“Todas as expectativas do setor industrial no mês de novembro recuaram fortemente”, segundo a entidade
Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que a indústria obteve desempenho negativo em outubro em relação a setembro. A entidade afirma que a produção, o emprego e a utilização da capacidade instalada da indústria recuaram no período.
“Reforçando esse cenário, os estoques do setor industrial aumentaram para bem acima do planejado, indicando estoques excessivos e frustração dos empresários com a demanda”, destacou a CNI
A CNI também exibiu que todas as expectativas do setor industrial no mês de novembro recuaram fortemente, sendo “a primeira vez em mais de dois anos, que há expectativa de queda no emprego industrial e nas exportações para os próximos seis meses”. A intenção de investimento do setor industrial também recuou e passou a se situar no menor patamar em mais de dois anos”, disse a entidade que consultou, entre 1º e 10 de novembro, 1.757 empresas, destas: 703 pequenas, 615 médias e 439 grandes.
Em outubro, o índice que mede a evolução da produção da indústria caiu para 48,5 pontos, ficando, assim, abaixo da linha divisória de 50 pontos, o que indica que não houve crescimento da produção. Essa foi a primeira queda na produção industrial para um mês de outubro desde 2016.
Já o indicador que mede evolução do emprego do setor também recuou, após ter crescido por cinco meses consecutivos. O índice caiu para 49,6 pontos, número abaixo da linha divisória de 50 pontos (que separa aumento de queda do emprego industrial). A queda do emprego industrial para um mês de outubro não era constatada desde 2019.
A Utilização da Capacidade Instalada (UCI) caiu um ponto percentual em outubro, para 71%. Nos últimos dois meses, a UCI acumula queda de dois pontos percentuais. Por sua vez, o índice de evolução do nível de estoques aumentou em relação a setembro, batendo a marca de 51,5 pontos em outubro. “O índice de estoque efetivo em relação ao planejado se afastou da linha divisória dos 50 pontos, subindo de 50,9 pontos para 52,4 pontos entre setembro e outubro. O resultado coloca os estoques do setor industrial no nível mais acima do planejado desde julho de 2019”, disse a CNI.
No acumulado do ano até setembro, a produção da indústria brasileira caiu -1,1% e, em 12 meses, -2,3%, segundo o IBGE. Do lado das exportações, o setor também amarga números negativos. A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) calcula que a indústria brasileira terminará o ano com um déficit na balança comercial de US$ 125 bilhões, o maior da história. No ano passado, a conta da balança comercial de manufaturados fechou no negativo – déficit de US$ 111 bilhões.
Os números ruins do setor são reflexo dos juros altos, os mais altos do mundo, desestimulando a produção e o consumo no país e obstruindo as ações por novos investimentos, além de colocar por terra as mentiras propagadas pelo atual governo de que a economia estava bombando. Além disso, a escassez de investimentos públicos – agravada no governo Bolsonaro – dificulta o setor de sair da crise.
O economista José Luís Oreiro lembra que “a produtividade da indústria está estagnada há anos por falta de investimento em equipamento de capital”. Segundo ele, a baixa ou nula acumulação de capital na indústria brasileira é decorrência de vinte anos de câmbio sobrevalorizado e da estagnação da produção física e das vendas da indústria de transformação. “As empresas industriais não investem porque o mercado interno não cresce”, afirma o professor da UNB.
Para o Brasil voltar a crescer, a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a proposta de Emenda Constitucional (PEC) que não só garante o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, com os acréscimos de R$ 150 por filho até seis anos, mas também recursos para investimentos públicos em obras paradas. E que esses recursos, para garantir investimentos e os programas sociais, fiquem fora do teto de gastos, que só exclui o pagamento de juros.
De 2017 (quando da implantação do teto de gastos) até setembro deste ano, foram consumidos R$ 2 trilhões, 343 bilhões e 679 milhões do Orçamento Geral da União – ou seja, dinheiro transferido de toda sociedade para o setor financeiro: bancos, rentistas, e outros especuladores – na sua maioria estrangeiros – que não produzem um parafuso no país.
Especialistas defendem reindustrializar o Brasil. Foto: Agência Brasil
Fruto da desindustrialização no país, a indústria brasileira terá déficit na balança comercial de US$ 125 bi em 2022, o maior da história, segundo projeções da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Os cálculos da AEB têm como base o desempenho de janeiro a outubro deste ano da balança comercial da manufatura. Nos dez meses deste ano, o saldo da balança comercial encolheu 11,7%, para US$ 51,6 bilhões, em comparação com o mesmo período de 2021. A entidade prevê um avanço desta queda para 11,9% no saldo comercial, para US$ 54,1 bilhões.
Dados divulgados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério da Economia, apontam que enquanto as exportações nacionais cresceram 19,1% em valores, no período de janeiro a outubro deste ano em comparação ao mesmo período de 2021, somando US$ 281 bilhões, mas a quantidade de produtos exportados (quantidade física) cresceu apenas 4,4%.
O presidente da AEB, José Augusto de Castro, ressalta que “o detalhe é que, no ano passado, a conta da balança comercial de manufaturados teve um déficit grande, de US$ 111 bilhões”, disse Castro em entrevista ao jornal Correio Braziliense, ao destacar que as exportações brasileiras estão sendo sustentadas pelas commodities. “Devido à alta dos preços das commodities, após a pandemia, o país tem exportado preços, porque a quantidade de produtos praticamente não aumentou”.
Em 2000, os produtos manufaturados chegaram a representar 59% das exportações nacionais. No ano passado, aponta Castro, esse percentual respondeu por apenas 28%.
“E tudo isso é desemprego, ou seja, pensando em comércio exterior, o país atravessa uma clara desindustrialização e, para reindustrializar o país, é preciso mudar a estrutura de custos interna, a fim de atrair novamente investimentos de empresas de produtos manufaturados no país”, explica o especialista, ao afirmar que “para o país mudar o comércio internacional, será preciso recuperar a competitividade da indústria”.
“E, para isso, é preciso reduzir o custo Brasil”. “Não tenho nada contra o país exportar commodities, que têm a China como principal destino”, sustentou.
Para o economista José Luis Oreiro, “a perda de competitividade da indústria brasileira deve-se a anos de baixo investimento em atualização tecnológica do parque industrial. As máquinas e equipamentos da indústria brasileira estão velhos e tecnologicamente obsoletos”, comentou o economista neste domingo (13), em sua rede social, referindo-se aos dados apresentados pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
José Luís Oreiro lembra que “a produtividade da indústria está estagnada há anos por falta de investimento em equipamento de capital. A produtividade não cai do céu, não é um atributo do trabalhador (Samuel Pessoa), mas resultado do aumento do estoque de capital físico por trabalhador”, escreveu Oreiro, pontuando que “a baixa ou nula acumulação de capital na indústria brasileira é decorrência de (i) vinte anos de câmbio sobrevalorizado e (ii) da estagnação da produção física e das vendas da indústria de transformação. As empresas industriais não investem porque o mercado interno não cresce. E porque não tem acesso aos mercados internacionais devido ao câmbio sobrevalorizado, o qual também estimula a substituição de produção interna por importações”.
O professor da UNB também afirmou que “a solução liberal para o problema – reduzir as tarifas de importação – só vai contribuir para acabar com o que resta da indústria nacional”. “Nas condições atuais a indústria brasileira não tem como aguentar uma nova onda de abertura comercial. O diagnóstico liberal é de uma tolice inacreditável, pois a competitividade não resulta automaticamente de mais pressão competitiva, mas do investimento em novas máquinas e equipamentos. É preciso criar as condições macroeconômicas para as empresas industriais voltarem a investir. O que significa juros baixos, câmbio competitivo e o retorno do crescimento da economia. O custo do capital precisa ser drasticamente reduzido. Para isso, o BNDES deve retornar ao seu papel histórico de financiador de projetos de investimento a juros competitivos a nível internacional”, defendeu o economista.
Além das questões apontadas pelo economista, cabe ressaltar que a entrada estúpida do “investimento direto estrangeiro” (IDE) no país nestes últimos anos – estimulada pela política de juros elevados – culminou na aceleração do processo de desindustrialização no Brasil, através da compra de empresas privadas nacionais e estatais pelo capital externo, que busca obter o máximo do lucro aqui para remetê-lo para fora.
£ Artigo produzido para o número de setembro do informativo NECAT (Núcleo de Estudos de Economia Catarinense) da Universidade Federal de Santa Catarina.
Em 2012, quando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2011 foi anunciado pelo IBGE em 2,7% (posteriormente, em 2015, revisado para 3,9%), muitos o chamaram de “pibinho”. Pois bem, o resultado do PIB no segundo trimestre de 2022 foi um crescimento de 1,2%, relativamente ao trimestre imediatamente anterior. Isso fez com que houvesse revisões nas expectativas de crescimento para a economia brasileira para o ano fechado de 2022, chegando a 2,65%, segundo as expectativas de mercado no Relatório Focus do Banco Central. Seria este um motivo para comemorar, como muitos têm feito, inclusive parte daqueles que chamavam exatamente esse crescimento de “pibinho”? Será que o país estaria “voando”?
Em primeiro lugar, não é cabível pegar os dados de crescimento de um trimestre e extrapolar para o ano todo, sendo que fatores pontuais podem fazer com que a economia de qualquer país cresça mais num trimestre do que no outro, sem que isso signifique uma aceleração da tendência de crescimento da economia no médio ou no longo prazo. Além disso, há motivos importantes para que essa aceleração no crescimento não se mostre sustentável adiante. No segundo trimestre, indústria, serviços e agropecuária registraram alta, sendo que o setor de serviços, com maior peso no PIB, puxou o resultado geral. Os serviços têm respondido à normalização das atividades com o avanço contínuo da vacinação contra a Covid e aos incentivos dados pelo governo federal neste ano eleitoral. De fato, pudemos observar a antecipação do 13º salário, a liberação de saque antecipado do FGTS, a elevação da margem do crédito consignado, a manutenção do auxílio no valor de 600 reais até o final do ano, a desoneração de produtos industrializados e a intervenção nos preços combustíveis. No entanto, os efeitos dessas medidas e da reabertura da economia se diluem com o tempo, e outros problemas vão começar a se materializar nos próximos trimestres.
Por exemplo, a alta no consumo veio acompanhada de índice recorde de inadimplência das famílias brasileiras, atingindo 79% delas, com grande parte sem conseguir pagar nem as contas de água e luz. O desemprego ainda atinge cerca de 10 milhões de brasileiros, e mesmo dentre os empregados, 40 milhões estão na informalidade e no trabalho precário. Ainda, nos próximos trimestres e em 2023, veremos os efeitos defasados da política monetária restritiva no arrefecimento da demanda. Outra questão é o quadro externo, com elevações de juros também em outros países, o que tende a levar a uma desaceleração global, o que impacta o Brasil de diversas formas, inclusive pelo canal do aumento da percepção de incerteza e da redução do preço de commodities. A percepção de incerteza pode inclusive se elevar durante as eleições e nos momentos subsequentes. Logo, enquanto vemos uma aceleração do crescimento para 2022, as expectativas para 2023 seguem se deteriorando.
Em segundo lugar, não se pode ignorar o passado. O governo Bolsonaro não começou em 2022, mas no dia primeiro de janeiro de 2019. Dessa forma, para uma melhor avaliação, é preciso verificar o conjunto da obra e sua comparação com os dados observados em períodos anteriores. Na tabela abaixo, pode-se observar a taxa média anual de crescimento real do PIB (já descontada a inflação) desde o início do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique (1999) até o último dado disponível, que corresponde ao ano de 2021, terceiro ano do mandato do presidente Bolsonaro.
Tabela 1 – Taxa de crescimento médio por governo (1999-2021)
Conforme podemos observar claramente na Tabela 1, o crescimento médio da economia Brasileira se acelera na passagem do segundo mandato do governo Fernando Henrique para o primeiro mandato do Presidente Lula. Apesar da ocorrência da maior crise da história do capitalismo desde a grande depressão de 1929, a assim chamada crise financeira internacional (2008), a economia brasileira no segundo mandato do presidente Lula (2006-2010) ganha ainda mais tração e apresenta um crescimento médio de 4,21% a.a. no período.
A desaceleração do crescimento tem início no primeiro mandato da Presidenta Dilma Rousseff, em parte resultado da crise do Euro em 2012 e do fim do boom de commodities, mas também de diversos erros na condução da política macroeconômica como as desonerações fiscais sem contrapartida, a intervenção desastrosa no setor elétrico e nos preços dos combustíveis (esse filme parece conhecido) e a tentativa de acelerar o crescimento econômico por intermédio de uma política de expansão da demanda agregada, num contexto em que a economia estava sobreaquecida e perdendo dinamismo pelo lado da oferta devido à desindustrialização prematura.
A combinação de todos esses elementos, os impactos da Lava Jato (sobre a economia, o ambiente político e a incerteza) e a crise hídrica fazem com que a economia brasileira entre em recessão no segundo semestre de 2014, o que não impede a Presidenta Dilma de se reeleger em outubro desse mesmo ano. O início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff foi caracterizado pela reversão completa na condução da política macroeconômica. Se no primeiro mandato, tanto a política fiscal como a política monetária foram, na média, expansionistas, no ano de 2015 o governo puxa todas as travas da economia ao mesmo tempo: redução de 35% do investimento público em termos reais, aumento da taxa Selic para 14% a.a. e “tarifaço”, ou seja, aumento rápido das tarifas de eletricidade e nos preços dos combustíveis. O resultado obtido, incluindo ainda efeitos da Lava Jato e da crise hídrica, foi exatamente o previsto em qualquer manual de macroeconomia: uma queda vertiginosa do PIB (-3,15%) e uma forte aceleração da inflação, a qual chega quase a 11% no final do ano.
O desastre econômico abre caminho para o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer como Presidente da República (dando fim aos 13 anos e alguns meses do governo petista). No governo Temer, a economia sai da grande recessão de 2014 a 2016, mas apresenta um crescimento médio de 1,5%, inferior ao observado no segundo mandato do governo Fernando Henrique e muito menor do que o ocorrido nos dois mandatos do Presidente Lula.
Quando Bolsonaro assume em primeiro de janeiro de 2019, a economia brasileira não se encontrava mais em recessão, embora estivesse crescendo a um ritmo médio muito inferior ao observado no período 1999-2010. Mesmo assim, no ano de 2019 a economia brasileira apresenta um crescimento de apenas 0,97%, desacelerando frente ao período anterior. A tendência de desaceleração continuava no início de 2020, de acordo com os dados de atividade antecipados pelo Banco Central para os meses de janeiro e de fevereiro de 2020, anteriores à pandemia.
Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde decreta estado de Pandemia de Covid-19. Medidas de restrição à mobilidade social (embora malvistas pelo governo brasileiro) foram adotadas em todos os países civilizados, dada a incerteza quanto ao vírus e a ausência de tratamento efetivo e de vacinas naquele momento. Graças à iniciativa do Congresso Nacional, foi aprovada uma Emenda Constitucional que viabilizou o pagamento de um Auxílio Emergencial de R$ 600,00 por três meses para 66 milhões de pessoas. Essa medida amorteceu o impacto das medidas de distanciamento social sobre o PIB, o qual apresentou uma queda de “apenas” 3,74% em 2020.
Em 31 de dezembro de 2020, expirou o “estado de calamidade pública”, o qual permitiu o pagamento do auxílio emergencial ao longo daquele ano. Mesmo com o contágio e as mortes por causa da Covid-19 ainda elevadas no Brasil e no mundo, o governo não solicitou prorrogação do estado de emergência. Nos 6 meses seguintes, o Brasil iria registrar mais de 400 mil mortes por conta do Covid-19, o dobro do que registrou no ano anterior, mesmo que em 2021 as vacinas estivessem amplamente disponíveis.
Retornemos à economia. Após um tombo de quase 4% em 2020, tendo sido aprovada em 2019 a Reforma da Previdência, muitos analistas apostavam não só numa recuperação em V da economia, como ainda na retomada do crescimento econômico. Não foi o que ocorreu. A economia recuperou o que havia perdido em 2020, mas nada mais além disso. Na média do período 2019-2021, o crescimento do PIB foi de somente 0,52% a.a., patamar inferior ao observado no primeiro ano do governo Bolsonaro, o qual já havia sido menor do que o observado na média do período de governo de Michel Temer.
Mesmo absorvendo os dados deste ano, apesar do crescimento de 1,2% no segundo trimestre de 2022, o PIB brasileiro ainda se encontra 0,3 p.p. abaixo do pico da série histórica, ocorrido no primeiro trimestre de 2014, durante a gestão da Presidenta Dilma Rouseff. Isso para não falar da queda no PIB per capita, sendo que a população cresceu nesse período entre 2014 e 2022. Apesar de todas as reformas feitas nos governos Temer (Teto de gastos, reforma trabalhista, reformulação do BNDES, etc.) e Bolsonaro (Previdência, marcos regulatórios, dentre outros), o fato é que a economia brasileira é menor do que era no início de 2014, o que deixa evidente o fracasso da política econômica desde então. Enfim, se for alegada apenas a Covid-19 como justificativa para o desempenho ruim do atual governo, devemos relembrar da maior crise mundial desde 1929 ocorrida durante o Governo Lula e as diversas crises durante o governo FHC. Finalmente, de acordo com levantamento do economistas Sérgio Gobetti, a partir de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), numa amostra de 50 países, o Brasil apresentou trigésima segunda posição dentre as taxas de crescimento no período 2019-2021. Respondendo à pergunta inicial do texto: não, nada temos a comemorar.
* É Professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade do País Basco (Bilbao, Espanha), pesquisador Nível I do CNPq e líder do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento (www.sdmrg.com). Contato: joreiro@unb.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.com.br.
** É mestre em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutorando em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Opiniões pessoais, não institucionais. Contato: helder.laferf@gmail.com.
[2] Na elaboração dessa tabela, o ano de 2016 foi excluído do cálculo das médias por ter sido um ano atípico em que o Brasil teve dois Presidentes: Dilma Rouseff (até abril de 2016) e Michel Temer (de maio a dezembro de 2016).
Nem o “austericídio” nem a “porra-louquice”. O desafio é buscar um meio-termo para enfrentar os desafios econômicos e sociais do país, afirma o economista
Por: Patricia Fachin | 05 Outubro 2022
A expressiva votação que o ex-presidente Lula obteve no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, 48,4% contra 43,2% do atual presidente Bolsonaro, indica que “há uma parcela bastante significativa da população brasileira que sente saudades da época dos governos dele” e, portanto, “se expressou pela questão econômica”, avalia o economista José Luis Oreiro, ao comentar o resultado eleitoral do último domingo.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Oreiro discorre sobre os desafios em torno de um possível novo mandato do ex-presidente. “A última coisa que o presidente Lula vai precisar no início do ano que vem é de turbulência nos mercados financeiros. Então, ele vai ter que fazer o seguinte malabarismo: tirar o teto de gastos porque com ele é impossível fazer qualquer política econômica, de assistência social e de industrialização no país hoje, mas o teto de gastos tem que ser retirado de uma maneira que se coloque alguma outra regra fiscal que dê credibilidade ao governo de que a relação dívida pública/PIB não vai explodir no médio e longo prazo. Então, vai ter que haver uma conversa muito bem feita com as instituições do mercado financeiro para que não se imploda o governo nos primeiros meses. Esse é o principal desafio. Repito: o teto de gastos tem que sair, mas alguma coisa tem que ser posta no lugar”, assegura.
Segundo ele, em termos econômicos, a reeleição do presidente Bolsonaro significa a continuidade do “projeto fazendão”, que consiste em “transformar o Brasil em uma grande fazenda de soja, de frango, uma mina a céu aberto”, a fim de “transferir a riqueza que existe no país para o estrangeiro”. Já um novo governo Lula, que anos anteriores também apostou no Brasil como grande celeiro do mundo, a perspectiva, acentua, é “a vitória da civilização contra a barbárie” e, em termos econômicos, “a chance de retomarmos a trajetória de desenvolvimento econômico”, não aos moldes de um PAC-2 sustentável, mas de um “Plano de Metas à la Juscelino Kubitschek”.
José Oreiro (Foto: FGV)
José Luis Oreiro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, possui mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. É professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB e professor doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Espanha. Entre suas obras, destacamos: Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana (publicado pela LTC em 2016) e Macrodinâmica pós-keynesiana: crescimento e distribuição de renda (Alta Books, 2018).
Confira a entrevista.
IHU – Que Brasil se expressa no resultado das eleições deste domingo?
José Luis Oreiro – Um país dividido. O ex-presidente Lula conseguiu quase 50% dos votos válidos, ou seja, há uma parcela bastante significativa da população brasileira que sente saudades da época dos governos dele. Essa população, majoritariamente, está votando para retornar àquele nível de vida que tinha na época do governo do ex-presidente. Essa população se expressou pela questão econômica porque vê que a situação econômica, para ela, é muito pior hoje do que era na época do PT.
Outra parte da população optou por um voto – não sei se ideológico seria a palavra correta – que mistura valores, religião e antipetismo. Ou seja, não é um voto econômico. Bolsonaro obteve um voto fundamentalmente religioso, que expressa a força das igrejas neopentecostais. Temos relatos de como alguns pastores influenciaram os votos dos fiéis no primeiro turno. Tem também o antipetismo; ele ainda existe. A migração dos votos do Ciro para Bolsonaro também é um voto antipetista. É um conjunto mais difuso daquilo que o economista Paul Krugman chama de “arma de distração de massa”. Ou seja, coisas que não estão relacionadas à economia, mas que são colocadas na eleição para atrair eleitores que, em tese, deveriam estar votando mais à esquerda, ou seja, com Lula, mas acabam votando na direita porque não conseguem associar que a direita não favorece seus interesses econômicos.
Lula conseguiu quase 50% dos votos válidos… há uma parcela bastante significativa da população brasileira que sente saudades da época dos governos dele – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Quais são as luzes que se revelam a partir do resultado das urnas?
José Luis Oreiro – Faltou muito pouco para Lula vencer no primeiro turno. Na verdade, faltou menos de dois milhões de votos. Ele está com 48,4% dos votos e Bolsonaro, com 43,2%. Quer dizer, ao que tudo indica Bolsonaro só conseguiu adiar a derrota. É óbvio que ainda tem muita água para rolar, mas acredito que o apoio de Simone Tebet ao Lula vai ser importante para sacramentar a vitória do ex-presidente no segundo turno, a qual, a meu ver, é absolutamente necessária para preservar a democracia no Brasil. Se Bolsonaro ganhar, com esse Congresso eleito, temo pelo estado democrático e pelo estado laico.
IHU – Alguns analistas têm destacado a força da extrema-direita e do bolsonarismo, mas o percentual de votos conquistado pelo ex-presidente Lula é impressionante, considerando os últimos fatos políticos. Como avalia o resultado do primeiro turno em relação a esse ponto?
José Luis Oreiro – Pensemos da seguinte maneira: em 2018, Lula estava preso, saiu da cadeia, conseguiu rever seus direitos políticos e conseguiu, no primeiro turno de 2022, quase o mesmo percentual de votos que Bolsonaro obteve no segundo turno de 2018. Naquela época, Bolsonaro teve 57 milhões e 800 mil votos. Lula teve agora 57 milhões e 200 mil votos. Então, realmente é impressionante o nome do ex-presidente Lula.
Outra coisa que não deve ser desconsiderada é que o presidente Bolsonaro tem a máquina na mão e utilizou todos os artifícios possíveis para alavancar a sua popularidade nos últimos meses. Estou falando do Auxílio Brasil, que ele aumentou de 400 para 600 reais, do preço da gasolina, que foi reduzido e do orçamento secreto, que certamente está por trás de boa parte do sucesso dos candidatos bolsonaristas nas eleições para a Câmara dos Deputados e para o Senado. Apesar de todo o vento contrário, o presidente Lula praticamente liquidou no primeiro turno; considero realmente uma grande vitória.
Apesar de todo o vento contrário, o presidente Lula praticamente liquidou no primeiro turno; considero realmente uma grande vitória – José Luis Oreiro Tweet
IHU – De outro lado, quais são as sombras que aparecem a partir dessas eleições?
José Luis Oreiro – O ponto mais negativo da eleição foi a transferência de votos do Ciro para Bolsonaro. Ciro vinha desde 2016 se apresentando como uma alternativa ao PT pela esquerda, mas se colocou como linha auxiliar do bolsonarismo. Esse foi o ponto mais negativo. Ele acabou melancolicamente: conquistou 3% dos votos válidos, muito atrás do que ele teve em 2018. Ciro sai desta eleição muito menor do que entrou.
Agora, ele prestou um desserviço à democracia brasileira porque a lógica eleitoral diz que ele deveria ter concentrado “seu fogo” no segundo colocado e não no primeiro. Mas ele não fez isso. Ele alimentou o antipetismo e isso foi ruim porque deu mais votos para Bolsonaro. Agora, ele vai dizer que apoia o Lula? Acho difícil e também, a essa altura, não vai fazer muita diferença. Quem é crucial agora é a senadora Simone Tebet. No domingo, ela disse que não iria ficar omissa, ou seja, vai tomar uma posição e, pelo histórico dela na comissão da Covid-19, estou confiante que ela vai apoiar o presidente Lula.
De outro lado, as eleições para o Congresso e o Senado foram um desastre. Os senadores eleitos claramente representam o bolsonarismo e a extrema-direita e não têm compromisso com a democracia. Veem a democracia apenas como um instrumento para a tomada do poder e a implementação, pela força, dos seus valores. Vimos isso no Senado, na Câmara dos Deputados e no caso de alguns governadores.
O ponto mais negativo da eleição foi a transferência de votos do Ciro para Bolsonaro – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Quais as perspectivas de futuro que emergem a partir do resultado das urnas?
José Luis Oreiro – Aposto na vitória do presidente Lula e, no pior cenário, em uma reprodução das eleições de 2014, isto é, 52% a 48%. Não vai ser uma vitória muito expressiva, mas vai ser uma vitória. Isso vai acontecer.
Os senadores eleitos representam o bolsonarismo e a extrema-direita e não têm compromisso com a democracia – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Quais serão os desafios em torno da governabilidade, caso esse cenário se confirme?
José Luis Oreiro – Uma vez o presidente ganhando, tem os partidos do centrão que não são ideológicos e querem estar com o governo. Então, ele vai ter que fazer a política de sempre com o centrão. Isso é um dado.
O lado positivo é que sabemos que o ex-presidente Lula é um político experimentado e sabe negociar. O lado negativo é que talvez não dê para acabar com o orçamento secreto e essas coisas porque praticamente estaria sendo pedido para o pessoal do centrão cometer suicídio e eles não vão querer cometer suicídio. Então, realisticamente esse é o jogo que Lula vai ter que jogar.
O Ministério da Fazenda vai ser ocupado por alguém do mercado financeiro ou alguém que tenha ligação com o mercado financeiro – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Como avalia o aceno entre Henrique Meirelles e o ex-presidente Lula nos últimos dias e a especulação em torno do nome do ex-ministro para ocupar o Ministério da Fazenda, num possível novo governo Lula? O que esse movimento pode indicar sobre os rumos da economia brasileira no próximo ano?
José Luis Oreiro – O Ministério da Fazenda vai ser ocupado por alguém do mercado financeiro ou alguém que tenha ligação com o mercado financeiro. Não precisa ser alguém do mercado financeiro, ou seja, não estou dizendo que vai ser o Meirelles, até porque ele já tem uma certa idade e esse não é um ministério light. Mas já adianto que o presidente deve desmembrar o Ministério da Economia em Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O ministro da Fazenda vai repetir o que foi feito no primeiro mandato do governo Lula, ou seja, vai ser alguém mais ortodoxo, mas vai ter um contraponto no Ministério do Planejamento. Sobre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, não sei se ele vai entregar para um político ou se vai colocar algum desenvolvimentista, que seria o ideal para sinalizar de maneira clara que, sem romper com a ortodoxia financeira e a responsabilidade fiscal, o governo está comprometido com o desenvolvimento econômico.
IHU – Quais serão os desafios em termos de retomada da economia, considerando o atual quadro de aumento da pobreza e toda a crítica que a esquerda faz ao mercado financeiro e à financeirização da economia?
José Luis Oreiro – A última coisa que Lula vai precisar no início do ano que vem é de turbulência nos mercados financeiros. Então, ele vai ter que fazer o seguinte malabarismo: tirar o teto de gastos porque com ele é impossível fazer qualquer política econômica, de assistência social e de industrialização no país hoje, mas o teto de gastos tem que ser retirado de uma maneira que se coloque alguma outra regra fiscal que dê credibilidade ao governo de que a relação dívida pública/PIB não vai explodir no médio e longo prazo. Então, vai ter que haver uma conversa muito bem feita com as instituições do mercado financeiro para que não se imploda o governo nos primeiros meses. Esse é o principal desafio. Repito: o teto de gastos tem que sair, mas alguma coisa tem que ser posta no lugar.
IHU – Somente a retirada do teto de gastos é suficiente para resolver os problemas relativos ao aumento da fome, da pobreza, da falta de moradia, da desindustrialização que perdura mais de 20 anos?
José Luis Oreiro – Se retirar o teto de gastos e colocar no lugar uma regra fiscal que dê ao governo, no curto prazo, a flexibilidade para aumentar os seus gastos, sem que isso seja visto como algo que vai levar, lá na frente, a uma implosão da dívida pública, nós conseguiremos endereçar essa questão de maneira tranquila. O problema é tirar o teto de gastos, aumentar os gastos com assistência social – que precisam ser aumentados para recompor parte do orçamento que foi zerado no fim do ano pelo ministro Paulo Guedes – e aumentar o investimento público, sem dar ao mercado uma garantia de que a dívida pública não vai explodir. Esse é o ponto.
Não há nenhum problema, tirando meia dúzia de radicais que sempre vão falar contra, de explicar que é preciso aumentar os gastos por conta da situação social do país, que é muito ruim, e também é preciso aumentar o investimento em infraestrutura, porque sem isso o Brasil não volta a crescer, mas estabelecer uma regra que garantirá que, no médio e longo prazo, a relação dívida pública/PIB vai se estabilizar e tenderá a cair.
É esse tipo de discurso que os americanos chamam de “meio-termo” – não é nem o austericídio fiscal nem a “porra-louquice”. Tem que haver um equilíbrio entre essas duas coisas. Isso precisa ser não só bem desenhado, mas bem comunicado e negociado.
IHU – O que isso significa em termos do que precisa ser diferente ou semelhante num eventual novo governo Lula em relação às políticas que foram adotadas nos outros mandatos do ex-presidente?
José Luis Oreiro – Em primeiro lugar, vai haver uma retomada do investimento público no Brasil. Em segundo, o papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES como banco de desenvolvimento vai ser resgatado. Ele foi escanteado pelo governo Temer e quase destruído pelo governo Bolsonaro, mas vai voltar a ser importante. Vamos ter políticas de assistência social que realmente funcionem.
Quando comparamos o Bolsa Família e o Auxílio Brasil, percebemos que o Bolsa Família era mais bem desenhado do que o Auxílio Brasil e tinha contrapartidas, quer dizer, as famílias beneficiadas tinham que manter as crianças na escola, tinham que mostrar atestado de vacinação etc. Não se trata apenas de dar o dinheiro, mas de construir e fazer uma porta de saída para o programa, que consiste em dar aos filhos dessas pessoas pobres as condições para eles entrarem de maneira produtiva no mercado de trabalho. Isso só é possível com educação, vacinação e alimentação adequada. Então, essa sempre foi a ideia do Bolsa Família, um programa barato, eficiente e eficaz que sempre foi elogiado em outros países do mundo.
Bolsonaro obteve um voto fundamentalmente religioso, que expressa a força das igrejas neopentecostais – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Do ponto de vista econômico, o que significa a reeleição do presidente Bolsonaro para o país?
José Luis Oreiro – O projeto do Bolsonaro e do Guedes, porque não consigo dissociar uma pessoa da outra, é o “projeto fazendão”, ou seja, quer transformar o Brasil em uma grande fazenda de soja, de frango, uma mina a céu aberto. O que Guedes disse em uma live, “que temos que privatizar as praias”, é exatamente a lógica do saque do Brasil para os estrangeiros. Essa é a lógica. Guedes não pensa em criar riqueza. Ele quer transferir a riqueza que existe no Brasil para o estrangeiro. É isso que representa, em termos econômicos, a reeleição de Bolsonaro. Portanto, Bolsonaro é a antítese do que ele prega para os seus convertidos. Seus convertidos ficam usando a bandeira do Brasil como se nacionalistas fossem. Pelo contrário, Bolsonaro é o presidente mais antinacionalista da história do Brasil. Ele sente um ódio profundo pelo Brasil, mas as pessoas não percebem isso. Ele tanto odeia o Brasil que bate continência para a bandeira dos EUA. Onde já se viu um presidente do Brasil bater continência para a bandeira de qualquer outro país do mundo? Isso não existe. Isso fere completamente o protocolo da Presidência da República.
IHU – Do ponto de vista econômico, o que significa outro mandato do ex-presidente Lula?
José Luis Oreiro – A eleição do ex-presidente Lula, em termos políticos, significa a vitória da civilização contra a barbárie. Em termos econômicos, significa uma chance de retomarmos a trajetória de desenvolvimento econômico. Se vamos conseguir ou não, não sei, mas é uma chance porque, com Bolsonaro, tenho certeza que não vamos ter desenvolvimento.
Em termos econômicos, a eleição do ex-presidente Lula significa uma chance de retomarmos a trajetória de desenvolvimento econômico – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Em que sentido o senhor vislumbra algo diferente em um novo governo Lula, uma vez que houve uma clara opção pelo agronegócio brasileiro nos governos petistas, setor que enriqueceu muitíssimo, juntamente com as empresas consideradas à época “gigantes nacionais”? O que significa a possibilidade de retomada da trajetória do desenvolvimento econômico daqui para frente? O que seria distintivo do governo Lula em relação a ele próprio no passado e o que é feito hoje no governo Bolsonaro?
José Luis Oreiro – Conversei com [Aloizio] Mercadante umas duas vezes e me pareceu que a equipe econômica do PT tem consciência da necessidade da reindustrialização da economia brasileira e que o vetor da reindustrialização seria pela retomada do investimento público, principalmente, visando também a descarbonização da economia. Então, me parece que eles estão conscientes da necessidade da reindustrialização.
IHU – Concretamente, a reindustrialização seria uma aposta em um Programa de Aceleração do Crescimento – PAC-2 sustentável?
José Luis Oreiro – Não sei se um PAC-2. Talvez seria melhor um Plano de Metas à la Juscelino Kubitschek. Então, acho que a equipe econômica tem essa ideia na cabeça. Agora, se vão conseguir implementar ou implementar de maneira correta, aí é outra história, porque vai depender de costura política.
Prolongamento da guerra na Ucrânia e aumento de juros para conter alta da inflação vão desacelerar crescimento econômico em todo o mundo, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
O número está bem abaixo do ritmo de crescimento econômico projetado antes da guerra e representa cerca de US$ 2,8 trilhões de perdas no mundo no ano que vem. Segundo a OCDE, o conflito deve continuar afetando a economia, em particular nos preços da energia e dos alimentos. A previsão de inflação mundial foi elevada para 8,2% em 2022 e 6,6% em 2023. “As pressões inflacionárias são cada vez mais generalizadas, com o aumento dos custos da energia, transportes e outros que são transferidos para os preços”, destacou o relatório.
Em linha com as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), a organização projeta que o Brasil crescerá 2,5%, quase dois pontos acima da estimativa de junho, bem superior às previsões iniciais. No entanto, a estimativa para 2023 foi 0,4 ponto percentual abaixo da previsão anterior, projetando que o país deve crescer apenas 0,8% no próximo ano.
Segundo o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, o crescimento mais expressivo neste ano não é sinônimo de que a economia brasileira esteja pujante e em pleno crescimento. “Na verdade é o resultado das medidas fiscais extremamente expansionistas e eleitorais, chamando atenção para a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) dos combustíveis e da eletricidade, que reduziram a inflação”, disse.
A guerra elevou ainda mais os preços da energia, especialmente na Europa, agravando as pressões inflacionárias em um momento em que o custo de vida já estava subindo rapidamente em todo o mundo devido aos impactos persistentes da pandemia de covid-19. Por outro lado, o economista destacou que o conflito acabou favorecendo o Brasil com o preço das commodities agrícolas. “Ajudou o valor das exportações brasileiras, principalmente da soja. A combinação de todos esses elementos vai fazer a economia brasileira se expandir 2,5%, mas eu quero chamar atenção que esse [crescimento de dois e ]meio por cento é inferior a nossa média [histórica de 1980-2014, que foi de 2,8% a.a]”, acrescentou.
O economista especialista em macroeconomia e doutorando em ciência política, Felipe Queiroz, atribui o baixo crescimento projetado para os próximos anos à recuperação lenta da indústria, que é quem realmente contribui para o aquecimento da economia. “Nos últimos anos perdemos capacidade de produção de fertilizantes, de refino e de petróleo. Além disso, a indústria em diferentes setores está estrangulada, isso contribui para que as projeções, especialmente dos organismos internacionais, sejam não apenas conservadoras, mas muito cautelosas e até mesmo pessimista em relação à capacidade do país crescer”, afirmou.
Os países do G20 devem avançar no próximo o mesmo ritmo da economia mundial, após uma redução de 0,6 ponto da perspectiva para o grupo na comparação com junho. Neste grupo, a OCDE diminuiu em 1,5 ponto a previsão para a Argentina, que deve crescer 0,4% no próximo ano, depois de um avanço calculado em 3,6% para 2022, que não teve alteração, e de 10,4% em 2021.
pri-2709-economia(foto: pri-2709-economia)
Riscos de recessão
O relatório projeta recessão na Alemanha e na Rússia no ano que vem. Na Alemanha, a previsão é de crescimento de 1,2% este ano, mas a economia alemã entraria em recessão, com contração de 0,7% em 2023. E, após uma contração de 5,5% em 2022, a OCDE reduziu a estimativa para o próximo ano na Rússia, que deve registrar resultado negativo de 4,5% em 2023.
O crescimento na China também foi atingido e deve cair para uma projeção de 3,2% em 2022. Exceto pela pandemia de 2020, esta será a menor taxa de crescimento na China desde a década de 1970. Para 2023, a projeção é 4,7%. Já o crescimento da economia dos Estados Unidos seria de 0,5% em 2023, sete décimos a menos que na previsão anterior. Além dos efeitos da guerra nos preços, o aumento das taxas de juros pelos Bancos Centrais para conter a inflação e as consequências da pandemia também repercutem na economia mundial, concluiu o relatório.
Maior protagonismo do setor depende de inserção às cadeias globais e política setorial, defendem especialistas
Seja quem governar o Brasil de 2023 até o fim de 2026 terá uma bola de ferro com a qual terá de lidar: a perda do protagonismo da indústria de transformação na economia brasileira. O peso da indústria manufatureira no Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 15,9% em 2005 para 11,9% em 2021, segundo dados das Nações Unidas, do Fundo Monetário Internacional e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No comércio exterior, a representação do setor manufatureiro como percentual das exportações do Brasil passou de 79,3% em 2005 para 51,4% em 2021, segundo o Ministério da Economia. Em 2008, o investimento na indústria de transformação como percentual do investimento total na economia era de 28% – dez anos depois, havia caído a 15%. Para estancar essa queda e reverter o quadro, o primeiro objetivo teria de ser tornar o Brasil mais competitivo, de modo que possa se integrar mais às cadeias globais de valor (CGV)s. “Ficamos à margem desse processo. Hoje não conseguimos exportar um automóvel feito no Brasil porque ele é caro e ruim”, afirma ao Valor o economista Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O próximo governo, portanto, precisaria traçar um plano de reindustrialização, que teria de ser uma política de Estado, e não de um mandato. Esse processo poderia ter o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) como financiador de longo prazo em um programa de atualização de tecnologia, com juros subsidiados e contrapartidas como aumentar as exportações e fazer a transição para uma economia de baixo carbono, afirma José Luís Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB). As reformas tributária e administrativa, acrescenta, seriam auxiliares. Mas, se o Brasil não levar adiante tais ajustes, pode continuar vendo o setor manufatureiro minguar ainda mais e não conseguir se beneficiar da reorganização das cadeias de valor em curso, alerta Dan Ioschpe, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
A seguir, os principais pontos abordados pelos entrevistados: Cadeias e competitividade
Samuel Pessôa – O maior problema é que a indústria brasileira ficou à margem da construção das CGVs. Esse fenômeno, que adquiriu velocidade a partir da década de 1990, divide o processo produtivo em várias etapas, e cada uma tem de ser feita em um lugar diferente. O Brasil faz meio que tudo aqui. E fica tudo meio ruim. No Brasil prevaleceu certa visão da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (Cepal) no momento em que o mundo mudou muito. A visão cepalina não era tão ruim quando a lógica do mundo eram as grandes multinacionais se estabelecendo e produzindo em diversos países, com uma planta produzindo carro, outra, eletrodomésticos. Essa lógica foi mudando a partir de 1970, 1980, 1990 e virou essa construção das CGVs, com os países se especializando em processos e serviços. Isso gerou ganhos de produtividade e qualidade. Mas ficamos à margem desse processo. Hoje não conseguimos exportar um automóvel feito no Brasil porque é caro e ruim. Mas conseguimos exportar avião porque a Embraer está dentro da cadeia produtiva de aviões. A Embraer projeta o avião e monta. Todo o restante, compra. O resultado é que o avião da Embraer é tão bom quanto qualquer outro do mundo. Essa lógica tem de ir para outros setores. Dan Ioschpe – O Brasil precisa ter maior ingresso nas cadeias internacionais de valor. Isso, na nossa visão, significa participar [mais] dos acordos internacionais, como se tentou no acordo com a União Europeia, e também em outras formas que promovam integração do Brasil ao mundo. Não apenas no comércio, mas em foros que discutem sustentabilidade, créditos de carbono etc., como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). José Luís Oreiro – A indústria manufatureira sofre de um gravíssimo problema de competitividade. Isso vai além do preço e é decorrente do atraso tecnológico da indústria de transformação. Foram anos e anos de baixo investimento, que a está deixando para trás. Samuel Pessôa: “Não conseguimos exportar carro, porque é caro e ruim” — Foto: Silvia Zamboni/Valor Pessôa -Se chamarmos de desindustrialização a queda da participação da indústria no PIB, podemos dizer que o Brasil passa por esse processo. Mas isso ocorre desde 1980. E não é ruim nem bom. É o que o mercado produziu. Ioschpe – A participação da indústria no PIB talvez seja a melhor forma de se medir a desindustrialização. E o que temos visto é um declínio da participação da atividade de transformação industrial do PIB, caindo quase à metade [do que já foi] nos últimos 30. Em outros países houve certo recuo [da participação da indústria] por causa do crescimento tecnológico, por uma série de atividades de serviços, e até mesmo pelo setor agrícola. Mas não na proporção que vemos no Brasil. Essa trajetória das últimas décadas está muito correlacionada a uma mediocridade do PIB como um todo, da renda per capita e do desenvolvimento socioeconômico nesse período. Oreiro – Nossa desindustrialização é ruim porque é prematura. Ocorre antes que se alcance o que na literatura se chama ponto de Lewis, em que o desenvolvimento econômico se dá em condições de oferta limitada de mão de obra. A desindustrialização nas economias modernas ocorreu quando boa parte da população já havia passado do setor de subsistência, que era o da agricultura, para o setor moderno. Seria diferente se a desindustrialização aqui ocorresse com a maioria da população trabalhando no setor moderno, que seria hoje o de serviços de alta tecnologia, como fazem empresas como a Amazon. Pessôa – Qualquer política de desenvolvimento industrial tem de estar ligada a progresso tecnológico, inovação, pesquisa e desenvolvimento. Iniciativas que fizemos no passado, como gastar dinheiro do BNDES para o setor de frigoríficos de carne, que é uma tecnologia do fim do século XIX, não faz sentido. Além disso, uma política de desenvolvimento industrial tem de ser precedida por cuidadoso estudo e planejamento. Sair gastando como se fez com a indústria naval não faz sentido. Ou seja, a necessidade de se investir no setor não é condição suficiente. Tem de ter governança para gerar bons frutos. Ou será apenas desperdício. É preciso, portanto, bons projetos, boa governança e ter ligação com atividade de inovação e incorporação de novas tecnologias. Além disso, a questão ambiental parecer ser a mais séria da humanidade hoje. É transversal e tem de ser considerada em qualquer desenho de política pública hoje. Ioschpe -Precisamos incentivar um esforço muito maior de pesquisa, desenvolvimento e inovação [na indústria]. A melhor forma de agregar valor ao longo do tempo é por meio de uma atividade pujante de pesquisa e inovação. Se não acelerarmos os bons instrumentos para fomentar isso no Brasil, não iremos muito longe. Temos instrumentos interessante como a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), mas precisamos fazer mais. A reindustrialização tem enorme relevância para o desenvolvimento socioeconômico do país. Sem a recuperação do PIB industrial, é improvável que tenhamos crescimento mais expressivo do PIB nacional. Porque a indústria tem algumas características essenciais em seu processo, como a questão da fronteira tecnológica. Como vemos com a descarbonização, a eletrificação veicular, a geração de energias alternativas, e a própria indústria 4.0. Oreiro – A única chance que temos de dar emprego decente para a população e [fomentar o] crescimento é reindustrializando o país. O primeiro passo para isso é um programa de modernização da indústria brasileira. Isso não é política para um mandato de governo, mas de Estado. Ou seja, não caberá apenas ao próximo governante. A sociedade brasileira precisa se conscientizar que com boi, soja e minério de ferro não vamos dar emprego decente para uma força de trabalho de 110 milhões de pessoas. Temos de fazer essa reforma estrutural. E aproveitar a janela oportunidade dada pela transição para uma economia de baixo carbono. Essa é nova revolução industrial. Terá implicações na matriz energética, na maneira como produzimos bens e serviços. E vai demandar investimentos públicos e privados. Essa massa de investimentos pode criar um mercado para novas indústrias verdes no Brasil. Pessôa – A maior política industrial hoje é a PEC 45, que reduz o custo de conformidade da legislação tributária. Hás muitos problemas na indústria, mas dois são fato. O primeiro é que o setor produtivo é o mais tributado. Dentre agropecuária, indústria e serviços, o que tem maior carga tributária é a indústria. A carga tributária sobre serviços e agropecuária tem de subir, e a da indústria, cair. O segundo ponto é a complexidade da legislação de impostos indiretos como ICMS, ISS, PIS/ Cofins e IPI, que dificulta mais a vida do setor. O custo de conformidade é muito maior na indústria, que tem cadeias produtivas longas, tem de conviver com diversos regimes tributários especiais, diversos contadores, e muito litígio. É preciso unificar a estrutura de impostos. [Por isso], a PEC seria a melhor política industrial, uma vez que resolve a maior parte desses problemas. Ioschpe – A indústria brasileira precisa de um ambiente que contemple quatro aspectos: tranquilidade institucional, trajetória macroeconômica adequada ao longo do tempo, melhoria das condições sociais do país e melhor distribuição da renda, e sustentabilidade ambiental. Tendo isso sob controle, entramos em uma agenda mais especifica, que é importante para o país como um todo. Mas, olhando pelo lado da indústria, o primeiro item da agenda é uma reforma tributária que melhore custos de pagar impostos, insegurança jurídica e oneração exagerada sobre o setor industrial frente aos outros. E o melhor instrumento para isso são as PECs 45 e 110, que preveem unificação de impostos sobre o consumo de bens e serviços, o IVA. Esta é a forma correta de se fazer, com a tributação no destino, e não na origem. Essas são características essenciais de uma boa tributação sobre bens e serviços, que resolveriam a discrepância de tributação sobre o setor e reduziriam custos para empresas, sociedade e a insegurança jurídica. Hoje no Brasil, a indústria representa entre 10% e 15% do PIB e mais de 35% da arrecadação. É uma disfunção se arrecadar duas vezes o que se contribui para a atividade econômica, enquanto outros setores estão subrepresentados na tributação. É algo que tem de ser consertado. O segundo item importante da agenda é a reforma administrativa, que ajudará na trajetória de equilíbrio macroeconômico ao longo do tempo. Com ela, tem-se melhor controle das contas públicas e presta-se serviço mais inteligente e agilizado para sociedade. O terceiro item fundamental é a aceleração da infraestrutura, tanto em estradas, portos, aeroportos e energia, como em relação à conectividade. Oreiro – O próximo presidente deveria recuperar o papel do BNDES como financiador de longo prazo em um programa de atualização tecnológica do parque industrial brasileiro, com juro subsidiado. Isso é fundamental para que a indústria não desapareça. Ao contrário das vezes anteriores, o BNDES pode exigir dois tipos de contrapartida: meta de exportação e de conquista de market share nos mercados internacionais. Temos de fazer a indústria brasileira se voltar para o exterior. Essa é a abertura comercial correta, e não reduzir tarifas de importação da noite para o dia e destruir a indústria. Tem de dar financiamento para fazer atualização tecnológica do parque industrial brasileiro, o que implica comprar máquinas e equipamento modernos para aumentar a produtividade. O segundo vetor é de transição para economia de baixo carbono. Então, aquilo que for financiado pelo BNDES no processo de modernização tecnológica, tem de ter embutidas metas de redução de CO2. Isso é particularmente importante para indústria automobilística brasileira, que ainda não definiu prazo para parar a produção de carros por combustão interna. A reforma tributária ajuda na reindustrialização. De todo ICMS arrecadado hoje, a indústria de transformação paga 50%. O nosso sistema de impostos indiretos penaliza a indústria e beneficia o agronegócio, que paga 10% do ICMS arrecadado no Brasil. Pessôa – Falar sobre esse movimento de ‘reshoring’ e regionalização da produção ainda é muito especulativo. Será ruim para o mundo, que crescerá menos. A taxa de crescimento da produtividade da economia mundial cairá. E esse processo de globalização das CGVs será, em parte, revertido. A economia brasileira teve dificuldade de se adaptar à economia globalizada. Resistimos por muito tempo. É possível que em um mundo mais fechado tenhamos desempenho um pouco melhor. Ioschpe – [Essa reorganização das cadeias globais] é oportunidade e ameaça. Estamos vendo a revisão do processo de transferência da atividade industrial para Ásia e China. Isso poderia trazer não apenas conteúdo para o mercado brasileiro, mas para outros países próximos do Brasil que desejassem diminuir a dependência em relação a uma única região produtora. Mas, se não endereçarmos nossas questões de competitividade e desenvolvimento tecnológico, podemos acabar ainda mais perdedores à medida que outros países conseguem fazer isso melhor. [Aproveitar esse movimento] dependerá de como o Brasil trabalhará na próxima década. Se ocorrer nos termos da política e planejamento das últimas três décadas, não vamos ter um bom resultado. Oreiro – O ‘reshoring’ ocorrerá mais perto de mercados consumidores como EUA e União Europeia. Para que pudéssemos aproveitar essas mudanças, o investimento em infraestrutura teria de melhorar consideravelmente, seja em portos, seja em transporte de carga em trens. O investimento para isso criará demandas importantes.
Matéria publicada ontem na Folha de São Paulo repercutiu o posicionamento do empresário Winston Ling, apoiador de Bolsonaro, nas redes sociais no qual ele afirma que o Brasil precisa de mais desigualdade social e econômica pois “As atividades dos indivíduos talentosos desencadeiam mudanças econômicas e tecnológicas que impulsionam o crescimento econômico a longo prazo e criam oportunidades para as pessoas medianas ingressarem nos círculos da elite”. O empresário, ligado ao Instituto Mises Brasil, afirma portanto a existência de uma relação positiva e estatisticamente significativa entre crescimento econômico e desigualdade social.
O Instituto Mises Brasil não é exatamente conhecido pela seriedade e rigor científico na elaboração de suas, por assim dizer, “análises econômicas”. Afirmações como a que esse empresário bolsonarista fez nas redes sociais não tem, via de regra, nenhum embasamento empírico, bem como escasso suporte teórico. No que se segue irei demonstrar que o que o referido “empresário” repercutiu nas redes sociais não passa de baboseira ideológica de baixo calão.
O economista mexicano Jaime Ros, falecido em 2019, publicou em 2013 uma obra magistral sobre a teoria e a evidência empírica sobre o desenvolvimento econômico intitulado “Rethinking Economic Development, Growth and Institutions” pela Oxford University Press. No capítulo 1 desse livro ele apresenta uma série de fatos estilizados a respeito das divergências observadas entre os níveis e as taxas de crescimento da renda per-capita de uma amostra de 87 países para o período 1970-2008. Esses países são divididos em 5 grupos com base no seu nível de renda per-capita: Grupo 1 (países de renda alta), Grupo 2 (países de renda média alta), Grupo 3 (países de renda média), grupo 4 (países de renda média baixa), grupo 5 (países de renda baixa). A lista completa de países e sua classificação em grupos pode ser vista abaixo:
Grupo 1 Países de Renda Alta: Noruega, Singapura, Estados Unidos, Bélgica, Países Baixos, Austrália, Áustria, Irlanda, Hong Kong, Suécia, Reino Unido, França, Itália, Finlândia, Canadá, Dinamarca, Suiça.
Grupo 2 Países de Renda Média-Alta: Japão, Grécia, Israel, Espanha, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Portugal, Turquia, México, Irã, Chile, Malásia, Argentina, Costa Rica, Uruguai, República Dominicana, Botswana.
Grupo 3 Países de Renda Média:Panamá, Venezuela, Mauritânia, África do Sul, Jamaica, Colômbia, Brasil, Tunísia, El Salvador, Peru, Egito, Equador, Jordânia, Namíbia, Tailândia, Síria.
Grupo 4 Países de Renda Média-Baixa: China, Honduras, Marrocos, Paraguai, Bolívia, Índia, Indonésia, Filipinas, Paquistão, Nigéria, Nicarágua, Zâmbia, Camarões, Congo, Mauritânia, Senegal, Mali, Costa do Marfim.
Grupo 5 Países de Renda Baixa:Gâmbia, Lesoto, Bangladesh, Gana, Benin, Quênia, Nepal, Tanzânia, Serra Leoa, Ruanda, Burquina Faso, Guiné, Madagascar, Moçambique, Malaia, Etiópia, Burundi, Zimbábue.
Conforme podemos observar na Tabela 1.1 abaixo uma característica notável da amostra de países é a enorme desigualdade entre os níveis de renda per capita: a diferença da renda per-capita dos países do grupo 1 relativamente aos países do grupo 5 é de mais de 40 vezes. Essa enorme divergência internacional nos níveis de renda per-capita é explicada pela diferenças na produto por trabalhador, as quais dependem fortemente das diferenças no estoque de capital por-trabalhador e no número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos. A evidência empírica mostra também que não existe nenhuma relação estatisticamente robusta entre a abundância de recursos naturais (medida pelo número de hectares de terra agricultável por trabalhador) e as diferenças observadas entre os níveis de renda per-capita. Isso se deve ao fato de que após a Revolução Industrial a dotação de recursos naturais passou a ter uma influência pequena como determinante das diferenças entre os níveis de produtividade e de renda per-capita entre os países. Definitivamente o agro não é pop, muito menos tech.
As variáveis que são apresentadas na Tabela acima se referem aos determinantes próximos ou imediatos dos níveis de renda per-capita na definição criada por Maddison (1988). Além dos determinantes próximos existem os determinantes fundamentais ou últimos do processo de desenvolvimento econômico. Na classificação de Maddison os determinantes últimos seriam : geografia, instituições, distribuição de renda e regimes de política econômica. Nesse contexto, a afirmação do empresário Bolsonarista deve ser avaliada em termos da relação do efeito da distribuição de renda como causa última, ou causa causans, do nível de desenvolvimento econômico.
A tabela 1.6 abaixo apresenta a relação entre uma série de variáveis definidas como “causas ultimas” e os diferentes estratos de renda per-capita entre os países da amostra. A variável que nos interessa em particular é o índice de Gini de concentração de renda, o qual é uma medida do grau de concentração de renda de um determinado país, quanto mais alto o índice mais concentrada será a renda. Os dados de Ros mostram claramente que a relação entre concentração de renda e nível de renda per-capita é não-linear, corroborando a hipótese de Kusnetz, segundo a qual nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico ocorre uma tendência a concentração de renda (devido ao excesso estrutural de oferta de trabalho no setor de subsistência que faz com que os salários permaneçam constantes enquanto se processa a transferência de mão-de-obra dos setores de baixa produtividade para os setores de alta produtividade, de forma que o aumento da produtividade média do trabalho é apropriada pelos capitalistas na forma de maiores margens de lucro), ao passo que após um certo nível crítico de renda per-capita – que coincide, em geral, com o alcançamento do “ponto de Lewis” – a relação entre renda per-capita e concentração de renda torna-se negativa: quanto maior o nível de renda per-capita, ou seja, quanto mais rica é a população de um país menor será a desigualdade na distribuição de renda, justamente o oposto do que prega o empresário Bolsonarista.
Como vimos na tabela 1.1 , o nível de renda per-capita de um país depende positivamente do estoque de capital por trabalhador e do nível de escolariedade da população. A tabela 1.1 também mostra que a transição de um país de renda média baixa para um país de renda média alta depende criticamente da participação do emprego industrial no emprego total: países de renda média alta possuem uma participação maior do emprego industrial no emprego total do que países de renda média e de renda média baixa. Dessa forma, o desenvolvimento econômico é um processo de mudança estrutural no qual a indústria de transformação absorve uma fração crescente da força de trabalho, ao mesmo tempo em que diminui a concentração de renda. Exatamente o oposto do que o defendido pelo empresário Bolsonarista, o qual certamente defende a continuidade da desindustrialização da economia brasileira.
A continuidade do governo Bolsonaro após as eleições de 2022 significará o fim do processo de desenvolvimento econômico do Brasil, condenando nosso país a uma “armadilha de pobreza”. Delenda est Bolsonaro.
Referências
Maddison, A. (1988). “Ultimate and Proximate Growth Causality: a critique to Mancur Olson on the Rise and Decline of Nations”. Scandinavian Economic History Review, N.2.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford
“A economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar”, destacou o economista José Luis Oreiro
A economia brasileira variou 1% no primeiro trimestre de 2022, na comparação com quarto trimestre de 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nesta quinta-feira (2). Em valores correntes, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a R$ 2,249 trilhões.
O resultado do PIB, que é a soma do conjunto de todas as riquezas produzidas por um país, foi puxado pelo setor de Serviço (1,0%), que ganhou algum fôlego com o fim das restrições impostas no combate à Covid-19. Com a inflação generalizada dos preços e os juros altos acima dos dois dígitos, o desempenho do primeiro trimestre não deve se repetir ao longo do ano. É o que aponta o economista e professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, em entrevista ao HP.
HORA DO POVO: Qual a sua avaliação sobre o resultado do PIB no primeiro trimestre de 2022?
JOSÉ LUISOREIRO: “Esse resultado do PIB de alta de 1% em relação ao quarto trimestre de 2021 foi basicamente devido ao setor de serviço. A indústria cresceu 0,1% e o agronegócio caiu (-0,9%). A questão mais relevante, no meu ponto de vista, não é o número em si do primeiro trimestre, mas se esse resultado se sustenta ao longo do ano. Para a gente poder analisar isso, temos que entender por que houve crescimento de 1% no primeiro trimestre, apesar dos juros altos, apesar da inflação e etc. Bom, o que houve foi uma demanda reprimida, já por dois anos de pandemia, por serviços.
Com a redução do número de casos de morte por causa da Covid-19 – devido ao avanço formidável da vacinação – houve uma espécie, assim, de frenesi de consumo reprimido por serviços e isto levou a esse número de 1%, que anualizado daria 4%.
HP: Com a inflação e os juros em patamares elevados é possível que a atividade econômica se sustente em alta nos próximos trimestres?
OREIRO: Esse ritmo não vai se sustentar, primeiro, porque essa demanda reprimida meio que já foi atendida. Então ela não vai continuar ocorrendo nos próximos trimestres. Você tem a elevação da inflação. A inflação no acumulado dos últimos doze meses continua crescendo, corroendo o poder de compra dos salários e, portanto, vai afetar o consumo das famílias. Nós temos também, que 8 em cada 10 famílias brasileiras têm dívidas a vencer no ano de 2022. Ou seja, o nível de endividamento está muito alto, o que também limita a perspectiva de aumento do consumo. Têm os efeitos defasados da elevação da taxa de juros, quer dizer, quando o Banco Central eleva a taxa de juros, o efeito sobre a demanda agregada leva de 6 a 9 meses para ocorrer. Então, agora em 2022 é que a gente vai começar a sentir os efeitos da elevação da Selic no 2º semestre de 2021. Portanto, os efeitos mais fortes e negativos da elevação da Selic vão se sentir no terceiro e quarto trimestre de 2022.
HP: A economia deve entrar em recessão em 2022?
OREIRO : Existem já alguns analistas que estão prevendo a possibilidade de crescimento negativo do PIB no terceiro e no quarto trimestre de 2022, caso isso se concretize, o país entrará numa recessão técnica no final de 2022. Isso não quer dizer que o crescimento do PIB em 2022 vai ser negativo, porque como já teve um crescimento alto no primeiro trimestre é provável que isso vai compensar o crescimento baixo ou negativo do terceiro ou do quarto trimestre de 2022. Mas, de qualquer forma, o consenso entre os analistas de mercado é que a economia brasileira deverá crescer abaixo de 1% em 2022.
HP: Mas o governo Bolsonaro vê o resultado do PIB do 1º tri como “robusto” e que consolida o processo de recuperação em “V”.
OREIRO: Esse número de 1% é ridiculamente baixo. Lembrando que a população brasileira cresce 0,8% ao ano, portanto o crescimento do PIB de 1% significa o crescimento da renda per capita de 0,2% ao ano. Se esse ritmo de crescimento for mantido ad infinitum vai levar 144 anos para a economia brasileira dobrar o seu PIB per capita. Ou seja, a economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar. É mais uma comemoração feita por um governo medíocre que se contenta com resultados medíocres.
INVESTIMENTOS CAEM
Já como reflexo dos juros altos, a taxa de investimento caiu um ponto percentual na comparação anual, passando de 19,7% para 18,7%. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede os investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil, recuou -3,5% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao quarto trimestre do ano passado, e caiu -7,2% frente ao primeiro trimestre de 2021.
Outros dados a serem observados no resultado do PIB do 1° trimestre é o Consumo das Famílias, que variou em alta de apenas 0,7%, e a despesa de Consumo do Governo (0,1%) que teve crescimento basicamente nulo.
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)