a gente soma isto (a redução de impostos) com o Auxílio Brasil de R$ 600 até dezembro, você dá um estímulo fiscal importante para a economia. E, por fim, a guerra da Ucrânia, para o Brasil não está sendo ruim, porque o Brasil é um exportador de commodities, principalmente de soja e de carne, e com a guerra da Ucrânia os preços dessas commodities aumentaram, o que gerou mais renda para o agronegócio. Então, esses últimos seis meses foram de boas notícias para a economia, mas isso não é mérito do governo Bolsonaro, pelo contrário, é uma melhoria artificial da situação econômica, cujo objetivo é apenas reeleger o Bolsonaro. Nesse aspecto é similar à reeleição de Fernando Henrique em 1998, segurou o câmbio até ganhar as eleições, depois que ele ganhou as eleições soltou o câmbio. A mesma coisa vai acontecer com os preços dos combustíveis.
“Bolsonaro nunca gostou de pobre, ele odeia pobre. Só aumentou de R$ 400 para R$ 600 para ver se tirava um pouco da vantagem do Lula no Nordeste, é só isso”
Se Bolsonaro ganhar as eleições, o que eu acho muito pouco provável, o que vai acontecer? No ano que vem vai voltar tudo o que era dantes na terra de Abrantes. Ou seja, a gasolina vai voltar a R$ 7, os alimentos vão voltar a subir, e ele vai manter o Auxílio Brasil em R$ 400, ele não vai aumentar para R$ 600. Ele não tem nenhuma razão para aumentar para R$ 600, Bolsonaro nunca gostou de pobre, ele odeia pobre. Só aumentou de R$ 400 para R$ 600 para ver se tirava um pouco da vantagem do Lula no Nordeste, é só isso. Uma vez que sacramentar o resultado, fechar as urnas, e Bolsonaro é eleito, ele vai simplesmente fazer o que sempre fez, que é não dar a mínima para os pobres.
HORA DO POVO – Em caso de uma possível vitória de Bolsonaro, quais são suas perspectivas de futuro para o Brasil e para economia?
JOSÉ LUIS OREIRO – A vitória de Bolsonaro vai ser um desastre. Por quê? Bolsonaro não tem nenhum comprometimento com a questão ambiental, pelo contrário, durante o governo Bolsonaro houve um aumento exponencial das queimadas ilegais no Brasil e isso vai continuar. Isso significa que o Brasil vai ser extensamente retaliado pela União Europeia e pelos Estados Unidos na questão ambiental. Isso significa que o agronegócio brasileiro vai sofrer um profundo baque, e não adianta a gente achar que “não, a China é nosso principal parceiro comercial”. Sim, a China é, mas a União Europeia é o segundo. Então, as sanções econômicas que vão ser adotadas pela União Europeia e pelos Estados Unidos contra o Brasil vão produzir um baque muito grande no agronegócio, e esses mesmos empresários do agronegócio que hoje acham que é melhor votar no Bolsonaro no que Lula vão chorar sangue pela escolha errada, míope e burra que estão fazendo pelo projeto de Bolsonaro, que é insustentável do ponto de vista ambiental.
Segundo ponto, Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos. A indústria de transformação está com o percentual mais baixo no PIB desde 1947 e, note lá, continuou caindo no governo Bolsonaro que não fez nada pela indústria. O Paulo Guedes (ministro da Economia) disse que ia salvar a indústria, porque ia dar um choque de redução de custos de eletricidade, etc. O que aconteceu? Nada. O nosso processo de desindustrialização prematura continuou de vento em popa com o governo Bolsonaro, que não está minimamente preocupado com a indústria. Bolsonaro não está preocupado com nada, só com seu próprio umbigo e com seus familiares, isso é a única coisa que Bolsonaro se preocupa.
Outra coisa que vai ser um desastre, vai ser a política de Ciência e Tecnologia. O orçamento da Ciência e Tecnologia foi destruído no governo Bolsonaro e agora, principalmente, em 2022 por conta do “orçamento secreto”. Para poder bancar as emendas parlamentares, o Presidente da República praticamente zerou os recursos disponíveis para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Como que um país como o Brasil, que está muito atrasado tecnologicamente, vai conseguir se desenvolver sem ciência e tecnologia? É outro descalabro do governo Bolsonaro. Bolsonaro quer um país primitivo, pobre, atrasado, ignorante, porque só com esse país que ele consegue governar. Porque se o país for um país avançado, aberto ao exterior, etc., Bolsonaro perde, em qualquer cenário.
“Temos um Presidente da República que não se importa com a educação, que não se importa com a ciência e tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente”
Idem para a questão da Educação, Bolsonaro odeia a Educação, porque é uma pessoa muito pouco letrada. O que o governo Bolsonaro fez com as universidades federais é inenarrável. Quantas universidades federais o governo Bolsonaro fez? Ele só fez uma, que é a Universidade Federal de Jataí. Mas, na verdade, não é uma universidade nova. O campus de Jataí da Universidade Federal de Goiás foi convertido em uma nova Universidade, chamada de Universidade Federal de Jataí. Foi a única universidade que Bolsonaro fez. É inacreditável. Nós temos um Presidente da República que não se importa com a educação, que não se importa com a ciência e tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente. Ou seja, não se importa com nada. Bolsonaro, se for reeleito, é a destruição do país, é o caminho para este país se transformar numa Venezuela ou coisa pior.
HORA DO POVO – Em caso de vitória de Lula, quais são as suas perspectivas e, na sua avaliação, que medidas seriamnecessárias para tirar o país da crise?
JOSÉ LUIS OREIRO – A vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva significa a vitória da civilização contra a barbárie. Isso eu tenho dito desde o início do ano quando eu declarei meu voto em Lula, apesar de ter uma preferência pelo projeto de governo do candidato Ciro Gomes. Eu avaliei que esta eleição não era um plebiscito sobre o novo desenvolvimentismo, sobre as minhas ideias, mas sim um embate entre a civilização e a barbárie. Por isso, desde janeiro de 2022 eu declarei publicamente o meu voto em Luiz Inácio Lula da Silva, e agora com o vice-presidente, o ex-governador Geraldo Alckmin. Então, eu acho que esse é o primeiro significado, a vitória da civilização contra a barbárie.
“Orçamento secreto, tem que acabar, é a legalização da corrupção”
Agora não vai ser um governo fácil. O presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin vão encontrar não só um Congresso extremamente conservador, mas um Congresso que está bem cevado com o “orçamento secreto” e isso tem que acabar, porque “orçamento secreto” é a legalização da corrupção. Isso tem que acabar. Em um ano, oorçamento secreto é muito mais dinheiro do que todas as estimativas de corrupção ocorridas ao longo de 13 anos do governo do PT.
Eu acho que o governo Lula e Alckmin vai precisar se comprometer com uma agenda de reindustrialização do país ao estilo do plano de metas do Juscelino Kubitschek. Recentemente fiz um post no meu blog fazendo propostas no sentido de reindustrialização do Brasil. Fora da indústria não há salvação. Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza. Essa tem que ser a agenda número um do governo.
Passado o primeiro turno das eleições presidenciais é chegado o momento do(a) eleitor(a) averiguar qual o projeto de seu candidato para o Brasil.
O maior problema do Brasil é o declínio da taxa de crescimento econômico de longo-prazo (média móvel decenal do crescimento do PIB) desde 2013, conforme podemos observar na figura abaixo.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
A média móvel decenal (10 anos) de crescimento da economia brasileira caiu de 3,84% a.a no terceiro ano do governo Dilma Rouseff para míseros 0,29% a.a no terceiro ano do governo Bolsonaro.
A desaceleração do crescimento da economia brasileira tem início em 1977, durante o governo do General Geisel, quando a média móvel de 10 anos da taxa de crescimento atinge seu valor máximo a 8,67% a.a, caindo progressivamente até alcançar 1,64% a.a no primeiro ano do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Durante o governo do Presidente Luis Inacio Lula da Silva observa-se uma breve aceleração do crescimento o qual passa de 2,55% a.a na média móvel decenal de 2003 para 3,53% na média móvel decenal de 2010. Essa aceleração do crescimento atinge seu zênite em 2013, no governo Dilma Rouseff, quando a média móvel decenal alcançou 3,84% a.a.
A figura acima deixa claro a olho nu que a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com o início do seu processo de desindustrialização, ou seja, de redução da participação da indústria de transformação no PIB.
A participação da indústria de transformação no PIB em 2021, durante o governo Bolsonaro, é a mais baixa da história desde 1947, durante o governo do Marechal Dutra. Em números, em 1947 a participação da indústria de transformação era 13,06%. Em 2021 a participação da indústria de transformação havia se reduzido para 10,44%.
O Brasil está se transformando num grande fazendão, incapaz de crescer e produzir emprego e renda para uma população de mais de 210 milhões de pessoas.
A correlação entre a taxa média de crescimento decenal do PIB e a participação da indústria de transformação é de 0,75, valor alto e estatisticamente significativo.
Apenas o candidato Luis Inacio Lula da Silva tem a reindustrialização do Brasil como proposta no seu programa de governo. O candidato Bolsonaro não trata de temas econômicos, mas apenas de temais morais e religiosos para desviar o foco de atenção dos eleitores da economia, na qual seu governo foi um desastre.
Minhas sugestões para a chapa Lula-Alckimin para pôr em prática um processo de reindustrialização:
(i) Programa de Renovação da Frota de Automóveis: nas periferias das grandes cidades brasileiras, como se observa claramente nas cidades no entorno de Brasília, observa-se uma grande quantidade de automóveis em circulação com até 30 anos ou mais de uso. Ao mesmo tempo a indústria automobilística brasileira opera com elevada capacidade ociosa. O governo federal deverá implantar um programa de renovação da frota de automóveis com financiamento do BNDES e do Tesouro nacional no qual os proprietários de veículos com mais de 15 anos de uso poderão vender para as concessionárias de automóveis seus carros ao preço da tabela FIPE e comprar automóveis zero quilômetro que tenham baixa emissão de CO2. O Tesouro nacional irá pagar o valor referente ao preço do carro usado vendido e o BNDES irá financiar a diferença entre o preço de compra do carro novo e o preço de venda do carro velho. Os carros vendidos serão tirados de circulação e transformados em sucata para reciclagem dos seus componentes. Esse programa terá um triplo benefício: irá reduzir as emissões de CO2 dos veículos de passageiros, irá aumentar a produção da indústria automobilística, reduzindo assim a ociosidade da mesma e gerando empregos de qualidade e, por fim, irá aumentar o bem-estar da população que poderá usufruir de carros mais novos e mais econômicos.
(ii) Programa de Ampliação e Atualização Tecnológica do Transporte Público: Nas grandes cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, etc. é notória a deficiência de transporte público, barato e de boa qualidade. Milhões de brasileiros andam todos os dias em ônibus, trens e metrôs lotados e gastam, em média, 3 horas por dia no transporte público. O governo federal deverá ter como meta reduzir à metade o número de horas gastas em transporte público nas grandes cidades entre 2023 e 2026. Para isso o BNDES deverá conceder financiamento a juros subsidiados para os governos estaduais e municipais para a ampliação e atualização tecnológica do transporte público, com prioridade para trens urbanos, BRT, VLT e metro. A realização de um grande bloco de investimentos em mobilidade urbana irá criar mercado para as indústrias produtoras de equipamento de transporte e para as empresas de engenharia civil que irão executar essas obras. Milhões de empregos poderão ser criados em 4 anos.
(iii) Programa de Geração de Energia Limpa. Atualmente 30% da produção de energia elétrica no Brasil advém de usinas térmicas que jogam CO2 na atmosfera contribuindo assim para o efeito estufa e as mudanças climáticas. O governo federal deverá ter como meta reduzir essa proporção a metade até 2026. Uma primeira medida nesse sentido seria criar um PL obrigando que todas as novas edificações, sejam para uso comercial ou residencial, deverão dispor de painéis solares para o atendimento de, pelo menos, 50% das suas necessidades energéticas. O governo federal deverá também construir usinas de painéis solares e parques eólicos para a obtenção da meta de redução da geração de eletricidade por intermédio de usinas térmicas. Por fim, um PL deverá proibir a construção de usinas térmicas movidas a carvão, mesmo que seja por parte da iniciativa privada. Tal como no item anterior a realização de um grande bloco de investimentos na produção de energia limpa irá criar demanda para indústrias produtoras de painéis solares e cataventos. Como se trata de uma indústria infante no Brasil e de interesse geral como forma de enfrentar as mudanças climáticas, o governo deverá introduzir um imposto de importação específico para esse equipamento, de maneira a estimular a substituição de importações por produção doméstica. Esse imposto deverá vigorar por um prazo de dez anos.
José Luis Oreiro, Professor do Departamento de Economia da UnB e pesquisador do CNPq. Coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Research Group (SDM).
Luiz Fernando de Paula, Professor de Economia do IE/UFRJ e do IESP/UERJ e pesquisador do CNPq e da FAPERJ. Vice-coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Research Group (SDM).
“A dificuldade não reside tanto em desenvolver novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram educados como a maioria de nós, em cada canto da nossa mente.”
J. M. Keynes, 1936, Prefácio do livro “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”.
Na edição 97 de Insight Inteligência foi publicado um artigo de Samuel Pessoa – intitulado “Monólogo com a faca entre os dentes” – fazendo uma crítica aos escritos de André Lara Rezende (doravante ALR) nos últimos anos. Samuel faz dois tipos de crítica a ALR. A primeira é de que as divergências que ALR apresenta com respeito à teoria convencional já foram totalmente absorvidas pela “fronteira do conhecimento” da “teoria convencional”. A segunda crítica é de que o entendimento de ALR à determinação da taxa de juros real não só é incompatível com a teoria tradicional, como é essencialmente equivocado. No referido artigo, Samuel faz um percurso inusitado: começa elaborando uma razoável descrição da teoria pós-keynesiana, do qual parece aceitar algumas ideias, para em seguida propor uma síntese com a teoria convencional e, finalmente, defender a abordagem convencional da teoria monetária.
Não é nosso objetivo neste artigo defender as posições de ALR. Não temos procuração ou interesse para fazê-lo. Pretendemos com este artigo, para usar a expressão inglesa “set the record straight” (deixar as coisas em pratos limpos, numa tradução livre), a discussão econômica feita no Brasil – a qual cai constantemente em problemas como generalizações indevidas – e a construção de caricaturas das posições divergentes em debate, com o objetivo de fazer o leitor acreditar que na economia existe uma única forma correta do ponto de vista científico de abordar um determinado problema (a qual Samuel Pessoa chama de “Teoria Convencional”) e que abordagens alternativas seriam, portanto, não científicas. Nesse contexto, procuraremos aqui esclarecer quais afirmações de Samuel Pessoa no seu monólogo são corretas, quais são as mistificações a respeito da “confiança racional” (para usar uma variante do termo “peso do argumento” criado por Keynes no seu “Tratado sobre probabilidade” publicado em 1919) que os economistas têm sobre certas proposições e, por fim, mas não menos importante, checar quais afirmações feitas por Samuel Pessoa naquele artigo divergem de posições que esse autor apresenta em outras publicações na grande mídia.
Para iniciar nossa argumentação, é necessário definir, previamente, o termo “Teoria Convencional”, algo que Samuel não faz em seu artigo, dando a entender implicitamente que seria um conceito autoevidente e que, portanto, carece de explicações adicionais. Toda e qualquer ciência começa necessariamente pela definição adequada de termos e conceitos para que haja clareza sobre as questões que serão analisadas a partir de um determinado arcabouço teórico. O termo “teoria convencional” é vago e carece de sentido. Uma teoria científica é construída, primeiramente, a partir daquilo que o economista austríaco Joseph Schumpeter chamava de “visão de mundo”, que nada mais é do que a forma pela qual o cientista, no caso em questão o economista, enxerga como o mundo funciona. Existem diversas visões de mundo. Samuel Pessoa se encaixa, salvo melhor juízo, naquilo que podemos chamar de “princípio do individualismometodológico”, ou seja, de modo que a economia deve ser analisada do ponto de vista das escolhas racionais dos indivíduos e como essas decisões são coordenadas (ou em certos casos não) por intermédio do sistema de preços de mercado. A partir dessa visão de mundo pode-se construir uma série de teorias ou “modelos” para explicar esse ou aquele aspecto do funcionamento do sistema econômico. Esse conjunto de modelos e teorias elaborados a partir desse princípio metodológico é denominado “Teoria Neoclássica” no meio acadêmico de economia.
Atualmente, o estado da arte ou a fronteira do conhecimento da “Teoria Neoclássica” consiste no modelo de equilíbrio geral estocástico dinâmico (doravante DSGE) no qual se assume a existência de um agente representativo de todas as famílias que existem e existirão na economia até o dia do Juízo Final, e que esse agente representativo é um ser onisciente capaz de definir uma lista completa de eventos futuros ou “estados da natureza” que possam afetar os resultados de suas escolhas racionais feitas de hoje até o armagedon. Essa é uma economia na qual a moeda não é essencial, ou seja, não é necessária para o entendimento do processo de tomada de decisões dos agentes, haja vista que (i) a existência de mercados contingentes completos (a ideia implícita nesses modelos de que existe um preço cotado hoje para um guarda-chuva que será entregue em Brasília no Natal de 2568, se chover) elimina a existência de incerteza e, portanto, a demanda de moeda como estratégia defensiva, face ao contexto de tomada de decisões sob incerteza (no sentido não probabilístico); (ii) a adição da moeda a esse tipo de modelo é sempre feita de forma ad hoc, por intermédio de “atalhos”, de maneira que a sua presença ou não no modelo não afeta a natureza da posição final de equilíbrio do sistema econômico.
Nessa classe de modelos, a taxa de juros não é o “preço da moeda”, mas sim o “preço da espera”; ou seja, quanto que o agente representativo precisa ser recompensado em termos de aumento do consumo no futuro para desistir de consumir hoje. Em outras palavras a taxa de juros expressa o preço do consumo futuro em termos do consumo presente, refletindo assim a impaciência intertemporal do agente representativo, sendo um fenômeno não monetário. Bancos centrais não podem determinar a taxa real de juros da economia, a qual é uma relação de troca entre bens hoje e bens amanhã, mas apenas a taxa de juros nominal ou, na expressão de Kaldor (1939), “a taxa própria de juros da moeda”, a qual é definida como o retorno da moeda em termos se si mesma, constituindo-se assim na relação de troca entre moeda hoje e moeda amanhã.
Os mercados financeiros permitem ao agente representativo fazer operações de arbitragem entre a taxa de juros real e a taxa de juros monetária, alocando seus recursos entre “aplicações reais” ou “aplicações monetárias”, a depender da relação entre as taxas em consideração. Em equilíbrio, deve ser igualmente vantajoso para o indivíduo “aplicar” em bens ou moeda, ou seja, as taxas próprias de juros dos bens e da moeda devem ser iguais entre si, quando medidas na mesma unidade. Aqui entra a “identidade de Fisher”. A taxa de juros da moeda medida em termos de bens será igual a taxa de juros própria da moeda menos a taxa esperada de desvalorização da moeda frente aos bens (que é a taxa esperada de inflação). A taxa própria de juros dos bens – a taxa real de juros – é determinada, como vimos, pelas preferências intertemporais do Agente Representativo. A taxa de juros da moeda em termos de bens será igual a diferença entre a taxa própria de juros da moeda em termos de si mesma menos a taxa esperada de inflação. O Banco Central pode fixar a taxa própria de juros da moeda no nível que desejar, mas não pode alterar a taxa real de juros. Nesse contexto, a taxa nominal de juros estará indeterminada, a não ser que exista um elemento externo ao modelo que “fixe” ou ancore as expectativas de inflação. Esse elemento externo é a meta inflacionária que a autoridade monetária deve buscar atingir. Se a meta inflacionária for crível, então a taxa própria de juros da moeda será igual a diferença entre a taxa real de juros e a meta de inflação. Isso posto, no modelo neoclássico da fronteira do conhecimento, o Banco Central não tem liberdade para fixar a taxa de juros em qualquer nível, embora tenha as condições técnicas de fazê-lo, porque está restrito pela obrigação institucional de obter a meta inflacionária. Quanto maior for a meta inflacionária maior terá que ser, ceteris paribus, a taxa própria de juros da moeda para garantir a igualdade entre as taxas de retorno das aplicações em bens e moeda.i
Uma vez apresentada o que entendemos por “teoria convencional” passemos a análise dos argumentos de Samuel. Ele afirma que a teoria convencional não só não se apoia na teoria quantitativa da moeda, como também aceita a endogeneidade da oferta de moeda. Essas afirmações são corretas. De fato, a teoria neoclássica no seu atual estado da arte admite a endogeneidade da oferta de moeda (Woodford, 2003) e, ao fazê-lo, rejeita a teoria quantitativa da moeda, que se apoia explicitamente na hipótese de moeda exógena. Samuel também afirma que a teoria convencional aceita a tese cara a assim chamada Teoria Monetária Moderna de que o governo não possui uma restrição financeira. Essa afirmação precisa ser contextualizada. Quando o governo é introduzido nos modelos DSGE é definida a assim chamada restrição orçamentária intertemporal do governo, que estabelece que o fluxo de superávits primários obtidos pelo governo de hoje até uma determinada data futura, quando trazido para valor presente, tem que ser igual ou maior do que o valor real da dívida pública hoje. Essa é uma restrição de recursos reais, que impede o governo de comprar bens e serviços de forma ilimitada, deixando uma dívida positiva para o dia do armagedon. Em outras palavras, a restrição orçamentária do governo estabelece que a dívida do governo, em termos da capacidade de compra de bens e serviços, não pode crescer para sempre.
Essa é uma restrição de natureza intertemporal, de maneira que é per se compatível com a existência de déficits primários por um período indefinidamente longo de tempo, desde que não seja infinito.
Mas o que acontece se o agente representativo for um político populista com tendências autoritárias que deseja se perpetuar no poder por intermédio da distribuição de benesses para os seus eleitores? Nesse caso, o valor presente do fluxo de resultados fiscais primários pode se tornar menor do que o valor real da dívida do governo no tempo presente. Desse modo, para que a restrição orçamentária do governo seja satisfeita, é necessário que a inflação se acelere de maneira a reduzir o valor real da dívida do governo no tempo presente. Daqui se segue que, com base na teoria convencional, é impossível que o governo declare moratória da dívida que ele mesmo emite, desde que esteja disposto a aceitar a taxa de inflação requerida (mais elevada) para fazer o ajuste. Aqui pode ocorrer um conflito com a meta inflacionária. Se a inflação necessária para fazer cumprir a restrição orçamentária do governo for maior do que a meta inflacionária, então o modelo estará, na linguagem matemática, sobredeterminado, ou seja, uma mesma variável (no caso a taxa de inflação) terá dois valores distintos. A forma natural de resolver a sobredeterminação é assumir que no caso de conflito entre a autoridade monetária e a autoridade fiscal, quem prevalece é a autoridade fiscal, ou seja, a meta de inflação será ajustada para o nível necessário, no atendimento da restrição orçamentária intertemporal do governo. Isso é o que a literatura neoclássica chama de dominância fiscal. Sendo assim, o governo nunca irá se defrontar com uma restrição financeira aos seus gastos, e muito menos declarar default sobre a dívida, ainda que possa ser ao custo de uma inflação maior. Portanto, a afirmação de Samuel sobre a ausência de restrição financeira na teoria convencional também está correta.
Nossas divergências com Samuel começam pela sua interpretação do princípio da demanda efetiva. Samuel corretamente coloca que o princípio da demanda efetiva estabelece que uma relação de causalidade unidirecional do investimento para a poupança, ou seja, a poupança sempre se ajusta, por intermédio de algum mecanismo, ao volume de investimento decidido pelos empresários. O princípio da demanda efetiva foi originalmente formulado por Keynes na sua “Teoria Geral” (1936) para o curto prazo marshalliano, mas estendido para o longo prazo por Kaldor (1956) e Bortis (1997). No curto prazo, a poupança se ajusta ao investimento por intermédio de mudanças no nível de emprego dos recursos produtivos; ao passo que no longo prazo o ajuste se dá por intermédio de mudanças na distribuição de renda entre salários e lucros (Kaldor) ou na relação entre a demanda autônoma e o nível de atividade produtiva (Bortis). Nessas condições, a poupança nunca será um obstáculo para o aumento do investimento, o qual poderá ser restrito apenas pela disposição dos bancos em conceder crédito, dada a sua capacidade de criar poder de compra novo, a qual depende da sua maior ou menor preferência pela liquidez. Em outras palavras, investimento requer financiamento, que por sua vez não se confunde com poupançaii (esse ponto é assinalado pelo Samuel).
Qual a nossa divergência com Samuel sobre o princípio da demanda efetiva? No seu artigo Samuel afirma que:
Todos os modelos empregados pelos Bancos Centrais mundo afora atende[m] ao princípio da demanda efetiva. A causalidade é do investimento para a poupança. Não é necessária poupança prévia para financiar o investimento.
Os modelos usados pelos bancos centrais, exceto, mais recentemente, os modelos usados pelo Banco da Inglaterra,iii se baseiam em alguma variante do modelo DSGE. Nesse modelo, a oferta de poupança é infinitamente elástica ao nível da taxa real de juros de equilíbrio, o qual é determinada pelas preferências intertemporais do agente representativo. Supondo que o investimento seja uma função inversa da taxa real de juros, então os empresários irão investir até o ponto que o retorno real dos seus projetos de investimento for igual à taxa real de juros. Nesse contexto, um aumento da “propensão a poupar” por parte do agente representativo – isto é, uma redução da sua taxa de impaciência intertemporal – levará a um aumento do investimento, invertendo assim a relação de causalidade proposta pelo princípio da demanda efetiva. Portanto, é um mito que a teoria convencional tenha incorporado o princípio da demanda efetiva.
Samuel deixa de lado o princípio da demanda efetiva e a teoria da preferência pela liquidez quando afirma que as elevadas taxas de poupança no Japão e na China – uma vez que a previdência pública tem benefícios muito baixos, o que leva as pessoas a pouparem parte substancial da sua renda – resultam numa taxa neutra de juros baixa, que permite níveis elevados de dívida pública. Nenhuma referência se faz ao papel crucial dos bancos públicos (inclusive bancos de desenvolvimento) no financiamento de longo prazo na China, resolvendo a problemática da restrição financeira do investimento, contribuindo assim para as elevadíssimas taxas de investimento no país. Seguindo a linha de argumentação de Samuel, os países nórdicos europeus, com seus sistemas públicos previdenciários abrangentes, produziriam baixo estímulo à poupança individual, resultando numa poupança agregada baixa e uma taxa neutra de juros muito elevada!
Outro ponto que nos chamou atenção na argumentação de Samuel foi seu reconhecimento explícito de que a indústria de transformação é o setor de atividade econômica que está sujeito a retornos crescentes de escala. Acreditamos que Samuel não se deu conta das implicações desse reconhecimento não apenas para o seu “monólogo” com ALR, mas sobre as posições que o próprio Samuel tem assumido no debate público sobre o processo de desindustrialização do país. Se a indústria de transformação estiver sujeita a retornos crescentes de escala, conforme é atestado por vasta evidência empírica (Ros, 2013, pp. 193-196), então a indústria é o motor de crescimento da economia no longo prazo (Thirwall, 2002, cap. 3), de forma que a desindustrialização tem efeito negativo sobre o processo de desenvolvimento econômico. Essa é a posição da escola novodesenvolvimentista brasileira, da qual os autores deste artigo não só fazem parte como contribuem para o seu aprimoramento teórico e empírico, chamando em particular atenção para os problemas causados pelo processo de desindustrialização precoce, como está ocorrendo no Brasil. O problema é que em matéria publicada no Valor Econômico em 25 de agosto de 2022, quando indagado sobre a importância do processo de desindustrialização, Samuel afirma que
(…) não é bom, nem ruim, é o que o mercado produziu.
Aqui temos uma contradição clara com o que Samuel afirma no monólogo com ALR e o que ele afirma na matéria do Valor Econômico. Retornos crescentes de escala é uma das possíveis causas de “falhas de mercado”, ou seja, situações nas quais o mercado produz uma alocação ineficiente de recursos. Sendo assim, se o mercado produziu a desindustrialização brasileira, isso não quer dizer que seja uma situação neutra do ponto de vista da alocação de recursos: o Estado poderia melhorar o bem-estar de toda a população se tivesse adotado as medidas corretas para deter o processo de desindustrialização precoce (ou seja, de países que se desindustrializam antes de atingirem um nível de renda per capita elevado).
Contudo, nossa maior divergência com Samuel se dá por conta da seguinte afirmação feita em seu “monólogo”:
O fato é que o modelo de determinação da taxa de juros que vigora hoje nos livros-textos representa uma síntese do pensamento neoclássico com a contribuição de Keynes.
Aqui Samuel parece querer recuperar um velho debate na história do pensamento econômico a respeito da equivalência entre a teoria dos fundos de empréstimos (a fronteira do conhecimento da teoria neoclássica nos anos 1930) e a teoria da preferência pela liquidez.iv Essa controvérsia teve origem com Hicks (1939[1987]) para quem:
A taxa de juros é determinada pela oferta e procura de fundos de financiamento, ou é determinada pela oferta e procura do próprio dinheiro? (…) Espero provar que não faz a menor diferença essa forma de apresentar a questão ou se seguirmos os autores que adotam no presente momento o ponto de vista contrário. Seguidas adequadamente, as duas abordagens levam aos mesmos resultados (Hicks, 1987, p. 129).
Samuel faz uma pequena inovação com respeito à argumentação de Hicks. Em vez de afirmar que ambas as teorias levam ao mesmo resultado, Samuel afirma que na teoria tradicional o juro médio da economia é determinado pelo modelo dos fundos emprestáveis, ao passo que a preferência pela liquidez determina os prêmios que títulos de dívida de diferentes maturidades pagam com relação ao juro médio ou básico da economia.
O primeiro problema com essa argumentação é que a estrutura dos modelos DSGE não permite o aparecimento de preferência pela liquidez, porque a liquidez só é um atributo desejável dos ativos financeiros numa situação de incerteza, ou seja, onde os agentes econômicos não são capazes de definir uma lista completa de estados da natureza que podem afetar o resultado do seu processo de tomada de decisão. Nenhum modelo DSGE pode ser construído em tais condições.
Mas esse não é a nossa maior divergência com respeito à argumentação de Samuel. O grande problema da argumentação de Samuel é que todo o seu artigo está estruturado com base na premissa de que existe apenas uma forma cientificamente correta de abordar o tema da determinação da taxa de juros na economia. Discordamos totalmente disso. E vamos além. Iremos argumentar que a Teoria da Preferência pela Liquidez é uma forma alternativa de determinação da taxa de juros, na qual é a taxa de juros própria da moeda que determina a taxa real de juros, ao invés do contrário.
Keynes na sua “Teoria Geral” (TG) apresentou a determinação da taxa de juros em dois níveis de agregação distintos. Nos capítulos 13 e 15 Keynes apresenta um modelo de escolha de portfólio no qual existem apenas dois ativos: moeda e títulos. Nesse contexto, a preferência pela liquidez se reduz à demanda de moeda. Para simplificar ainda mais sua argumentação, Keynes deixa de lado todos os detalhes operacionais do processo de determinação da oferta de moeda por intermédio da escolha de portfólio dos bancos comerciais, os quais ele havia apresentado no seu “Tratado sobre a Moeda” (1930), e supõe que a oferta de moeda é exógena. Trata-se de um modelo tipo “Ford T” cujo objetivo era mostrar da maneira mais clara e direta possível que a taxa de juros é determinada pela “preferência pela liquidez”, não pela “impaciência intertemporal” dos agentes econômicos. No capítulo 17 da TG, que aparentemente não foi do agrado de Samuel, Keynes apresenta um modelo mais sofisticado no qual os agentes econômicos podem escolher entre diversos ativos com base na sua taxa própria de juros, ou seja, a taxa de retorno do ativo medido em termos de si mesmo. A taxa própria de juros é uma medida do retorno total do ativo, o qual inclui os rendimentos esperados pela posse ou uso do ativo, o custo de carregamento do ativo e a facilidade com a qual o mesmo pode ser convertido em meio de pagamento se e quando o seu proprietário assim o deliberar (ou seja, o prêmio de liquidez). Dessa forma, teremos uma taxa própria de juros diferente para cada ativo existente na economia. Para que as taxas próprias de juros possam ser comparadas, é necessário que se use um denominador comum, o qual iremos supor que é a moeda. Nesse contexto, teremos que adicionar à taxa própria de juros de cada ativo a valorização ou desvalorização esperada desse ativo em termos de moeda. Feito isso, o equilíbrio de portfólio implica a equalização das taxas próprias de juros em termos de moeda.
A moeda é um ativo sui generis porque seu rendimento esperado e seu custo de carregamento é igual a zero. A valorização ou desvalorização esperada da moeda em termos de si mesmo é também igual a zero. Sendo assim, parece irracional a manutenção de moeda, exceto para a realização de pagamentos, tal como estabelecia a velha e ultrapassada Teoria Quantitativa da Moeda. Contudo, a “visão de mundo” de Keynes é diferente da visão de mundo da Teoria Neoclássica. Se nela a liquidez é um atributo pelo qual os agentes não estão dispostos a pagar, devido a onisciência do Agente Representativo, para Keynes a liquidez é fundamental, pois a posse de ativos líquidos é uma espécie de seguro geral contra eventos não só inesperados, mas que sequer poderiam ser previstos. Como a liquidez é definida como o grau de conversibilidade de um ativo em meio de pagamento, então a moeda é o ativo que possui, por definição, a maior liquidez possível em todo o espectro de ativos.
Mas de que forma é a taxa própria de juros da moeda que regula ou determina as taxas de retorno de todos os demais ativos da economia? Antes de responder a essa pergunta temos que concordar com Samuel que esse ponto não está adequadamente explicado por Keynes na sua “Teoria Geral” (1936). Foi no debate com os economistas neoclássicos da sua época, após a publicação da “Teoria Geral”, que Keynes deixou mais clara a natureza da sua teoria da determinação da taxa de juros. No artigo “A Teoria da Taxa de Juros”, publicado em 1937, Keynes afirma que:
Muito resumidamente, a teoria ortodoxa mantém que as forças que determinam o valor comum da eficiência marginal dos vários ativos são independentes do dinheiro (…) e que os preços variarão até que a eficiência marginal do dinheiro, isto é, a taxa de juros, se alinhe pelo valor comum da eficiência dos outros ativos, determinada por outras forças. A minha teoria, em contrapartida, mantém que é um caso especial e que, num variado leque de casos possíveis, se passa quase o contrário, isto é, a eficiência marginal do dinheiro é determinada por forças que lhe são parcialmente apropriadas e os preços dos outros ativos se alinhem pela taxa de juros.
Vimos anteriormente que a taxa própria de juros de um ativo medido em termos de moeda inclui a valorização ou desvalorização esperada do ativo. No longo prazo o preço esperado de um ativo reprodutível (por exemplo, máquinas e equipamentos) deverá ser igual ao preço de oferta do equipamento de capital, o qual depende da produtividade do trabalho nas indústrias produtoras de equipamento de capital e da taxa monetária de salários. O preço de oferta é, nessas condições, o preço para entrega futura do ativo. Se o ativo em consideração puder ser transacionado em mercados secundários, ainda que pouco organizados e, portanto, com baixa liquidez, então podemos definir um preço para a entrega imediata do ativo. Se o preço para entrega futura do ativo for menor do que o preço para entrega imediata, então haverá um estímulo para a produção de unidades adicionais desse ativo; do contrário, não.
Nesse contexto, o que acontece com a economia se houver um aumento da percepção de incerteza que leve a um aumento da preferência pela liquidez dos agentes? O resultado imediato será um aumento da taxa própria de juros da moeda, produzindo um desequilíbrio com relação a taxa própria de juros dos demais ativos. Para que o equilíbrio seja restabelecido, é necessário que o preço para entrega imediata dos demais ativos caia relativamente ao preço para entrega futura, o que no caso dos bens de capital corresponde ao seu preço de oferta. Como o preço do ativo de capital para entrega futura está mais baixo do que o preço do ativo de capital para entrega imediata, não há nenhum estímulo para a produção de novas unidades de bens de capital, o que gera uma retração do investimento. Dessa forma, uma variação da taxa própria de juros da moeda terá causado uma variação da taxa própria de juros dos demais ativos. Trata-se de umarelação de causalidadeinversa a da“teoria convencional”. Logo, Samuel parece se equivocar ao afirmar que a teoria da determinação da taxa de juros, tal como apresentada nos livros texto de economia, é uma síntese entre a teoria de Keynes e a teoria neoclássica.
Concluindo, a diferença fundamental entre a teoria pós-keynesiana e a teoria neoclássica não se encontra no processo de criação da moeda, ou seja, na elasticidade da oferta de moeda com relação à taxa de juros, dando ensejo a uma curva de oferta de moeda mais “vertical” ou mais “horizontal”, mas, sim, como procuramos mostrar neste artigo, no papel da moeda (e ativos líquidos) para o funcionamento da economia. Isso diz respeito à teoria da preferência pela liquidez e sua relação com a tomada de decisões sob condições de incerteza, que pode afetar abruptamente o estado de expectativas dos agentes, com implicações sobre as variáveis reais da economia (produto e emprego). É nesse sentido que Keynes disse que “a moeda afeta motivos e decisões dos agentes”, ou seja, é moeda é não neutra, seja no curto quanto no longo prazo.
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[1] Aqui cabe um esclarecimento importante sobre a relação entre a taxa de juros e a taxa de inflação. No equilíbrio de longo-prazo do modelo neoclássico a igualdade entre as taxas próprias de juros dos bens e da moeda exige que a taxa real de retorno da moeda seja igual a taxa real de juros dos bens, determinada pala impaciência intertemporal do agente representativo. Isso significa que quanto maior for a meta de inflação definida pela autoridade monetária maior será a taxa própria de juros da moeda para que essa condição de equilíbrio seja atingida. No curto-prazo, contudo, devido a existência de custos de ajustamento de preços, a economia pode operar por vários períodos em desequilíbrio. Nesse contexto, se estabelece uma relação inversa entre a taxa de juros própria da moeda e a taxa de inflação: uma elevação da taxa monetária de juros irá reduzir a taxa de inflação até que seja atingida a meta inflacionária definida pelas autoridades monetárias. Dessa forma, a relação de curto-prazo entre taxa de juros e inflação é diferente da relação de longo-prazo, algo que nem ALR e nem Samuel Pessoa percebem em suas análises.
[1] Sobre uma discussão mais aprofundada da relação entre investimento-financiamento-poupança, ver Paula (2003).
[1] Após a crise financeira internacional de 2008, o Banco da Inglaterra incorporou os modelos Keynesianos de consistência entre estoques e fluxos baseados no trabalho seminal de Godley e Lavoie (2007) no seu arsenal de modelos de previsão sobre o comportamento da economia no curto e no médio-prazo.
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