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José Luis Oreiro

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Estratégias de Desenvolvimento e a Escola Novo-Desenvolvimentista Brasileira

22 terça-feira jan 2019

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Estratégias de Desenvolvimento, José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo

Estratégias de desenvolvimento e a escola novo-desenvolvimentista brasileira

José Luis Oreiro

Link do Artigo : https://periodicos.fclar.unesp.br/cadernos/article/view/12086

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar as diferentes estratégias de desenvolvimento econômico mapeadas no trabalho seminal de Rodrik (2013a) e relaciona-las com as proposições centrais da Escola Novo-Desenvolvimentista Brasileira. Segundo Rodrik é possível delinear ao menos duas estratégias de desenvolvimento a partir da literatura atual sobre crescimento econômico. Uma primeira estratégia consiste na acumulação de capital humano e capacitações sociais, a qual permitiria um aumento da produtividade potencial no setor de serviços e, por conseguinte, um aumento gradual da produtividade da economia como um todo. Essa estratégia se baseia, portanto, na construção e desenvolvimento de “boas instituições” em linha com a tese apresentada no trabalho de Acemoglu e Robinson (2012). Outra estratégia consiste na transformação estrutural da economia, com a transferência de recursos produtivos e força de trabalho do setor tradicional ou de subsistência para o setor manufatureiro. Essa estratégia permite um crescimento acelerado da produtividade do trabalho em função do caráter “especial” da indústria de transformação, que consistente em ser o único setor de atividade que está sujeito a efeitos de transbordamento positivos oriundos da fronteira tecnológica. Para que o efeito da industrialização sobre o desenvolvimento seja duradouro, contudo, é necessária a adoção das assim chamadas políticas “neo- -mercantilistas” (RODRIK, 2013c); as quais induzem um aumento da participação do emprego industrial no emprego total por intermédio de mecanismo – como, por exemplo, a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva – que geram superávit na balança comercial do setor manufatureiro. Essa segunda estratégia de desenvolvimento está em linha com as proposições centrais da Escola Novo-Desenvolvimentista, apresentadas no trabalho de Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi (2016). Nesse contexto, a questão central para a análise da viabilidade da estratégia de desenvolvimento apregoada pelos novo-desenvolvimentistas refere-se à capacidade de se usar a taxa de câmbio real como instrumento de política econômica. Ao contrário do que pensam os economistas ortodoxos, a taxa real de câmbio pode ser vista como uma variável exógena, estando sob o controle dos formuladores de política econômica. O desafio central para a adoção dessa estratégia consiste em convencer os trabalhadores e os partidos políticos que os representam de que a redução do nível de salário real oriundo da desvalorização cambial será amplamente compensada no futuro devido à aceleração do crescimento da produtividade do trabalho e, por conseguinte, do salário real.

Palavras-chave

Mudança Estrutural; Novo-Desenvolvimentismo; Taxa Real de Câmbio;

 

Uma estratégia nacional de desenvolvimento depende de uma coalizão de classes desenvolvimentista. Entrevista especial com José Luis Oreiro (IHU On-Line, 31 de Julho de 2018)

05 domingo ago 2018

Posted by jlcoreiro in Ciro Gomes, Crise Política no Brasi., Debate macroeconômico, novo-desenvolvimentismo, Oreiro, Ortodoxia versus heterodoxia

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Bresser-Pereira, Ciro Gomes, Eleições 2018, Estratégias de Desenvolvimento, José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo

Por: Vitor Necchi e Patricia Fachin | 31 Julho 2018

Depois de o Brasil mergulhar no “momento mais grave da pior recessão dos últimos 30 anos” em 2016, com uma “contração de quase 4% do PIB”, a economia “saiu da recessão” no ano passado, “mas a velocidade de recuperação do nível de atividade econômica é o mais lento entre todas as recessões que o Brasil experimentou desde o início da década de 1980”, avalia o economista José Luis Oreiro à IHU On-Line. Segundo ele, esse cenário se explica pelas políticas adotadas no governo Temer, mas também porque “a economia brasileira possui uma série de problemas estruturais que limitam seu potencial de crescimento de longo prazo”, como a desindustrialização dos últimos 20 anos, o desequilíbrio das exportações, a dependência da poupança externa e do mercado financeiro internacional e a instabilidade macroeconômica.

Na avaliação do economista, a superação desse cenário e a “implementação de uma estratégia nacional de desenvolvimento” dependem da formação de uma “coalização de classes desenvolvimentista”, tal como tem sido desenvolvida pelo economista Bresser-Pereira. “O desenvolvimentismo pressupõe a formação de uma coalização de classes entre a burguesia industrial, os trabalhadores urbanos e a tecnocracia estatal. Foi essa coalização de classes que levou Getúlio Vargas ao poder na Revolução de 1930 no Brasil, dando início ao modelo de desenvolvimento com base na industrialização por substituição de importações”, relembra.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o economista também comenta algumas das medidas adotadas pelo governo Temer nos últimos dois anos, como a Emenda Constitucional 95, que limita o teto de gastos e seus impactos imediatos para o país. “O teto de gastos não estabelece, a priori, uma redução do gasto público com educação, saúde, assistência social e outras políticas sociais, mas cria um conflito distributivo dentro do orçamento público. Como o volume real de recursos para financiar a despesa primária é constante, para que um dos componentes – como, por exemplo, os gastos com educação – aumente, algum outro componente deverá diminuir. O problema é que o simples crescimento vegetativo da folha de salários dos servidores públicos (para atender a demanda por serviços públicos de uma população que ainda cresce 0.8% a.a.) somado com o crescimento da despesa previdenciária devido ao envelhecimento da população brasileira (decorrente do aumento da expectativa de vida) faz com que o crescimento dos gastos com a folha de salários dos servidores públicos e dos gastos previdenciários acabe comprimindo o espaço fiscal para todos os demais gastos. Mantido esse modelo, em dois ou três anos a União não terá mais dinheiro para financiar o investimento público e os gastos de custeio com saúde e educação”, explica.

De acordo com o economista, “é possível ser favorável à existência de um teto dos gastos, ao mesmo tempo que se defende que o teto seja corrigido por outro indexador que não a variação do IPCA do ano anterior”. O indexador mais adequado para esse propósito, esclarece, é “a variação do IPCA mais o crescimento projetado da população brasileira para a década seguinte, algo como 0.8% a.a. Isso permitiria, ao menos, acomodar a demanda adicional por serviços públicos decorrente do crescimento da população brasileira”.

Oreiro frisa ainda que é preciso “um tratamento muito cuidadoso” em relação às críticas ao pagamento dos juros da dívida. “O governo não tem opção de não pagar as despesas com juros. Portanto, não existe uma opção entre ‘gastar com o social’ ou ‘gastar com os juros da dívida’. O governo precisa ter recursos para financiar ambos os tipos de gastos”, enfatiza. Entretanto, adverte, “nesse contexto, a pergunta que devemos nos fazer é: por que a taxa real de juros é persistentemente alta no Brasil? O que podemos fazer para reduzi-la a um patamar, ajustado pelo prêmio de risco, que seja compatível com o nível verificado nos países desenvolvidos?”.

José Luis Oreiro | Foto: UnB

José Luis da Costa Oreiro é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, possui mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia da UFRJ. Leciona no Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB e é líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento registrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. É autor do livro Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana (LTC: Rio de Janeiro, 2016).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Nos últimos anos alguns economistas avaliaram que a economia brasileira passou por uma das suas piores crises, mas, segundo o governo, o quadro já está se normalizando. Qual sua avaliação geral sobre a atual situação da economia brasileira? Compartilha da visão do governo de que a economia já está se recuperando ou não?

José Luis Oreiro – A economia brasileira está se recuperando da crise de 2014-2016, mas o ritmo de recuperação é extremamente lento. Qual a razão disso? O impeachment da presidente Dilma Rousseff foi vendido para a sociedade brasileira como a única maneira de “pôr o país em ordem” e assim retomar o crescimento da economia. Em maio de 2016 o Brasil se encontrava no momento mais grave da pior recessão dos últimos 30 anos, tendo apresentado uma contração de quase 4% do PIB no ano anterior. Os economistas liberais afirmavam que a substituição de Dilma Rousseff por Michel Temer iria restaurar a “confiança” dos empresários, levando assim a um aumento do investimento e ao fim da recessão. O Brasil poderia então retomar um crescimento moderado em torno de 2,5% a.a, o qual poderia ser ampliado por intermédio de uma série de reformas como, por exemplo, a PEC do teto dos gastos, a reforma Trabalhista e a reforma da Previdência Social. Dessas três reformas, o governo Temer conseguiu emplacar as duas primeiras: a PEC do teto dos gastos foi aprovada em 2016 e a reforma Trabalhista em 2017.

Não podemos deixar de fora das “reformas” do governo Temer a mudança ocorrida na atuação do BNDES com a substituição da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) pela TLP (Taxa de Longo Prazo) e a expressiva redução dos desembolsos do banco, o qual restituiu ao Tesouro Nacional praticamente todos os empréstimos recebidos no período 2008-2014. Em suma, o governo Temer, com seu “dream team” da área econômica, seguiu à risca o receituário liberal e desmontou a famigerada “nova matriz macroeconômica”, erguida durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Consequências

Quais os resultados dessa “guinada” na condução da política econômica? A economia brasileira saiu da recessão em 2017, mas a velocidade de recuperação do nível de atividade econômica é o mais lento entre todas as recessões que o Brasil experimentou desde o início da década de 1980. O hiato do produto ainda se encontra em torno de 6% segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente, e o desemprego persiste em torno de 13% da força de trabalho. A inflação se encontra abaixo do piso do regime de metas de inflação há 11 meses consecutivos, graças à forte desaceleração da inflação de serviços, o que mostra a debilidade do nível de atividade econômica e do mercado de trabalho. Mantido o atual ritmo de crescimento da atividade econômica, o Brasil deverá recuperar o PIB de 2014 por volta de 2020 ou 2021. Teremos uma nova década perdida, ainda pior do que a ocorrida nos anos 1980.

Os economistas liberais certamente irão dizer que a razão do fracasso do governo Temer foi que não se realizaram todas as reformas necessárias, afinal de contas ficou faltando a reforma da Previdência. Mantida essa linha de raciocínio então os economistas liberais terão que admitir que todas as reformas feitas pelo governo Temer não tinham utilidade alguma; e a única reforma que era realmente necessária foi precisamente a que eles mesmos sugeriram que fosse deixada por último! O erro terá sido deles, ao invés de ser um efeito retardado da nova matriz macroeconômica.

Existe outra interpretação para esse fracasso. A política macroeconômica do governo Temer, continuando o modelo adotado no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, foi caracterizada por aquilo que o economista Braulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas – Ibre-FGV, denominou de “overkill” ou “contracionismo excessivo”. Entre 2015 e 2016 houve a ocorrência simultânea de uma política fiscal, monetária e parafiscal contracionista. Com efeito, a política macroeconômica produziu uma forte elevação da taxa Selic e uma redução expressiva dos gastos de investimento da União e das empresas estatais, ao mesmo tempo que o BNDES reduzia os seus desembolsos e aumentava o custo de suas operações de crédito. O resultado não podia ter sido outro: um colapso do nível de atividade econômica, o qual só começou a arrefecer quando a política monetária começou a ser afrouxada no final de 2016 e após a liberação dos saldos inativos das contas do FGTS.

IHU On-Line – A Emenda Constitucional 95, que foi aprovada em dezembro de 2016, estabeleceu a redução do gasto público em educação, saúde, assistência social e em outras políticas sociais por 20 anos. O que poderia ter sido feito para contornar a escassez de recursos públicos, sem atingir áreas tão importantes? À época havia outras alternativas ou não? Se sim, quais?

Eu não tenho clareza sobre qual é o projeto que Haddad quer para o país. Espero que ele adote uma linha social-democrata, alinhando o discurso econômico do PT com os dos partidos de centro-esquerda da Europa como, o PSOE – José Luis Oreiro

José Luis Oreiro – A EC 95 estabeleceu o congelamento dos gastos primários da União (exceto pagamento de juros) pelo prazo de 10 anos, renovável por outros 10 anos, ao criar um teto para a despesa primária que seria corrigido anualmente pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA do ano anterior. O teto de gastos não estabelece, a priori, uma redução do gasto público com educação, saúde, assistência social e outras políticas sociais, mas cria um conflito distributivo dentro do orçamento público. Como o volume real de recursos para financiar a despesa primária é constante, para que um dos componentes – como, por exemplo, os gastos com educação – aumente, algum outro componente deverá diminuir.

O problema é que o simples crescimento vegetativo da folha de salários dos servidores públicos (para atender a demanda por serviços públicos de uma população que ainda cresce 0.8% a.a.) somado com o crescimento da despesa previdenciária devido ao envelhecimento da população brasileira (decorrente do aumento da expectativa de vida) faz com que o crescimento dos gastos com a folha de salários dos servidores públicos e dos gastos previdenciários acabe comprimindo o espaço fiscal para todos os demais gastos. Mantido esse modelo, em dois ou três anos a União não terá mais dinheiro para financiar o investimento público e os gastos de custeio com saúde e educação. A lógica da EC 95 é precisamente esta: levar o conflito distributivo dentro do orçamento público ao limite para “forçar” a sociedade a aceitar a reforma da Previdência Social e a “flexibilização” da estabilidade dos servidores públicos.

Mas veja que a “escassez de recursos” é, na verdade, fabricada por uma decisão de política econômica. É possível ser favorável à existência de um teto dos gastos, ao mesmo tempo que se defende que o teto seja corrigido por outro indexador que não a variação do IPCA do ano anterior. Na época que se discutia o teto dos gastos, eu defendi a tese de que o indexador deveria ser a variação do IPCA mais o crescimento projetado da população brasileira para a década seguinte, algo como 0.8% a.a. Isso permitiria, ao menos, acomodar a demanda adicional por serviços públicos decorrente do crescimento da população brasileira. Essa regra permitiria que o gasto primário permanecesse constante em termos per capita, mas faria com que o gasto primário como proporção do PIB fosse reduzido gradualmente ao longo do tempo, uma vez que a economia voltasse a crescer e exibisse um crescimento positivo para o PIB per capita. Infelizmente essa alternativa foi solenemente descartada pelo governo Temer.

IHU On-Line – Os efeitos da Emenda Constitucional 95 já são perceptíveis? Em quais áreas?

José Luis Oreiro – É importante frisar que a despesa primária da União ainda é inferior ao teto de gastos, de maneira que os efeitos da EC 95 ainda não se fizeram sentir. Os cortes nos assim denominados “gastos discricionários” do orçamento da União – como, por exemplo, a redução do financiamento de custeio das Universidades Federais – decorrem da regra de resultado primário da União. Para o ano de 2018, a União se comprometeu com uma meta de déficit primário de R$ 159 bilhões. Para alcançar essa meta, dada a queda ocorrida nas receitas tributárias devido aos efeitos da crise econômica, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento fizeram uma série de contingenciamento de gastos, totalizando R$ 18,2 bilhões no final de março de 2018. Esse contingenciamento implica que o governo pode deixar de executar a totalidade desse valor caso a evolução das receitas tributárias ao longo do corrente ano não seja suficiente para o cumprimento da meta de resultado primário.

IHU On-Line – Ao limitar despesas com políticas públicas e programas sociais, o governo Temer libera recursos para pagamento de juros. Qual o custo social de se priorizar o sistema financeiro em nome de uma política de austeridade? Há alternativas a essa medida?

José Luis Oreiro – Esse é um tema que merece um tratamento muito cuidadoso para que não se caia na armadilha das soluções fáceis, porém desastrosas. O governo não tem opção de não pagar as despesas com juros. Se essas despesas não forem pagas, então os assim chamados “investidores institucionais” não terão recursos para pagar aos seus “cotistas”. Quem são esses “investidores institucionais”? São os fundos de pensão de empresas estatais (Petrobras, Banco do Brasil, BNDES, CEF) e seguradoras. Isso significa que o não pagamento dos juros sobre a dívida mobiliária interna vai afetar não apenas os “ricos” e os “bancos”, mas principalmente os funcionários aposentados das empresas estatais e as pessoas que precisam receber o prêmio de seguro devido a sinistros com automóveis e outros tipos de bens. Portanto, não existe uma opção entre “gastar com o social” ou “gastar com os juros da dívida”. O governo precisa ter recursos para financiar ambos os tipos de gastos.

O problema é que, historicamente, a taxa de juros que incide sobre a dívida pública no Brasil é extremamente alta. Mesmo agora, em que temos quase 14 milhões de desempregados, a taxa real de juros (Selic nominal descontada da inflação esperada para os próximos 12 meses) se encontra em 2,5% a.a. Nos países da Área do Euro, o juro real se encontra próximo de zero, ao passo que, nos Estados Unidos, o qual apresenta um crescimento econômico bastante vigoroso, se encontra próximo a 1% a.a. Nesse contexto, a pergunta que devemos nos fazer é: por que a taxa real de juros é persistentemente alta no Brasil? O que podemos fazer para reduzi-la a um patamar, ajustado pelo prêmio de risco, que seja compatível com o nível verificado nos países desenvolvidos?

Dessa forma, uma política de austeridade digna de nome deveria priorizar as medidas necessárias para uma redução de caráter permanente da taxa básica de juros. Veja que o importante não é reduzir os juros de forma pontual, mas criar as condições necessárias para que se possa mudar o patamar de juros do Brasil para um nível permanentemente mais baixo.

IHU On-Line – Como o senhor avalia os principais nomes aventados para disputar a eleição presidencial, no que se refere à pauta econômica? Os possíveis candidatos têm algum projeto econômico para o país? Em que consistem tais projetos?

A candidatura Alckmin significa a continuidade do projeto neoliberal iniciado, mas não concluído, no governo de Michel Temer – José Luis Oreiro

José Luis Oreiro – Existem três candidatos com chances reais de disputar a presidência da República. No campo da centro-direita, temos o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. No campo da centro-esquerda, temos o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, e (provavelmente) o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (no lugar do ex-presidente Lula). Acho que Bolsonaro não tem nenhuma chance de ir para o segundo turno por se tratar de uma pessoa sem o menor preparo intelectual e emocional para ser presidente da República e por defender uma pauta que pode ser classificada como “fascista”. Dessa forma, o seu elevado índice de rejeição deve colocá-lo fora do segundo turno.

A candidatura Alckmin significa a continuidade do projeto neoliberal iniciado, mas não concluído, no governo de Michel Temer. É a velha agenda de privatizações, redução das políticas sociais e redução do papel do Estado na economia. No fundo é a mesma agenda do governo Collor de Mello: os problemas do Brasil são o resultado do “Estado Malvadão” e ineficiente e dos privilégios dos funcionários públicos. Esse discurso é música para os ouvidos dos agentes do mercado financeiro e de uma parte da classe média que, por um lado, é comprimida pelo peso dos impostos sobre o seu orçamento, mas que não usufrui dos serviços públicos de educação e saúde por considerar de baixa qualidade; e, por outro lado, sentiu sua posição relativa na pirâmide social ameaçada pelo surgimento da “classe C” durante os governos Lula e Dilma. Essa parte do eleitorado é nominalmente contra a corrupção, mas apenas quando a corrupção tem sua origem no PT ou outros partidos de esquerda. Quando a corrupção aparece associada a partidos mais “conservadores”, o ímpeto de crítica que essa parte do eleitorado apresenta é bastante reduzido.

A candidatura Alckmin significa a continuidade do projeto neoliberal iniciado, mas não concluído, no governo de Michel Temer. Eu não tenho, no momento, clareza sobre qual é o projeto que Fernando Haddad quer para o país. Espero que ele adote uma linha social-democrata, alinhando o discurso econômico do PT com os dos partidos de centro-esquerda da Europa como, por exemplo, o PSOE.

IHU On-Line – Setores do empresariado brasileiro sinalizam apoio à candidatura de Jair Bolsonaro à presidência. Por quê? O que isso significa?

O apoio da nossa elite empresarial a Bolsonaro é de uma miopia inacreditável. Bolsonaro não tem nenhuma proposta que pare em pé na área econômica – José Luis Oreiro

José Luis Oreiro – Significa que nossa elite empresarial é de uma miopia inacreditável. Bolsonaro não tem nenhuma proposta que pare em pé na área econômica. Ele aparentemente terceirizou a elaboração do programa econômico para o Paulo Guedes, que é um ultraliberal com formação na Universidade de Chicago. Muitos desses empresários ganharam bilhões de crédito subsidiado do BNDES durante os governos Lula e Dilma e agora “cospem no prato que comeram”. Eu não acredito na conversão desses empresários ao “credo liberal”. Acho que a lógica deles é mais ou menos a seguinte: “Os salários e os custos trabalhistas cresceram muito durante os governos do Lula e da Dilma. Como consequência os lucros que obtemos com a operação de nossas empresas caíram muito. Temos que reduzir custos trabalhistas e temos que reduzir impostos. Aí sobra mais lucro para ser distribuído para podermos investir no mercado financeiro e comprar ativos no exterior. Mas para viabilizar isso politicamente temos que eleger um outsider de direita. O Jair é o cara”.

IHU On-Line – Qual o efeito da polarização política para a economia?

José Luis Oreiro – Péssimo. Essa polarização significa o retorno ao velho conflito capital-trabalho. A classe empresarial brasileira tem se mostrado disposta a romper qualquer tipo de pacto com os trabalhadores, optando pela estratégia de recuperar seus lucros com a “flexibilização” das leis do trabalho. Se optar por esse caminho, então estará cometendo um erro gravíssimo. A sobrevivência do capitalismo depende de um acordo razoável entre capital e trabalho. Essa opção só irá aumentar o ressentimento de classes e, no longo prazo, realimentar o discurso marxista. É necessário que alguém salve o capitalismo, no Brasil, dos capitalistas brasileiros.

IHU On-Line – O que seria um projeto econômico adequado e necessário para o Brasil hoje, dada a atual crise econômica e o histórico da economia brasileira?

É necessário que alguém salve o capitalismo, no Brasil, dos capitalistas brasileiros – José Luis Oreiro

José Luis Oreiro – Para responder a essa pergunta temos que ter clareza sobre a natureza dos problemas da economia brasileira. Mesmo que a economia brasileira consiga engatar uma trajetória de crescimento mais robusta a partir de 2019, existem razões para acreditar que será um crescimento medíocre, incapaz de colocar o país numa trajetória de alcançamento com respeito aos países desenvolvidos. Isso porque a economia brasileira possui uma série de problemas estruturais que limitam seu potencial de crescimento de longo prazo. Na sequência irei fazer uma lista dos principais problemas estruturais que limitam nosso potencial de crescimento.

Problemas estruturais

Em primeiro lugar, a economia brasileira vem passando nos últimos 20 anos por um processo de desindustrialização precoce, o qual tem impacto negativo sobre o crescimento de longo prazo por dois canais distintos. Por um lado, a desindustrialização reduz o nível e a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, uma vez que

(i) a produtividade do trabalho é, na média, mais alta na indústria de transformação do que nos demais setores, de forma que uma redução da participação daquela no PIB reduz a produtividade média da economia; e

(ii) a indústria é a fonte dos retornos crescentes de escala e do progresso técnico (na sua maior parte incorporado em máquinas e equipamentos) indispensáveis para o crescimento da produtividade no longo prazo. Por outro lado, a elasticidade-renda das exportações dos produtos manufaturados é maior do que dos produtos primários, de tal forma que a desindustrialização atua no sentido de criar um desequilíbrio externo estrutural, tornando o país dependente de poupança externa e, portanto, dos humores dos mercados financeiros internacionais.

Em segundo lugar, o Brasil possui uma instabilidade macroeconômica recorrente que se expressa em inflação relativamente alta (média de 6,5% no período 1999-2015) e uma tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio, pontuada por episódios de desvalorização súbita e expressiva do câmbio. A resistência da inflação no patamar de 6% a.a. explica a manutenção da taxa de juros em patamares elevados, o que aumenta o custo do capital, desestimulando assim os investimentos produtivos, como ainda contribui para a valorização da taxa de câmbio ao atrair capitais externos interessados apenas em lucrar com o enorme diferencial entre os juros internos e externos.

Erro fatal das últimas administrações

Aliás, o erro fatal cometido pelas sucessivas administrações petistas a nível do governo federal foi o de ter permitido uma valorização expressiva e persistente da taxa de câmbio a partir de janeiro de 2003. Apesar da retórica petista acerca de uma suposta “herança maldita” recebida do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a taxa de câmbio prevalecente no início do governo do presidente Lula se apresentava num patamar suficientemente desvalorizado para permitir um aumento significativo das exportações de produtos manufaturados pelos dois anos seguintes. O crescimento das exportações deu o impulso inicial para a aceleração do crescimento da economia brasileira observada até meados de 2008, quando a erupção da crise financeira internacional, após a falência do Lehman Brothers, interrompe esse processo. A retomada do crescimento no segundo semestre de 2009 viria por intermédio não da expansão das exportações, mas do aumento dos gastos do governo e do crédito dos bancos públicos, num contexto no qual a taxa de câmbio se encontrava significativamente sobrevalorizada. Após uma forte recuperação em 2010, quando a economia apresentou um crescimento próximo de 8% a.a., o crescimento do PIB brasileiro apresenta uma forte desaceleração devido ao vazamento da demanda doméstica para o exterior, decorrente dos efeitos do câmbio sobrevalorizado sobre a competitividade da indústria brasileira.

Valorização excessiva da taxa de câmbio

O que deve ser feito para impedir uma valorização excessiva da taxa de câmbio? Para responder a essa pergunta temos que ter duas coisas em mente.

Em primeiro lugar, o Brasil é um país que possui vantagens competitivas naturais para a produção de commodities como o minério de ferro e a soja. Isso significa que a produtividade do trabalho na produção e extração dessas commodities é mais alta do que em outros países.

Em segundo lugar, a indústria brasileira se encontra atrás da fronteira tecnológica mundial, o que significa que a produtividade do trabalho na indústria brasileira é, na média, inferior à verificada nos países desenvolvidos. Nessas condições, a taxa de câmbio que proporciona uma taxa de lucro satisfatória para as atividades de produção e extração de commodities é mais baixa (mais valorizada) do que aquela que permite as empresas domésticas serem competitivas nos mercados internacionais. Como uma parte expressiva da pauta de exportações brasileira é composta por commodities segue-se que o comportamento da taxa de câmbio fica umbilicalmente ligado aos preços de exportação desses produtos. Quando o preço das commodities sobe no mercado internacional, como ocorreu durante os governos petistas, a taxa de câmbio se aprecia e a indústria brasileira perde competitividade. Dessa forma, a produção e a extração de commodities acabam tendo um efeito de transbordamento negativo sobre a indústria de transformação, configurando assim a existência de uma falha de mercado, o que justifica a intervenção governamental no mercado de câmbio.

Alternativas

Esse problema pode ser resolvido de duas maneiras.

A primeira, adotada no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, consiste na adoção de um sistema de taxas múltiplas de câmbio, onde a taxa de câmbio para as commodities é significativamente mais apreciada do que a dos demais produtos de exportação. Dada a sofisticação do sistema financeiro brasileiro, contudo, a implantação desse sistema não seria mais viável hoje em dia, pois daria ensejo a monumentais ganhos de arbitragem no mercado de câmbio.

A segunda seria a adoção de um imposto de exportação de commodities, com alíquota variável a depender do preço internacional da commodity de referência. A introdução do imposto de exportação teria o efeito de diminuir a distância entre o valor da taxa de câmbio que torna lucrativa a produção e exploração de commodities e o valor da taxa de câmbio que torna as empresas industriais brasileiras competitivas no mercado internacional.

Mas a abundância de recursos naturais não é a única causa da apreciação cambial. O Brasil possui, desde o início da década de 1990, uma conta de capitais aberta. Isso significa que residentes no exterior podem adquirir, de forma razoavelmente livre, ativos reais e financeiros emitidos no Brasil. Nesse contexto, o câmbio pode ser apreciar de forma bastante expressiva em função da entrada de capitais externos, a qual depende de dois fatores. Em primeiro lugar, do diferencial (ajustado pelos prêmios de risco relevantes) entre a taxa de juros interna e a externa. Em segundo lugar, da expectativa de ganhos de capital nos ativos domésticos.

Daqui se segue que a redução da taxa básica de juros para um patamar compatível (dados os prêmios de risco) com a taxa de juros internacional não é condição suficiente para evitar uma apreciação significativa da taxa de câmbio. Isso porque se os mercados financeiros internacionais acreditarem numa valorização futura da taxa de câmbio Real/Dólar (porque, por exemplo, apostam num aumento futuro dos preços das commodities), então os mesmos irão antecipar um ganho de capital na aquisição de ativos denominados em Reais. Como resultado disso, haverá um forte fluxo de entrada de capitais, com a consequente valorização da taxa de câmbio. Para impedir ou limitar a valorização cambial oriunda desse mecanismo, é fundamental introduzir controles abrangentes à entrada de capitais no Brasil.

IHU On-Line – Há espaço para algum grau de otimismo frente às crises política e econômica do país?

Muitos dos empresários que apoiam Bolsonaro ganharam bilhões de crédito do BNDES durante os governos Lula e Dilma e agora ‘cospem no prato que comeram’. Eu não creio na conversão desses empresários ao ‘credo liberal’ – José Luis Oreiro

José Luis Oreiro – Eu estou muito pessimista com o futuro do país. A implementação de uma estratégia nacional de desenvolvimento nas linhas que mencionei anteriormente depende da formação de uma “coalização de classes” desenvolvimentista. Esse conceito foi desenvolvido por Bresser-Pereira no seu livro “A Construção Política do Brasil”. Como é bem sabido, no Manifesto Comunista publicado em 1848, Marx e Engels afirmavam que a História de todas as sociedades tem sido a história da luta de classes.

Bresser-Pereira, em “A Construção Política do Brasil”, oferece outra perspectiva para a história das sociedades. Sem negar a existência ou a importância da luta de classes, Bresser afirma que a história reflete fundamentalmente a ocorrência de coalizões de interesses entre classes sociais, as quais não são vistas como entidades monolíticas, mas apresentam grandes subdivisões. São exatamente essas subdivisões que permitem a emergência de coalizões de interesses entre grupos que pertencem a classes sociais distintas. Nesse contexto, a dialética fundamental do capitalismo não consiste no conflito entre capital e trabalho, mas na disputa entre duas formas alternativas de organização econômica e social do capitalismo, a saber: o desenvolvimentismo e o liberalismo econômico.

O desenvolvimentismo pressupõe a formação de uma coalização de classes entre a burguesia industrial, os trabalhadores urbanos e a tecnocracia estatal. Foi essa coalização de classes que levou Getúlio Vargas ao poder na Revolução de 1930 no Brasil, dando início ao modelo de desenvolvimento com base na industrialização por substituição de importações. O problema é que essa coalização de classes se rompeu porque uma boa parte – se não a quase totalidade – da burguesia industrial brasileira transformou suas fábricas em simples maquiladoras devido à sobrevalorização crônica da taxa de câmbio por um período de mais de duas décadas. Além disso, essa burguesia industrial tem, atualmente, muitos interesses em comum com o sistema financeiro, pois a extinção do imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos pelo governo FHC, em 1997, terminou por induzir a um processo de descapitalização dessas empresas, as quais passaram a ser vistas pelos seus proprietários apenas como uma fonte de renda a ser explorada, e a partir da qual eles podem financiar seus gastos de consumo e/ou ganhar vultosas quantias com aplicações nos mercados financeiros.

Nesse contexto, acho pouco provável que a burguesia industrial se mostre propensa a formar uma coalização de interesses em torno de um projeto nacional de desenvolvimento. O empresariado nacional deverá, em sua maioria, apoiar o projeto neoliberal de Geraldo Alckmin. Uma minoria, contudo, pode apoiar o projeto de extrema direita representado por Jair Bolsonaro.

Link da entrevista: http://www.ihu.unisinos.br/581317-uma-estrategia-nacional-de-desenvolvimento-depende-de-uma-coalizacao-de-classes-desenvolvimentista-entrevista-especial-com-jose-luis-oreiro

Íntegra da Entrevista concedida a René Garcia do Jornal do Brasil (19/03/2018)

19 segunda-feira mar 2018

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Eleições 2018, Estratégias de Desenvolvimento, José Luis Oreiro

Arquivo com a edição do JB : 

O economista José Luis da Costa Oreiro, líder do Grupo de Pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento” da Universidade de Brasília e autor do livro “Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana”, não está otimista nem com o presente nem com o futuro. Para ele, a economia brasileira deve apresentar um ritmo de crescimento bastante moderado, dificilmente superior a 2,5%, apesar do respiro do último trimestre e de estarmos em um ano eleitoral.

Falta demanda e espaço para investimentos tanto no setor público – que sofre com o desequilíbrio fiscal – quanto no privado, que está com capacidade ociosa e não precisa expandir a produção. Além disso, a combinação de uma taxa de desemprego ainda elevada, com a precariedade dos empregos que foram criados mais recentemente e o comportamento bastante cauteloso dos bancos na concessão de crédito impedem que as famílias aumentem de forma expressiva seus gastos com consumo.

“Não existe, no momento, nenhum vetor de forte expansão da demanda doméstica” resume, acrescentando que a demanda externa também deve apresentar uma contribuição negativa, pois as importações deverão crescer mais do que as exportações.

Em entrevista ao economista e colunista do JB, Renê Garcia, Oreiro é realista. Afirma que mesmo que o teto seja mantido no próximo governo, o que considera pouco provável, a recuperação da economia não será suficiente para resolver o problema fiscal. “Como o gasto discricionário já está no seu limite inferior e dado que não é possível cortar gastos obrigatórios, parte do ajuste fiscal terá que ser feito por intermédio de aumento de impostos”, informa.

 

A questão fiscal pode ser resolvida somente com a reforma da previdência? 

Definitivamente não. A reforma da previdência tem impacto zero no curto-prazo.  Essa reforma é importante para o longo-prazo. Não resolve o problema fiscal que temos atualmente. É necessário passar de um déficit primário de 2% do PIB (2017) para um superávit primário próximo a 1% do PIB de maneira a permitir uma redução da dívida pública, atualmente em torno de 75% do PIB. Uma parte desse ajuste fiscal virá naturalmente da recuperação do nível de atividade econômica. Atualmente o PIB está 6% abaixo do nível prevalecente no início de 2014. Considerando um PIB de R$ 6,5 Trilhões no final de 2017; isso significa que quando a economia voltar ao nível do início de 2014 haverá um acréscimo de R$ 414 bilhões na atividade econômica. Supondo uma carga tributária de 32% do PIB, a receita do setor público consolidado deverá aumentar em R$ 132 bilhões por ano, valor equivalente a 83% do déficit primário projetado para o ano de 2018. Contudo, essa recuperação vai levar ainda uns dois ou três anos, período ao longo do qual as despesas primárias do governo central e entes subnacionais deverão, em tese, ficar congeladas devido à regra de teto dos gastos. Mesmo que o teto seja mantido no próximo governo – o que eu duvido muito – a simples recuperação da economia não é suficiente para resolver o problema fiscal. Como os gastos discricionários – como o investimento público – já está no seu limite inferior e dado que não é possível cortar gastos obrigatórios; parte do ajuste fiscal terá que ser feito por intermédio de aumento de impostos.

Na sua opinião, qual deveriam ser as bases de uma reforma tributaria para o próximo governo?   

Em primeiro lugar, a reforma deverá aumentar a progressividade da carga tributária. Isso significa reduzir a tributação sobre a produção e o consumo e aumentar a tributação sobre renda e patrimônio. Nesse contexto, é imperativo a reintrodução do imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos, bem como aumentar as alíquotas do IPTU e do imposto sobre heranças. Em segundo lugar, a legislação sobre o ICMS deve ser totalmente reformulada, introduzindo-se uma alíquota única sobre todos os bens e serviços, a qual deve ser cobrada no destino, ao invés de sê-lo na origem. Essa mudança na legislação do ICMS vai impedir aquilo que Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de economia) chama de “corrida para o fundo” entre os Estados Brasileiros, a qual é conhecida por aqui como “guerra fiscal”: uma situação na qual os estados competem entre si para atrair investimentos com base em isenções fiscais e redução da alíquota do ICMS.  O resultado coletivo desse processo é perda de arrecadação por parte dos Estados, comprometendo assim a sua capacidade de investimento.

O comportamento relativamente estável da taxa de juros e do câmbio nos mercados futuros é sustentável a longo prazo? 

A experiência brasileira diz que não. O Brasil possui uma série de problemas de natureza institucional que tornam as taxas de juros e de câmbio muito voláteis. Do lado da taxa de juros, a existência de uma parcela significativa da dívida pública atrelada à taxa de juros Selic reduz a potência e a eficácia da política monetária, fazendo com que a dosagem de juros necessária para colocar a inflação na meta seja excessiva. Além disso, como a convergência da inflação à meta deve ser feita ao longo do ano calendário, o Banco Central acaba sendo induzido a elevar os juros para combater os efeitos inflacionários de choques de oferta adversos. Esse efeito poderia ser mitigado se o Brasil, a exemplo de outros países que adotam o regime de metas de inflação, adotasse um prazo de convergência mais dilatado, por exemplo, 24 ou 36 meses. Do lado da taxa de câmbio, a volatilidade é resultado de uma abertura da conta de capitais que é incompatível com o grau de abertura comercial da economia brasileira. Do ponto de vista financeiro o Brasil possui uma economia bastante aberta aos fluxos de capitais do exterior; mas do ponto de vista comercial é uma economia bastante fechada. Isso precisa ser mudado. Como a abertura comercial precisa ser gradual, para não reduzir a pó o que resta de nosso parque industrial; a saída de curto-prazo é reduzir a abertura financeira com medidas de regulação macro prudencial. Nesse sentido, o Brasil poderia imitar o caso bem-sucedido do Chile nos anos 1990, implementando medidas como o deposito compulsório não remunerado (algo como 30%) por um prazo limitado de tempo (1 ano) para todos os capitais externos que entram no país. Essa medida ajudaria a mudar a composição do fluxo de capitais externos, penalizando o capital especulativo e as operações de carry-trade; mas teria efeito negligenciável sobre os capitais de longo-prazo. Dessa forma, poderíamos reduzir a volatilidade da taxa de câmbio, reduzindo assim a incerteza associada às decisões de investimento.

O setor agrícola tem sido o elemento surpresa da evolução favorável do PIB, já a indústria o oposto. O senhor defende uma retomada da politica industrial? Se positivo em que bases?   

Fora da indústria não há salvação para o Brasil. Com isso quero dizer que ou o Brasil toma a sério a tarefa de se re-industrializar ou estaremos fadados a incorrer em taxas de crescimento medíocres no médio e longo-prazo; atolando em definitivo na “armadilha da renda média”. Não adianta ficar dizendo que o país pode crescer com base na expansão do setor de serviços. O nível educacional da população brasileira é incompatível com a existência de um grande setor de serviços sofisticados. Esses serviços exigem uma força de trabalho com instrução superior de qualidade, demandando inclusive mão-de-obra com pós-graduação. A indústria de transformação precisa de mão-de-obra qualificada; mas não necessariamente com instrução superior. Está claro que precisamos melhorar, e muito, o nível educacional da população brasileira; mas mesmo que comecemos hoje um esforço hercúleo nesse sentido, os resultados não irão aparecer antes de 25 anos. Até lá vamos fazer o que? Ficar sentados sem fazer nada, vendo o país ficar cada vez mais pobre em termos relativos? Penso que não. Mas então como induzir a re-industrialização do país? Em primeiríssimo lugar temos que fazer com que o ambiente macroeconômico não impeça as empresas industriais brasileiras de ser competitivas nos mercados internacionais. Isso significa que temos que alinhar a taxa de juros com o patamar praticado no exterior e precisamos ter uma taxa de câmbio competitiva. Isso pra início de conversa. Também é necessário investir pesado em infraestrutura (produção de energia e logística) para reduzir o custo Brasil que as empresas industriais brasileiras são obrigadas a arcar. Por fim precisamos de uma política industrial e tecnológica que estimule os “setores portadores de futuro”, ou seja, aqueles setores que empregam tecnologia no estado da arte mundial ou representam novos paradigmas tecnológicos. Vou dar um exemplo. Com todo o potencial de produção de energia eólica que o país possui, estamos muito atrás da Alemanha nesse quesito. Trata-se de uma fonte de energia limpa, complementar a produção hidroelétrica, e que contribui para a redução da emissão de combustíveis fósseis. Os países desenvolvidos estão gradualmente caminhando para a eliminação dos desses combustíveis como fonte de energia; mas o Brasil, após a descoberta do pré-sal, resolveu ficar ainda mais lock-in num paradigma tecnológico que está se tornando crescentemente obsoleto. Isso é desperdiçar dinheiro público.

A desmobilização da capacidade de financiamento do BNDES pode prejudicar a reinserção da indústria na economia brasileira?   

Com certeza. De onde virá o financiamento de longo-prazo com taxas de juros razoáveis para o investimento no Brasil? As grandes empresas podem recorrer aos mercados internacionais de capitais para atender essa demanda; mas isso tem um efeito colateral indesejado, qual seja, aumenta o passivo externo da economia brasileira, tornando-a mais vulnerável a flutuações da taxa de câmbio e a volatilidade dos fluxos internacionais de capitais. As pequenas e médias empresas não tem acesso a esses mercados e não tem capacidade técnica para operar no mercado de capitais doméstico. Elas terão que financiar seus investimentos apenas com lucros retidos. Isso vai limitar a expansão dessas empresas, diminuindo assim o potencial de crescimento da economia brasileira e aumentando o grau de concentração industrial. O maior prejudicado será o consumidor brasileiro que se defrontará com preços mais elevados devido ao aumento do grau de concentração.

O que o Senhor espera ver no projeto de governo do candidato vencedor da eleição presidencial de 2018? 

Espero que o(a) vencedor(a) da eleição presidencial de 2018 seja uma pessoa comprometida com o desenvolvimento econômico do Brasil, que compreenda que a reindustrializaçao é fundamental para a obtenção desse objetivo, que o Estado tem um papel importante nesse processo; mas que saiba evitar os erros cometidos no passado. Essa pessoa deve, portanto, estar comprometida com o equilíbrio fiscal, com a manutenção da inflação num patamar baixo e com a redução gradual das desigualdades sociais. Em suma, precisa ser a personificação da combinação entre a social-democracia a moda europeia com o nacional-desenvolvimentismo. A pessoa que combinar esses atributos num plano de governo coerente e internamente consistente terá não só o meu voto, como também meu total apoio.

 

Slides da minha apresentação na sessão especial ANPEC-BNDES no 45 Encontro Nacional de Economia

14 quinta-feira dez 2017

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45 Encontro Nacional de Economia, Debate liberais versus neodesenvolvimentistas, Estratégias de Desenvolvimento

Vejam os slides aqui do lado ANPEC BNDES 2017

O Brasil e as fontes do crescimento econômico sustentado

21 terça-feira nov 2017

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Dani Rodrik, desindustrialização, Estratégias de Desenvolvimento, novo-desenvolvimentismo

Ao que tudo indica a economia brasileira deverá fechar o ano de 2017 com um crescimento abaixo de 1%, resultante dos efeitos combinados da liberação dos depósitos inativos do FGTS, da redução da taxa de juros e do forte crescimento das exportações, tanto de produtos básicos como de manufaturados, em função da aceleração do crescimento da economia mundial. Considerando a queda acumulada de quase 9% do PIB real no período 2014-2016 trata-se de uma recuperação anêmica, ainda que bem vinda.

A pergunta que se coloca a partir desse momento é qual o ritmo de crescimento que a economia brasileira pode sustentar no médio e no longo-prazo? Essa pergunta é fundamental tanto para a formulação de projeções sobre a trajetória das contas públicas, como também para o desenho de políticas que permitam lidar com os problemas estruturais da sociedade brasileira nas áreas de educação, saúde e infraestrutura.

A teoria econômica indica que o crescimento potencial de uma economia no longo-prazo é igual a soma entre a taxa de crescimento da força de trabalho e a taxa de crescimento da produtividade. A taxa de crescimento da força de trabalho depende da taxa de crescimento da população e do crescimento da taxa de participação, ou seja, do aumento da razão entre a força de trabalho e a população. Em função da queda tendencial da taxa de fecundidade (filhos por mulher) derivada do processo acelerado de urbanização da economia brasileira nos últimos 50 anos, a taxa de crescimento da população vem se reduzindo progressivamente, situando-se hoje em torno de 0,8% a.a. Na década passada a força de trabalho cresceu a um ritmo superior ao crescimento da população devido ao aumento da taxa de participação, induzida pela expansão do nível de emprego possibilitada pelas políticas de expansão da demanda agregada adotadas pelos governos Lula e Dilma. Embora a recessão de 2014 à 2016 tenha aumentado a taxa de desemprego, não podemos mais contar com um aumento significativo da taxa de participação nos próximos 15 anos, dado que a mesma já se encontra num patamar elevado. Dessa forma, o crescimento da força de trabalho deve contribuir com, no máximo, 1 p.p para o crescimento do PIB nos próximos anos.

E o que dizer da taxa de crescimento da produtividade? Os economistas ortodoxos (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2017/10/1929109-profundezas-da-improdutividade.shtml) acreditam que  o crescimento da produtividade do trabalho é algo que não tem nada que ver com a acumulação de capital ou com a composição intersetorial da produção e do emprego, sendo dependente apenas das instituições) (grau de abertura da economia e grau de observância ao império da lei) e do estoque de capital humano. Dessa forma, a receita ortodoxa para acelerar o crescimento da produtividade é fazer a abertura indiscriminada e unilateral da economia para obrigar as firmas a serem mais eficientes, ao mesmo tempo em que se aumenta o investimento em educação básica e fundamental.

Em artigo publicado em 2013, o economista Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, mostrou que a estratégia de desenvolvimento baseada na melhoria de instituições e da acumulação de capital humano é relativamente pouco eficaz como fonte de aumento da produtividade. Os países que experimentaram surtos de crescimento econômico acelerado foram precisamente aqueles que conseguiram transferir mais rapidamente mão-de-obra dos setores tradicionais para a indústria de transformação. Isso porque a indústria de transformação é o setor que se beneficia mais intensamente dos efeitos de transbordamento positivos da fronteira tecnológica, razão pela qual se observa uma convergência incondicional entre os níveis de produtividade dos setores manufatureiros ao redor do mundo; ou seja, a produtividade do trabalho na indústria de transformação tende a crescer mais rapidamente nos países que estão atrás da fronteira tecnológica (Rodrik, 2012), fazendo com que a produtividade do trabalho na manufatura desses países possa convergir rapidamente para a produtividade do trabalho da manufatura nos países que estão na dita fronteira.

A intensidade e a duração da fase a la Lewis (1954) de transferência de mão-de-obra dos setores tradicionais para a manufatura irá depender, contudo, dos limites existentes a participação da mão de obra industrial na força de trabalho. Rodrik (2013) mostra que a participação do emprego industrial no emprego total é limitada por dois fatores fundamentais, a saber: (i) a participação dos produtos manufaturados na demanda agregada doméstica (ii) o saldo da balança comercial de produtos manufaturados. Em função da “lei de Engel”, a participação dos manufaturados na demanda doméstica tende a cair com o processo de desenvolvimento econômico, o que tende a diminuir a participação do emprego industrial no emprego total, levando assim a um processo de desindustrialização e, consequentemente, a redução do ritmo de crescimento da produtividade do trabalho.  Para retardar ou até mesmo reverter esse processo é necessário aumentar o saldo da balança comercial de manufaturados, o que exige, entre outras coisas, manter a taxa de câmbio num patamar competitivo. Dessa forma, a estratégia de desenvolvimento por intermédio da industrialização deve estar baseada na conquista de mercados externos, ao invés da substituição de importações.

Esse arcabouço teórico nos permite entender as razões para o sucesso econômico da Alemanha e do fracasso do Brasil nos últimos 15 anos. Conforme aponta Flassbeck (2017), desde 1998 a Alemanha vem adotando uma política de “desvalorização interna” da taxa de câmbio por intermédio de medidas que levaram a um crescimento dos salários reais a um ritmo inferior ao da produtividade do trabalho. Como resultado dessa política, o custo unitário do trabalho na Alemanha se reduziu relativamente ao dos demais países da Área do Euro, permitindo assim que a Alemanha acumulasse crescentes superávits em conta-corrente como proporção do PIB. Dessa forma, a participação do emprego industrial no emprego total na economia alemã pode ser mantida, evitando-se assim a “desindustrialização” com a transferência de mão-de-0bra da indústria para o setor de serviços. Já no Brasil a taxa real de câmbio tem apresentado uma tendência crônica a sobrevalorização desde 1994, a qual foi revertida de forma pontual e temporária no período (2000-2004). O resultado dessa sobrevalorização cambial foi a redução gradual do superávit comercial da indústria de transformação até 2007, momento a partir do qual se passa a observar déficits comerciais crescentes nesse setor. Esse movimento foi acompanhado de uma transferência de mão-de-obra e recursos da indústria de transformação para o setor de serviços, sendo esta uma das razões fundamentais para a estagnação do crescimento da produtividade do trabalho no Brasil.

Isso posto, para que seja possível acelerar o ritmo de crescimento do trabalho na economia brasileira será necessário reverter o processo de desindustrialização por intermédio de medidas que visem manter a taxa real de câmbio num patamar competitivo no médio prazo. Isso significa obter um patamar para a taxa de câmbio que seja alto o suficiente para reverter, de forma persistente, o déficit comercial da indústria de transformação. Dado que o Brasil é um grande exportador de produtos básicos, a reversão do saldo comercial da indústria de transformação terminará por fazer com que o Brasil apresente um superávit estrutural no saldo em conta-corrente do balanço de pagamentos.   Dessa forma, a obtenção de um modesto superávit em conta-corrente, na ordem de 1% do PIB, deve ser visto como condição necessária para a aceleração sustentável do crescimento da economia brasileira.

Alguns economistas podem fazer objeções a essa política dizendo que o Brasil tem escassez de poupança doméstica e que, portanto, não é viável ou desejável a obtenção de superávits em conta-corrente do balanço de pagamentos. Conforme já argumentei em outro post (https://jlcoreiro.wordpress.com/2017/10/14/poupanca-lucros-e-industria/), a taxa de poupança doméstica está positivamente correlacionada com a participação da indústria de transformação no PIB, uma vez que (i) a fonte principal de poupança doméstica consiste nos lucros corporativos; (ii) os produtos manufaturados, por serem mais intensivos em capital, são precisamente aqueles que possuem maior participação dos lucros no valor adicionado. Dessa forma, a reindustrialização do Brasil, se bem sucedida, também deverá eliminar o problema estrutural de escassez de poupança no Brasil.

Referências

Flassbeck, H. (2017). “Germany´s Trade Surplus”. American Affairs, Vol. I, N.3.

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimited Supplies of Labor”. Manchester School of Economics and Social Studies, 28: 139-191.

Rodrik, D. (2013). “The Past, Present and Future of Economic Growth”. The Global Citizem Foundation, Working Paper 1.

Rodrik, D. (2012). “Unconditional Convergence in Manufacturing”. Quarterly Journal of Economics, pp.165-204.

 

 

 

 

 

O papel da indústria (O Estado de São Paulo, 30/10/2017)

30 segunda-feira out 2017

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Dani Rodrik, Estratégias de Desenvolvimento, José Luis Oreiro, Samuel Pessoa

Fernando Dantas

30 Outubro 2017 | 18h04

A economia está se recuperando, mas todos concordam que se trata de uma retomada cíclica. Para iniciar um novo ciclo de crescimento sustentável, o Brasil tem vários obstáculos à frente. O mais comentado é a bomba fiscal ainda não desarmada. No campo dos neodesenvolvimentistas, entretanto, a desindustrialização é considerada um problema chave.

O debate é antigo. Economistas heterodoxos tendem a enfatizar o vigor industrial como um ingrediente indispensável para uma sólida trajetória de aumento da produtividade no médio e longo prazo.

Em recente artigo, em que faz uma interessante discussão sobre os países africanos e suas perspectivas de crescimento, o economista Dani Rodrik, de Harvard, cita as três razões clássicas pelas quais a indústria é considerada um passaporte para o desenvolvimento.

 A primeira é ser um setor que facilmente absorve tecnologia externa e cria postos de trabalho de alta produtividade. A segunda é que o trabalho na indústria não requer muita capacitação, sendo possível absorver camponeses da agricultura tradicional com apenas um pouco de treinamento. E, em terceiro lugar, a possibilidade de exportar faz com que a demanda por produtos manufaturados não seja limitada pelo consumo doméstico.

O problema, segundo Rodrik, é que o mundo está mudando rápido. A indústria está cada vez mais exigente em termos de capacitação e a globalização tornou o mercado global de manufaturas extremamente competitivo – não é fácil arrancar uma fatia dos superpoderosos países asiáticos. Assim, ele prossegue, há desindustrialização em boa parte do mundo emergente.

“É como se a escada rolante tivesse sido retirada dos países que ficaram para trás”, escreve o economista.

No caso da África, entretanto, ele nota que países como Etiópia, Costa do Marfim, Tanzânia, Senegal, Burkina Faso e Ruanda (e, na Ásia, Índia, Myanmar, Bangladesh, Laos, Camboja e Vietnã) continuam crescendo e devem ter expansão do PIB de 6% ou mais este ano.

Especialmente em relação à África, o que chama a atenção de Rodrik é que o bom desempenho continua mesmo depois do fim do boom de commodities, que empurrou muitas economias do continente. O fenômeno também se dá – o que ele considera estranho à primeira vista – sem sinais significativos de industrialização (e até pelo contrário, em alguns casos).

Em recente trabalho com colaboradores, Rodrik detectou que o êxodo rural naqueles países africanos, que continua, tem como principal destino não a indústria, mas sim os serviços. E, embora haja um salto inicial de produtividade entre a agricultura tradicional e os serviços, este último setor tem um mau desempenho de produtividade. Isso faz o economista prever que o crescimento desses países africanos pode vir a ser uma espécie de “voo de galinha”.

Uma importante causa desse padrão de mudança da estrutura produtiva, segundo Rodrik, pode ser o fato de que a demanda por detrás desse crescimento é interna, derivada dos ganhos de produtividade na agricultura, e não uma demanda externa por manufaturados. Outro fator que pode estar estimulando a demanda nesses países são transferências do exterior.

Este é um debate relevante para o Brasil, que, embora com um nível de desenvolvimento bem superior ao dos países africanos mencionados, tem o seu crescimento comprometido pela pífia performance da produtividade – e a expansão do emprego nos serviços não sofisticados, em vez de na indústria, é apontada como uma causa importante por uma corrente de economistas.

O economista José Luiz Oreiro, da UnB, diz que “o artigo do Rodrik vai bem na linha do que os novo-desenvolvimentistas defendem”. Para ele, “a transição de uma economia de renda baixa para uma de renda alta só é possível por intermédio da industrialização”.

Nessa visão, o aumento da fatia dos postos de trabalho da indústria no emprego total e a ampliação do valor adicionado da manufatura no PIB geram os ganhos de produtividade que levam a economia para níveis mais elevados de renda per capita.

“Melhorias na infraestrutura e na produtividade agrícola podem gerar ganhos temporários de crescimento, mas é a industrialização que atua como motor de crescimento de longo prazo”, explica Oreiro.

Ele considera que Rodrik endossa a “tese keynesiano-estruturalista” de que aquilo que o país produz (não apenas o que exporta) importa para o crescimento de longo prazo.

“Os liberais brasileiros estão redondamente enganados quanto à irrelevância da estrutura produtiva”, critica o economista.

Já Samuel Pessôa, economista-chefe da gestora Reliance e pesquisador associado do Ibre/FGV, faz uma mudança no enfoque da questão proposta por Rodrik.

“O que parece escapar, quando se lembra do desenvolvimento industrial da Ásia, é que ele já é uma consequência da ótima qualidade da educação e das elevadíssimas taxas de poupança”.

Nesse foco, a escolaridade de boa qualidade é necessária aos modernos postos de trabalho na indústria. Já a elevada poupança reduz o custo de capital (e a indústria é mais intensiva em capital que os serviços) e, por estar associada à possibilidade de taxas de câmbio mais depreciadas, abre espaço para o crescimento liderado pelas exportações e os consequentes ganhos de escala.

Assim, o caminho, tanto para países africanos como para o Brasil e outras economias de renda média que lutam para não ficar atoladas na armadilha da renda média, seria melhorar a qualidade da educação e estimular – na medida do possível – a poupança doméstica.

Esse é um debate que certamente deve voltar à tona quando o Brasil apagar os incêndios, especialmente na política fiscal, que ainda ameaçam a atual retomada cíclica. (fernando.dantas@estadao.com)

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Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master

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"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)

O Barômetro - A Economia sob Pressão

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José Luis Oreiro

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