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~ Economia, Opinião e Atualidades

José Luis Oreiro

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Samuel Pessoa e o Imposto de Exportação sobre Petróleo

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Posted by jlcoreiro in Debate Macroeconômico, Desenvolvimento econômico, Fernando Haddad, Governo Lula III, Imposto de Exportação, José Luis Oreiro

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Fernando Haddad, Imposto de Exportação, José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo, Samuel Pessoa

Por José Luis Oreiro

Eu gosto de ler as colunas dominicais de Samuel Pessoa na Folha de São Paulo. Não porque concorde com elas, mas porque elas me dão uma visão bastante clara do pensamento liberal brasileiro e, dessa forma, uma fonte quase inesgotável de ideias sobre como combater o liberalismo no Brasil. Na coluna publicada no domingo 05 de março de 2023, intitulada “Imposto sobre exportação de matérias-primas”, Samuel Pessoa faz menção a um artigo publicado na Economic History Review pelo historiador da USP Thales Zamberlan sobre os efeitos da tributação das exportações de algodão no Brasil no período 1800-1860. Segundo o estudo a imposição do imposto de exportação sobre algodão gerou uma queda acentuada das exportações brasileiras dessa produto na primeira metade do século XIX, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos (na verdade no sul dos Estados Unidos onde prevalecia a monocultura escravista de exportação) onde ocorreu um elevado aumento das exportações de algodão para a Inglaterra (algo que certamente atuou no sentido de alongar a escravidão nos Estados Unidos por algumas décadas).

Samuel Pessoa comenta que devido a imposição do imposto de exportação, ocorreu um descasamento entre a produtividade da produção de algodão nos Estados Unidos e a produção de algodão no Brasil, o que teria inviabilizado a produção de algodão no Maranhão.

Esse artigo de Samuel Pessoa suscita uma série de questões que marcam claramente a diferença entre o pensamento liberal e o pensamento desenvolvimentista. Primeiramente a argumentação de Pessoa deixa explicita a ideia de que o imposto de exportação sobre algodão foi uma medida equivocava porque (i) reduziu as exportações de algodão e (ii) levou a um aumento do hiato de produtividade entre a produção de algodão nos Estados Unidos e a produção brasileira. A redução das exportações de um produto primário pode ser um problema para países que enfrentam um desequilíbrio estrutural externo no Balanço de Pagamentos, como é o caso do Brasil ao longo da maior parte do período pós-independência. Trata-se aliás de um problema reconhecido por Raul Prebisch e pela Cepal, que desaconselhavam a introdução de medidas de política econômica que restringissem as exportações de produtos primários, pois as divisas geradas por essas exportações eram fundamentais para o financiamento do processo de industrialização por substituição de importações. Já o aumento do hiato tecnológico intra-setorial (produção de algodão) não será um problema relevante se as restrições a exportação de produtos primários permitirem um aumento da oferta desses produtos no mercado interno, reduzindo assim seus preços e possibilitando a transformação desses produtos em bens manufaturados, os quais estarão disponíveis tanto para o mercado interno como para a exportação. Essa medida foi adotada pelo Rei Henrique VII da Inglaterra que ao assumir o trono em 1485 percebeu que:

“Quando, posteriormente, Henrique assumiu a chefia do seu reino que estava empobrecido, com vários anos de produção de lã hipotecados a banqueiros italianos , ele se lembrou se sua adolescência no continente. Na Borgonha, não só os produtores têxteis , mas também os padeiros e outros artesãos estavam abastados. A Inglaterra estava no negócio errado: o rei percebeu isso e definiu uma política para tornar a Inglaterra uma nação produtora de têxteis, não uma exportadora de matérias-primas”

“Henrique VII criou um considerável arsenal de política econômica. Sua primeira e mais importante ferramenta eram as tarifas de exportação: os produtores de têxteis estrangeiros teriam de processar as matérias-primas mais caras que suas contrapartes inglesas. Aos fabricantes de lã recem-estabelecidos concediam-se isenção fiscal por certo período e monopólios em determinadas regiões. Também houve uma política para atrair artesãos e empreendedores do exterior, especialmente da Holanda e da Itália (…) Tal como Veneza e Holanda, a Inglaterra posicionou-se na situação de renda tripla: um setor comercial forte, monopólio sobre determinada matéria-prima (lã) e comércio ultra-marino” (Reinert, 2016, pp. 128-129).

Em resumo, Henrique VII intuiu que o desenvolvimento econômico não é o resultado de se fazer de maneira mais eficiente a mesma atividade econômica, mas decorre da mudança estrutural: deslocar recursos produtivos dos setores com menor valor adicionado per-capita (a produção e exportação de lã) para os setores com maior valor adicionado per-capita (a produção e exportação de produtos têxteis).

Isso posto, o resultado logicamente esperado da introdução de um imposto de exportação de matérias-primas é a redução das exportações das mesmas para incentivar a substituição de importações de produtos manufaturados por produção local, num primeiro momento, para na sequência, após aproveitadas as economias de aprendizado tecnológico, passar para a exportação de produtos manufaturados que utilizem como insumos as matérias-primas que antes eram exportadas. Esse é o verdadeiro caminho da Riqueza das Nações.

O objetivo do artigo de Pessoa foi atacar a surpreendente medida adotada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada de criar um imposto de exportação sobre o petróleo cru. Ao criticar o imposto de exportação criado por Haddad, Pessoa curiosamente não utiliza o argumento desenvolvido na primeira parte do artigo mas faz referência a uma suposta quebra contratual com relação as petroleiras que entraram nos leilões de blocos de petróleo. Esse argumento me parece estapafúrdio: só haveria quebra de contratos se o governo brasileiro tivesse explicitamente se comprometido em manter as exportações de petróleo isentas de tributação. Não existindo essa restrição não se pode falar de quebra de contratos.

A lógica da tributação das exportações de petroleo cru é aumentar a oferta para o mercado interno e assim estimular o refino do petróleo no Brasil, substituindo importações de derivados de petróleo por produção doméstica. Como existe uma grande capacidade ociosa nas refinarias brasileiras então essa medida irá reduzir as importações, aumentando o saldo da balança comercial, e estimular a geração de empregos no setor de refino de petróleo. No final o Brasil irá adicionar valor ao petróleo produzido domesticamente, gerando uma massa maior de salários e lucros no mercado interno, a qual será gasta com a compra de produtos made in Brazil. Intencionalmente ou não o Ministro da Fazenda Fernando Haddad está adotando uma das políticas econômicas defendidas pela escola novo-desenvolvimentista Brasileira. Da minha parte só tenho que parabenizar o Ministro Fernando Haddad.

Referências

Reinert, E.S. (2016). “Como os países ricos ficaram ricos … e porque os países pobres continuam pobres”. Contraponto: Rio de Janeiro.

Controvérsia Oreiro e Paula Versus Samuel Pessoa sobre o Princípio da Demanda Efetiva e a Teoria da Preferência Pela Liquidez

Destacado

Posted by jlcoreiro in Debate macroeconômico, José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula, Samuel Pessoa

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José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula, Princípio da Demanda Efetiva, Revista Insight Inteligência, Samuel Pessoa, Teoria da Preferência pela Liquidez, Teoria Monetária Moderna

A revista Insight Inteligência (https://inteligencia.insightnet.com.br/) publicou na sua edição 98 um artigo de minha autoria em conjunto com o Luiz Fernando de Paula no qual fazemos uma análise crítica da apresentação que Samuel Pessoa faz, na edição 97 da Revista, da Teoria Keynesiana, em especial o princípio da demanda efetiva e a teoria da preferência pela liquidez, no seu “monólogo com uma faca nos dentes” com André Lara Rezende e sua exposição da Teoria Monetária Moderna.

O artigo original de Samuel Pessoa pode ser visto aqui: https://inteligencia.insightnet.com.br/samuel-pessoa-conversa-com-andre-lara-resende-monologo-com-a-faca-entre-os-dentes/

A réplica que eu e o Luiz Fernando de Paula fizemos ao “monólogo” de Samuel Pessoa pode ser vista aqui: https://inteligencia.insightnet.com.br/verdades-contradicoes-e-mitos-no-monologo-de-samuel-pessoa/

Por fim, Samuel Pessoa fez uma tréplica a nossa réplica na edição 99 da Revista, a qual pode ser vista aqui: https://inteligencia.insightnet.com.br/para-nao-dizer-que-nao-disse-comentarios-a-oreiro-e-paula/

Os leitores interessados em maiores detalhes sobre a teoria da preferência pela liquidez e a sua absorção pela teoria neoclássica do qual Samuel Pessoa é adepto podem consultar os links abaixo

Vídeo 1 : Teoria de Juros segundo Keynes e Kaldor: https://www.youtube.com/watch?v=OIKjtUXQfYA&t=5009s

Vídeo 2: Modelo de Keynes (Teoria Geral) e a Posterior Síntese Neoclássica: https://www.youtube.com/watch?v=UpN4e1P66S0

Por fim, os leitores interessados em conhecer as críticas dos Pós-Keynesianos a Teoria Monetária Moderna podem consultar o vídeo abaixo

Vídeo 3: A Teoria Monetária Moderna e a Dívida Pública: https://www.youtube.com/watch?v=kdMxOvpkaik&t=2149s.

É possível falar em taxa de desemprego de Equilíbrio no Brasil? Algumas considerações a partir da Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento

19 segunda-feira set 2022

Posted by jlcoreiro in Desemprego Disfarçado, Economia Dual, José Luis Oreiro, Nairu, Samuel Pessoa

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Desemprego Disfarçado, Economia Dual, José Luis Oreiro, Nairu, Samuel Pessoa

No dia 14 de setembro de 2022, Samuel Pessoa publicou no Blog do IBRE um artigo intitulado “Completou-se a recuperação pós-pandemia” (https://blogdoibre.fgv.br/posts/completou-se-recuperacao-pos-pandemia) no qual ele sugere a possibilidade da economia brasileira terminar o ano com uma taxa de desemprego de 8,5% da força de trabalho, o que seria na visão do articulista uma situação de pleno-emprego. Com a inflação rodando no início de 2023 acima da meta e com a economia operando em pleno-emprego seria necessário realizar uma contração fiscal para permitir que o BCB consiga obter a meta de inflação em 2024.

Considerando que a taxa de juros Selic se encontra atualmente em 13,25% a.a e que a expectativa de inflação para 2022 de acordo com o Boletim Focus divulgado hoje é de 6%, temos uma taxa real de juros de incríveis 7,3% a.a. Estimativas da taxa neutra de juros são difíceis de serem feitas e altamente controversas, mas creio que ninguém em sã consciência diria que com esse nível de taxa de juros a política monetária não se encontra no campo contracionista. Dessa forma, a simples manutenção da taxa real de juros nesse patamar ao longo de todo o ano de 2023 seria – caso a política monetária tivesse a eficiência que seus defensores propõem, e caso a aceleração inflacionária observada desde o primeiro trimestre de 2021 fosse devido a um choque de demanda – suficiente para reduzir drasticamente a inflação em 2023 colocando-a, ao menos, dentro do intervalo de variação do regime de metas de inflação, o que significa, com base no arcabouço institucional vigente no Brasil, o cumprimento da meta de inflação para o próximo ano. Isso posto, qual a necessidade de realizar uma contração fiscal? Repetir o erro do governo Temer no qual se fez um overkilling da economia brasileira devido a combinação de contração fiscal moderada e contração monetária longa e profunda?

No entanto, não é sobre esse tema que quero discutir aqui. Samuel Pessoa “estima” que a NAIRU (Non Accelerating Inflation Rate of Unemployment) para o Brasil seja de 8,5%da força de trabalho. Não vou discutir o número em si mesmo, até porque Samuel não apresentou nenhuma evidência empírica para, pelo menos, dar algum suporte ao mesmo. Meu interesse é de outra natureza: quero discutir a relevância da NAIRU como indicador de “pleno emprego” para uma economia como a Brasileira que, ao contrário da economia dos Estados Unidos ou dos países de renda alta da União Europeia, é uma economia dual no sentido de Lewis (1954), ou seja, possui um setor moderno (capitalista) e um setor tradicional ou de subsistência, que emprega uma quantidade negligenciável de capital físico e, por isso mesmo, possui baixa produtividade.

Vamos começar com o conceito de NAIRU. Se tomarmos o manual de Macroeconomia de Olivier Bhanchard (2011) como referência, a NAIRU é a taxa de desemprego que compatibiliza o salário real que as firmas estão dispostas a pagar, dada a produtividade do trabalho e a taxa desejada de mark-up [a qual reflete o seu “poder de monopólio” para usar um conceito criado por Michael Kalecki (1954)] com o salário real que os sindicatos (no mundo real as negociações salariais se dão por intermédio de sindicatos, não a nível individual) desejam obter dado o seu poder de barganha, o qual depende de diversas variáveis que refletem a institucionalidade vigente no mercado de trabalho (nível e abrangência do seguro desemprego, grau de centralização das negociações coletivas, percentual da força de trabalho sindicalizada) e do estado prevalecente no mercado de trabalho. Dessa forma, dadas as variáveis institucionais o poder de barganha dos sindicatos será tão menor quanto maior for a taxa de desemprego, fazendo com que seja possível definir uma taxa de desemprego de equilíbrio, ou seja, uma taxa de desemprego que equaliza o salário real desejado por firmas e sindicatos. A esse nível de desemprego, a inflação é constante, pois as demandas salariais por parte dos sindicatos irão se resumir a recompor as perdas decorrentes da inflação passada.

Se o Banco Central desejar reduzir o patamar de inflação então será necessário elevar temporariamente o desemprego acima do patamar de equilíbrio para enfraquecer o poder de barganha dos sindicatos e, com isso, forçá-los a aceitar um reajuste dos salários nominais que seja menor do que a inflação passada, ou seja, será necessário ocorrer uma redução do salário real.

A taxa de desemprego de equilíbrio não é um dado da natureza, mas pode se alterar ao longo do tempo devido a mudanças institucionais. A reforma trabalhista realizada em 2017 deveria ter tido o efeito, conforme seus defensores, de reduzir a taxa de desemprego de equilíbrio. Samuel é um dos defensores dessa reforma. Então por uma questão elementar de coerência ele deveria supor em suas análises que a taxa de desemprego de equilíbrio no Brasil caiu. Mas seu texto recente no Blog do IBRE parece, salvo melhor juízo, não levar em conta o suposto efeito positivo da reforma trabalhista sobre essa taxa.

O modelo de Blanchard, contudo, supõe uma economia madura, ou seja, uma economia onde toda a força de trabalho já foi transferida para o setor moderno de forma que a oferta de trabalho se torna inelástica. Podemos discutir se esse conceito pode ser aplicar hoje a economias como dos Estados Unidos ou do Reino Unido, mas uma simples inspeção na composição do emprego no Brasil no primeiro trimestre de 2022 mostra que esse caso não se aplica ao Brasil.

Conforme dados obtidos da tabela acima extraídos de Oreiro et al (2022) [disponível em https://www.researchgate.net/publication/362508607_LABOUR_MARKET_REFORMS_IN_BRAZIL_2017-2021_AN_ANALYSIS_OF_THE_EFFECTS_OF_RECENT_FLEXIBILIZATION_ON_LABOR_MARKET_LEGISLATION%5D um em cada dois trabalhadores no Brasil trabalha no setor informal ou de subsistência na economia brasileira. Dada a precariedade dos empregos informais na comparação dos empregos formais, segue-se que o emprego informal no Brasil nada mais é do que Joan Robinson (1936) denominou de “desemprego disfarçado”, nas suas palavras:

“In a society in which there is no regular system of
unemployment benefit, and in which poor relief is either non-
existent or ” less eligible ” than almost any alternative short of
suicide, a man who is thrown out of work must scratch up a living
somehow or other by means of his own effort. And under any
system in which complete idleness is not a statutory condition for drawing the dole, a man who cannot find a regular job will fully as he may. Thus, except
under peculiar conditions, a decline in effective demand which
reduces the amount of employment offered in the general run of
industries will not lead to ” unemployment ” in the sense of
complete idleness, but will rather drive workers into a number of
occupations-selling match-boxes in the Strand, cutting brush-
wood in the jungles, digging potatoes on allotments-Nvhich are
still open to them. A decline in one sort of employment leads
to an increase of another sort, and at first sight it may appear
that, in such a case, a decline in effective demand does not cause
unemployment at all. But the matter must be more closely
examined. In all those occupations which the dismissed workers
take up, their productivity is less than in the occupations that they
have left. For if it were not so they would have engaged in them
already. The wage received by a man who remains in employ-
ment in a particular industry measures the marginal physical
productivity of a similar man who has been dismissed from it,
and if the latter could find an occupation yielding him a better
return, he would not have waited for dismissal to take it up.
Thus a decline in demand for the product of the general run of
industries leads to a diversion of labour from occupations in which
productivity is higher to others where it is lower.3 The cause
of this diversion, a decline in effective demand, is exactly the same
as the cause of unemployment in the ordinary sense, and it is
natural to describe the adoption of inferior occupations by dis-
missed workers as disquised unemployment” (pp. 225-226).

Isso posto, uma taxa de desemprego de 8,5% da força de trabalho no Brasil está muito longe de poder ser considerada de pleno-emprego ou “desemprego de equilíbrio”, dada a existência de uma enorme massa de pessoas “empregadas” em atividades de subsistência de baixa produtividade para simplesmente evitar morrer de fome. Se e quando a economia brasileira voltar a crescer de forma sustentada por intermédio do aumento da taxa de investimento e do aumento da participação da indústria de transformação do PIB haverá uma transferência de mão-de-obra do setor informal/subsistência para o setor moderno/industrial, o que terá como consequência um aumento permanente da produtividade média do trabalho da economia brasileira, o que tornará possível que os salários reais aumentem sem gerar pressão inflacionária de caráter permanente.

Para tanto será necessário, entre outras coisas, um aumento considerável do investimento público em obras de infraestrutura, ou seja, será necessária a realização de uma expansão fiscal, exatamente o oposto que Samuel defende no seu artigo no blog do IBRE.

Referências

Blanchard, O. (2011). Macroeconomia. Pearson: São Paulo (5 edição)

Kalecki, M. (1954). A Teoria da Dinâmica Econômica. Nova Cultural: São Paulo [coleção Os Economistas]

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 28.

Oreiro, J.L; Gabriel, L.G; D´Amato, S.W; Martins da Silva, K. (2022). “LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION” Anais do 34 Encontro da European Association for Evolutionary Political Economy: Nápoles.

Robinson, J. (1936). “Disguised Unemployment”. The Economic Journal, Vol. 36, N. 182, pp. 225-237.

Espantalhos e Fábulas (Jornal do Brasil, 03/04/2018)

03 terça-feira abr 2018

Posted by jlcoreiro in Ajuste fiscal, Debate macroeconômico, Mídia, Opinião, Oreiro

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Debate Macroeconômico, Henrique Meirelles, Marcos Lisboa, Nelson Barbosa, Ortodoxia versus heterodoxia, Samuel Pessoa

José Luis Oreiro*

A aproximação das eleições presidenciais de 2018 está produzindo um acirramento do debate entre os economistas brasileiros a respeito da “correta” interpretação do desastre econômico ocorrido no Brasil no período 2014-2016. Para economistas liberais como Samuel Pessoa e Marcos Lisboa, a razão do desastre foi a adoção de políticas populistas de expansão do gasto público, apoiadas por uma suposta “economia de moto perpétuo” de matriz heterodoxa; segundo a qual todo o aumento do gasto público é autofinanciável pois produziria um aumento do nível de atividade econômica e de emprego de tal monta que o aumento da arrecadação de impostos dele decorrente seria mais do que suficiente para pagar pelo aumento de gastos.

Para economistas heterodoxos como Nelson Barbosa, contudo, a argumentação de Pessoa e Lisboa é falaciosa, pois faz uma generalização indevida a respeito da coesão do pensamento heterodoxo e da eficácia da política fiscal. Com efeito, a “economia do moto perpétuo” pode ser defendida por uma “minoria heterodoxa”; mas não o é pela maioria dos heterodoxos no Brasil, os quais possuem grandes divergências entre si. Sendo assim, Pessoa e Lisboa teriam construído um espantalho para então ataca-lo. Além disso, argumenta Barbosa, os resultados da política fiscal dependem nas condições iniciais da economia. Num contexto de capacidade ociosa e desemprego, como o que teria prevalecido no período 2006-2010, uma política fiscal expansionista não só se justifica, como ainda é compatível com aceleração do crescimento, redução da relação dívida pública/PIB e controle da inflação. Já no período 2012-2013, onde essas condições não estavam presentes, o resultado seria diferente.

Na minha avaliação Barbosa está correto quanto a tese de que Pessoa e Lisboa criticam um espantalho. Eu não conheço nenhum economista heterodoxo, brasileiro ou não – e eles também não citam nenhum exemplo concreto – que defenda a “economia do moto perpétuo”. O mais próximo que se assemelha a esse argumento é a tese defendida, por alguns heterodoxos, de que sendo a dívida pública denominada em moeda nacional não existe a possibilidade de “calote”, pois o Banco Central pode sempre monetizar parte ou a totalidade da dívida pública. Como o mercado financeiro tem perfeita consciência disso, então não haveria razão para não continuar financiando o Tesouro (e sendo altamente remunerado por isso, dado o valor totalmente anômalo da taxa Selic), mesmo que a dívida pública esteja em trajetória explosiva. Segundo essa argumentação, não existe, portanto, limite para a relação dívida pública/PIB; razão pela não devemos nos  preocupar com o tamanho do déficit público.

A hipótese de que não existe limite para a relação dívida pública/PIB quando a dívida é denominada em moeda nacional nunca foi testada empiricamente, de forma que não fazemos a menor ideia do que pode acontecer com o Brasil se a dívida pública continuar aumentando indefinidamente. Na falta de evidências favoráveis ou contrárias a uma hipótese – e não, a Grécia não é evidência contrária, pois a sua dívida está denominada numa moeda que ela não emite, ou seja, o Euro – a prudência e a ética profissional aconselham a considera-la apenas como uma curiosidade teórica, sem utiliza-la para fundamentar preposições de política econômica.

Mas se Pessoa e Lisboa atacam um espantalho, Barbosa constrói uma fábula. Ele argumenta que foi a política fiscal expansionista, adotada num contexto em que as condições iniciais eram corretas, que permitiu a aceleração do crescimento com estabilidade da taxa de inflação e redução da dívida/PIB no período 2006-2010. Como apontado por um estudo recente da Instituição Fiscal Independente, a economia brasileira operou entre o final de 2003 e julho de 2008 com um nível de produção acima do potencial; de forma que uma “inflexão da política econômica” na direção de uma expansão fiscal não era a política correta a ser adotada nesse período. A ociosidade na utilização da capacidade de produção aparece, como decorrência da crise financeira internacional, entre o ultimo trimestre de 2008 e o segundo trimestre de 2009. A expansão fiscal realizada nesse período foi, contudo, consequência da irracionalidade na condução da política monetária por parte do Banco Central, na época presidido por Henrique Meirelles, o qual aumentou a meta da taxa Selic a poucos dias antes da eclosão da crise financeira internacional, e a manteve em 13,75% a.a até janeiro de 2009!

O imobilismo do BCB pavimentou o caminho para aqueles que, dentro do governo Lula, desejavam uma forte e irrestrita expansão fiscal. A combinação de política fiscal frouxa e política monetária apertada impediu uma queda mais forte da Selic em 2009; fator decisivo na reversão do ajuste cambial feito no final de 2008. Dessa forma, a taxa de câmbio continuou sua tendência de apreciação, o que terminaria por induzir uma forte substituição de produção doméstica por importações a partir do final de 2010. Nesse contexto, a expansão fiscal feita no período 2012-2013 acabou por vazar quase que inteiramente para o exterior, tendo efeitos pífios sobre o crescimento econômico.

 

* Professor do Departamento de Economia da UnB.

Arquivo : JB0304_QTjzWQA

“Liberalismo Econômico na China”: um projeto para o Brasil

14 quarta-feira mar 2018

Posted by jlcoreiro in Carta Maior, Debate macroeconômico, Liberalismo Econoômico Chines, Samuel Pessoa

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Carta Maior, China, Samuel Pessoa

Por Isabela Nogueira e Eduardo Costa Pinto (Reproduzido, com autorização dos autores, do site Carta Maior)

Tal como lá, precisaremos reestatizar a Vale e a Companhia Siderúrgica Nacional, manter a Eletrobras, retomar a política de conteúdo local da Petrobras e seu controle sobre o Pré-Sal, abrir dois novos BNDES, outro Banco do Brasil e outra Caixa, impor controle de capitais, e fazer a reforma agrária mais radical que o mundo já viu

Em artigo recente para a Folha de S.Paulo intitulado “Excesso de liberalismo econômico está por trás do crescimento da China”, Samuel Pessôa argumenta que a China tem um Estado mínimo em comparação com o Brasil, dado que tanto a carga tributária quanto os gastos sociais chineses são bem menores (em proporção ao PIB) do que os brasileiros. Segundo ele, isso faz com que a taxa de poupança dos chineses seja muito alta. Portanto, o sucesso do crescimento na China estaria baseado no suposto “liberalismo chinês”: baixa carga tributária, baixo gasto social e alta poupança. Estas seriam as reais causas dos juros baixos na economia chinesa.

O ponto crítico desse diagnóstico não está somente no problema teórico que separa ortodoxos e heterodoxos nas determinações causais da relação poupança-investimento[1], mas, sobretudo, no seu completo desconhecimento da dinâmica capitalista na China.

A fórmula chinesa para política monetária não poderia ser mais heterodoxa: a taxa de juros é mantida baixa de maneira previsível, administrada e estável em virtude de fortes controles de capitais e de um sistema financeiro controlado pelo Estado.

Os controles de capitais preveem restrições pesadas a investimentos em portfólio, a dívidas em moeda estrangeira e a repatriações. Os bancos comerciais estatais são responsáveis pelo grosso da oferta de crédito – e quatro deles já são os quatro maiores bancos do mundo em termos de capitalização. Três enormes bancos de desenvolvimento, obviamente sob controle do Conselho de Estado, orientam o financiamento de longo prazo. As taxas de juros baixas são garantidas por um processo de financeirização com características chinesas que nada tem a ver com a globalização financeira que toma conta de boa parte do mundo e do Brasil. Ao contrário de nós, a financeirização chinesa esteve finamente articulada com um processo virtuoso de investimento e industrialização com progresso técnico.

A financeirização com características chinesas é dirigida por um sistema bancário essencialmente estatal, regulada via controle de capitais e sob intenso comando sobre o capital internacional. Poucos países do mundo regularam o investimento estrangeiro direto em prol do desenvolvimento nacional como os chineses. Desde a obrigatoriedade para formação de joint-ventures com parceiros locais até os acordos para transferência de tecnologia e a definição geográfica da localização do investimento externo, todos esses elementos sempre foram guiados pelo Estado.

Crédito estatal, e não a poupança das famílias, foram cruciais para impulsionar as obras de infraestrutura. Esses investimentos massivos foram operados por empresas que são, nos nódulos da acumulação, igualmente estatais. Em estudo de 2017 sobre desigualdades e a propriedade estatal em diferentes economias do mundo, Piketty, Li e Zucman concluem que fatia da riqueza pública na riqueza nacional na China está em torno de 30% desde meados dos anos 2000 até 2015 (último dado). Isso é significativamente diferente dos Estados Unidos ou da maioria dos países da Europa Ocidental, onde a riqueza pública está virtualmente em torno de zero.

Na China, a propriedade estatal está nos nódulos da acumulação. O Estado afeta a taxa e a direção do investimento por meio do seu controle de gigantescas empresas em petróleo, siderurgia, energia, petroquímica, telecomunicação, ferrovias, sistema bancário e por aí vai. Isso explica, inclusive, a tributação menor em proporção ao PIB e, ao mesmo tempo, uma capacidade de intervenção direta na economia muito maior do que no Brasil. São essas empresas que, articuladas a um sistema nacional de inovação, fizeram parte de algumas das políticas industriais mais exitosas da história recente. Todas aproveitando algo muito caro aos heterodoxos keynesianos: a enorme demanda interna chinesa. O sistema de trens de alta velocidade que Samuel menciona, montado e operado por empresas chinesas estatais, está na fronteira tecnológica do setor e é um caso clássico de articulação da política industrial puxada pelas estatais com um sistema nacional de inovação baseado, entre outras coisas, na monumental demanda doméstica.

O crescimento chinês, entretanto, veio acompanhado daquelas que são as contradições mais perversas do capitalismo. Aqui é necessário historicizar o que Samuel retrata estaticamente. Os baixos gastos sociais em proporção ao PIB são fruto do vácuo de proteção social a partir do desmonte do antigo sistema socialista. Isso levou ao acirramento do conflito de classes no país e, como resposta do Estado, a um conjunto de políticas públicas conhecidas como “sociedade harmoniosa”.

Desde meados dos anos 2000, os gastos públicos com saúde e educação crescem na China em proporção ao PIB enquanto o país se vê envolto em lutas e debates sobre que tipo de Estado de bem-estar será formado. Fato é que entre meados dos anos 90 e meados dos anos 2000 – período de reduzidos gastos sociais –, a proteção social chinesa esteve ancorada em um pilar estrutural: o direito de uso da terra para centena de milhões de camponeses. Isso Samuel ignora. A distribuição equitativa do direito de uso da terra agrícola em pequenos lotes de menos de 1 hectare por família foi a principal rede de proteção social para famílias pobres e trabalhadores migrantes em face ao desmonte do antigo sistema comunal. Além do sistema político repressor, foi também a estrutura agrária que assegurou que não houvesse convulsão social em meio a tantas rupturas sociais.

Em meio a essa transição de uma economia planificada socialista para um capitalismo de Estado, também uma nova classe capitalista foi surgindo. Muitos “capitalistas vermelhos” nasceram da noite para o dia pelo acesso privilegiado às antigas empresas estatais privatizadas. Aqui o forte nacionalismo do Partido Comunista da China (PCC) ficou evidente ao, por exemplo, nem sequer cogitar a entrada de estrangeiros na compra das pequenas e médias SOEs (State-Owned Enterprises) privatizadas. Em meio a tantas mudanças na estrutura política e ideológica da China pós-revolução, uma característica não muda: a busca da modernização como instrumento de fortalecimento nacional. A estratégia chinesa é orientada por uma clara visão de que os condicionantes externos são cruciais para a trajetória de crescimento da sua economia.

Assim como Samuel, nós apoiamos a implementação do “liberalismo econômico chinês” no Brasil. Para tanto, precisaremos reestatizar a Vale e a Companhia Siderúrgica Nacional, manter a Eletrobras, retomar a política de conteúdo local da Petrobras e seu controle sobre o Pré-Sal, abrir dois novos BNDES, outro Banco do Brasil e outra Caixa, impor controle de capitais, e fazer a reforma agrária mais radical que o mundo já viu. Além de traçar estratégias nacionais autônomas que operem segundo as fraturas que se abrem e que se fecham no sistema internacional.

Uni-vos, brasileiros, pelo “excesso de liberalismo econômico chinês”!

* Isabela Nogueira e Eduardo Costa Pinto são professores do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e pesquisadores do LabChina (Laboratório de Estudos em Economia Política da China).
[1] Algumas das características marcantes das análises ortodoxas na economia estão na sua estática comparativa e na derivação lógica de leis gerais a partir de hipóteses ad hoc e microeconômicas. Nas suas versões mais puras, trata-se de trabalhos sem historicidade e completamente despreocupados com a formação social sobre as quais se debruçam.

Link: https://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPoder-e-Contrapoder%2F-Liberalismo-Economico-na-China-um-projeto-para-o-Brasil%2F55%2F39584#.WqkyCtj7x9k.facebook

O papel da indústria (O Estado de São Paulo, 30/10/2017)

30 segunda-feira out 2017

Posted by jlcoreiro in Debate macroeconômico, Estratégias de Desenvolvimento, Keynesianismo, Mídia, novo-desenvolvimentismo, Opinião, Oreiro

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Dani Rodrik, Estratégias de Desenvolvimento, José Luis Oreiro, Samuel Pessoa

Fernando Dantas

30 Outubro 2017 | 18h04

A economia está se recuperando, mas todos concordam que se trata de uma retomada cíclica. Para iniciar um novo ciclo de crescimento sustentável, o Brasil tem vários obstáculos à frente. O mais comentado é a bomba fiscal ainda não desarmada. No campo dos neodesenvolvimentistas, entretanto, a desindustrialização é considerada um problema chave.

O debate é antigo. Economistas heterodoxos tendem a enfatizar o vigor industrial como um ingrediente indispensável para uma sólida trajetória de aumento da produtividade no médio e longo prazo.

Em recente artigo, em que faz uma interessante discussão sobre os países africanos e suas perspectivas de crescimento, o economista Dani Rodrik, de Harvard, cita as três razões clássicas pelas quais a indústria é considerada um passaporte para o desenvolvimento.

 A primeira é ser um setor que facilmente absorve tecnologia externa e cria postos de trabalho de alta produtividade. A segunda é que o trabalho na indústria não requer muita capacitação, sendo possível absorver camponeses da agricultura tradicional com apenas um pouco de treinamento. E, em terceiro lugar, a possibilidade de exportar faz com que a demanda por produtos manufaturados não seja limitada pelo consumo doméstico.

O problema, segundo Rodrik, é que o mundo está mudando rápido. A indústria está cada vez mais exigente em termos de capacitação e a globalização tornou o mercado global de manufaturas extremamente competitivo – não é fácil arrancar uma fatia dos superpoderosos países asiáticos. Assim, ele prossegue, há desindustrialização em boa parte do mundo emergente.

“É como se a escada rolante tivesse sido retirada dos países que ficaram para trás”, escreve o economista.

No caso da África, entretanto, ele nota que países como Etiópia, Costa do Marfim, Tanzânia, Senegal, Burkina Faso e Ruanda (e, na Ásia, Índia, Myanmar, Bangladesh, Laos, Camboja e Vietnã) continuam crescendo e devem ter expansão do PIB de 6% ou mais este ano.

Especialmente em relação à África, o que chama a atenção de Rodrik é que o bom desempenho continua mesmo depois do fim do boom de commodities, que empurrou muitas economias do continente. O fenômeno também se dá – o que ele considera estranho à primeira vista – sem sinais significativos de industrialização (e até pelo contrário, em alguns casos).

Em recente trabalho com colaboradores, Rodrik detectou que o êxodo rural naqueles países africanos, que continua, tem como principal destino não a indústria, mas sim os serviços. E, embora haja um salto inicial de produtividade entre a agricultura tradicional e os serviços, este último setor tem um mau desempenho de produtividade. Isso faz o economista prever que o crescimento desses países africanos pode vir a ser uma espécie de “voo de galinha”.

Uma importante causa desse padrão de mudança da estrutura produtiva, segundo Rodrik, pode ser o fato de que a demanda por detrás desse crescimento é interna, derivada dos ganhos de produtividade na agricultura, e não uma demanda externa por manufaturados. Outro fator que pode estar estimulando a demanda nesses países são transferências do exterior.

Este é um debate relevante para o Brasil, que, embora com um nível de desenvolvimento bem superior ao dos países africanos mencionados, tem o seu crescimento comprometido pela pífia performance da produtividade – e a expansão do emprego nos serviços não sofisticados, em vez de na indústria, é apontada como uma causa importante por uma corrente de economistas.

O economista José Luiz Oreiro, da UnB, diz que “o artigo do Rodrik vai bem na linha do que os novo-desenvolvimentistas defendem”. Para ele, “a transição de uma economia de renda baixa para uma de renda alta só é possível por intermédio da industrialização”.

Nessa visão, o aumento da fatia dos postos de trabalho da indústria no emprego total e a ampliação do valor adicionado da manufatura no PIB geram os ganhos de produtividade que levam a economia para níveis mais elevados de renda per capita.

“Melhorias na infraestrutura e na produtividade agrícola podem gerar ganhos temporários de crescimento, mas é a industrialização que atua como motor de crescimento de longo prazo”, explica Oreiro.

Ele considera que Rodrik endossa a “tese keynesiano-estruturalista” de que aquilo que o país produz (não apenas o que exporta) importa para o crescimento de longo prazo.

“Os liberais brasileiros estão redondamente enganados quanto à irrelevância da estrutura produtiva”, critica o economista.

Já Samuel Pessôa, economista-chefe da gestora Reliance e pesquisador associado do Ibre/FGV, faz uma mudança no enfoque da questão proposta por Rodrik.

“O que parece escapar, quando se lembra do desenvolvimento industrial da Ásia, é que ele já é uma consequência da ótima qualidade da educação e das elevadíssimas taxas de poupança”.

Nesse foco, a escolaridade de boa qualidade é necessária aos modernos postos de trabalho na indústria. Já a elevada poupança reduz o custo de capital (e a indústria é mais intensiva em capital que os serviços) e, por estar associada à possibilidade de taxas de câmbio mais depreciadas, abre espaço para o crescimento liderado pelas exportações e os consequentes ganhos de escala.

Assim, o caminho, tanto para países africanos como para o Brasil e outras economias de renda média que lutam para não ficar atoladas na armadilha da renda média, seria melhorar a qualidade da educação e estimular – na medida do possível – a poupança doméstica.

Esse é um debate que certamente deve voltar à tona quando o Brasil apagar os incêndios, especialmente na política fiscal, que ainda ameaçam a atual retomada cíclica. (fernando.dantas@estadao.com)

Vídeo do Debate “O Novo-Desenvolvimentismo e seus críticos” realizado pelo Centro Celso Furtado (19/06/2017)

23 sexta-feira jun 2017

Posted by jlcoreiro in Debate macroeconômico, Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, novo-desenvolvimentismo, Oreiro, Ortodoxia versus heterodoxia

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Centro Celso Furtado, José Luis Oreiro, O novo-desenvolvimentismo e seus críticos, Samuel Pessoa

Comentários de Samuel Pessoa ao meu post “a relação de causalidade entre câmbio e poupança doméstica”

08 segunda-feira maio 2017

Posted by jlcoreiro in Debate macroeconômico, Desindustrialização, novo-desenvolvimentismo, Oreiro

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José Luis Oreiro, O novo-desenvolvimentismo e seus críticos, Samuel Pessoa

Oreiro:

Seguem alguns comentários de seu último post.

Oreiro: Para os novo-desenvolvimentistas esse raciocínio é equivocado. Em primeiro lugar, a evidência empírica mostra que o que importa para o crescimento não é o nível da taxa real de câmbio, mas se o mesmo se encontra sobrevalorizado com respeito ao seu valor de equilíbrio. Dessa forma, mesmo que fosse verdade que o câmbio de equilíbrio é uma função positiva da taxa de poupança, ainda assim a ocorrência de sobrevalorização cambial teria impacto negativo sobre o crescimento de longo prazo. Desvios da taxa real de câmbio com respeito ao seu valor de equilíbrio podem ocorrer devido a diversos fatores que não estão diretamente relacionados com a “escassez de poupança doméstica”. A doença holandesa é claramente uma situação desse tipo. Nessa situação a abundância de recursos naturais faz com que a taxa de câmbio para a qual ocorre equilíbrio em conta corrente no balanço de pagamentos seja mais baixa (apreciada) do que aquela que permite que as empresas que operam com tecnologia no estado da arte mundial sejam competitivas nos mercados doméstico e internacional. A magnitude da doença holandesa será tão maior quanto maior for o preço das commodities baseadas em recursos naturais nos mercados internacionais, o que terminará por ser expressar numa valorização dos termos de troca dos países que possuem recursos naturais abundantes. Nesse caso, a sobrevalorização cambial terá sua origem nos termos de troca, não na “escassez de poupança doméstica”.

Samuel Pessoa: Tenho muito dificuldade de entender seu exemplo de doença holandesa. Para mim ele é o paradigma de problema de escassez de poupança, ou de poupança muito baixa. A doença holandesa está associada à existência de fontes de renda em excesso à renda dos fatores de produção acumuláveis. Ou seja, o país produz bens e serviços – em geral trata-se de produtos com elevado conteúdo de recursos naturais – em que após a remuneração dos fatores acumuláveis – capital, capital humano, trabalho, capacidade gerencial, etc. – resta uma renda que remunera a terra, a renda ricardiana. A maneira de neutralizar a doença holandesa é por meio da institucionalização de um fundo soberano. Ou seja, a parcela da renda que remunera a terra precisa ser poupada e acumulada. O problema é que em uma sociedade democrática a renda da terra é propriedade da sociedade – seja por meio da propriedade privada dos recursos naturais e/ ou por meio de receita tributária da venda dos produtos e serviços com elevado conteúdo de recursos naturais. Ou seja, a única maneira de impedir a valorização do câmbio que ocorre quando há um boom de commodities é a sociedade decidir poupar a parcela associada à renda ricardiana. Assim, é necessário que haja aumento de poupança para que os ganhos de termos de troca não produzam os efeitos típicos de doença holandesa: câmbio valorizado, salários reais maiores, menor participação da indústria de transformação no PIB, e, menor taxa de crescimento (se a indústria de transformação de fato gerar externalidades, fato que não conheço evidência que sustente). De qualquer forma o combate à doença holandês requer aumento da taxa de poupança por meio de um fundo soberano e não por meio da desvalorização do câmbio. Essa será consequência natural do aumento da poupança. Por outro lado se o câmbio for desvalorizado na marra sem que a poupança se eleve haverá somente inflação.

Oreiro: Outra causa importante de sobrevalorização cambial é a entrada de fluxos de capitais de curto-prazo em função da existência de diferenciais persistentes entre a taxa de juros doméstica e a taxa de juros internacional devidamente ajustada pelo prêmio de risco país. O Brasil tem um problema crônico de juros reais extremamente elevados a nível internacional, mesmo quando se leva em conta o risco país. Tal diferencial atua como um imenso atrator para os fluxos de capitais especulativos, principalmente em momentos como os que se seguiram a crise financeira internacional de 2008 nos quais a liquidez internacional se tornou abundante devido a política monetária expansionista adotada pelos bancos centrais dos países desenvolvidos. Tais fatores podem ser considerados como falhas de mercado que demandam a intervenção governamental no mercado cambial para corrigir a tendência “natural” a sobrevalorização cambial.

Samuel Pessoa: Mas nesse caso somos forçados a considerar que os juros domésticos mais elevados em excesso ao prêmio de risco devem estar associados à baixa poupança. (Se a poupança fosse maior eles não seriam menores?) A baixa poupança requer que entre capital para completar a poupança interna ou ainda que, com a valorização do câmbio que segue da entrada de capitais, o investimento se reduza de sorte a contribuir para equilibrar o mercado doméstico de bens e serviços com inflação mais baixa. Evidentemente pode haver eventos extremos – como os três trimestres em seguida à quebra do Lehman Brothers – que se faça necessário a introdução de algum tipo de controle de entrada de capitais. Mas no Brasil o caso geral é que vivemos quase sempre situação de excesso de demanda agregada sobre a oferta agregada, com pressão inflacionário permanente e os juros elevados somente expressam esse desequilíbrio potencial permanente do mercado de bens e serviços.

Oreiro: Em segundo lugar, a relação entre câmbio real e poupança doméstica é o justamente o inverso do preconizado pela teoria neoclássica; ou seja, é a apreciação do câmbio real que produz a redução da taxa de poupança, não o contrário. Com efeito, a sobrevalorização da taxa de câmbio resulta num aumento do nível de salário real, razão pela qual economistas que se auto intitulam “progressistas” tendem a ser lenientes com esse fenômeno, caindo assim no chamado “populismo cambial”. Como se trata de um aumento do salário real que não tem como contrapartida um aumento da produtividade do trabalho, ocorre um aumento da participação dos salários na renda nacional, em detrimento da participação dos lucros. Como a propensão a poupar a partir dos lucros é maior do que a propensão a poupar a partir dos salários segue-se que essa mudança na distribuição funcional da renda termina por reduzir a taxa de poupança doméstica. Dessa forma, uma baixa taxa de poupança doméstica torna-se o efeito, ao invés da causa, do câmbio sobrevalorizado.

Para que seja possível eliminar a sobrevalorização da taxa de câmbio é necessário eliminar as fontes de apreciação cambial, em particular a doença holandesa e o diferencial entre a taxa de juros doméstica e internacional. A desvalorização cambial resultante da eliminação desses problemas produzirá uma redução once-and-for-all dos salários reais, fazendo com que a participação dos salários na renda se reduza (a distribuição pessoal da renda pode, contudo, melhorar se ao mesmo tempo em que o câmbio está sendo ajustado ocorrer uma redução significativa da taxa real de juros, reduzindo assim os rendimentos financeiros). Ao longo do tempo, contudo, a eliminação da sobrevalorização cambial irá mudar a estrutura produtiva da economia, aumentando a participação da manufatura no valor adicionado e no emprego total da economia. Essa mudança estrutural produzirá um aumento da taxa de crescimento da produtividade, fazendo com que os salários reais passem a crescer mais rapidamente do que ocorria no período de câmbio sobrevalorizado. Após um certo intervalo de tempo, que pode variar de 6 a 10 anos, os salários reais estarão num nível mais alto do que teria acontecido caso a situação de sobrevalorização cambial não tivesse sido eliminada.

Qual o papel que a política fiscal tem nesse modelo? Vimos que o mecanismo pelo qual a poupança doméstica reage a desvalorização cambial é por intermédio de uma diminuição da participação dos salários na renda, ou seja, por uma mudança na distribuição funcional da renda. Esse efeito colateral da desvalorização cambial pode ser largamente neutralizado por intermédio de uma política fiscal compensatória que aumente a poupança pública, como demonstrado recentemente por Oreiro e Silva Santos (2017). Se o aumento da poupança pública for financiado por intermédio de aumento de impostos sobre os mais ricos, como, por exemplo, sobre lucros e dividendos distribuídos (o que não afeta a acumulação interna de lucros das firmas e, portanto, a poupança corporativa); então pode ser possível até mesmo uma melhoria na distribuição pessoal de renda.

Samuel Pessoa: Novamente meu entendimento é que a causalidade é do aumento da poupança para os demais efeitos e não do câmbio. Parece que o que você escreveu foi o seguinte. Veja lá se eu entendi corretamente. Imagine uma economia em uma trajetória de crescimento com uma participação da indústria suficientemente elevada para produzir crescimento satisfatório. Suponha que a economia seja relativamente especializada em recursos naturais e suponha que haja um choque positivo de termos de troca. O choque positivo de termos de troca eleva a renda do país e, portanto, eleva a renda das famílias. A maior renda eleva o consumo. O maior consumo produz instantaneamente excesso de demanda por bens não transacionáveis, elevando, portanto, o preço relativo dos serviços frente aos bens manufaturados. O trabalho fica relativamente mais caro pois o setor de serviços é intensivo em trabalho. O aumento do preço relativo dos serviços desloca fatores de produção da produção de manufaturas para os serviços e, adicionalmente, ocorre substituição de produção doméstica de manufaturas por importação. E esses resultados ocorrerão quer nós suponhamos que capital e trabalho sejam móveis ou se supusermos que somente o trabalho seja móvel entre os setores. Na situação em seguida ao choque o câmbio será mais valorizado, os salários reais serão maiores e a participação da indústria no PIB será menor e, se a participação da indústria no PIB estiver associada à taxa de crescimento (fato que penso eu não tem evidência em seu favor), o crescimento será menor. Há ainda um motivo adicional para a redução da indústria no PIB: o choque positivo de termos de troca altera a distribuição funcional da renda em favor do trabalho cuja propensão marginal a poupar é menor gerando um efeito adicional sobre a elevação do consumo.

Se entendi corretamente a forma que você sugere para neutralizar esses efeitos será elevar o superávit primário por meio do aumento dos impostos. Concordo completamente. A elevação do superávit primário elevará a poupança. A redução do consumo produzirá um excesso de oferta de serviços e todo o argumento do parágrafo anterior caminha na direção contrária. Adicionalmente, a redução dos salários que segue da redução da produção de serviços consequência da elevação da poupança pública gera efeito adicional sobre a poupança pois a participação do trabalho na renda caiu.

Nessa minha descrição de seu argumento há duas variáveis exógenas. Primeiro a alteração dos termos de troca e segunda a elevação do superávit primário. O câmbio é claramente endógeno.

Um comentário: a elevação do imposto sobre dividendos somente funcionaria se a redução da renda disponível dos mais ricos produzisse de fato redução do consumo dos mais ricos. Se os mais ricos simplesmente reduzissem a sua poupança – sempre possível dado que os mais ricos não estão restritos – a política não surtaria os efeitos desejados.

Esses eram os comentários,

Abraço,

Samuel

Câmbio e poupança (O Estado de São Paulo, 11/08/2016)

11 quinta-feira ago 2016

Posted by jlcoreiro in Ajuste fiscal, Debate macroeconômico, Keynesianismo, Macroeconomia do desenvolvimento, Mídia, Opinião, Oreiro

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José Luis Oreiro, Samuel Pessoa, Taxa real de câmbio

A valorização do real desde o início do ano trouxe de volta, como era previsível, a eterna discussão entre os economistas brasileiros sobre a política cambial e suas ligações com o crescimento econômico.

De um lado, há a visão predominante (“mainstream”, isto é, “corrente principal”, como se diz internacionalmente) em defesa do câmbio flutuante, ainda que todos estejam de acordo que é papel do BC suavizar os movimentos causados por comportamento de manada. Ainda assim, nesta abordagem, não compete ao governo ou à autoridade monetária buscar um determinado nível de câmbio real, cuja determinação deve se dar fundamentalmente pelas forças do mercado.

Do outro lado, como tratado recentemente neste espaço, estão os economistas que, no Brasil, batizaram-se de “novos desenvolvimentistas”, como Luiz Carlos Bresser-Pereira, Yoshiaki Nakano, José Oreiro e Nelson Marconi. A sua crença fundamental é que as autoridades econômicas devem, sim, mirar uma taxa de câmbio real competitiva e estável.

O pano de fundo, naturalmente, é a questão de como fortalecer a indústria, que é vista por esta última corrente como um setor de cuja pujança depende o processo de desenvolvimento econômico acelerado.

Recentemente, houve uma interessante torção no debate cambial entre a corrente predominante e os heterodoxos novo-desenvolvimentistas. Já não se discute se o câmbio desvalorizado é importante para o crescimento – a questão foi, de certa forma, adiada –, porque outro problema mais imediato se impôs: o Brasil tem condições de adotar uma política econômica que mire o chamado câmbio real competitivo?

Não tem, afirma Samuel Pessôa, economista-chefe da gestora Reliance e pesquisador associado do Ibre/FGV. E a razão é que o País tem poupança doméstica muito baixa. Quando a economia se acelera, o investimento tem de ser financiado em larga medida por poupança externa, com valorização cambial.

A institucionalidade do País – como no caso da Previdência generosa e em boa parte indexada aos ganhos da ativa e ao salário mínimo que aumenta em termos reais – bloqueia o mecanismo keynesiano pelo qual o aumento do investimento e da renda cria a sua própria poupança. A aceleração da economia rapidamente caminha para o excesso de absorção, gerando inflação e desequilíbrio externo. Nesse contexto, tentar manter um câmbio real competitivo e estável é uma quimera, que não vai funcionar e provocará mais inflação. Os países asiáticos conseguem porque têm alta poupança.

Em artigo recém-publicado em seu site, Oreiro responde a Pessôa. O economista da UFRJ escreve que, em “pequenas economias abertas, como a brasileira”, a taxa real de câmbio não depende fundamentalmente da taxa de poupança, mas sim dos termos de troca: assim, o real se valoriza quando há boom de commodities.

A proposta novo-desenvolvimentista para conter esse movimento de valorização tem muitas pernas: imposto sobre a exportação de commodities, controles abrangentes de entrada de capitais (incluindo investimento direto); contração fiscal combinada com afrouxamento monetário; e acumulação de reservas.

O nó da discussão é alcançado quando Oreiro afirma que “a taxa de poupança doméstica não é um dado cultural ou um parâmetro”, mas “resulta, ao menos em parte, da taxa real de câmbio”.
Ou seja, o economista inverte a proposição de Pessôa. Não é a poupança que causa o câmbio, mas o câmbio que causa a poupança.

Assim, um câmbio desvalorizado está associado ao aumento da participação dos lucros na renda nacional, levando ao aumento da poupança, já que as empresas têm maior propensão a poupar que as famílias. Em decorrência, o ajuste competitivo da taxa de câmbio real resulta numa “redução do tipo ‘once-for-all’ do salário”.
“É natural que os trabalhadores resistam a essa política, fazendo com que os partidos de esquerda – como o PT – também se oponham a ela”, continua Oreiro.

Entretanto, ele acrescenta em pós-escrito, as estimativas dele e de Marconi indicam que essas perdas seriam revertidas em seis a sete anos. Se esperarem até lá, os trabalhadores terão como prêmio um país que crescerá mais e, portanto, no qual a sua renda crescerá mais.

O debate, neste ponto, torna-se quase etéreo, pois a afirmação de Pessôa de que o Brasil tem baixa poupança como uma característica fundamental decorre da sua visão de economia política: a sociedade, o sistema político e as instituições têm um viés distributivista que impede uma formação de poupança doméstica mais robusta tanto no setor público quanto no setor privado.

Ou, colocando o problema numa forma mais popular: esperar que os trabalhadores (ou os grupos de pressão que assediam os cofres públicos) aceitem perdas por um substancial período com a promessa de que ganharão lá na frente simplesmente “não vai rolar”. (fernando.dantas@estadao.com)

Fernando Dantas é jornalista do Broadcast

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/8/16, terça-feira.

Novo-Desenvolvimentismo, Câmbio Real e Poupança Doméstica: uma réplica a Samuel Pessoa.

09 terça-feira ago 2016

Posted by jlcoreiro in Debate macroeconômico, Macroeconomia do desenvolvimento, Opinião, Oreiro

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José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo, Samuel Pessoa

Samuel Pessoa escreveu uma crítica interessante ao Novo-Desenvolvimentismo (Doravante ND) na sua coluna semanal na FSP no último domingo, 07 de agosto. Segundo Samuel o Novo-Desenvolvimentismo não funciona em países com baixa taxa de poupança como o Brasil, pois a obtenção de uma taxa de câmbio competitiva nesse contexto só redundará apenas em inflação mais alta. O mesmo não ocorre nos países do Sudeste Asiático onde um câmbio competitivo é o “resultado natural” de uma elevada taxa de poupança. Como corolário dessa argumentação segue-se que o modelo do ND não seria uma opção viável para países como o Brasil, o qual deveriam se basear naquilo que eu denominei de “modelo liberal-dependente”, ou seja, num modelo de crescimento baseado na atração de poupança externa para “financiar” o hiato entre a taxa de investimento requerida para um crescimento robusto e a poupança doméstica. A implantação desse modelo requer, no entanto, a adoção de reformas liberalizantes como, por exemplo, a plena-conversibilidade da conta de capitais, tal como defendido num passado não muito distante por Pérsio Arida, Lara Resender e Edmar Bacha.

A crítica de Samuel ao ND se baseia em dois pressupostos. Em primeiro lugar que o nível da taxa real de câmbio (doravante TRC) depende fundamentalmente da taxa de poupança doméstica, de forma que o aumento da poupança doméstica produz uma desvalorização natural da TRC, sem necessidade de intervenção no mercado de câmbio. Em segundo lugar, que a baixa poupança doméstica no Brasil é um “dado cultural” (ou baseado nas preferências inter-temporais dos brasileiros, as quais tenderiam a valorizar excessivamente o consumo presente em detrimento do consumo futuro) o qual não pode ser alterado por mudanças na política econômica. Ambos os pressupostos estão errados.

A teoria econômica e a evidência empírica mostram que em pequenas economias abertas como a brasileira, a TRC depende fundamentalmente dos Termos de Troca (Ver: http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2016/TD_IE_024_2016_OREIRO_DAGOSTINIv.2.pdf). Dessa forma, quando ocorre uma valorização dos termos de troca – como a ocorrida a partir de meados na década passada em função do boom de commodities – a TRC tende a se valorizar, o que tem efeitos negativos sobre a produção de bens comercializáveis, notadamente no setor industrial. Isto é o que mais genericamente podemos denominar de doença holandesa: a perda de competitividade da indústria de transformação derivada da apreciação da taxa real de câmbio que resulta do aumento dos preços dos bens primários nos mercados internacionais.

Como neutralizar a apreciação cambial que resulta da doença holandesa? Uma das proposições centrais de política econômica do ND é a introdução de um imposto de exportação de commodities, o qual ao reduzir a lucratividade da produção e exportação de produtos primários, levaria a uma desvalorização da taxa de câmbio (um mecanismo possível seria por intermédio da redução do IED direcionado para o setor produtor de commodities, o qual é um canal bastante forte de apreciação do câmbio em países que são ricos em recursos naturais). Está claro que a introdução desse imposto pode contribuir também para o aumento da poupança doméstica caso a receita do imposto seja usada para aumentar a poupança pública ao invés de ser dilapidada em aumento dos gastos de consumo e de custeio do setor público. Dessa forma, o efeito de redução da lucratividade das atividades de produção e exportação de produtos primários seria reforçado pelo aumento da poupança doméstica propiciado pela introdução do referido imposto.

A tendência a apreciação da taxa de câmbio verificada em países como o Brasil não depende apenas da doença holandesa, mas é reforçada pelas entradas de capitais externos. Com efeito, em momentos de liquidez internacional abundante, onde devido a taxas de juros muito baixas nos países desenvolvidos, os investidores internacionais buscam alternativas mais rentáveis de valorização da sua riqueza em países emergentes; os fluxos de entrada de capitais tendem a ser muito grandes, o que gera uma forte apreciação da taxa de câmbio. Com a eclosão da crise financeira internacional de 2008 as taxas de juros nos países desenvolvidos foram reduzidas para níveis extraordinariamente baixos, dando origem a uma verdadeira Tsunami de capitais externos para os países emergentes, em particular para o Brasil.

Para combater a apreciação cambial resultante desses desdobramentos, o ND propõe a adoção de dois instrumentos de política econômica. Em primeiro lugar, a introdução de controles abrangentes a entrada de capitais. Esses controles devem assumir a forma de um imposto sobre sobre toda e qualquer entrada de capitais externos, incluindo o IED. Em segundo lugar, uma mudança no mix de política macroeconômica que permita uma redução sustentável da taxa de juros doméstica (i.e. sem elevação da taxa de inflação), ou seja, a adoção de uma contração fiscal cum expansão monetária. Como instrumento auxiliar na tarefa de estabilização da taxa de câmbio pode-se usar a política de acumulação de reservas internacionais.

No Brasil os controles de capitais utilizados durante a gestão Gido Mantega no MF foram tímidos e restritos ao investimento de portfólio, deixando de lado o IED. A pouca abrangência dos controles de capitais permitiu que os mesmos fossem facilmente burlados pelo sistema financeiro, o qual disfarçou a entrada de capitais especulativos em IED, sendo essa a razão pela qual o volume do IED no Brasil se mantem bastante elevada apesar da estagnação verificada na economia brasileira a partir de 2012. Já a política de acumulação de reservas atuou, na prática, como uma espécie de “enxuga gelo” pois a manutenção de um elevado diferencial entre os juros domésticos e os juros internacionais permitiu a continuidade da entrada de grandes fluxos de capitais na economia brasileira, mantendo assim o câmbio apreciado.

Voltemos agora ao segundo pressuposto. A taxa de poupança doméstica não é um dado cultural ou um parâmetro. Com efeito, a taxa de poupança doméstica resulta, ao menos em parte, do comportamento da TRC. Com efeito, uma desvalorização da taxa real de câmbio está associada necessariamente a um aumento da participação dos lucros na renda nacional. Como as empresas tem uma propensão a poupar maior do que as famílias, segue-se que essa mudança na distribuição funcional da renda estará associada a um aumento da poupança doméstica. Como o saldo em conta-corrente é a diferença entre o investimento doméstico e a poupança doméstica segue-se que a desvalorização da taxa de câmbio ao aumentar o saldo em conta corrente (ou alguem duvida disso?) deve necessariamente produzir um aumento da poupança doméstica relativamente ao investimento doméstico !!!! Em outras palavras, a desvalorização da TRC gera uma substituição de poupança externa por poupança doméstica, razão pela qual a poupança doméstica não é, em si mesma, um entrave a adoção do modelo ND (ver http://www.anpec.org.br/encontro2009/inscricao.on/arquivos/000-29161fbd824c42bd0dad96399250aa0f.pdf).

O verdadeiro obstáculo a manutenção da TRC num patamar competitivo não está na baixa taxa de poupança doméstica – a qual é mais o resultado do que a causa do câmbio valorizado) ; mas nos efeitos distributivos da mesma. Com efeito, o ajuste da TRC em direção a um patamar competitivo – o equilíbrio industrial – resulta numa redução do tipo once-and-for-all do salário real e, portanto, da participação dos salários na renda. É natural que os trabalhadores resistam a essa política, fazendo com que os partidos de esquerda – como o PT – também se oponham a ela. Como a direita no Brasil parece estar dominada ideologicamente pelo modelo “liberal-dependente” – como é o caso do PSDB – então restam poucas esperanças de implantação de um modelo ND no Brasil.

Essa é a grande tragédia do Brasil segundo a leitura ND. Não há no momento uma coligação de interesses capaz de implantar um regime de política econômica baseado nas ideias do ND. Dessa forma, a única alternativa que resta é fomentar a discussão sobre os problemas brasileiros na esperança de que a partir dessa discussão os atores políticos relevantes percebem que fora do ND não há salvação para o Brasil, ou seja, nosso país estará condenado a ser um país de renda média para todo o sempre.

PÓS-ESCRITO

Qual seria a vantagem para os trabalhadores da adoção de um modelo ND? Está claro que a obtenção de uma taxa de câmbio competitiva implica uma redução do salário real e da participação dos salários na renda no curto-prazo devido aos efeitos distributivos da desvalorização do câmbio real. Contudo, a manutenção da TRC num patamar estável, sustentável e competitivo no médio e longo-prazo dará ensejo a um movimento da re-industrialização da economia, o qual permitirá a aceleração do crescimento do PIB e da produtividade do trabalho. Dessa forma, os salários reais poderão crescer mais rapidamente no médio e no longo-prazo do que ocorreria caso a TRC permanecesse sobrevalorizada. Isso significa, portanto, que a perda de salário real será apenas temporária, sendo revertida no médio e longo-prazo (minhas estimativas com Nelson Marconi para o caso brasileiro apontam para um prazo de 6 a 7 anos).

 

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Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master

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