Brasil pagará mais de R$ 600 bilhões em juros aos seus credores em 2023, valor três vezes maior que o orçamento do Bolsa Família.

Fagundes Schandert
02/12/22 – 04h30
Após uma trégua em prol da democracia nas eleições presidenciais, o mercado local voltou a contemplar nos últimos dias um debate saudável: o velho embate de argumentos e considerações entre economistas liberais e desenvolvimentistas. Em carta aberta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, os economistas Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central), Edmar Bacha (ex-presidente do BNDES) e Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda) defenderam a correção do teto de gastos, mas a manutenção de controle fiscal, e alertaram para a volta da inflação diante de sucessivos rombos no orçamento. Do outro lado do front, a corrente dos desenvolvimentistas — formada por Luiz Carlos Bresser-Pereira (ex-ministro da Fazenda) e os economistas José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula, Kalinka Martins e Luiz Magalhães — rebateu sobre inflação e criticou a falta de flexibilidade do teto fiscal.
Para a glória da dialética, ambas as cartas foram amplamente repercutidas no mercado e na imprensa, com analistas e comentaristas contra ou a favor dessa ou daquela corrente. Uma boa discussão cordial que pode trazer soluções para o País nos próximos anos. Mas independentemente das premissas, das razões e da lógica de cada uma das correntes, no centro da disputa estão o tamanho da dívida pública brasileira e as taxas de juros dos títulos que são pagos aos credores.
Por isso, vamos aos números. De acordo com dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi) alcançou a cifra de R$ 5,53 trilhões em outubro. Segundo o boletim de estatísticas fiscais do Banco Central divulgado na quarta-feira (30), nos 12 meses acumulados até outubro, os juros nominais somaram R$ 573,2 bilhões (6,03% do PIB), comparativamente a R$ 378,3 bilhões (4,44% do PIB) nos 12 meses até outubro de 2021. Para dar uma ideia dessa montanha de recursos que é paga aos credores, esse volume é mais que suficiente para bancar três anos do novo programa Bolsa Família, com R$ 600 e outros R$ 150 por filho para mais de 20 milhões de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico).
A maior parte dos títulos públicos federais não está atrelada à Selic, se a inflação recuar um pouco, o custo com a dívida tende a diminuir” Denis Medina professor da FAC-SP.
Para o economista José Luis Oreiro, a conta com os juros pode alcançar R$ 700 bilhões em 2023. “Existe algo de muito errado com os juros no Brasil. Nós pagamos três vezes mais em proporção do PIB do que a Espanha, que possui uma dívida de 120% do PIB, enquanto a nossa dívida é de cerca de 77% do PIB”, afirmou. Para ele, a dívida no Brasil é muito custosa por causa dos juros altos e o caminho para o Tesouro é deixar de emitir títulos pós-fixados. “A Selic é instrumento de política monetária do Banco Central para alcançar suas metas. O Tesouro só deveria emitir papéis prefixados e de inflação, como ocorre em outros países no mundo.”

Segundo outros economistas consultados pela DINHEIRO, o volume em juros tende a crescer em 2023 por causa do aumento da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, e do crescimento da dívida que caminha para o patamar entre R$ 6 trilhões e R$ 6,4 trilhões, conforme o próprio Plano Anual de Financiamento (PAF) do Tesouro. Na projeção mais otimista para 2023, o professor da FAC-SP, Denis Medina, calcula que os gastos com juros podem diminuir para R$ 460 bilhões se a inflação ceder parcialmente no próximo ano. “A maior parte dos títulos não está atrelada à Selic, se a inflação recuar um pouco, as despesas com o serviço da dívida devem diminuir”, afirmou. Mas se a inflação persistir e houver necessidade de o BC manter os juros, Medina projeta gastos em torno de R$ 520 bilhões.
Já na estimativa mais pessimista, do economista Davi Lelis, da Valor Investimentos, com um estoque de R$ 6,4 trilhões e um juro médio de 12,75% ao ano, as despesas com juros podem alcançar R$ 816 bilhões, mais de quatro vezes o orçamento do Bolsa Família. “A dívida crescerá de 76% do PIB para mais de 90% do PIB com o aumento dos gastos públicos até o final de 2026”, disse Lelis. Seria um cenário de altíssimo risco fiscal. E perverso. Para cada R$ 1 que o governo pagaria para o Bolsa Família (R$ 200 bilhões fora do teto de gastos), outro R$ 1,50 (R$ 300 bilhões) seria pago a mais na forma de juros.

Na visão do economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, se a PEC da transição for aprovada como está no Congresso, sem qualquer limitação de prazo ou de valor, há chances de o Tesouro encontrar dificuldades para rolar a dívida. “Como está, a PEC passou a percepção que a preocupação fiscal do próximo governo é zero. O mercado também deseja desenvolvimento social, mas com responsabilidade fiscal. Sem isso, o Tesouro quebra”, afirmou. Na projeção dele, num cenário de gastos públicos amplamente permitidos, a dívida deve subir para mais 90% do PIB rapidamente. “Não somos um país desenvolvido para ter uma dívida tão alta”, disse.
Para o economista da XP Tiago Sbardelotto, a projeção atual gira em torno de R$ 600 bilhões em juros em 12 meses, o equivalente a 6,3% de um PIB nominal de R$ 9 trilhões. Mas num cenário de inflação insistente, com PIB nominal de cerca de R$ 10 trilhões e taxa Selic a 13,75% até meados do próximo ano, Sbardelotto calcula R$ 780 bilhões em pagamento, ou 7,8% do PIB. “Se o BC não baixar a taxa de juros, essa conta pode subir ainda mais”, disse. Mas o economista da XP não vê dificuldades para o governo rolar sua dívida. “O Tesouro tem condições de liquidez”, afirmou. Questionado sobre o ambiente para investimentos financeiros, Sbardelotto respondeu que a renda fixa ficará ainda mais atrativa para financiar essa expansão do estoque. “O brasileiro está acostumado com juros altos”, disse.
DETENTORES Segundo o coordenador de Operações da Dívida da STN, Roberto Lobarinhas, em outubro, entre os detentores de títulos públicos — os que ficam com esses juros —, houve aumento do estoque por investidores não-residentes (estrangeiros), fundos de investimento e de previdência. “A exceção foi de instituições financeiras (bancos), com uma menor participação no estoque em outubro”, afirmou Lobarinhas, em apresentação do boletim mensal do Tesouro à imprensa, no dia 25 de novembro.
De acordo com o Lobarinhas, a fatia dos bancos oscilou de 29,43% em setembro para 28,68% em outubro (R$ 1,585 trilhão). “Um movimento normal por causa do vencimento de títulos nesse período”, disse. Ao passo que os fundos de investimento aproveitaram o momento de juros elevados para aumentar a participação de 24,23% para 24,63% (R$ 1,361 trilhão), mesmo movimento dos fundos de previdência, que elevaram sua fatia de 22,66% para 22,92% (R$ 1,266 trilhão). Ou seja, os juros da dívida pública estão atrativos e geram lucros bilionários aos seus credores.