“A economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar”, destacou o economista José Luis Oreiro
A economia brasileira variou 1% no primeiro trimestre de 2022, na comparação com quarto trimestre de 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nesta quinta-feira (2). Em valores correntes, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a R$ 2,249 trilhões.
O resultado do PIB, que é a soma do conjunto de todas as riquezas produzidas por um país, foi puxado pelo setor de Serviço (1,0%), que ganhou algum fôlego com o fim das restrições impostas no combate à Covid-19. Com a inflação generalizada dos preços e os juros altos acima dos dois dígitos, o desempenho do primeiro trimestre não deve se repetir ao longo do ano. É o que aponta o economista e professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, em entrevista ao HP.
HORA DO POVO: Qual a sua avaliação sobre o resultado do PIB no primeiro trimestre de 2022?
JOSÉ LUISOREIRO: “Esse resultado do PIB de alta de 1% em relação ao quarto trimestre de 2021 foi basicamente devido ao setor de serviço. A indústria cresceu 0,1% e o agronegócio caiu (-0,9%). A questão mais relevante, no meu ponto de vista, não é o número em si do primeiro trimestre, mas se esse resultado se sustenta ao longo do ano. Para a gente poder analisar isso, temos que entender por que houve crescimento de 1% no primeiro trimestre, apesar dos juros altos, apesar da inflação e etc. Bom, o que houve foi uma demanda reprimida, já por dois anos de pandemia, por serviços.
Com a redução do número de casos de morte por causa da Covid-19 – devido ao avanço formidável da vacinação – houve uma espécie, assim, de frenesi de consumo reprimido por serviços e isto levou a esse número de 1%, que anualizado daria 4%.
HP: Com a inflação e os juros em patamares elevados é possível que a atividade econômica se sustente em alta nos próximos trimestres?
OREIRO: Esse ritmo não vai se sustentar, primeiro, porque essa demanda reprimida meio que já foi atendida. Então ela não vai continuar ocorrendo nos próximos trimestres. Você tem a elevação da inflação. A inflação no acumulado dos últimos doze meses continua crescendo, corroendo o poder de compra dos salários e, portanto, vai afetar o consumo das famílias. Nós temos também, que 8 em cada 10 famílias brasileiras têm dívidas a vencer no ano de 2022. Ou seja, o nível de endividamento está muito alto, o que também limita a perspectiva de aumento do consumo. Têm os efeitos defasados da elevação da taxa de juros, quer dizer, quando o Banco Central eleva a taxa de juros, o efeito sobre a demanda agregada leva de 6 a 9 meses para ocorrer. Então, agora em 2022 é que a gente vai começar a sentir os efeitos da elevação da Selic no 2º semestre de 2021. Portanto, os efeitos mais fortes e negativos da elevação da Selic vão se sentir no terceiro e quarto trimestre de 2022.
HP: A economia deve entrar em recessão em 2022?
OREIRO : Existem já alguns analistas que estão prevendo a possibilidade de crescimento negativo do PIB no terceiro e no quarto trimestre de 2022, caso isso se concretize, o país entrará numa recessão técnica no final de 2022. Isso não quer dizer que o crescimento do PIB em 2022 vai ser negativo, porque como já teve um crescimento alto no primeiro trimestre é provável que isso vai compensar o crescimento baixo ou negativo do terceiro ou do quarto trimestre de 2022. Mas, de qualquer forma, o consenso entre os analistas de mercado é que a economia brasileira deverá crescer abaixo de 1% em 2022.
HP: Mas o governo Bolsonaro vê o resultado do PIB do 1º tri como “robusto” e que consolida o processo de recuperação em “V”.
OREIRO: Esse número de 1% é ridiculamente baixo. Lembrando que a população brasileira cresce 0,8% ao ano, portanto o crescimento do PIB de 1% significa o crescimento da renda per capita de 0,2% ao ano. Se esse ritmo de crescimento for mantido ad infinitum vai levar 144 anos para a economia brasileira dobrar o seu PIB per capita. Ou seja, a economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar. É mais uma comemoração feita por um governo medíocre que se contenta com resultados medíocres.
INVESTIMENTOS CAEM
Já como reflexo dos juros altos, a taxa de investimento caiu um ponto percentual na comparação anual, passando de 19,7% para 18,7%. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede os investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil, recuou -3,5% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao quarto trimestre do ano passado, e caiu -7,2% frente ao primeiro trimestre de 2021.
Outros dados a serem observados no resultado do PIB do 1° trimestre é o Consumo das Famílias, que variou em alta de apenas 0,7%, e a despesa de Consumo do Governo (0,1%) que teve crescimento basicamente nulo.
A tragédia do Brasil é uma elite que não está interessada em construir uma nação rica e soberana, mas acumular capital pela sobre-exploração da força de trabalho conjugada com devastação ambiental
Por: José Luis Costa Oreiro (UnB/UPV/CNPq), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (IE-UFRJ, CNPq), Lauro Mattei (UFSC/NECAT), Fábio Guedes Gomes (UFAL), Maurício Weiss (UFRGS), Kalinka Martins da Silva (IFG/Campus Luziânia), AdalmirMarquetti (PUCRS) e Daniel Moura da Costa Teixeira (PPGECO/UnB)*
“Não é no que pensamos, mas no como pensamos, que reside nossa contribuição a teoria”.
Carl von Clausewitz
O crescimento mais expressivo da economia brasileira a partir de 2003 começou a ser interrompido com a emergência da crise financeira mundial de 2008-2009. A mudança no cenário internacional colocou limites na capacidade de a política econômica propiciar elevado nível de utilização da capacidade instalada, aumento dos salários e a manutenção da rentabilidade do capital.
Quando a crise internacional se tornou sistêmica a partir de 2008, ocorreram quedas do superávit comercial – notadamente na balança comercial de manufaturados, que se tornou deficitária – fato que colocou em debate, a forma de inserção do país no comércio internacional, bem como o tipo de bens e produtos que estavam sendo exportados. A partir de então, ganharam espaço diversos estudos sobre a estrutura de produção industrial do país neste novo cenário econômico mundial.
Nesse contexto, o tema da desindustrialização do país passou a ser debatido com maior ênfase, à luz do conteúdo tecnológico presente nos fluxos comerciais e seus possíveis efeitos sobre a estrutura produtiva. Já era visível, na época, que o padrão de inserção do País no comércio externo comprometeria, no longo prazo, a competitividade e o dinamismo industrial.
De um modo geral, observava-se a existência de uma “crise” no setor industrial, a qual estava se generalizando, sobretudo nos ramos tradicionais (setores menos intensivos em tecnologia), que vinham enfrentando dificuldades para competir, tanto no mercado interno como externo, devido ao baixo grau de incorporação de conteúdo tecnológico.
Esse fato conduzia a uma baixa competitividade da indústria de transformação e provocava perda de dinamismo do conjunto da economia, uma vez que a falta de ganhos de produtividade industrial impedia um crescimento do PIB a patamares mais elevados.
Para tornar a situação ainda mais complexa, a produtividade da mão de obra brasileira também contribuiu para a perda de competitividade industrial vis a vis seus principais concorrentes internacionais. O país ainda se encontra atrasado no enfrentamento dos elevados níveis de analfabetismo e na formação de mão de obra adequada aos novos horizontes do desenvolvimento tecnológico e inovação empresarial, especialmente naqueles ramos mais dinâmicos da indústria moderna, onde o uso de novas competências é fundamental como, por exemplo: inteligência artificial, big data, cyber segurança, robótica avançada, internet das coisas, biotecnologia etc.
Neste cenário, alertava-se que o país corria o risco de apresentar uma especialização produtiva primária assentada na produção de bens agropecuários e produtos extrativos minerais, concomitantemente com uma desestruturação do setor secundário, dada a baixa capacidade de desenvolvimento tecnológico do setor industrial, especialmente do ramo da indústria de transformação. Além disso, afirmava-se que a somatória desses dois fatores poderia ter impactos bastante negativos sobre o desenvolvimento econômico e social do conjunto da nação.
De fato, a regressão produtiva das últimas décadas pode ser analisada à luz da participação da indústria de transformação no PIB brasileiro. Segundo dados do Ipeadata, apresentados na Figura 1 abaixo, essa participação caiu de 17,35% do PIB, em 2005, para 11,33%, em 2021, ou seja, uma queda de 6 p.p do PIB num período de apenas 16 anos, apesar do crescimento da produção física da indústria de transformação no período 2003-2013.
Essas informações revelam que o Brasil está acometido por um grave processo de desindustrialização, o que tem contribuído para levar o país à estagnação econômica e ao retorno à condição de “colônia informal” dos países desenvolvidos e de “fazendão” que prevalecia até a Revolução de 1930, agora enquanto exportador de commodities agrícolas e de recursos minerais. Em outras palavras, a desindustrialização está associada à reprimarização da pauta de exportações.
A reprimarização da pauta de exportações brasileiras tem também um efeito que não é adequadamente levado em conta no debate público no Brasil, a saber: a pressão crescente sobre o meio ambiente e recursos naturais e o nível de devastação alarmante, como recentemente revelaram os dados publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe.
O agravamento do problema ambiental é o outro lado da moeda da reprimarização da pauta de exportações e da desindustrialização precoce da economia brasileira, haja vista que a produção e exportação de produtos primários é altamente rentável, mas intensiva na ocupação de terras; o que tem levado a fronteira agrícola do país para dentro dos limites da floresta amazônica, o que se traduz, muitas vezes, em desflorestamento e queimadas ilegais.
Um dos resultados mais evidentes do processo de regressão produtiva que o país está passando é a rápida e intensa reprimarização da pauta exportadora, associada ao forte aumento no coeficiente de insumos importados, independentemente do conteúdo tecnológico e valor agregado. Como pode ser visto no gráfico abaixo, a participação de produtos manufaturados no saldo da balança comercial se torna, a partir de 2008, fortemente negativa, ao mesmo tempo em que crescem os valores de bens básicos.
Essa profunda mudança estrutural negativa, a qual os economistas novo-desenvolvimentistas denominam de “regressão produtiva”, esteve associada a uma inequívoca redução do crescimento potencial da economia brasileira. Conforme podemos verificar na figura 3 abaixo, a média móvel de 10 anos da taxa de crescimento da economia brasileira, após alcançar um pico de 4,03%, em 2013, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, começou a apresentar um declínio acentuado, atingindo a ridícula marca de 0,36% no terceiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro.
Para os economistas liberais, esses dois fatos não são correlacionados: o problema da estagnação da economia brasileira dos últimos 10 anos se deve a uma alegada “nova matriz macroeconômica” – expressão infeliz criada pelo secretário de política econômica do primeiro governo Dilma Rousseff, Márcio Holland – que produziu um “excesso de intervenção do governo na economia” levando a uma má-alocação dos fatores de produção, o que seria a causa do baixo crescimento recente.
A hipótese de má-alocação de recursos é, contudo, uma teoria desprovida de evidência empírica ou uma evidência empírica desprovida de teoria, como foi explicado recentemente por um dos autores deste documento em artigo publicado no site do CORECON-DF.
Esse grupo de economistas liberais vem advogando, desde 2016, a adoção de uma agenda de reformas econômicas como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o teto de gastos, a qual supostamente devolveria o dinamismo da economia brasileira, fazendo com que o “PIB privado” liderasse o crescimento econômico ao invés do “PIB do governo” como fora realizado durante as administrações petistas. Os economistas liberais propõem alterar, de um lado, as políticas públicas com a redução dos gastos sociais e dos impostos, de outro, as regras do mercado de trabalho que possibilitariam diminuir a renumeração do trabalho e, assim, aumentar a renumeração do capital.
Todavia, o fracasso dessa agenda liberal pode ser observado à luz das reformas já realizadas. Em 2016 foi aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional de “Teto dos Gastos” (Emenda Constitucional 95), mecanismo que estabeleceu um teto fixo em termos reais para os gastos primários (excluindo-se do teto, portanto, os gastos com o pagamento de juros da dívida pública) do governo federal por um período de 20 anos.
Percebe-se, claramente, que logo após a aprovação dessa emenda constitucional do “Teto de Gastos” produziu-se, em âmbito nacional, uma redução significativa dos gastos federais nas áreas de saúde e educação. Porém, com o início da pandemia da Covid-19 em 2020, a vigência do “Teto de Gastos” foi temporariamente revogada por intermédio de uma nova emenda constitucional que estabelecia a suspenção das regras fiscais durante o estado de calamidade pública, vigente até 31/12/2020.
Por sua vez, em 2017 foi realizada a reforma trabalhista, ação defendida como sendo a solução redentora do problema do desemprego no Brasil, uma vez que bastaria fazê-la que imediatamente milhões de empregos seriam criados no país. Na verdade, o que se viu desde então foi uma taxa de desemprego duradoura e em patamares bastante elevados, a qual tem flutuado, desde então, em torno de 12% da força de trabalho.
Se a esse contingente foram acrescidos os trabalhadores que fazem bicos por não conseguirem uma jornada de trabalho integral e os trabalhadores desalentados (aqueles que procuram emprego, não encontram e acabam desistindo) chega-se a um montante de aproximadamente um terço da População Economicamente Atividade (PEA) do país. Isso significa dizer que a reforma trabalhista resultou numa brutal precarização do mercado de trabalho brasileiro, ou seja, um grande engodo para a classe trabalhadora e um alento temporário à recuperação das taxas de lucros.
Por fim, realizou-se a reforma da Previdência Social entre os anos de 2018-2019 levando ao desmonte do Sistema de Seguridade Social aprovado na Constituição de 1988[1]. Por meio do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (a chamada DRU) ampliou-se o percentual de desvinculação de 20% para 30%. Em termos monetários, apenas no ano de 2016 essa ampliação significou a retirada de R$ 126 bilhões da receita da Seguridade Social. Por outro lado, as desonerações fiscais implementadas ainda no primeiro governo Dilma afetaram negativamente a receita do sistema de Seguridade Social em, aproximadamente, R$ 90 bilhões ao ano.
Acrescente-se a isso os impactos negativos sobre a receita do Sistema de Seguridade Social derivados das dívidas crescentes, especialmente das grandes empresas, dos grandes bancos e dos times de futebol, cujo montante relativo ao ano de 2019, divulgado pelo sindicato nacional dos auditores fiscais do INSS, atingiu R$ 500 bilhões. A nosso ver, esses são elementos centrais que levaram ao colapso da saúde financeira do Sistema de Seguridade Social, por mais que se insista em discutir o problema apenas pela ótica do gasto, ou seja, do pagamento dos benefícios.
Passados seis anos da adoção do novo modelo de crescimento para a economia brasileira (2016-2021), os resultados foram decepcionantes, para dizer o mínimo. Enquanto a média de crescimento do PIB brasileiro foi de 2,64% a.a, entre 1980 e 2014, o crescimento médio no período 2017-2019 (período no qual a política econômica do Brasil foi conduzida totalmente pelos economistas liberais) foi de apenas 1,44% a.a, valor que corresponde a apenas 54,6% do crescimento do período 1980-2014. Os dados não permitem chegar a outra conclusão que não seja dizer em alto e bom som: o experimento liberal no Brasil foi um fracasso retumbante.
Quando confrontados com a realidade inescapável do seu fracasso, os economistas liberais reagem afirmando que o Brasil ainda não adotou todas as reformas necessárias para a retomada do crescimento econômico ou foram insuficientes aquelas levadas a cabo. Além das reformas já mencionadas anteriormente, voltaram a afirmar que ainda é necessário um choque de privatizações, com a venda do que restam das empresas estatais brasileiras, especialmente da Petrobras e do Sistema Eletrobras, os bancos do Brasil e Caixa Econômica, além da adoção de uma reforma administrativa que modernize o setor público brasileiro. Ou seja, sempre falta mais uma reforma liberal a ser implementada para a economia voltar a crescer.
O choque de “privatização” é uma má ideia já abandonada pelos países desenvolvidos. Conforme a figura 4 abaixo mostra, a onda de privatizações nos países desenvolvidos foi largamente revertida no período 2000-2017, ou seja, verificou-se um intenso movimento de reestatização devido às ineficiências manifestas das empresas privatizadas, as quais aumentaram os preços dos seus produtos ao mesmo tempo em que reduziram a qualidade dos respectivos serviços prestados.
A reforma administrativa prevista pela Proposta de Emenda Constitucional 32 (PEC 32), por seu turno, não tem por objetivo modernizar o serviço público no Brasil, mas tornar os servidores públicos em serviçais dos políticos de plantão; uma vez que a reforma cria novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir, fortemente, os cargos em que deve haver estabilidade. A reforma propõe, também, a criação dos cargos de liderança e assessoramento, algo na linha contrária a tudo o que foi feito no Brasil desde 1930, quando se passou a priorizar a estabilidade dos servidores públicos como forma de incrementar a profissionalização das atividades de Estado.
A PEC da reforma administrativa restringe o acesso transparente e meritocrático aos cargos públicos. Por fim, ela abre possibilidade para acumulação de cargos em carreiras menos prestigiadas, o que aumenta a possibilidade de interferências privadas e conflitos de interesses para esses cargos. Daqui se segue, portanto, que se a reforma administrativa for aprovada, o Estado Brasileiro irá retornar aos padrões prevalecentes na “República Velha”, um retrocesso de quase um século, uma reinserção ao Estado pré-moderno!
A agenda econômica liberal proposta pelo governo Temer e, ao menos na esfera da retórica, pelo governo Bolsonaro, nada mais é do que o retorno ao que o historiador econômico Erik Reinert (2016) denomina de “colonialismo”. Nas suas palavras,
“O Colonialismo é, antes de tudo, um sistema econômico, um tipo de integração econômica profunda entre os países. Não importa muito sob qual liderança política isso ocorre – independência nominal e “livre comércio” ou não. O importante é verificar que tipos de bens fluem em qual direção (…) as colônias são nações especializadas no “comércio ruim”, na exportação de matérias-primas e na importação de bens de alta tecnologia, seja industrial ou vindos de um setor de serviços que faz uso intensivo de conhecimento” (p. 190).
O ponto a ser ressaltado é que o Brasil dos últimos 20 a 30 anos adotou, inicialmente e de forma inconsciente, e depois de 2016 de forma deliberada, o modelo “colonialista”. A agenda de reformas não tem por objetivo emular as políticas econômicas que fizeram com que os países ricos se tornassem ricos, mas sim produzir uma espécie de “acumulação primitiva de capital” por intermédio do retorno do país às atividades primário-exportadoras, como já visto, e a redução dos salários e benefícios trabalhistas, elevando, assim, a “mais-valia absoluta” para utilizar o conceito criado por Karl Marx.
O projeto neoliberal de regressão produtiva tem por objetivo a recuperação da taxa de lucro do capital (ROE: Return Over Equity ou retorno sobre o capital próprio) na economia brasileira, o qual se reduziu de forma significativa no período 2010-2014, devido à elevação dos salários reais acima do crescimento da produtividade do trabalho, especialmente em função do sobreaquecimento do mercado de trabalho. Segundo dados de Rocca (2015), o ROE despencou a partir de 2012: 16,5% em 2010, 12,6% em 2011, 7,2% em 2012, 7,0% em 2013 e 4,3% em 2014.
Em suma, trata-se de um projeto para reverter o profit-squeeze por intermédio de uma sobre-exploração da força de trabalho, como forma de compensar a falta de esforço ou ousadia de inversão no longo prazo em uma estratégia moderna e competitiva de elevação da produtividade com inovação tecnológica e qualificação da mão de obra, conforme os padrões exigidos pelas tendências da economia do século XXI.
A partir da metade da segunda década do século XXI os problemas do mercado de trabalho ficaram mais evidentes, uma vez que tal período representa os piores índices de desemprego da história recente do país. Assim, nota-se que a taxa de desocupação passou de 7%, em 2014, para 13%, em 2017, percentual que representava mais de 13 milhões de pessoas. Tal situação pouco se alterou até o mês de fevereiro de 2020, quando essa taxa permanecia próxima ao redor de 12%. Com a emergência da pandemia da Covid-19, esse cenário se agravou ainda mais, uma vez que a taxa de desocupação atingiu 15% no segundo semestre de 2021.
Além do mercado de trabalho permanecer com elevadas taxas de desemprego ao longo dos últimos sete anos, outro fator determinante para a precarização das condições de trabalho é o reduzido grau de formalização das relações de trabalho. Ou seja, em 2014 o grau de formalização das ocupações no país era de 55%, percentual que caiu para 51% ao final de 2020. Em termos absolutos, isso significou que ao longo dos últimos seis anos foram perdidos cerca de 2,5 milhões de empregos com carteira de trabalho assinada.
Em suma, as condições do mercado de trabalho, que já eram péssimas após a crise econômica de 2015-2017, se agravaram ainda mais com a pandemia provocada pelo SARS-COV-2, especialmente nos empregos do ramo industrial. A perda de dinamismo desse setor provocou um deslocamento de um número expressivo de trabalhadores para setores de menor produtividade, especialmente do comércio e serviços, os quais atuam como válvula de escape diante da queda do emprego formal em setores tradicionais.
Todavia, com a paralisação de partes importantes das atividades, devido aos mecanismos de controle da pandemia, os problemas do mercado de trabalho do País se avolumaram ainda mais. Mesmo assim, o ideário econômico neoliberal continua apregoando a necessidade de um mercado “mais flexível”.
Nesse contexto, no aniversário de 200 anos da independência do Brasil temos pouco a comemorar. Com efeito, o modelo econômico adotado nas últimas três décadas abandonou o projeto “Varguista” de desenvolvimento econômico como instrumento para garantir a soberania e a independência de facto do Brasil. Os conselhos dados pelos economistas liberais não têm por objetivo tornar o Brasil uma nação rica e soberana; mas apenas reforçar os laços coloniais que o país voltou a ter a partir dos anos 1990 com as “reformas liberais” implementadas pelos governos Collor e FHC.
Desde 2016 as rédeas da política econômica no Brasil têm estado com os economistas liberais, os quais depois de um período de serviços prestados ao colonialismo, exercendo altos cargos na administração pública, são regiamente recompensados com postos de trabalho altamente remunerados no setor financeiro privado.
Ao fim e ao cabo, como o leitor deve ter percebido na frase que abre esse documento, Clausewitz estava certo: a maneira como pensamos é fundamental. A tragédia do Brasil é que nossa elite econômica e política não está interessada em defender a construção de uma nação rica e soberana, mas apenas em satisfazer seus desejos privados de acumulação de capital, por mecanismos primitivos de sobre-exploração da força de trabalho conjugados com a devastação ambiental, agora largamente promovida pelo governo Bolsonaro.
Infelizmente, muito pouco teremos a comemorar no dia 07 de setembro de 2022. Contudo, mantido o processo democrático, o Brasil continuará sendo o país do futuro.
* O artigo é resultado das discussões entre professores e pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior (públicas e privadas) e, em sua maioria, participantes do grupo de pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”, cadastrado no Diretório do Grupo de Pesquisas da UnB e sediado no Departamento de Economia da Universidade de Brasília.
Crédito da foto da página inicial: William West/AFP
[1] Importante observar que o orçamento do Sistema de Seguridade Social cobre as despesas e investimentos em saúde, assistência social e previdência social
Todos os meus leitores sabem que meu voto no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022 será para Luis Inácio Lula da Silva. Isso porque as eleições de 2022 serão uma disputa entre a barbárie – representada pelo cidadão que ocupa atualmente o palácio do planalto – e o atual maior líder político do Brasil desde Getúlio Dornelles Vargas. As pesquisas de opinião mostram recorrentemente que não existe espaço para uma alegada “terceira via”, incluindo o representante legítimo do desenvolvimentismo Brasileiro, Ciro Gomes. Não é possível brigar com a realidade. Nossa escolha, gostemos ou não será entre Bolsonaro e Lula. Nessas condições meu voto será no representante da civilização em ambos os turnos da eleição presidencial.
Mas isso não impede que meu apoio a candidatura de Lula seja, por assim dizer, crítico. Votei em Lula nas eleições de 2002 acreditando que ele iria mudar o modelo macroeconômico adotado por Fernando Henrique Cardoso. Pura Ilusão. O primeiro mandato do Presidente Lula foi mais do mesmo da política macroeconômica de FHC II. Em 2006, contrariado com a ortodoxia do governo Lula, votei em Geraldo Alckmin no primeiro e no segundo turno das eleições. Perdi. Lula venceu no segundo turno e começou uma mudança tímida na orientação da política macroeconômica na direção daquilo que eu e outros economistas defendíamos no livro Agenda Brasil publicado em 2003 pela editora Manole em parceria com a Fundação Konrad Adenauer, vinculada ao partido democrata cristão da Alemanha. Face a crise financeira internacional de 2008, detonada pela falência do Banco de Investimento Lehman Brothers em 15/09/2008, o governo brasileiro adotou uma política fiscal e para-fiscal expansionista, ao mesmo tempo que o Banco Central do Brasil, presidido por Henrique Meirelles, fazia ouvidos moucos a crise e manteve até janeiro de 2009 a taxa básica de juros inalterada em mais de 14% a.a. Conversas de bastidores, das quais tomei parte ativa, assinalaram que Meirelles esteve a prestes de ser demitido da presidência do Banco Central pelo Presidente Lula, o qual recuou da decisão apenas depois do COPOM aceitar reduzir a taxa de juros básica em janeiro de 2009, quase 4 meses após a deflagração da crise financeira internacional.
A adoção de políticas monetária e fiscal expansionistas no bojo da crise internacional era a lição de livro texto de macroeconomia para o Brasil lidar com a crise de 2008. Nisso o governo Lula foi extraordinariamente bem sucedido: já no segundo semestre de 2009 a economia brasileira estava crescendo rapidamente e alcançaria a mais elevada taxa de crescimento, desde 1981, em 2010, com um ritmo Chinês de crescimento de quase 8% a.a. Parecia que o Brasil havia retomado a rota do desenvolvimento auto sustentado com equidade social.
As coisas começaram a dar errado a partir de 2011 com o primeiro mandato da Presidenta Dilma Rouseff. A taxa de crescimento do PIB se desacelerou drasticamente em 2011 na comparação com 2010. Alguns economistas atribuem esse fato ao “ajuste fiscal” feito no início do primeiro mandato da Presidenta Dilma, quando foi realizado um grande corte do investimento público. Sem dúvida que essa contração fiscal teve importância para a desaceleração do investimento, mas não foi fundamental. Desde meados dos anos 2000, a economia brasileira estava passando por um profundo processo de desindustrialização prematura, com uma queda acentuada da participação da indústria de transformação no PIB, conforme observamos na figura abaixo. Essa mudança estrutural negativa – resultada da sobrevalorização da taxa de câmbio e da ausência de políticas industriais bem formuladas que demandassem contrapartidas das empresas beneficiadas por tais políticas – resultou numa redução do crescimento potencial da economia brasileira e, dessa forma, pavimentou o caminho para a crise de acumulação de capital ocorrida em 2014 em função da queda da taxa de lucro do setor privado não financeiro, resultante do crescimento dos salários reais acima do ritmo de crescimento da produtividade. Confrontados com uma queda significativa da taxa de lucro sobre o capital próprio, os empresários do setor não-financeiro reagiram com uma “greve de investimentos”, colocando a economia brasileira em recessão no segundo semestre de 2014.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do Autor.
O segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff foi o maior estelionato da história recente do Brasil: A Presidenta reeleita prometendo impedir que o Banco Central tirasse comida do prato dos brasileiros, assistiu passivamente o Banco Central – na época sobre seu total controle – fazer uma brutal elevação da taxa de juros no meio de uma recessão. Não fosse isso bastante, o Ministro da Fazenda. Joaquim Levy, promoveu o maior corte de investimentos públicos dos últimos 30 anos, reduzindo o gasto de investimento do governo federal em cerca de 35%. Por fim, o governo federal liberou os reajustes dos preços administrados (energia e combustíveis), o que levou a inflação para a casa de mais de 10% a.a. e 2015. A combinação de recessão com inflação foi fatal para a popularidade do governo de Dilma Rouseff, o qual sofreu processo de impeachment em abril de 2016. O assim chamado “golpe parlamentar” permitiu o retorno dos economistas liberais ao poder com o projeto “ponte para o futuro” do Presidente Michel Temer, o qual foi um fracasso retumbante em termos de recuperação do crescimento perdido: entre 2017 e 2019 o Brasil cresceu apenas 1,55 a.a, quase 40% menos do que na média do período 1980-2014, cujo valor foi de 2,88% a.a.
O desastre econômico e político do governo Dilma Rouseff deveria ter levado o PT a uma auto crítica sobre o que deu errado em seus 13 anos de governo. Mas ao invés disso, o ex-mais-longevo ministro da fazenda, Guido Mantega, escreveu em 05 de janeiro de 2022 na Folha de São Paulo um artigo afirmando que as políticas econômicas adotadas durante a sua gestão a frente da pasta foram essencialmente corretas (https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4975451-artigo-de-guido-mantega-sobre-economia-repercute-entre-pre-candidatos.html). No seu artigo, Guido Mantega defende um suposto social-desenvolvimentismo, conceito desprovido de fundamentação teórica, pelos (sic) acertos na política econômica dos governos do PT.
Acompanhando de longe a discussão interna ao PT sobre o modelo macroeconômico a ser adotado após a provável vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, minha sensação é de deja-vu. Ao que parece os economistas do PT, tal como os Bourbons espanhóis depois da restauração advinda com a derrota dos exércitos de Napoleão Bonaparte, “Não aprenderam nada, não esqueceram nada” e irão implementar as mesmas políticas econômicas que levaram ao declínio do PT entre 2010 e 2016. Ao invés de terem a coragem de adotar o novo-desenvolvimentismo – única alternativa ainda não testada entre o neoliberalismo de Temer e Bolsonaro e o social desenvolvimentismo fracassado dos governos de Dilma Rouseff – o PT, única alternativa real de derrotar o fascismo nas eleições de 2022, pretende cometer os mesmos velhos erros do passado. Se assim ocorrer, estaremos adiando por quatro anos o retorno triunfal do fascismo, talvez com outras roupagens.
Carlos Von Doellinger defendeu que o Brasil deixe de apoiar o setor industrial e coloque foco em suas vantagens comparativas, como o agronegócio e a mineração
Por Fabio Graner e Edna Simão, Valor — Brasília
A fala do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doellinger, ao Valor, na qual defendeu que o Brasil deixe de apoiar o setor industrial e coloque foco em suas vantagens comparativas, como o agronegócio e a mineração, provocou mal-estar e forte reação no setor industrial. A visão geral é que o Brasil não pode ser comparado com países com população muito menor, como Austrália, Chile e Canadá, e que precisa, sim, desenvolver a indústria como fonte de geração de empregos e de aumento da renda nacional.
“Essa posição do presidente do IPEA demonstra que ele, lamentavelmente, não tem a mínima noção da importância do segmento industrial para a produtividade e o desenvolvimento dos demais setores da economia, e como dinamizador da economia nacional”, disse ao Valor, por meio de nota, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, manifestando também o posicionamento do Fórum Nacional da Indústria, que congrega cerca de 70 associações setoriais.
“Não estou subestimando a importância dos setores agrícola e mineral para a economia nacional. Mas o fato é que o Brasil se transformaria em uma roça, a fazenda do mundo, exportando apenas commodities e matérias-primas, assim como empregos de qualidade, para as economias mais desenvolvidas”, afirma Andrade. A CNI destaca que apenas a indústria manufatureira nacional é responsável por 25% da arrecadação de tributos federais e por 23% da arrecadação previdenciária patronal. Responde também por 50,6% das exportações brasileiras de bens e serviços e por 65% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Em função d
e sua extensa cadeia de fornecedores, cada R$ 1 produzido na indústria de transformação gera R$ 2,40 na economia nacional como um todo. Nos demais setores, o valor é menor: R$ 1,66, na agricultura, e R$ 1,49, nos segmentos de comércio e serviços.
Para o diretor de relações institucionais da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Cordeiro, o raciocínio de que o Brasil deveria apoiar apenas as atividades agrícolas e minerais repete a lógica da medida tomada pela rainha Maria 1ª, há mais de dois séculos, quando ela proibiu no Brasil fábricas e manufaturas para não atrapalhar essas outras atividades. “Isso não deu certo. A indústria que é capaz de gerar maior renda e bem-estar para a população. A Austrália tem apenas 22 milhões de habitantes, o Brasil não pode se dar ao luxo de concentrar atividades”, diz Cordeiro, mencionando os dados sobre agregação de valor na indústria. “O Brasil não pode prescindir de uma indústria grande e de base tecnológica”, acrescentou.
Cordeiro afirma ainda que o problema do Brasil é seu elevado custo para se produzir, em termos tributários e de outras obrigações. Nesse sentido, explica, não poderia nem ser considerado alto o volume de mais de R$ 300 bilhões em gastos tributários, que representam apenas um quinto do chamado “custo Brasil”. “Nossa indústria é competitiva e eficiente. Nossos grandes problemas são logística, custo de capital alto, falta de segurança jurídica e uma carga tributária elevada”, salientou. O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, demonstrou bastante contrariedade com as declarações do presidente do Ipea. Para ele, o raciocínio do técnico do governo é como se estivesse dizendo que a Ford fez bem em sair do Brasil.
“É impressionante em um país com indústria ampla e diversificada ouvir algo assim. É uma desconexão com a realidade brutal. No final das contas, a gente não é necessariamente competitivo porque temos o governo mais caro do mundo”, afirmou, referindo-se questões como custo tributário, energético e logístico. “A gente não está pedindo proteção, e, sim, regras claras. A nossa carga tributária é muito mais alta do que de serviços e agro, é uma questão mais ampla de reforma tributária”, disse.
O vice-presidente da Fiesp e presidente da Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz Coelho, também criticou. “É lamentável que o presidente de uma fundação ligada ao Ministério da Economia tenha este conceito equivocado do papel da indústria”, disse, também destacando ser errada a
comparação com países como Austrália. “Os países que tiveram uma participação expressiva da indústria no PIB chegaram muito mais rápido ao grau de desenvolvimento”, acrescentou, reforçando que a competitividade de setores como a agricultura foi influenciada pela indústria Para o consultor Welber Barral, sócio da BMJ Consultores Associados, como teoria geral, o Brasil tem que aproveitar a suas vantagens comparativas, porém, o país de mais de 200 milhões de habitantes teria dificuldade para criar renda e emprego somente com a produção agrícola, que remunera pouco o trabalhador e ainda passa por um processo de mecanização. Além disso, se isso fosse feito, o setor de serviços não é desenvolvido o suficiente para absorver os trabalhadores.
“Se diminuir a indústria, a agricultura não tem como absorver a mão de obra”, destacou. “Na prática, o risco de problemas sociais é muito alto”, acrescentou. Ele lembrou que Estados Unidos é um grande exportador de commodities, com um setor de serviços desenvolvido e não abriu mão da indústria. Observou ainda que a Austrália tem uma população de cerca de 25 milhões de pessoas, e, portanto, também mais facilidade de se dedicar ao setor que tem mais vantagem competitiva. Barral ressaltou que a indústria vem sendo penalizada pelo sistema tributário desde a Constituição Federal de 1988, enquanto o setor agrícola exportador praticamente não paga imposto, assim como o da mineração. E que o segmento dos serviços é beneficiado, por exemplo, com regimes especiais. “Na prática, o Brasil tem muito a dar em competitividade para a indústria brasileira, principalmente, e se fizer a reforma tributária”, ressaltou.
Para o professor da UnB, José Oreiro, o presidente do Ipea fala como se a indústria fosse “algo que está acima da capacidade cognitiva dos brasileiros”. “Ele diz que devemos nos contentar com nossas vantagens comparativas na produção de soja e minério de ferro. Esse é um argumento ridículo e totalmente contrário à evidência empírica disponível. Entre 1930 e 1980, o Brasil cresceu a uma taxa média de 8% a.a. puxado pelo crescimento do setor manufatureiro”, disse. “O período de redução do crescimento e posterior estagnação da economia brasileira coincidiu precisamente com a desindustrialização… Além disso, vantagens competitivas não são um dado da “natureza”; mas são construídas ao longo do tempo”, completou.
Em função do comportamento da taxa nominal de câmbio nos últimos dois anos, alguns expoentes do novo-desenvolvimentismo parecem endossar a ideia de que a taxa de câmbio no Brasil finalmente teria alcançado o nível compatível com o equilíbrio industrial. Na definição original do conceito de equilíbrio industrial, como se constata em Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi (2015), a taxa de câmbio de equilíbrio industrial seria aquela para a qual as empresas domésticas que operam com tecnologia no estado-da-arte mundial são competitivas tanto no mercado doméstico como no mercado internacional. Embora a metodologia de cálculo para a taxa de câmbio de equilíbrio industrial esteja apresentada no site do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo (ver https://eaesp.fgv.br/metodologia-calculo-valor-taxa-cambio-equilibrio-industrial-0); infelizmente não é possível encontrar a série estimada para a taxa de câmbio de equilíbrio industrial no referido site. Sendo assim, para avaliar se a taxa de câmbio se encontra sobrevalorizada com respeito ao nível de equilíbrio industrial precisamos de outro método.
A teoria novo-desenvolvimentista estabelece que no caso de países ricos em recursos naturais a taxa de câmbio compatível com o equilíbrio em conta corrente do balanço de pagamentos (o que significa, na teoria novo-desenvolvimentista, um saldo em conta corrente como proporção do PIB igual a zero) será mais baixa (apreciada) com relação a taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Dessa forma, se a taxa de câmbio se encontrar próxima do nível de equilíbrio industrial o país deverá observar um superávit em conta corrente do balanço de pagamentos. Nesse contexto, se o país apresentar déficit em conta corrente do balanço de pagamentos de forma persistente, então não só a taxa de câmbio se encontrará sobrevalorizada com respeito ao nível de equilíbrio industrial, como também com relação ao nível de equilíbrio em conta corrente. Sendo assim, a observação de um déficit em conta corrente persistente será prova inequívoca de que a taxa de câmbio se encontra sobrevalorizada com respeito ao nível de equilíbrio industrial, mesmo que não sejamos capazes de determinar diretamente esse valor.
O gráfico abaixo mostra o comportamento da média móvel dos últimos 12 meses da taxa real efetiva de câmbio, série INPC-Exportações-Manufaturados calculada pelo IPEADATA (mensurada no eixo esquerdo) e do saldo em conta corrente acumulado nos últimos 12 meses como proporção do PIB, calculado pelo Banco Central do Brasil (mensurada no eixo direito). O período de análise tem início em janeiro de 1998 e término em março de 2020.
Fonte: IPEADATA e Banco Central do Brasil. Elaboração do autor.
Ao longo desse período Brasil apresentou superávit em conta corrente entre junho de 2003 e dezembro de 2007, ou seja, durante 55 meses. O superávit em conta corrente médio desse período foi de 1,1% do PIB ao passo que o valor médio da taxa real efetiva de câmbio foi de 157,25. Nos três anos anteriores ao início da Pandemia de Coronavírus, ou seja, entre abril de 2017 e março de 2020, o Brasil apresentou um déficit em conta corrente médio de 1,8% do PIB e uma taxa real efetiva de câmbio média de 130,8. Na comparação com o período 2003.06-2017.12, a taxa real efetiva de câmbio se encontrava sobrevalorizada em 16,82%. A reversão do saldo em conta corrente de um superávit médio de 1,1% do PIB para um déficit médio de 1,8% do PIB não deixa dúvida de que nos últimos três anos, apesar da desvalorização observada da taxa nominal de câmbio, a taxa real efetiva de câmbio se encontra sobrevalorizada com relação ao nível de equilíbrio industrial.
Quais os efeitos econômicos da sobrevalorização crônica da taxa real de câmbio? Um primeiro efeito, como podemos observar na figura acima, é a ocorrência de déficits em conta corrente e, portanto, do aumento do endividamento externo. Curiosamente, os economistas ortodoxos, sempre tão preocupados com a dinâmica da dívida pública, parecem não se importar com o aumento da dívida ou do passivo externo do Brasil. Um segundo efeito é a perda de competitividade da indústria de transformação o que levará a progressiva redução da participação da indústria de transformação no PIB do país.
É aqui que podemos ter uma pista sobre como calcular a taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Ora se o efeito da sobrevalorização da taxa de câmbio com respeito do equilíbrio industrial é levar a perda de participação da indústria de transformação no PIB, então a taxa real de câmbio estará no seu nível de equilíbrio industrial se a participação da indústria de transformação for constante ao longo do tempo.
A dinâmica da participação da indústria de transformação no PIB é influenciada por três conjuntos de fatores: (i) a competitividade preço da indústria de transformação, representada pela taxa real efetiva de câmbio; (b) a competitividade extra-preço representada pelo índice de complexidade econômica (ECI) desenvolvido por Hidalgo e Haussman, o qual é entendido como uma próxi do hiato tecnológico da indústria e (c) o nível da renda per-capita elevado ao quadrado, uma vez que a relação entre a literatura internacional sobre a evolução da participação da indústria de transformação mostra que a mesma apresenta uma relação em U invertido com o nível de renda per-capita (Rodrik, 2016).
O resultado da estimação da taxa de câmbio de equilíbrio industrial para o período 1998-2017 se encontra na figura 2 abaixo.
Na figura 2 podemos observar que a partir de 2005 a taxa real efetiva de câmbio se encontra sobrevalorizada desde 2005 e que a sobrevalorização é crescente até 2016. A sobrevalorização cambial resulta tanto da apreciação da taxa real efetiva de câmbio entre 2005 e 2012, como da apreciação contínua da taxa de câmbio de equilíbrio industrial entre 2005 e 2015. Os fatores que explicam a apreciação da taxa real efetiva de câmbio até 2012 são sobejamente conhecidos e não será necessário aborda-los aqui. Mas o que chama atenção no gráfico é o aumento expressivo da taxa de câmbio de equilíbrio industrial entre 2005 e 2015. O que está por trás desse aumento do câmbio de equilíbrio industrial?
Como dissemos anteriormente, a dinâmica da participação da indústria de transformação no PIB depende de fatores preço e extra-preço. Quando a indústria perde competitividade extra-preço torna-se necessário um aumento compensatório da competitividade preço para que ela mantenha inalterada a sua participação no PIB. É exatamente isso o que ocorreu com a indústria brasileira entre 2005 e 2015. Como podemos observar na figura 3 abaixo, o índice de complexidade econômica do Brasil apresentou uma redução significativa entre 2005 e 2017, situando-se ao final do período num patamar perto de 1/3 do verificado no início do período. Trata-se de uma redução gigantesca da competitividade extra-preço das empresas brasileiras. Nesse contexto, para que a participação da indústria de transformação tivesse permanecido constante teria sido necessária uma enorme desvalorização da taxa de câmbio, justamente o comportamento observado para a série estimada da taxa de câmbio de equilíbrio industrial na figura 2 acima.
Em suma, não há nenhuma razão para afirmar que a desvalorização da taxa nominal de câmbio ocorrida até março de 2020 tenha eliminado a tendência a sobrevalorização cambial observada no Brasil nos últimos 15 anos. A nova metodologia de cálculo da taxa de câmbio de equilíbrio industrial sugere, inclusive, que a sobrevalorização pode se situar num patamar maior do que o observado na década passada devido ao atraso tecnológico crescente do parque industrial brasileiro. Nessas condições, o ajuste da taxa real de câmbio ao seu patamar de equilíbrio industrial pode se mostrar politica e socialmente impossível se medidas não forem adotadas no sentido de reduzir o valor da taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Dessa forma, a combinação de um regime macroeconômico que assegure uma taxa real de câmbio competitiva, estável e sustentável no médio e longo-prazo (Frenkel, 2014) com políticas industrial, de ciência e tecnologia e comércio exterior que visem reduzir o atraso tecnológico da indústria brasileira se faz absolutamente necessária para a re-industrialização da economia brasileira.
Referências
BRESSER-PEREIRA, L.C; OREIRO, J.L; MARCONI, N. (2015). Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a Growth Strategy. Routledge: London.
FRENKEL, R. (2014). “How to manage a sustainable and stable competitive real exchange” In: Bresser-Pereira, L.C; Kregel, J; Burlamaqui, L. (Eds). Financial Stability and Growth: Perspectives of Financial Regulation and New-Developmentalism. Routledge: London
OREIRO, J.L. (2020). “New Developmentalism: beyond competitive exchange rate”. Brazilian Journal of Political Economy, Vol. 40, N.2.
OREIRO, J.L; D´AGOSTINI, L.M.; GALA, P. (2020). Deindustrialization, Economic Complexity and Exchange Rate Overvaluation: the case of Brazil (1998-2017). Working paper.
OREIRO, J.L; SILVA, K. A (2019). New Developmentalist Model of Structural Change, Economic Growth and Middle-Income Trap. PKES Working Paper 1920, November.
RODRIK, D. (2016). “Premature Deindustrialization”. Journal of Economic Growth, Vol.21, Issue 1, pp. 1-33.
Por Fernando Dantas, para o Estado de São Paulo on line
Para o economista José Oreiro, da UnB, 25 anos de câmbio valorizado e juros altos podem ter produzido danos irreversíveis à indústria brasileira, que agora, quando o juro está baixo e o câmbio depreciado, terá de ser “ressuscitada” a partir do zero.
O economista José Oreiro, do Departamento de Economia da UnB, expoente da corrente desenvolvimentista e heterodoxa no Brasil, diz que não se surpreende com a falta de reação da indústria diante do câmbio desvalorizado e do juro baixo, que sempre foram defendidos como pré-condições do desenvolvimento industrial por sua escola de pensamento.
Ele nota, inclusive, que a produção da indústria da transformação (nas Contas Nacionais) está aproximadamente no nível de 2004 e 2005.
“O que acontece é que 20, 25 anos de juro alto e câmbio valorizado provocaram efeitos de histerese na produção industrial”, diz Oreiro.
Segundo o economista, foi um período muito longo durante o qual a indústria de
transformação não investiu em modernização, perdeu mercados no exterior e
permitiu que se abrisse um grande hiato tecnológico entre o Brasil e os países mais
competitivos.
Ele compara a indústria brasileira a um paciente crônico com pressão alta e
diabetes. “Se um problema crônico, ainda que não seja fatal, fica sem tratamento
por um período muito longo, pode trazer consequências irreversíveis”, diz o
pesquisador.
O pesquisador aponta que, efetivamente, houve recentemente uma mudança do mix
de política macroeconômica, com política fiscal contracionista e monetária
expansionista. E esse “mix” é uma causa importante da atual combinação de juro
baixo e câmbio depreciado.
No entanto, para Oreiro, “pode ser que o remédio tenha chegado tarde demais, o
dano me parece irreversível”.
Assim, ele considera que o desafio à frente é quase o de “reindustrializar a partir do
zero – temos uma indústria que morreu e precisa ressuscitar”.
O economista acrescenta ao seu diagnóstico os efeitos conjunturais, como a crise da
Argentina – “o único mercado relevante que nos restava” – e o próprio fato de que a
economia brasileira não conseguiu ainda se recuperar da recessão de 2014-2016.
Como tentativa de “ressuscitar a indústria”, Oreiro recomenda que o governo Oreiro recomenda que o governo aumente o investimento público em infraestrutura.
Para ele, mais investimento público, ao ativar a construção civil, também estimula setores industriais de bens intermediários como cimento e aço, e alguns equipamentos de capital.
“Além disso, nossa infraestrutura está em petição de miséria”, acrescenta.
Adicionalmente, em função das inclinações de Bolsonaro, o economista da UnB
pensa que o governo deveria tentar reabilitar a indústria de defesa nacional, por
meio do aumento do orçamento de investimentos do Ministério da Defesa.
“A indústria militar tem alto teor tecnológico e, em relação a ela, regras da OMC
sobre apoio à indústria nacional não se aplicam”, explica.
A recomendação de aumento do investimento público liga-se à visão de Oreiro
sobre a política macroeconômica atual. Ele se diz um defensor do mix de fiscal apertado e monetário frouxo, mas, na conjuntura presente, considera que o fiscal está restrito demais.
“Num contexto em que o Brasil ainda não se recuperou da crise de 2014 a 2016, o
atual nível de contracionismo fiscal reduz a eficácia da política monetária”, analisa.
Deixando claro que não se trata de um problema já existente, Oreiro se preocupa
inclusive em que a continuidade das quedas da Selic, se o PIB não reagir, leve a taxa
básica para perto do limite problemático de zero – quando se torna extremamente
difícil estimular a economia com política monetária, como mostra a experiência dos
países avançados desde a crise global de 2008-2009.
Dessa forma, para Oreiro, a melhor opção para o momento seria tirar o
investimento público do teto dos gastos, o que mataria dois coelhos com uma só
cajadada: relaxava um pouco o fiscal e poderia ajudar a indústria.
“Não faz sentido colocar restrição financeira para projetos de investimento com
taxa de retorno, econômica ou social, muito maior que a taxa de captação, que está
nos mínimos históricos; liberar o investimento do teto seria aumentar o bom gasto
do governo, em infraestrutura, e não um licença para gastar em consumo e custeio”,
ele diz.
Em termos da agenda de reformas, Oreiro gostou da previdenciária (discordando de
um detalhe ou outro) e defende a reforma tributária de Rodrigo Maia, excluindo
propostas de Paulo Guedes como o imposto sobre transações financeiras e a
desoneração da folha.
O economista é extremamente crítico em relação às PEC dos fundos e a de
emergência fiscal. Em relação à primeira, ele acha que mistura joio com trigo, ao
propor o fim de todos os fundos, inclusive alguns que Oreiro reputa como
importantes, como o de desenvolvimento da ciência e tecnologia.
Quando à PEC de emergência fiscal, ele diz se tratar de “terraplanismo econômico”
em comparação ao que se debate hoje nos Estados Unidos e Europa. A razão é que,
na sua visão, essa PEC tem caráter pró-cíclico, diminuindo o gasto público quando a
economia está em recessão.
“O que nós temos que fazer é desenhar um arcabouço de política fiscal que seja
contracíclico, levando a mais gastos em recessão e a menos em expansões”, conclui
o economista.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/2/2020, quarta-feira.
A produção industrial no Brasil diminuiu 1,1% em 2019, em relação a 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A queda interrompeu dois anos de expansão. Em 2017 e 2018, o setor industrial cresceu 2,5% e 1%, respectivamente. No ano passado, 16 das 24 atividades pesquisadas pelo IBGE mostraram retração.
Segundo o gerente da pesquisa, André Macedo, “tiveram grande peso no resultado negativo os efeitos na indústria extrativa mineral, em decorrência do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, em janeiro de 2019”. Outro fator impactante foi a crise econômica de mercados importadores, como a Argentina. Além disso, a situação difícil do mercado de trabalho no país conteve a demanda doméstica.
De acordo com o IBGE, o setor extrativista recuou 9,7% no ano passado, depois que a tragédia de Brumadinho, que provocou a morte de 259 pessoas, paralisou, no estado, as atividades da Vale, maior produtora de minério de ferro do país.
André Macedo lembrou que a indústria como um todo perdeu 14,8% de produção nos últimos seis anos. Entre 2014 e 2016, a retração alcançou 17,7%. Nos dois anos seguintes houve recuperação, mas a retomada foi interrompida em 2019.
Atraso Conforme os dados do IBGE, somente em dezembro houve queda de 0,7% em relação a novembro. Comparado com o mesmo mês de anos anteriores, o índice foi o pior desde 2015. O resultado também mostra que a indústria brasileira operou, no ano passado, 18% abaixo de seu ponto mais alto, em maio de 2011.
O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis da Costa Oreiro atribui o declínio da produção industrial à falta de políticas que incentivem o investimento tecnológico e a modernização. “A indústria brasileira está sem investimentos há muitos anos por conta da crise. A economia nunca se recuperou direito. Logo, as empresas estão ficando atrasadas, perdendo competitividade”, explicou.
Segundo Oreiro, a queda da taxa básica de juros (Selic) é bem-vinda para estimular a economia, mas não tem muita influência no setor industrial. “Para a indústria crescer, só reduzir a Selic não é suficiente. É preciso ter políticas de investimento público, com foco na modernização. Estamos em uma armadilha de baixo investimento a que a sociedade brasileira está se acostumando. Isso é muito perigoso para o avanço do setor industrial”, disse.
9,7% Queda da indústria extrativista mineral no ano passado, segundo o IBGE
Venda de veículos cai em janeiroO mercado de veículos novos começou o ano em baixa no Brasil. Foram vendidas 193,4 mil unidades no primeiro mês de 2020, queda de 3,1% ante janeiro do ano passado, em comparação que considera os segmentos de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Em relação ao último mês de 2019, que tradicionalmente é mais aquecido, houve recuo de 26,3%. Os números foram divulgados pela Fenabrave, entidade que reúne as concessionárias de veículos. Apesar da queda, a projeção de expansão das vendas de 9,6% em 2020 está mantida.
Apesar da resistência do próprio presidente Jair Bolsonaro , a equipe econômica comandada pelo ministro Paulo Guedes segue firme no plano de criar um imposto sobre transações financeiras similar a antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mas com caráter permanente.
+ Reforma tributária: proposta do governo começará com unificação apenas do PIS e Cofins
+ Fim de deduções no IR, nova CPMF, imposto único nos estados: o que está em jogo na reforma tributária
Nesta terça-feira, o secretário especial adjunto da Receita Federal, Marcelo de Sousa Silva, disse que a ideia é cobrar um taxa de 0,4% sobre todos os saques e depósitos realizados no país. Durante o Fórum Nacional Tributário, realizado em Brasília, ele também detalhou que a alíquota seria a mesma em operações de débito e crédito, mas nessa caso a cobrança se daria em duas partes – 0,2% sobre quem está fazendo o pagamento e 0,2% sobre quem está recebendo.
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A proposta, no entanto, ainda não foi formalizada pelo governo. Paulo Guedes, por sua vez, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico divulgada na segunda-feira, que a nova CPMF terá alíquota de 0,2% a 1% e poderá arrecadar até R$ 150 bilhões por ano. A cobrança teria o nome de ITF (Imposto Sobre Transações Financeiras).
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A intenção, segundo o ministro, é que esse novo imposto compense a redução de tributos cobrados na folha de pagamento das empresas, barateando a contratação de funcionários.
Essa proposta, que contraria o que Bolsonaro prometeu durante a campanha, deve ser enviada ao Congresso pelo governo dentro de uma reforma tributária mais ampla para simplificar a cobrança de impostos no Brasil. A Câmara e o Senado, porém, já estão debatendo suas próprias propostas de simplificação tributária e têm rejeitado a ideia de uma nova CPMF.
+ Receita diz que Contribuição de Pagamentos terá alíquotas de 0,20% e 0,40%
Para economistas contrários a volta do imposto, a alíquota necessária para desonerar toda folha de pagamento seria alta e traria efeitos negativos para a economia.
+ Relator da reforma tributária afirma que CPMF não passa na Câmara
A CPMF tem muito pouco apoio entre os que conhecem da questão tributária. Não sei se esse é o melhor caminho para resolver o custo da contratação da mão-de-obra , disse nesta terça o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Histórico do imposto gera antipatia
A CPMF foi criada em 1994 como um imposto provisório que iria financiar a saúde pública. A cobrança incidia sobre todas as movimentações bancárias – exceto nas negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade.
O tributo, porém, foi prorrogado algumas vezes e teve sua finalidade modificada. A alíquota subiu de 0,2% para 0,38% e passou a cobrir também gastos com previdência, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, e foi usada até para pagar os juros da dívida. Em 2007, ela acabou sendo extinta, após ter arrecadado R$ 223 bilhões durante sua vigência.
PPara o economista e advogado tributarista Eduardo Fleury, esse histórico é o que explica a grande antipatia que a população tem com esse imposto. Em julho de 2016, pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria indicou que 73% dos brasileiros são contra a volta da CPMF.
O recurso era pra saúde e acabou indo para outras áreas. Era para ser uma cobrança provisória, mas acabava sempre prorrogada. Isso criou uma percepção negativa , acredita.
Embora o governo afirme que vai compensar a volta da CPMF com redução de outros impostos, na prática o que sobressai para a população é a ideia de que haverá uma nova cobrança, inclusive porque o imposto sobre transações financeiras incide sobre um número maior de pessoas do que a cobrança sobre a folha de pagamento das empresas, nota o economista do Ipea (Insituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Rodrigo Orair.
Há uma aversão a novos impostos. A população sente que já esta já está cheia de imposto , afirma.
Para além da percepção mais leiga da população, boa parte dos economistas se opõe à volta da CPMF por considerar que é um imposto ruim, que traz efeitos negativos para a economia e tem peso maior sobre os mais pobres.
A única vantagem do imposto, na avaliação de Orair, é que ele tem alta produtividade tributária – ou seja, é fácil de cobrar e gera uma resposta rápida em termos de arrecadação.
Ao defender a criação do ITF, Guedes disse ao jornal Valor Econômico que o imposto enquadraria a todos, incluindo sonegadores e traficantes de droga. Segundo o ministro, a proposta conterá uma cláusula para que transações só tenham validade jurídica com o recolhimento do imposto.
Traficante pegou dinheiro em espécie e pôs tudo no caminhão, foi lá e comprou apartamento em Ipanema, pagou em dinheiro. Você pode tomar o apartamento dele, porque ele não pagou imposto , defendeu.
Possíveis efeitos negativos da volta da CPMF
Economistas contrários à proposta do governo, porém, destacam que o imposto sobre transações financeiras incentiva as pessoas a aumentar as transações em dinheiro vivo, provocando desbancarização. Isso corrói a própria base de cobrança do imposto, exigindo aumento da alíquota.
Por exemplo, se eu vou fazer um churrasco com meus amigos, vou pedir que todos façam sua contribuição em dinheiro e depois vou pagar o churrasqueiro, e comprar as comidas e bebidas com dinheiro, em vez de fazer transferência bancária ou usar o cartão , exemplifica Orair.
Por isso, é uma aventura querer usar esse tipo de imposto para substituir a contribuição das empresas para a previdência (um dos tributos que incidem sobre a folha de pagamento). Os gastos com previdência, mesmo com a reforma, vão continuar crescendo no país, o que vai exigir um imposto cada vez maior , acrescenta o economista do Ipea.
Segundo simulação feita por Eduardo Fleury, que já foi servidor da Receita Federal, seria necessário uma alíquota de 0,7% para arrecadar os R$ 150 bilhões sugeridos por Guedes. Mas, com o encolhimento da base de arrecadação, depois subiria para 1%. As propostas desse governo são muito mal estudadas , critica.
Fleury lembra que os juros no país eram mais altos entre 1997 e 2007, quando a CPMF vigorou. Isso era um estímulo para manter aplicações financeiras, mesmo com o imposto. Hoje, porém, a taxa Selic está em patamar bem menor.
Para o economista José Oreiro, professor da UnB, a volta da CPMF vai incentivar as pessoas a manter em casa ou andar com quantias maiores de dinheiro vivo, aumentando a insegurança.
Outro efeito, segundo ele, ocorrerá em setores da economia com cadeia de produção mais longa, já que o tributo é cumulativo (vai sendo cobrado seguidamente sobre todas as transações). Isso incentiva as empresas a buscar mais verticalização (concentrar todas as etapas da produção dentro do mesmo grupo) em vez de contratar fornecedores externos, o que tende a gerar ineficiência.
É um imposto fatal para a indústria , afirma Oreiro.
Além disso, o custo dessas transações tende a ser repassado ao preço final cobrado de consumidores, afetando em maior proporção os grupos de menor renda. Esse efeito acontece porque pessoas mais pobres não têm capacidade de poupança, usando toda sua renda com consumo.
É um imposto regressivo (com maior peso sobre os mais pobres). Nenhum país desenvolvido tem , ressalta Rodrigo Orair, do Ipea.
Levantamento realizado por Isaías Coelho, ex-chefe das divisões de Administração e Política Tributária do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-secretário-adjunto da Receita Federal, indica que hoje apenas a Venezuela tem um imposto permanente com finalidade arrecadatória, cuja alíquota está em 2%.
Já Argentina, Bolívia, Colômbia, Honduras e Hungria estão com taxas provisórias – a mais alta é a cobrada na Argentina, de 1,2%.
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)