Pedro Rossi, Oreiro e Nelson Marconi (Fotomontagem HP)
“A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu Oreiro. Para Marconi, “o limite de 70% é bastante restritivo”. “O teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto nos governos Lula”, diz Pedro Rossi
O novo arcabouço fiscal, apresentado na quinta-feira (30) pelo ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad, recebeu comentários favoráveis de representantes do mercado financeiro e opiniões em tom mais críticos por parte de economistas que defendem uma maior independência do governo em relação à amarras fiscais e monetárias impostas ao país por este mesmo mercado financeiro.
José Luis Oreiro (UnB)
José Luis Oreiro, professor de Economia da UnB, afirmou ao HP que o arcabouço está na dependência da receita e que “não dá para controlá-la, apenas os gastos”. “A meta é um crescimento de meio ponto percentual do superávit primário em relação ao PIB por ano entre 2023 e 2026. “A receita, a princípio, o governo não controla porque depende do comportamento do PIB”, ressaltou o economista.
Oreiro disse ainda que o governo manteve a lógica do teto de gastos, “só que ela dá uma flexibilizada”. “O máximo que o gasto pode crescer entre um ano e outro é 2,5%. Este é o gasto total da União. Só que no gasto total da União estão os gastos previdenciários. Então, para respeitar o teto da banda, os outros itens da despesa vão te que crescer menos”, apontou. “E quais são os outros itens? Você tem dois que são fundamentais, são os gastos com o funcionalismo público e os gastos de investimento”, acrescentou Oreiro.
RECUPERAÇÃO DURANTE CRISES
Ele alerta que, “havendo uma crise, o governo não conseguirá recuperar a economia”. “O que acontece se a economia entrar em recessão? Porque você tem um limite mínimo de crescimento dos gastos que é 0,6% ao ano. Vamos supor que a economia em 2024 caia 2%. A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu.
Nelson Marconi (FGV)
Nelson Marconi, professor da FGV-Eaesp e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getúlio Vargas, disse à Folha de S. Paulo que a proposta dá uma sinalização importante para o mercado. “Agora, se ela é crível e se realmente vai ser apoiada pela sociedade, vai depender muito das outras medidas que o governo anunciar”, afirma.
Segundo o economista, o desenho proposto pelo governo é melhor e mais flexível, mas alguns pontos ainda precisam ser esclarecidos. O principal é como aumentar a arrecadação. “Se pensarmos num cenário de inflação a 4%, para que a despesa cresça na mesma magnitude, a receita precisaria subir 5,7% acima da inflação. Então o que o governo está apostando no fundo é que vai [conseguir] aumentar a receita”, diz.
Ele lembra que Lula e seus ministros têm prometido uma atenção maior em questões sociais. Por isso, embora as despesas com saúde e educação estejam fora do limite de gastos, há maior expectativa de desembolso para políticas públicas.
LIMITES RESTRITIVOS
O problema, ele diz, “é que a única forma de entregar as promessas, considerando o modelo apresentado, é cortando investimentos ou aumentando o caixa. Como é improvável que o governo adote o primeiro caminho, resta saber qual estratégia será usada para captar mais recursos”.
Segundo Marconi, essas metas também só são factíveis se a arrecadação for consideravelmente crescente. “Combinando o que o governo pretende fazer com o objetivo de superávit, a única forma de alcançar isso é através de crescimento de receita. A não ser que vá cortar recursos para saúde, educação, segurança e fiscalização. Aí chega no superávit”, diz.
Sobre a afirmação de representantes da sistema financeiro de que o limite de gastos nos 70% definidos pelo governo estão num patamar bem calibrado, Marconi discorda. Para ele, “o limite é bastante restritivo, e deve ser elevado no Congresso para algo em torno de 80% ou 90%”. “Acho que o governo está colocando um percentual para negociação, porque [70%] é baixo, dado o que ele está se propondo a fazer”, afirma.
Segundo Marconi, o ideal seria tirar os investimentos da regra. “A política fiscal tem que ser anticíclica. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico”, diz. “Tudo bem que há um piso [para investimentos], mas é fraco”, acrescenta.
Pedro Rossi Foto: Unicamp
Pedro Rossi, economista e professor da Unicamp, destacou em suas redes sociais que “é evidente o avanço em relação ao teto do Guedes, a proposta é mais flexível, tecnicamente bem construída, criativa na tentativa de amenizar o caráter pró-cíclico e até inovadora em alguns aspectos”.
No entanto, prosseguiu o economista da Unicamp, “o teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto no governos Lula 1 e 2 (5,2% ao ano) e Dilma (3,5%) e mesmo FHC. Esse crescimento do gasto primário permitiu a expansão dos serviços públicos, programas sociais, seguridade e o investimento publico”.
O professor da Unicamp se somou a Nelson Marconi ao afirmar que as metas fiscais são desnecessariamente exageradas. “A banda é um avanço em relação ao regime de metas tradicional, mas poderia ter metas menos ambiciosas e bandas mais largas para acomodar choques. A utilização do excedente do primário para investimento também é boa, mas a alternativa seria tirar o investimento do teto”, afirmou.
PRIORIDADE NO CRESCIMENTO
“O objetivo central da politica econômica deveria ser emprego e o crescimento. Aliás, o Brasil vai estabilizar a divida quando voltar a crescer de verdade. Para isso o gasto público é fundamental”, acrescentou. “A prioridade dada ao resultado fiscal e estabilidade da divida pode custar caro. O risco é a regra representar mais um freio na economia (além do monetário) e aumentar a chance da extrema direita voltar em 4 anos”, defendeu Rossi.
Pedro Rossi disse ainda que o fim dos limites à Saúde e Educação é bom, mas advertiu para alguns problemas. “Com o fim da EC95 temos a volta dos antigos pisos constitucionais da saúde e educação. Isso é muito bom mas pouco compatível com o teto: se a receita cresce 10%, saúde e educação vão crescer 10% mas o conjunto dos gastos vai crescer 2,5%, o que cria um problema no orçamento”, disse.
Para o economista, “considerada a atual previsão de crescimento e carga tributaria, o teto de 2,5% não deve ser atingido no governo Lula. Ou seja, o gasto cresce menos a não ser que o governo aumente a carga tributaria”.
Rossi advertiu que as regras podem acabar reduzindo o tamanho do Estado. “A relação gasto/PIB pode cair se não houver aumento de carga tributaria, ou um crescimento do PIB não desejado (negativo ou próximo de zero). Ou seja, a regra não garante a sustentação do patamar de gasto/PIB e o tamanho do Estado na economia pode diminuir”, afirmou.
O economista apontou que “o novo teto de gastos vai ter o mesmo problema do teto anterior: um ‘efeito achatamento’ onde algum gastos (como seguridade, saúde, educação, bolsa família turbinado) crescem mais e pressionam outros gastos, especialmente discricionários”. “Isso dará pouca margem para expansão do investimento publico dentro do teto (apesar do novo piso que o protege de cortes), para aumentos do salario mínimo que pressiona a seguridade, e para o funcionalismo publico”, alertou.
Pedro Rossi assinala a dificuldade de se garantir investimentos relevantes. “No caso do investimento vale destacar que o excesso de superávit (para além do limite superior da banda) vira investimento. Logo uma expansão relevante do investimento vai depender da geração desses superávits”, afirmou o professor.
Ele chama a atenção para as pressões pelo desvinculamento do orçamento. “O governo vai ter que cortar gastos em outras áreas em meio à fartura para garantir os pisos constitucionais. Voltaremos ao debate sobre reformas para liberar gastos discricionários, rever pisos constitucionais da saúde e educação, gastos obrigatórios, peso do funcionalismo, etc”, denunciou.
BOA VONTADE DO BANCO CENTRAL
Assim como Oreiro, Rossi também alerta para as dificuldades que ocorrerão em períodos de crise. “O piso mínimo para o crescimento do gasto 0,6% é insuficiente em caso de uma recessão ou mesmo para a recuperação econômica que precisamos. A ver se o texto vai trazer clausulas de escape”, observou. “O instrumento de política expansionista fica atrofiado. O estimulo econômico vai depender muito mais da composição do gasto, de políticas de crédito, das estatais e do cenário externo, e também da boa vontade do Banco Central”, acrescentou.
“Se o primário ficar abaixo do piso da banda da meta, o gatilho para reduzir o crescimento das despesas em 50% da receita é duro e pró-ciclico, considerando que o resultado normalmente não é atingido em caso de PIB e receita abaixo do previsto”, apontou. “Ou seja, pode haver momento de economia em desaceleração precisando de estimulo publico e o regime vai prever desaceleração do gasto”, prosseguiu Rossi.
“Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não tinha teto, no Lula também. O gasto público no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado primário era alto e a dívida caiu”, observou.
Lara Resende. Foto: Unicamp
Todos esses economistas se alinham com a opinião expressada por André Lara Resende, em entrevista à jornalista da Globo, Miriam Leitão, na quarta-feira (29) de que não há crise fiscal e nem descontrole da dívida. Ele lembrou que “a dívida pública é em reais, moeda emitida pelo governo – e não está fora do controle como apregoam os representantes do mercado financeiro”. Resende destacou que a única saída para a crise do país é o aumento dos investimentos públicos.
“O Brasil tem hoje quase 20%, um pouco menos, de reservas internacionais, ou seja, ele vendeu mais do que importou e isso criou reservas, o que é uma extraordinária segurança pro Brasil. É óbvio que essas reservas internacionais têm que ser deduzidas. É algo que o país tem de um ativo que tem que ser deduzido do passivo, que é a dívida que ele emitiu. Se você pegar 73% e deduzir os 20% dá 53%”, disse Lara Resende.
NÃO HÁ CRISE FISCAL
Ele acrescentou que “o Tesouro tem uma conta única do Tesouro no Banco Central e essa conta no final do ano passado estava com quase 10% do PIB em moeda. É um ativo do Tesouro. O Tesouro emitiu a dívida estava com moeda. Os dois, moeda e dívida, são passivos do Tesouro. Então ele só fez uma troca: ele disse emiti mais de dívida e retirei da moeda que está na minha conta no Banco Central. Isso também tem que ser deduzido para a dívida líquida líquida das reservas internacionais e das reservas em reais do Tesouro no Banco Central. E isso nós chegamos ao número de 45% do PIB”, destacou o economista.
Questionado sobre a ata do Copom, Lara Resende disse que foi “arrogância”. “O BC está se arvorando com uma equipe de jovens tecnocratas que acreditam piamente nos modelinhos equivocados que eles estão olhando e se acham no direito de passar pito no Congresso, o presidente eleito e o Judiciário. O BC, com a autonomia que lhe foi concedida, passou a se considerar um quarto poder. É um quarto poder que dá lições de moral e se considera acima dos demais poderes. É muito preocupante”, afirmou.
Nesta quinta-feira, dia 30 de março de 2023, o Ministro da Fazenda anunciou o tão esperado arcabouço fiscal. Com base na apresentação feita pelo ministro Fernando Haddad o novo arcabouço fiscal irá combinar metas para o crescimento das despesas primárias com metas para o resultado primário do governo geral de forma a estabilizar a dívida bruta em 76% do PIB em 2026 no cenário básico (sem “fechamento nos juros” e com o governo alcançando o centro da banda para o resultado primário previsto para o período 2023-2026). No cenário mais otimista, em que as despesas com juros são reduzidas em 2 p.p do PIB e o governo consegue cumprir o centro da banda de resultado primário, a dívida bruta do governo geral fecharia em 2026 dois pontos percentuais abaixo do nível prevalecente em 2023.
Os pontos principais do arcabouço são os seguintes. Em primeiro lugar é estabelecida uma meta móvel para o resultado primário, com bandas de variação. A meta de primário para 2023 é de -0,5% do PIB, aumentando 0,5 p.p do PIB a cada ano até alcançar 1,0% do PIB em 2026. Para evitar contingenciamentos devido a flutuações imprevistas nas receitas e despesas do governo geral é definida uma banda de variação de 0,25 p.p do PIB para mais ou para menos. O teto de gastos é mantido, mas modifica-se a regra de crescimento do teto de gastos. Ao invés de gasto real zero, os gastos primários podem agora crescer em termos reais dentro de um intervalo definido entre 0,6% a.a (o piso para o crescimento dos gastos) e o teto de 2,5% a.a. Dentro desse intervalo, os gastos podem crescer a uma taxa que seja igual ou menor do que 70% da taxa de crescimento das receitas tributárias. Caso o resultado primário fique abaixo do limite mínimo da banda para o resultado primário, então para o exercício fiscal seguinte os gastos primários poderão crescer no máximo a um ritmo igual a 50% do crescimento da receita tributária. Por fim, deverá ser estabelecido um piso para o investimento público (o qual seria de R$ 75 bilhões para o ano de 2023, sendo corrigido anualmente pela inflação.
O primeiro ponto que me chamou atenção foi a fixação de metas simultâneas para o resultado primário e para a despesa primária. Como o resultado primário é apenas a diferença entre a receita tributária (que o governo tem pouco poder de discricionariedade no curto-prazo) e as despesas primárias; segue-se que só é possível fixar uma única meta: ou se fixa uma meta de resultado primário, sendo as despesas primárias a variável de ajuste (como ocorria no regime de metas de superávit primário entre 1999 e 2014), ou se fixa uma meta para as despesas primárias e o resultado primário é a variável de ajuste (como ocorreu após a introdução do Teto de Gastos). Fixar o resultado primário e a despesa primária de forma independente e simultânea só é possível se a receita tributária for a variável de ajuste!
* Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Professor do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (UPV), Pesquisador Nível I do CNPq e Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento. E-mail: joreiro@unb.br.
Economista diz que “o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB”
Por: João Vitor Santos | 28 Novembro 2022
Bastou o presidente eleito Lula erguer a voz para falar que o combate à fome e a busca por um bem-estar social não devem ser preteridos a um ajuste fiscal para que começasse uma cantilena acerca do descontrole das contas. Com o dólar em alta e a bolsa de valores lá embaixo, o discurso hegemônico se arvora para defender, por vezes até de forma velada, o famigerado teto de gastos. Para o economista e professor José Luis Oreiro, “o problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico”. “Essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do ‘consenso macroeconômico’”, completa.
Oreiro observa que tal postura interdita um debate efetivo sobre o teto de gastos. “Este assumiu um status de ‘dogma de fé’. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira”, critica. Por isso, na entrevista a seguir concedia por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele detalha a perspectiva de que o Estado tem condições de expandir seus gastos ainda sem perder o controle. “O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal”, pontua.
O professor, que com outros economistas endereçou uma carta ao governo eleito defendendo o fim do tacanho e truculento controle de gastos, detalha os principais pontos dessa correspondência e indica um caminho saudável, pela via da economia, para a conciliação nacional. “Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça”, explica.
Por fim, ainda escarna as contradições do teto que nem sequer cumpre o que busca. “Veja como o ‘teto de gastos’ é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões”, exemplifica.
José Luis Oreiro
Foto: Arquivo pessoal
José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, na Espanha, pesquisador Nível I do CNPq, membro sênior da Post-Keynesian Economics Society e da European Association for Evolutionary Political Economy. É líder do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, do CNPq e assessor do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal – CORECON-DF. Entre suas publicações, mais de 130 artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior, destacamos os livros: Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana(LTC, 2016) e Macrodinâmica pós-keynesiana: crescimento e distribuição de renda(Alta Books, 2018).
Confira a entrevista.
IHU – Como podemos compreender as resistências à revogação do teto de gastos?
José Luis Oreiro – Começo respondendo com uma citação de John Maynard Keynes tirada do prefácio do seu magnum opus “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda” publicada em 1936: “A dificuldade não reside em desenvolver novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram educados como a maioria de nós, em cada canto da nossa mente”.
Para Oreiro, A teoria geral do emprego, do juro e da moeda (Atlas, 1982),de Keynes, permite compreender as resistências à revogação do teto de gastos
Foto: Divulgação
O teto de gastos é o equivalente moderno do padrão-ouro, sistema monetário que vigorou até o colapso do sistema de Bretton Woods que estabelecia que a base monetária deveria estar “lastreada” em ouro para assegurar a confiança do mercado no valor da moeda.
No Brasil, a partir de 2016, criou-se uma convenção (definida por Keynes como uma crença compartilhada) de que o crescimento econômico só seria restaurado por intermédio de uma regra fiscal que impedisse o governo de aumentar seus gastos primários (o gasto com juros nunca é mencionado, pois se trata de uma “despesa ausente” no debate público sobre o ajuste fiscal no Brasil), pois o aumento dos gastos do governo levaria a um deslocamento (efeito crowding-out) dos investimentos do setor privado.
Trata-se de uma versão tupiniquim da velha “visão do tesouro” apresentada no início da década de 1930 pelo staff do Tesouro Britânico contra o programa de obras públicas defendido por Lloyd George, nas eleições gerais de 1929 no Reino Unido, para reduzir as elevadas taxas de desemprego observadas no país desde 1924. A revolução keynesiana demonstrou que a “visão do tesouro” pressupõe uma economia que está operando permanentemente em estado de pleno emprego, o qual é apenas um caso fortuito na dinâmica das economias capitalistas, as quais tendem a operar em uma situação persistente de subutilização da capacidade produtiva (homens e máquinas).
O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB – José Luis Oreiro Tweet
Um debate reduzido a “dogma de fé”
O problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico, sendo que essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do “consenso macroeconômico”.
Dessa forma, o debate público sobre o teto de gastos fica interditado, pois este assumiu um status de dogma de fé. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira.
A forma pela qual o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que leitura faz das críticas que o presidente Lula vem recebendo ao falar que os gastos sociais não devem ser preteridos em nome do controle fiscal?
José Luis Oreiro – Acredito que a forma como o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais. A questão fundamental, no debate político, é definir qual o tamanho do Estado que a sociedade deseja.
A história brasileira mostrou repetidas vezes, por intermédio da eleição de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff por dois mandatos consecutivos cada um, que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social. Parafraseando Santo Agostinho: “Populus locutus, contenda finita” (“o povo falou, o debate está encerrado”, numa tradução livre). A frase original de Santo Agostinho é: “Roma locuta, contenda finita” (Roma se pronunciou, acabou o debate). Sendo assim, a disciplina fiscal consiste tão somente em arrecadar o volume de impostos necessários para financiar aquilo que o povo deseja. Se o déficit fiscal (estrutural, ou seja, ajustado pelo ciclo econômico) para financiar o Estado do bem-estar social se mostrar insustentável, então a solução econômica e política é aumentar a carga tributária para garantir a solvência intertemporal das contas do governo. É exatamente isso o que se espera de um governo de centro-esquerda, como é o caso do presidente eleito.
A história brasileira mostrou (…) que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Precisamos de um controle fiscal?
José Luis Oreiro – Temos que definir precisamente o que se entende por controle fiscal. Defino controle fiscal como uma situação na qual a relação dívida pública/PIB apresenta uma tendência de estabilidade ou queda no médio e longo prazo. No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione o mais próximo possível do pleno emprego dos fatores de produção.
Esse princípio elementar de finanças públicas tem sido omitido do debate público no Brasil, onde frequentemente se faz uma comparação grosseira entre as finanças públicas e as finanças de uma dona de casa. Essa comparação parece ser baseada no bom senso, mas veja: se fôssemos nos basear no bom senso, então a Terra deveria ser plana, dado que ninguém é capaz de ficar em pé, ao menos por muito tempo, sobre uma bola de futebol. Em suma, comparar as finanças públicas com as finanças de uma dona de casa é “terraplanismo econômico”.
Por outro lado, uma situação na qual a relação dívida pública/PIB aumenta de forma persistente, no médio e no longo prazo, não é sustentável, mesmo que a dívida pública esteja denominada na moeda legal do país. O real não é uma moeda de reserva internacional, razão pela qual se encontra num nível inferior na chamada hierarquia de moedas. Um aumento persistente da dívida pública pode levar o mercado – atuando com base nas suas convenções – a retirar dinheiro do país, produzindo uma desvalorização acentuada e súbita da taxa de câmbio, ou seja, uma crise cambial.
Está claro que o Banco Central tem instrumentos para amenizar os impactos dessa crise se assim o desejar. Mas a instabilidade nos mercados financeiros acabará por aumentar a percepção de incerteza de parte dos empresários, resultando em uma redução do investimento privado e, consequentemente, em recessão.
Em suma, o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal.
No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione – José Luis Oreiro Tweet
IHU – O senhor, junto de outros economistas, encaminhou uma carta a Lula em apoio à revogação do teto de gastos. Entre outras ponderações, vocês consideram esse teto como uma falácia, dada a sua ineficácia para o controle fiscal. Gostaria que o senhor recuperasse esse argumento e o detalhasse.
José Luis Oreiro – Na carta aberta ao presidente Lula, está escrito:
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extrateto em quatro anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.”
A ideia que levou à criação do teto de gastos era congelar o gasto primário da União por um período de dez anos, de forma que o crescimento do PIB durante esse período se encarregasse de reduzir o gasto primário como proporção do PIB entre 3 e 4 pontos porcentuais. Dessa forma, continua o argumento, o governo federal voltaria a gerar superávits primários expressivos, capazes de gerar uma queda da dívida pública como proporção do PIB, sem ter que realizar um aumento da carga tributária.
Em 2016, no debate público sobre a PEC do teto de gastos, afirmei que o teto era insustentável porque implicava numa redução do gasto públicoper capita, uma vez que a população brasileira crescia a um ritmo de 0,8% a.a. Dessa forma, o congelamento do gasto público implicava numa redução da oferta de bens e serviços públicos para a população num contexto em que existem claras deficiências na área de saúde, educação e assistência social. Além disso, existiam componentes do gasto da União que apresentavam taxas de crescimento real significativas e que não poderiam ser significativamente reduzidas, a não ser que direitos garantidos pela Constituição fossem negados.
É o caso, por exemplo, dos gastos com a Previdência Social. Mesmo após a reforma da Previdência em 2019, os gastos previdenciários continuaram aumentando em termos reais devido ao simples crescimento vegetativo dos aposentados e pensionistas. Sendo assim, a manutenção do teto de gastos num contexto de crescimento real das despesas previdenciárias exigiria a redução do chamado gasto não obrigatório, ou seja, aquele que o governo precisa executar por estarem amparados na Constituição.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial. Durante o governo Bolsonaro, os salários reais dos servidores públicos também apresentaram uma queda significativa devido à não reposição das perdas inflacionárias.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial – José Luis Oreiro Tweet
Teto de gastos, uma sandice
Durante a pandemia de covid-19, o Congresso aprovou a emenda constitucional do “orçamento de guerra” que suspendia o teto de gastos até 31-12-2020. Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões.
No fim de 2021, com a aproximação das eleições e a baixa popularidade de Bolsonaro, o governo conseguiu que o Congresso aprovasse a chamada PEC dos Precatórios, visando abrir espaço no orçamento para manter o Auxílio Brasil em R$ 400,00 neste ano.
A PEC trouxe duas medidas. Uma delas foi alterar a regra de cálculo do teto de gastos. A regra originalmente estabelecida na EC nº 95 estabelecia que o valor autorizado para as despesas do governo seria atualizado pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Isso porque o orçamento é formulado ao longo do segundo semestre do ano anterior. Dessa forma, o orçamento poderia ser formulado com a informação exata do valor do reajuste do teto.
Com a mudança proposta pelo governo Bolsonaro em 2021, o reajuste do teto passou a ser fixado com a inflação acumulada até dezembro. Ou seja, o orçamento é inicialmente formulado com base na inflação esperada para o ano e, ao fim dele, poderia ser ajustado, caso a inflação, no período final do ano, fosse diferente da inflação acumulada em 12 meses até junho.
O governo fez isso porque já projetava que a inflação fecharia 2021 mais alta do que o acumulado em 12 meses até junho daquele ano. Essa manobra permitiu ao governo gastar, em 2022, R$ 26 bilhões a mais do que seria autorizado pela regra original do teto, segundo os cálculos do economista Bráulio Borges do IBRE/FGV.
Além disso, a PEC autorizou o atraso no pagamento de precatórios (dívidas da União com pessoas e empresas já reconhecidas pela Justiça). O adiamento desses gastos abriu uma folga de mais R$ 49 bilhões no teto.
Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir a situação – José Luis Oreiro Tweet
PEC kamikaze
Em julho de 2022, o Congresso aprovou a chamada PEC kamikaze, autorizando uma série de benefícios acima do limite constitucional, como o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até 31 de dezembro e novos auxílios para caminhoneiros e taxistas. Foi necessário modificar a Constituição não só devido ao limite do teto, mas também para contornar a legislação eleitoral, que veda a criação de benefícios às vésperas da eleição.
Bráulio Borges calcula que serão gastos R$ 41,2 bilhões acima do teto até o final deste ano, devido à PEC kamikaze. Somando isso ao atraso dos precatórios e à mudança do cálculo do teto, o governo terá usado R$ 116,2 bilhões acima do que a regra original permitiria para este ano.
Um velho adágio popular diz que “contra fatos não há argumentos”. E os fatos mostram que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história da República brasileira.
Os fatos apontam que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Ainda na carta, é dito que é equivocado considerar que o país tem taxas de juros altíssimas pelo fato de o Brasil ser considerado mau pagador. Por que há esse equívoco e o que explica as atuais taxas de juros?
José Luis Oreiro – O risco de um calote soberano é algo que é precificado no mercado. O índice EMBI+, criado pelo banco J.P.Morgan, mede a diferença (spread) entre as taxas de juros pagas sobre títulos da dívida pública de diversos países que são negociados nos Estados Unidos e a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana com idêntico prazo de maturidade. Dessa forma, a percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor” pode ser visualizada dia a dia nos preços de mercado dos títulos da dívida pública.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos. No fim do governo Lula, o spread soberano se encontrava num patamar mais baixo, em torno de 190 pontos. Se a taxa de juros no Brasil fosse determinada apenas com base na percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor”, então a Selic nominal deveria estar hoje entre 6 e 7% a.a., ao invés de 13,75%.
A taxa de juros está em 13,75% porque o Banco Central acredita que esse é o valor adequado para trazer a inflação para a meta de 3,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 p.p; ou seja, um valor máximo de 5% para o ano de 2022. Isso não tem nenhuma relação com a percepção de mercado sobre o risco de emprestar dinheiro para o governo brasileiro, mas com o modus operandi da política monetária no Brasil. Dado que no Brasil é dever do Banco Central manter a inflação na meta, que a inflação é medida pelo IPCA cheio, sem expurgos para itens mais voláteis como alimentos e energia, e que o prazo de convergência da inflação para a meta é o ano calendário, fica muito difícil para o Banco Central não impor doses cavalares de aumento da taxa de juros, mesmo num contexto de atividade econômica fraca, para cumprir aquilo que a sociedade brasileira manda que ele faça. Daqui, segue-se que só será possível ter taxas de juros mais baixas no Brasil por intermédio de uma mudança no arcabouço institucional da política monetária.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que caminho deve ser adotado pelo novo governo quanto à política de juros?
José Luis Oreiro – O primeiro passo será uma flexibilização do regime de metas de inflação no Brasil. Uma ideia é aproveitar a lei que garantiu a autonomia operacional do Banco Central do Brasil para regulamentar o mandato duplo para a autoridade monetária. Embora essa lei preveja que o Banco Central deve se preocupar também com os efeitos da política de juros sobre o nível de atividade econômica, não há nenhuma orientação específica a respeito de como essa “preocupação” deve se manifestar em termos da condução da política monetária.
Eu proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária. Assim, em períodos de baixo crescimento – por exemplo, abaixo de 1% –, o Banco Central deverá calibrar a taxa Selic de maneira a estimular a atividade econômica, de forma a que o crescimento anual se situe acima desse patamar mínimo.
Proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária – José Luis Oreiro Tweet
Inércia inflacionária
Um segundo elemento fundamental será reduzir o grau de inércia inflacionária existente na economia brasileira. No trabalho intitulado “The Unfinished Stabilization of the Real Plan: An Analysis of the Indexation of the Brazilian Economy”, escrito em coautoria com o professor Júlio Fernando Costa Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, e que será publicado em 2023 no livro Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies – organizado pelos professores Luiz Fernando de Paula (IE/UFRJ) e Fernando Ferrari Filho (UFRGS) e editado pela Edward Elgar (Reino Unido) –, mostramos que a permanência da indexação de preços, salários e contratos com prazo de maturidade superior a um ano faz com que o coeficiente de autocorrelação das séries de inflação (o termo técnico para designar o grau de inércia inflacionária) no Brasil seja significativamente maior do que o observado nos Estados Unidos.
Dessa forma, o Banco Central do Brasil precisa usar uma dosagem de juros maior do que o Federal Reserve para conseguir reduzir a inflação. A indexação de quase 50% da dívida pública federal à taxa Selic, por sua vez, faz com que o custo de rolagem da dívida pública aumente instantaneamente com a elevação da taxa de juros por parte do Banco Central, ou seja, temos um efeito de contágio da política monetária sobre a dívida pública, justamente o inverso do que os economistas ortodoxos afirmam. Sendo assim, para eliminar o problema dos juros no Brasil será necessária uma reforma monetária com a extinção de todos os mecanismos de indexação ainda existentes no Brasil, o que inclui a substituição de todo o estoque de Letras Financeiras do Tesouro por papéis pré-fixados.
A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Qual sua avaliação quanto à PEC da transição? É o melhor caminho do ponto de vista econômico e social? E do ponto de vista da conciliação de forças, mercado e investimento social?
José Luis Oreiro – A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 para cumprir algumas das mais importantes promessas de campanha como, por exemplo, um valor de R$ 600,00 para o Bolsa Família com acréscimo de R$ 150,00 por filho.
IHU – Qual seu diagnóstico caso essa PEC da transição não seja aprovada?
José Luis Oreiro – Esse cenário é impossível.
IHU – São muitos os analistas que dizem que o grande desafio do governo Lula III será a promoção de uma conciliação no Brasil. Na área econômica, como essa conciliação se apresenta? Que forças estão em jogo?
José Luis Oreiro – Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça. Vimos isso após a implantação do teto de gastos.
Os defensores do teto de gastos afirmavam, em 2016, que ele seria a solução definitiva para o desequilíbrio fiscal no Brasil. Não foi. No fim de 2022, continuamos discutindo o problema do desequilíbrio fiscal no Brasil. Por quê? Certamente que não foi devido à adoção de medidas de controle fiscal. A reforma da Previdência foi aprovada em 2019. O teto de gastos e a reforma da Previdência deveriam ter equacionado a questão fiscal, mas isso não ocorreu. O que ficou faltando? Faltou o principal: a economia brasileira não retomou a tendência de crescimento do período 1980-2014 de 2,88% a.a, isso mesmo antes da pandemia da covid-19.
Entre 2017 e 2019, a economia brasileira cresceu em torno de 1,5% a.a. A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante.
Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Diante do atual cenário nacional e internacional, quais são os três pontos de que a equipe econômica do governo Lula III não pode abrir mão?
José Luis Oreiro – A futura equipe econômica precisa apresentar três coisas para a sociedade brasileira.
1. Uma nova regra que permita a realização de uma política fiscal anticíclica no curto prazo e garanta a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
2. Um projeto de reforma monetária que reformate o arcabouço institucional do regime de metas de inflação e elimine a indexação de preços, salários, contratos e dívida pública.
3. Um projeto para a reindustrialização do país que seja compatível com a transição para uma economia de baixo carbono.
A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Deseja acrescentar algo?
José Luis Oreiro – Apenas que estou à disposição para colaborar com o governo eleito no que ele precisar. Este governo tem que dar certo, porque a opção será o retorno da barbárie que vivemos durante o governo Bolsonaro.
Especialistas reconhecem que o quadro fiscal piorou significativamente após a aprovação da PEC dos Precatórios no ano passado, e, com isso, avisam que o debate eleitoral deverá incluir uma discussão sobre uma nova âncora fiscal diante do abandono das atuais.
O problema é achar uma regra ideal para, depois, não ser cumprida como ocorreu com o teto de gastos, pois, quando ele iria mostrar alguma eficiência, foi modificado. Diante da escalada da inflação, que ajudou a melhorar o quadro da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), analistas afirmam que o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o compromisso fiscal está mantido, convence muito pouco.
O calote parcial das dívidas judiciais, para criar espaço fiscal para as polêmicas emendas parlamentares de destino duvidoso, o chamado orçamento secreto, não é bem-visto pelos analistas mais sérios e que têm preocupação com o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Eles alertam para a trajetória da dívida pública em ascensão devido às medidas desesperadas do presidente Jair Bolsonaro (PL) para conseguir pavimentar o caminho da reeleição, agradando o Centrão, que sequestrou o Orçamento e agora, um dos caciques, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que passou a ter mais poder do que Paulo Guedes na gestão dos recursos.
“Acabou a âncora fiscal e, sem dúvida, a PEC dos Precatórios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que dá voto. O Auxílio Brasil é meritório, independentemente se dá voto ou não. O que não é positivo é o fato de o governo não cortar nem mesmo os gastos supérfluos”
Simão Davi Silber, economista, professor da Universidade de São Paulo (USP)
O decreto presidencial do último dia 13, que dá a Nogueira a palavra final em vez de Guedes na matéria orçamentária em um cenário sem qualquer medida responsável para frear os gastos públicos daqui para frente, foi a cereja do bolo da deterioração das contas públicas.
O teto de gastos era considerado uma âncora fiscal ruim para muitos analistas, mas, mesmo os críticos lamentam o fato do atual governo antecipar a mudança do indexador, que estava prevista apenas para 2026, para ampliar os espaços de gastos em ano eleitoral.
“Acabou a âncora fiscal e, sem dúvida, a PEC dos Precatórios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que dá voto. O Auxílio Brasil é meritório, independentemente se dá voto ou não. O que não é positivo é o fato de o governo não cortar nem mesmo os gastos supérfluos. Não é preciso, por exemplo, o presidente ficar andando de jetski com a família e os séquitos. Isso poderia ser evitado. Assim, como os aumentos de salários de policiais, que estão desencadeando greves e reivindicações de outras categorias”, destaca o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP).
(foto: Arte/Paulinho Miranda)
Meta de superávit
Desde 2014, quando passou a registrar deficit primário, o Brasil deixou de lado a principal âncora fiscal em vigor, a meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). Os rombos consecutivos colocaram contra a parede outra âncora de quem poucos se lembravam que existia na Constituição: a emenda da regra de ouro, que proíbe o governo de emitir títulos da dívida pública para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias.
O teto de gastos, aprovado em 2016, segundo alguns analistas “sem paredes”, acabou ajudando a preservar a confiança do mercado de que havia algum compromisso para evitar a explosão dos gastos públicos e, até mesmo, na redução dos juros básicos para o piso histórico de 2% ao ano em 2020.
A pandemia não ajudou em 2020 e fez os gastos públicos explodirem em todo o mundo, mas, agora, quem assumir o governo em 2023 terá que arrumar o estrago deixado por Bolsonaro provocado pela PEC dos Precatórios e pela farra das emendas do relator. E a herança maldita nas contas públicas, lembram analistas, deverá ser pior do que a deixada pelo governo Dilma Rousseff (PT), diga-se de passagem, pois a dívida pública bruta estava em 65,5% do PIB, em 2015.
Em 2020, chegou a 88,8% do PIB, e as estimativas são de disparada da dívida pública se não houver âncoras fiscais capazes de segurar o endividamento em bola de neve que pode ocorrer com as pedaladas de precatórios e do aumento de gastos com viés populista e sem a preocupação de impacto na atividade.
“Por enquanto, nenhum pré-candidato tem um plano econômico consolidado e deve lançar versões para a plateia. Falar de ajuste fiscal não garante voto e não vai adiantar a mesma ladainha de que é preciso fazer reforma e privatizar para fazer ajuste fiscal. É preciso crescimento do PIB e isso só acontece se houver investimento público. E, para isso, é importante olhar e ver o que os outros países estão fazendo, inclusive, os governos de centro, como a França, a Alemanha e a Espanha, e olhar para os livros de história e ver como os países europeus saíram da Segunda Guerra Mundial. Os governos estão aumentando o investimento e o Brasil parece estar em um mundo paralelo”, explica Oreiro.
“Para o Brasil crescer, será preciso retomar o investimento público. Mas isso não vai acontecer se o Congresso sequestrar o Orçamento e o dinheiro que poderia ir para isso for para emendas parlamentares”, alerta. Para ele, o governo Bolsonaro conseguiu “legalizar a corrupção”, com a criação das emendas do relator, que não revelam quem são os verdadeiros beneficiados. O especialista em contas públicas e consultor do Senado Federal Leonardo Ribeiro, reconhece que o teto de gastos “perdeu efetividade”.
“Eu não diria que a regra acabou, mas discutir uma nova regra fiscal em um momento de eleição não é bom porque é impopular e acaba influenciando essa discussão. Vejo muitas incertezas no campo institucional que decorrem das eleições”, analisa.
Ele reconhece que o momento de se fazer um ajuste fiscal é no início de um mandato, porque o capital político é favorável nesse sentido. “Os governos sempre começam com uma consolidação fiscal e, no último ano, acabam flexibilizando um pouco”, frisa. Na avaliação de Ribeiro, além das incertezas no campo institucional, há os riscos do cenário externo.
“A inflação global, chegando a 7% nos Estados Unidos, traz consequências para o mundo inteiro e vejo a pandemia, com essa nova variante Ômicron, podendo influenciar mais o fiscal, e, provavelmente, vamos ver a possibilidade de entrar no radar novos créditos extraordinários no combate à pandemia, e a discussão dessa nova regra fiscal em um contexto pandêmico, que é adicional, é preocupante”, alerta.
Exemplo alemão
Um modelo de âncora fiscal que o Brasil poderia adotar é o da Alemanha, estabelecido depois da crise de 2008, de acordo com Oreiro, da UnB. A regra é bastante sofisticada, com limites para a dívida pública e que envolve uma avaliação do resultado fiscal estrutural, destaca o economista Leonardo Ribeiro.
“Estamos falando de uma regra que dá atenção para os ciclos econômicos e para como o PIB performa em relação ao PIB potencial”, explica o consultor do Senado. Isso precisaria ser melhor compreendido para depois ser adaptado no Brasil.
“Essa regra está sendo discutida. Aliás, a Europa está rediscutindo as âncoras fiscais e precisamos ficar atentos a essa discussão também”, aconselha. Ribeiro lembra que, em 2015, o projeto de lei que tratava do limite para a dívida pública proposto pelo senador José Serra (PSDB-SP), poderia ser um bom “ponto de partida” nessa discussão, a fim de resgatar a ideia original da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“O sucesso de uma nova âncora vai depender de como a regra será desenhada, porque é preciso colocar no papel a sinalização que envolva a segurança jurídica e uma compreensão do que é a regra. O pessoal fala que a LRF não é cumprida, mas a vejo como um parâmetro que norteia toda essa discussão da questão fiscal. Alguns dispositivos merecem atenção e uma regulamentação infralegal, porque são complexos. Mas eu vejo a LRF como a verdadeira âncora fiscal do país”, complementa Ribeiro.
O especialista em contas públicas José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e um dos autores da LRF, não acha que o Brasil precisaria copiar o modelo de outros países, “embora sempre deva avaliar lições, para melhorar o próprio modelo”. “O Brasil era tido como um modelo de regras fiscais, reconhecido por especialistas e por organismos internacionais, inclusive recomendado para outras federações e para economias emergentes”, explica.
Afonso lamenta o fato de que, no Brasil, as leis e as regras não são cumpridas e acredita que, se mudar o modelo, por si só, não há garantia de que ele será respeitado. “Em um país em que autoridades máximas parecem não ver problemas que algumas crianças possam morrer apesar de se saber que elas poderiam ser vacinadas e como tal protegidas, porque esperar que as mesmas autoridades cumpririam regras fiscais? Quem não respeita a vida, porque respeitaria o modelo fiscal?”, questiona.
Equilíbrio ajuda a atrair investimento
Um país que consegue equilibrar as contas públicas é considerado um bom lugar para os investidores estrangeiros. Não à toa, desde que começou a registrar deficit primário nas contas públicas, em 2014, o Brasil perdeu o grau de investimento – selo de bom pagador e os títulos públicos hoje são classificados como “lixo” no mercado externo desde 2015.
De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a mudança das regras fiscais às vésperas de um ano eleitoral foi muito ruim para a imagem do país e do governo para os investidores.
Ela reforça que isso vai prejudicar a confiança do setor produtivo, limitando o investimento privado neste ano, diante da mudança de mais uma regra quando ela se torna impeditiva para os objetivos políticos. “Toda vez que o sapato aperta, o governo troca o sapato. A questão fiscal é importante. E o ambiente macroeconômico não está favorável para gerar condições para um crescimento mais robusto e isso afeta o investimento, porque há muita instabilidade e não há previsibilidade, especialmente, em ano eleitoral”, destaca.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, também faz um alerta para o desequilíbrio fiscal que está em curso.
“O quadro fiscal é desafiador. Com as mudanças profundas nas regras do jogo, a partir das emendas 113 e 114, derivadas da PEC dos precatórios, o próximo governo terá de harmonizar as diferentes legislações e normas na área de contas públicas e fixar objetivos claros. Não é uma missão impossível, mas requererá bom diagnóstico e planejamento”, afirma.
Conforme dados levantados pelo economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, as emendas parlamentares tiveram um crescimento espantoso nos últimos anos, passando de R$ 7,3 bilhões, em 2016, das quais R$ 3,6 bilhões foram efetivamente pagos, para R$ 31,7 bilhões, em 2021, dos quais R$ 24,9 bilhões foram efetivamente pagos. As emendas do relator passaram a existir no Orçamento de 2020, passando de R$ 19,7 bilhões, naquele ano, para R$ 15,2 bilhões, em 2021. Para este ano, a previsão é de R$ 16,5 bilhões, que somados aos R$ 21,3 bilhões previstos na peça orçamentária aprovada pelo Congresso, apenas as emendas parlamentares somam R$ 37,8 bilhões. “Essas emendas do relator não existiam até 2019 e, agora, elas consomem um grande percentual dos recursos do Orçamento e não sabemos com transparência para onde esse dinheiro é destinado e se ele vai contribuir para a retomada da atividade econômica”, alerta Castello Branco.
Problema estrutural
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), não poupa críticas às emendas do relator roubando espaço dos investimentos e destaca que existe um problema estrutural grave que limita o crescimento do país. E esse problema, segundo ele, já existia mesmo antes da pandemia da COVID-19, o país não tinha se recuperado da recessão de 2015 e 2016 e vinha crescendo por volta de 1% e deve voltar a esse ritmo.
Foto: José Luis Oreiro. Professor do Departamento de Economia da UnB.
“Há restrições externas para o crescimento. O deficit em conta-corrente estava em 3% do PIB mesmo com o país crescendo pouco. O aumento com a alta dos preços de commodities, que ajudaram nas exportações em 2021, o saldo negativo foi reduzido, mas o superávit não veio na conta corrente do setor externo. E, agora, se o país crescer 2%, o déficit vai para 4% ou mais, que é padrão para uma crise no balanço de pagamentos”, alerta Oreiro.
Por Fernando Dantas, para o Estado de São Paulo on line
Para o economista José Oreiro, da UnB, 25 anos de câmbio valorizado e juros altos podem ter produzido danos irreversíveis à indústria brasileira, que agora, quando o juro está baixo e o câmbio depreciado, terá de ser “ressuscitada” a partir do zero.
O economista José Oreiro, do Departamento de Economia da UnB, expoente da corrente desenvolvimentista e heterodoxa no Brasil, diz que não se surpreende com a falta de reação da indústria diante do câmbio desvalorizado e do juro baixo, que sempre foram defendidos como pré-condições do desenvolvimento industrial por sua escola de pensamento.
Ele nota, inclusive, que a produção da indústria da transformação (nas Contas Nacionais) está aproximadamente no nível de 2004 e 2005.
“O que acontece é que 20, 25 anos de juro alto e câmbio valorizado provocaram efeitos de histerese na produção industrial”, diz Oreiro.
Segundo o economista, foi um período muito longo durante o qual a indústria de
transformação não investiu em modernização, perdeu mercados no exterior e
permitiu que se abrisse um grande hiato tecnológico entre o Brasil e os países mais
competitivos.
Ele compara a indústria brasileira a um paciente crônico com pressão alta e
diabetes. “Se um problema crônico, ainda que não seja fatal, fica sem tratamento
por um período muito longo, pode trazer consequências irreversíveis”, diz o
pesquisador.
O pesquisador aponta que, efetivamente, houve recentemente uma mudança do mix
de política macroeconômica, com política fiscal contracionista e monetária
expansionista. E esse “mix” é uma causa importante da atual combinação de juro
baixo e câmbio depreciado.
No entanto, para Oreiro, “pode ser que o remédio tenha chegado tarde demais, o
dano me parece irreversível”.
Assim, ele considera que o desafio à frente é quase o de “reindustrializar a partir do
zero – temos uma indústria que morreu e precisa ressuscitar”.
O economista acrescenta ao seu diagnóstico os efeitos conjunturais, como a crise da
Argentina – “o único mercado relevante que nos restava” – e o próprio fato de que a
economia brasileira não conseguiu ainda se recuperar da recessão de 2014-2016.
Como tentativa de “ressuscitar a indústria”, Oreiro recomenda que o governo Oreiro recomenda que o governo aumente o investimento público em infraestrutura.
Para ele, mais investimento público, ao ativar a construção civil, também estimula setores industriais de bens intermediários como cimento e aço, e alguns equipamentos de capital.
“Além disso, nossa infraestrutura está em petição de miséria”, acrescenta.
Adicionalmente, em função das inclinações de Bolsonaro, o economista da UnB
pensa que o governo deveria tentar reabilitar a indústria de defesa nacional, por
meio do aumento do orçamento de investimentos do Ministério da Defesa.
“A indústria militar tem alto teor tecnológico e, em relação a ela, regras da OMC
sobre apoio à indústria nacional não se aplicam”, explica.
A recomendação de aumento do investimento público liga-se à visão de Oreiro
sobre a política macroeconômica atual. Ele se diz um defensor do mix de fiscal apertado e monetário frouxo, mas, na conjuntura presente, considera que o fiscal está restrito demais.
“Num contexto em que o Brasil ainda não se recuperou da crise de 2014 a 2016, o
atual nível de contracionismo fiscal reduz a eficácia da política monetária”, analisa.
Deixando claro que não se trata de um problema já existente, Oreiro se preocupa
inclusive em que a continuidade das quedas da Selic, se o PIB não reagir, leve a taxa
básica para perto do limite problemático de zero – quando se torna extremamente
difícil estimular a economia com política monetária, como mostra a experiência dos
países avançados desde a crise global de 2008-2009.
Dessa forma, para Oreiro, a melhor opção para o momento seria tirar o
investimento público do teto dos gastos, o que mataria dois coelhos com uma só
cajadada: relaxava um pouco o fiscal e poderia ajudar a indústria.
“Não faz sentido colocar restrição financeira para projetos de investimento com
taxa de retorno, econômica ou social, muito maior que a taxa de captação, que está
nos mínimos históricos; liberar o investimento do teto seria aumentar o bom gasto
do governo, em infraestrutura, e não um licença para gastar em consumo e custeio”,
ele diz.
Em termos da agenda de reformas, Oreiro gostou da previdenciária (discordando de
um detalhe ou outro) e defende a reforma tributária de Rodrigo Maia, excluindo
propostas de Paulo Guedes como o imposto sobre transações financeiras e a
desoneração da folha.
O economista é extremamente crítico em relação às PEC dos fundos e a de
emergência fiscal. Em relação à primeira, ele acha que mistura joio com trigo, ao
propor o fim de todos os fundos, inclusive alguns que Oreiro reputa como
importantes, como o de desenvolvimento da ciência e tecnologia.
Quando à PEC de emergência fiscal, ele diz se tratar de “terraplanismo econômico”
em comparação ao que se debate hoje nos Estados Unidos e Europa. A razão é que,
na sua visão, essa PEC tem caráter pró-cíclico, diminuindo o gasto público quando a
economia está em recessão.
“O que nós temos que fazer é desenhar um arcabouço de política fiscal que seja
contracíclico, levando a mais gastos em recessão e a menos em expansões”, conclui
o economista.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/2/2020, quarta-feira.
Entre 1980 e 2014 a economia brasileira cresceu a um ritmo médio de 2,81% a.a, segundo dados do IPEADATA (série PIB – preços de mercado – var. real anual – (% a.a.) – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais (IBGE/SCN Anual) – SCN10_PIBG10). A Grande recessão iniciada no segundo semestre de 2014 (a respeito das causas da grande recessão brasileira ver http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142017000100075) produziu uma queda acumulada de 6,70% no período 2014-2016. Formalmente a economia brasileira sai da recessão em 2017, ano que apresentou um crescimento de 1,32% do PIB, valor 53% inferior a tendência de longo-prazo para o período 1980-2014. Em 2018 o crescimento foi de 1,31%, repetindo assim o desempenho de 2017, e ficando novamente abaixo da tendência de longo-prazo.
Esse não é o comportamento esperado para economias que saem de um processo recessivo. A teoria econômica convencional exposta na imensa maioria dos livros texto de macroeconomia vê as recessões como períodos nos quais a economia opera abaixo da sua tendência de longo-prazo. Nesse contexto, as flutuações cíclicas são vistas como movimentos de amplitude e periodicidade variável (flutuações irregulares) em torno de uma tendência de longo-prazo que é independente desse movimento oscilatório. Dessa forma, as recessões tem um efeito apenas temporário sobre o nível de atividade econômica, pois uma vez terminada a recessão a economia deverá crescer, por algum tempo, acima da tendência de longo-prazo de maneira a retornar ao nível que estaria caso a recessão não tivesse ocorrido (Ver figura 1). Isso significa que os efeitos de uma recessão sobreo nível de atividade econômica são inteiramente dissipados no médio-prazo, não restando nenhum vestígio do efeitos da mesma no sistema econômico.
Figura 1: Tendência de longo-prazo e ciclo econômico.
Fonte: Elaboração própria.
O fato é que no caso brasileiro, mesmo após o fim da grande recessão, a economia se encontra crescendo muito abaixo de sua tendência de longo-prazo, fazendo com que o nível de atividade no final de 2018 fosse quase 20% menor do que o prevalecente caso a economia tivesse retornado – como seria de se esperar – a sua trajetória de longo-prazo, uma vez terminado os efeitos da grande recessão (Ver figura 2).
Fonte: Elaboração própria com base nos dados de IPEADATA.
O PIB brasileiro a preços de mercado no final de 2018 era de R$ 6,88 Trilhões. Se a economia brasileira tivesse retornado à sua trajetória de longo-prazo no final de 2018, o PIB a preços de mercado seria de R$ 8,6 trilhões de reais, ou seja, um valor R$ 1,72 trilhões mais elevado ! Esse acréscimo no PIB teria gerado um aumento da receita da União, Estados e Municípios de R$ 550 bilhões, valor mais do que suficiente não só para zerar o déficit primário do setor público, como também para gerar um expressivo superávit primário.
Está claro que dada a magnitude da recessão ocorrida no período 2014-2016 não seria possível recuperar a tendência de longo-prazo num período de apenas dois anos. Considerando uma taxa de crescimento de 4% a.a. a partir de 2017, o PIB só retornaria ao nível da tendência de longo-prazo em 2033. Se a taxa de crescimento pós-crise fosse de 5% a.a. a recuperação ocorreria em 2026.
Embora o crescimento do PIB em 2019 ainda não tenha sido divulgado, as expectativas do mercado situam o mesmo em torno de 1 a 1,2%, valor ligeiramente abaixo do observado no período 2017-2018. Confirmando-se o terceiro ano consecutivo de crescimento abaixo da tendência de longo-prazo, não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu uma redução da tendência de crescimento da economia brasileira. A questão relevante é saber qual o motivo.
Os economistas liberais dirão que a redução da tendência de crescimento de longo-prazo se deveu aos erros da política econômica do PT e a implantação da famigerada “nova matriz macroeconômica”, seja lá o que isso signifique. Outros ainda dirão que é devido ao excesso de intervenção do Estado na economia, esquecendo, contudo, que o período 1980-2014, usado no calculo da tendência de longo-prazo, engloba a década de 1980 – pródiga em intervenção Estatal na economia – e os anos dourados da administração Petista, os dois mandatos do Presidente Lula, os quais certamente puxaram a média para cima.
Para lidar com esse problema da redução da tendência de crescimento, os economistas liberais defendem uma agenda aparentemente inesgotável de reformas: Teto dos gastos, reforma trabalhista, reforma de previdência, nova reforma trabalhista, reforma administrativa, PEC emergencial e etc. O fato é que estamos no quarto ano da “nova era” da gestão liberal (iniciada com o Impeachment da Presidente Dilma Rouseff) e o crescimento econômico continua pífio. A equipe econômica do governo promete acelerar o crescimento em 2020 para incríveis (modo ironia ligado) 2,5% a.a, querendo fazer parecer para a opinião pública de que se trata de um grande feito de engenharia econômica. Não é. Mesmo que esse valor seja obtido em 2020, e sobre isso pairam muitas duvidas no ar, ainda assim será menor do que a média do período 1980-2014 e, portanto, insuficiente para eliminar o “hiato de crescimento” originado a partir de 2014.
Na minha visão a redução do potencial de crescimento de longo-prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada – e, portanto, dentro do intervalor temporal das administrações petistas – em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da Presidente Dilma Rouseff (a esse respeito ver https://jlcoreiro.wordpress.com/2013/06/18/desenvolvimentismo-sem-consistencia-valor-economico-18062013/). A crise de 2014-2016 piorou esse quadro pois (i) fez com que as empresas brasileiras suspendessem seus planos de ampliação e modernização da capacidade produtiva, o que aumentou a defasagem tecnológica da indústria brasileira; (ii) propiciou a adoção de uma agenda de consolidação fiscal baseada na contração do investimento público e do crédito do BNDES, amplificando assim os efeitos da queda do investimento privado em 2014 sobre a demanda agregada, com efeitos negativos também no lado da oferta da economia devido aos efeitos de transbordamento positivos do investimento público sobre a rentabilidade das empresas do setor privado.
A redução do potencial de crescimento fica comprovada quando olhamos para a situação do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Em 2019 o déficit em conta corrente fechou em 2,76% do PIB apesar da economia brasileira estar crescendo a um ritmo pouco maior do que 1% a.a desde 2017. Esses números mostram claramente que uma aceleração significativa do crescimento da economia brasileira – por exemplo, para a sua tendência de longo-prazo de 2,88% – deverá produzir um aumento insustentável no déficit em conta corrente, o qual poderá facilmente passar de 4% do PIB. Nessas condições, a restrição externa (ver https://jlcoreiro.wordpress.com/2019/12/06/sobre-a-tal-da-restricao-externa/) irá impor um crescimento medíocre para a economia brasileira nos próximos anos.
Se o crescimento da economia brasileira permanecer num patamar medíocre, então nenhum ajuste fiscal será capaz de “arrumar as contas do governo”. O Brasil irá entrar num jogo perde-perde no qual o Ministério da Economia irá lançar propostas atrás de propostas de emenda constitucional com o objetivo de (sic) acabar com os “privilégios do funcionalismo público”; haja vista que se trata do único segmento da sociedade ainda protegido contra o empobrecimento geral do país, resultante dos efeitos de longo-prazo da crise de 2014-2016. Já que não é possível aumentar a renda dos que trabalham no setor privado – devido a crescente uberização da economia, filha bastarda da desindustrialização – a solução dos economistas liberais é empobrecer os servidores públicos para assim (sic) diminuir a desigualdade na distribuição de renda no Brasil. E assim nosso país caminha a passos largos para sair da “Armadilha da Renda Média” para cair, talvez para sempre, na “Armadilha da Pobreza”.
O Plano mais Brasil, num novo pacote econômico enviado pelo governo ao Congresso Nacional na semana passada, que inclui três Propostas de Emenda Constitucional – PECs – a PEC do Pacto Federativo, a PEC dos Fundos Públicos e a PEC Emergencial –, é fundamentado na ideia geral de que “para recuperar o crescimento da economia brasileira de forma mais sustentável, tem que diminuir o tamanho do Estado”, diz o economista José Luis Oreiro à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone. Segundo ele, com este pacote o governo diz à sociedade que “é possível reduzir o volume de serviços que o Estado brasileiro presta à população”.
Para o economista, um exemplo concreto de que o governo quer reduzir a participação do Estado nos investimentos sociais se manifesta nas propostas de desindexação, desvinculação e desobrigação dos gastos sociais. “No fundo, Guedes quer acabar com a distinção entre despesa obrigatória e despesa discricionária e desindexar as despesas públicas, porque muitas delas são indexadas à avaliação da inflação, como era o caso do salário mínimo”, afirma. Com uma possível desindexação do salário mínimo à inflação, argumenta, “corre-se o risco de ter uma situação na qual uma parte significativa dos benefícios previdenciários e de assistência social no Brasil não seja corrigida nem mesmo pela inflação. Isso, obviamente, vai aumentar a desigualdade de renda e a pobreza”.
Apesar de o governo argumentar que a PEC do Pacto Federativo possibilitará maior flexibilização aos gestores dos entes federativos em como administrar os recursos com saúde e educação, o economista pontua que “deixar isso a critério do político de plantão” não é “correto”. De outro lado, ele admite a possibilidade de “discutir se as atuais alíquotas para saúde e educação são as adequadas. “O Brasil está passando por um processo de envelhecimento, e quando a população envelhece, a proporção de velhos aumenta e a proporção de jovens diminui. Desse modo, é razoável que em algum momento tenha que se ajustar a vinculação de gastos em saúde e educação a fim de reduzir a alíquota para a educação e aumentar para a saúde, porque basicamente quem tem problema de saúde são os velhos e quem precisa de educação são os jovens. Mas se, de fato, estamos vivendo uma transição demográfica em que o percentual de jovens vai diminuir nos próximos 20 anos, então é razoável que se ajustem os percentuais de receitas aplicados à saúde e à educação”, pondera.
Entre os poucos pontos positivos do pacote econômico, Oreiro cita a proposta da PEC dos Fundos Públicos de usar o dinheiro de alguns fundos para abater a dívida pública. “Existem 220 bilhões de reais parados em 281 fundos públicos no Brasil. Seria interessante fazer um mapeamento desses fundos e ver quantos de fato não têm razão de ser e podem ser extintos para usar o dinheiro para abater a dívida pública. Essa é uma ideia bastante razoável”, destaca.
José Oreiro (Foto: Arquivo pessoal)
José Luis Oreiro possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutorado em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O pacote econômico apresentado pelo ministro Paulo Guedes inclui três PECs – PEC do Pacto Federativo, PEC dos Fundos Públicos e PEC Emergencial – e é considerado a maior reforma dos últimos 30 anos. Quais são as diretrizes, linhas gerais, que fundamentam o pacote econômico do governo?
José Luis Oreiro – O fundamento, ou seja, o que está na cabeça do Paulo Guedes é que, para recuperar o crescimento da economia brasileira de forma mais sustentável, tem que diminuir o tamanho do Estado. Esse é o fundamento mais geral e ele já vinha falando isso há muitos anos em artigos que escrevia no jornal O Globo. Para ele, o modelo social-democrata adotado no Brasil durante os governos FHC e Lula havia levado o país a uma armadilha de baixo crescimento e, portanto, só seria possível voltar a ter um crescimento elevado se retirasse o Estado. Esse fundamento mais geral se desdobra em algumas outras hipóteses.
Na argumentação do Guedes está implícita uma visão muito antiga em economia, que foi descartada pelo Keynes em 1936, quando ele escreveu “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, que se chama a visão do Tesouro. Essa era a visão do Tesouro inglês no final da década de 1920 e início da década de 1930 sobre a possibilidade de usar o investimento público para tirar a economia britânica da grande depressão de 1929. Segundo a visão do Tesouro, toda vez que o governo aumentasse o seu investimento, isso iria reduzir na mesma magnitude e instantaneamente o investimento privado. Então, teria um efeito de deslocamento que faria com que, quando o governo aumentasse o investimento público, o investimento privado incidiria na mesma magnitude. Guedes tem este modelo na cabeça: ele acha que para aumentar o investimento privado, tem que reduzir o gasto público e é isso que está embasando, em termos mais gerais, a proposta dele.
A justificativa que o Guedes apresenta para o seu plano emergencial é feita em cima de dados incorretos – José Luis Oreiro
IHU On-Line – O diagnóstico dele é correto ou não para enfrentar a atual situação econômica do país?
José Luis Oreiro – É completamente equivocado e ultrapassado. Primeiro, porque essa visão do Tesouro mostrou que, a não ser em casos excepcionais em que a economia está operando com pleno emprego da força de trabalho, o efeito de deslocamento, se ele existe, não é completo. O mesmo ocorre quando a economia está operando muito abaixo do pleno emprego, como é o caso da economia brasileira agora, que está operando com um hiato do produto de 5% – ou seja, o PIB está 5% abaixo do potencial. Temos um desemprego em sentido amplo, que envolve não só os que não estão trabalhando, mas aqueles que deixaram de procurar trabalho porque já desistiram e as pessoas que gostariam de trabalhar mais horas – isso representa aproximadamente 25% da força de trabalho. O Brasil está operando muito abaixo da força de trabalho e tem todo um espaço para estimular a economia por intermédio de investimento público. Esse diagnóstico de que o crescimento da economia é baixo porque o Estado está inchado, que é o argumento do Guedes, não se sustenta.
Numa das transparências (slides) da apresentação dele, que se chama “máquina que gasta muito”, ele fez uma conta de que em 2018 o governo brasileiro, nas suas três esferas, estaria gastando 49,2% do PIB. Mas essa conta está errada. O economista Sérgio Gobetti, do Ipea, já mostrou que nessa conta existe um erro de dupla contagem por conta dos funcionários inativos da União, que são contabilizados duas vezes.
Outro erro é que adiciona os saques do FGTS como se fossem despesa pública e, além disso, considera os juros brutos e não os juros líquidos da dívida pública, pois o governo tem um determinado volume de dinheiro em caixa que também recebe juros. Então, ao serem feitas essas correções, a despesa cai para 41% do PIB, ou seja, um número muito menor do que aquele que o Paulo Guedes está mostrando. A justificativa que o Guedes apresenta para o seu plano emergencial é feita em cima de dados incorretos, ou seja, é aquilo que podemos chamar de contabilidade criativa.
O que essas PECs estão querendo fazer é reduzir a dívida pública, dando calote não nos credores, mas em parte da sociedade – José Luis Oreiro
IHU On-Line – As PECs propostas pelo governo indicam, de fato, uma redução da atuação do Estado? Pode nos dar alguns exemplos de como a proposta de redução do Estado se manifesta nessas propostas?
José Luis Oreiro – O primeiro exemplo são os “três Ds”: desindexação, desvinculação e desobrigação. No fundo, Guedes quer acabar com a distinção entre despesa obrigatória e despesa discricionária e desindexar as despesas públicas, porque muitas delas são indexadas à avaliação da inflação, como era o caso do salário mínimo – está na Constituição que ele tem que ser reajustado pelo menos pela inflação e existiu uma regra nos governos Lula e Dilma em que ele era reajustado segundo a inflação do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos antes. O salário mínimo, por sua vez, indexa as despesas previdenciárias, ou seja, nenhum benefício previdenciário pode ser menor do que o salário mínimo. Então, ao desindexar o salário mínimo – e esse é um exemplo concreto do que pode acontecer caso a PEC seja aprovada, o que acho pouco provável –, corre-se o risco de ter uma situação na qual uma parte significativa dos benefícios previdenciários e de assistência social no Brasil não seja corrigida nem mesmo pela inflação. Isso, obviamente, vai aumentar a desigualdade de renda e a pobreza.
A desvinculação é retirar a obrigatoriedade dos entes federativos de aplicarem até “x”% das suas receitas em saúde e educação. Isso também é algo que vai no sentido de reduzir o tamanho do Estado. No fundo, o que essas PECs estão querendo fazer é reduzir a dívida pública, dando calote não nos credores, mas em parte da sociedade, porque as PECs preveem, entre outras coisas, uma redução de até 25% do salário dos servidores públicos, permitem a desindexação de benefícios previdenciários e de assistência social à inflação. No fundo, é um pacote desenhado para atender aos interesses dos rentistas do Brasil. O governo vai sacrificar uma parte expressiva da população para garantir o pagamento de juros e das amortizações da dívida pública.
IHU On-Line – Especificamente sobre a fusão dos gastos obrigatórios com saúde e educação, tanto o governo quanto aqueles que são favoráveis à mudança afirmam que ela vai permitir uma maior flexibilidade para que os gestores possam utilizar esses recursos de acordo com as necessidades de cada estado ou município. Quais são suas ponderações sobre esse argumento?
José Luis Oreiro – Existe uma razão de ser dessas vinculações: por pior que sejam os serviços de educação e saúde no Brasil, eles são universais. Essa foi a maneira encontrada para transformar essas políticas em políticas de Estado e para não depender do político de plantão do momento. Até acho que é possível discutir se as alíquotas de saúde e educação são as adequadas. Dou um exemplo: o Brasil está passando por um processo de envelhecimento, e quando a população envelhece, a proporção de velhos aumenta e a proporção de jovens diminui. Desse modo, é razoável que em algum momento tenha que se ajustar a vinculação de gastos em saúde e educação a fim de reduzir a alíquota para a educação e aumentar para a saúde, porque basicamente quem tem problema de saúde são os velhos e quem precisa de educação são os jovens. Mas se, de fato, estamos vivendo uma transição demográfica em que o percentual de jovens vai diminuir nos próximos 20 anos, então é razoável que se ajustem os percentuais de receitas aplicados à saúde e à educação. Agora, deixar isso a critério do político de plantão, não acho correto.
IHU On-Line – Outro ponto que tem sido defendido pelo governo e por aqueles que são favoráveis ao pacote econômico é que ele permitirá o equilíbrio fiscal. Do ponto de vista fiscal, o pacote se sustenta ou não?
José Luis Oreiro – Do ponto de vista fiscal, estão adotando mais do mesmo. A ideia implícita de ajuste fiscal que vem desde o Joaquim Levy, passando pelo governo Temer e agora pelo governo Bolsonaro é que, para crescer, primeiro tem que cortar gastos. Primeiro, o Levy cortou pesadamente os gastos em investimentos e com isso aprofundou a recessão de 2014. Em 2016, o governo colocou o Teto de Gastos, que todo mundo sabia que era insustentável por conta dos gastos previdenciários que ainda vão crescer durante um tempo a 3% ao ano em termos reais. Em algum momento, isso levaria não só à necessidade da reforma da previdência, que acabou acontecendo, mas também à discussão sobre os gastos obrigatórios, particularmente os gastos com o funcionalismo público. Então, o que a PEC vai fazer é aprofundar esse modelo de ajuste fiscal, o qual vai aprofundar a crise, porque quando se cortam gastos se gera uma redução do PIB e isso ocasiona uma redução da arrecadação tributária. É como dar um tiro no próprio pé. Este modelo está equivocado.
Ajuste pela receita
Deveríamos pensar num ajuste fiscal que viesse pelo lado da receita: cobrar impostos dos mais ricos, particularmente, impostos de lucros e dividendos distribuídos, fazer uma reforma tributária que diminuísse o peso dos impostos indiretos e aumentasse o peso dos impostos diretos e sobre propriedade. No Brasil, os impostos sobre propriedade arrecadados pelos municípios são muito baixos. Em Brasília, onde estou morando, pago mais de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA do que de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, o que é um absurdo, porque o imóvel vale seis, sete vezes mais do que o valor do automóvel. Então, tem um espaço para municípios arrecadarem mais, aumentando o IPTU e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. Essa é a discussão que está sendo feita na Europa. Enquanto lá se discutem políticas via reformas tributárias para diminuir a desigualdade por meio da distribuição de renda, aqui estamos querendo desvincular gastos com saúde e educação, cortar os salários do funcionalismo público, como se o percentual do PIB no Brasil gasto com funcionalismo público fosse muito alto; não é.
O Chile, por exemplo, gasta como proporção do PIB mais do que o Brasil: 4,7% do PIB, enquanto no Brasil é 4,5%. Nos EUA são gastos 10% do PIB com funcionalismo público. Então, existe um mito de que há um descontrole das contas públicas porque se gasta com funcionalismo público. Isso não é verdade. O descontrole das contas públicas se deu basicamente por causa da queda de receita tributária decorrente da crise de 2014 e 2016 e das desonerações feitas pela dona Dilma em 2012 e 2013.
IHU On-Line – Algum ponto do pacote pode ser positivo para o país?
José Luis Oreiro – Talvez a proposta dos fundos seja interessante, porque tem muito dinheiro parado em fundos, que não estão sendo utilizados. Outra coisa que achei interessante no pacote é o controle das isenções fiscais e subsídios. Não sou contra a desoneração tributária, mas isso tem que ser feito de forma muito criteriosa com base na análise de custo benefício, coisa que não foi feita, diga-se de passagem.
Sobre a PEC dos fundos públicos, segundo a apresentação do ministro, existem 220 bilhões de reais parados em 281 fundos públicos no Brasil. Seria interessante fazer um mapeamento desses fundos e ver quantos de fato não têm razão de ser e podem ser extintos para usar o dinheiro para abater a dívida pública. Essa é uma ideia bastante razoável. Mas aí não se trata de passar a régua e acabar com todos os fundos; tem que olhar caso a caso.
IHU On-Line – Tem algum outro ponto das PECs que precisaria ser reconsiderado, na sua avaliação?
José Luis Oreiro – A ideia de fazer um ajuste emergencial cortando salário dos servidores e serviços é uma maluquice do ponto de vista econômico e social. Do ponto de vista econômico, porque torna a política fiscal ainda mais pró-cíclica. Uma política fiscal pró-cíclica é aquela que vai na mesma direção do ciclo econômico: quando a economia entra em recessão, o governo arrecada menos e então ele pode reduzir os gastos com o funcionalismo em até 25%, o que vai reforçar a queda do produto em função da queda de demanda. Esse é um argumento econômico.
O argumento social é que se o governo vai reduzir o salário do servidor público, reduzindo jornada de trabalho, então o que ele vai fazer, por exemplo, com os professores? Vai reduzir a jornada de trabalho dos professores e eles vão dar menos aulas? Se é assim, então vai ter que haver menos alunos. Vai reduzir a jornada de trabalho dos médicos? Se reduzir a jornada dos médicos, terá que haver menos atendimentos médicos para a população. Vai reduzir a jornada de trabalho dos militares? O que vai se fazer com o Exército? As Forças Armadas deveriam ser, em termos dos servidores da União, aproximadamente 40% dos servidores. O governo vai reduzir em até 25% os salários dos militares, juízes, promotores? No fundo, o governo está dizendo que pode reduzir os serviços que o Estado presta à população. É isto que está nesta PEC: a ideia de que é possível reduzir o volume de serviços que o Estado brasileiro presta à população. Isso não faz o menor sentido.
Presidente eleito tem pela frente a tarefa difícil de encontrar soluções para os graves problemas da economia, como o desemprego e o rombo nas contas públicas (Hamilton Ferrari e Rosana Hessel)
O futuro presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), vai ter que lidar de frente com, pelo menos, 10 grandes problemas na economia, se quiser fazer um bom governo (veja a lista detalhada abaixo). Economistas ouvidos pelo Correio são unânimes em afirmar que, sem resolver a questão fiscal para frear o forte crescimento da dívida pública, não será possível solucionar os demais desafios, que estão interligados.
A dívida pública total está próxima de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro da média dos países emergentes, que é inferior a 50% do PIB. Em 2010, ela estava em torno de 60%. Para interromper a alta, será necessário um ajuste fiscal em torno de R$ 300 bilhões, ou 4% do PIB . O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), diz que não será fácil estancar o deficit das contas públicas, que se repete desde 2014, e afirma que aumento de impostos “será inevitável”.
Na avaliação dos analistas, se quiser recuperar a economia, o governo não pode adiar as reformas estruturais porque 98% da receita líquida do governo estão comprometidos com gastos obrigatórios, sobrando pouco para investimento, que é o vetor que movimenta a roda da economia.
A despesa mais expressiva é a da Previdência Social, que cresce em ritmo acelerado, acima da inflação, e alcança 13% do PIB, patamar superior ao de países desenvolvidos e com população mais idosa do que o Brasil, como o Japão. Não à toa, especialistas consideram que a reforma do sistema de aposentadorias é o item mais urgente da pauta do novo presidente. Sem a reforma, as contas públicas continuarão desequilibradas e a taxa de investimento do país se manterá baixa, travando o crescimento do PIB.
“Se quiser ter sucesso no mandato e se reeleger, Bolsonaro precisa enfrentar o problema da Previdência. Caso contrário, fará um governo medíocre”, afirma o economista Paulo Tafner, que, com o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, prepara uma proposta ampla que poderá economizar R$ 1,3 trilhão em 10 anos.
Pelas contas de Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, num cenário de avanço das reformas, o rombo das contas públicas será zerado apenas em 2023, mas a dívida pública bruta continuará crescendo até 2027, chegando a 88,8% do PIB.
Um dos setores que precisam urgentemente de investimentos é o de infraestrutura. Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), reforça, porém, que só haverá aplicação expressiva de recursos no setor se as contas públicas forem ajustadas e houver segurança jurídica para os investidores. Segundo Pires, com a atual estrutura, o país não comporta um crescimento acima de 3% ao ano. “No caso da energia elétrica, o quadro é pior. Há risco de interrupção de fornecimento se o PIB crescer mais de 2% no ano que vem”, adverte.
O governo precisa criar um ambiente favorável para esses investimentos, “evitando a concentração e estimulando a concorrência, com estabilidade regulatória e segurança jurídica”, afirma Pires. “O investimento é baixo porque esse ambiente não existe. O Estado não tem condição de investir e, sem mudanças, corre o risco de privatizar setores estratégicos para investidores ineficientes, o que, em vez de reduzir o custo, continuará elevando as tarifas para os consumidores”, alerta.
Otaviano Canuto, diretor do Banco Mundial, observa que a deterioração das contas públicas está na raiz da perda de dinamismo da economia brasileira. “Enquanto a produtividade e o potencial de crescimento do PIB mantiveram aumentos anêmicos, os gastos públicos correntes anuais subiram acentuadamente, em termos reais, ao longo das últimas décadas: 68% entre 2006 e 2017”, afirma. “Como proporção do PIB, despesas públicas ascenderam de menos de 30%, na década de 1980, para 40% em 2017. Enquanto isso, investimentos públicos definharam – menos de 0,7% do PIB no ano passado – explicando em parte a precariedade da infraestrutura no país”, reforça.
A recessão de 2015 e 2016, que provocou uma retração de mais de 8% na produção de bens e serviços, fez o desemprego explodir e a pobreza voltar a crescer no país. Pelas estimativas de Marcelo Neri, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), se o país tiver uma expansão média de 2,5% no PIB, a taxa de pobreza voltará ao mesmo patamar de 2014 apenas em 2030.
Além disso, é preciso simplificar o sistema tributário. “Temos de eliminar a complexidade do nosso sistema. Há uma parafernália de regras que assusta investidores”, diz o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ernesto Lozardo.
“Incentivos fiscais precisam ser revistos, porque grande parte deles não trouxe benefícios. A desoneração da folha de pagamento, por exemplo, adotada com o intuito de criar empregos, não aumentou o número de ocupados. Pelo contrário, reduziu. Beneficiou apenas empresários, que aumentaram lucros”, pontua.
Questões na mesa
Veja 10 dos maiores desafios econômicos que precisarão ser enfrentados pelo presidente eleito e soluções sugeridas por especialistas:
Contas públicas
Problema: O desequilíbrio das contas públicas é o principal problema que o novo governo vai enfrentar na área econômica. A União não consegue economizar para pagar parte dos juros da dívida pública, que é crescente e atinge níveis preocupantes – entre 80% e 90% do Produto Interno Bruto (PIB), dependendo da metodologia. É o dobro da média de endividamento de países emergentes, o que assusta o investidor. O país tem hoje deficit primário de 1,8% do PIB. Desde 2014, as contas públicas estão no vermelho e, na melhor das hipóteses, só devem voltar ao equilíbrio a partir de 2023, pelas estimativas de Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Se não tocar a agenda de reformas estruturais logo no início do governo, o presidente eleito não conseguirá recuperar a confiança dos empresários.
Solução: “O item número 1 da agenda deve ser a reforma da Previdência. Ela é necessária não só por causa do crescimento expressivo do deficit previdenciário, nos últimos anos, mas também porque a tendência é de piora, caso as regras não sejam alteradas”, destaca Alessandra Ribeiro. Pelas contas do economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), para que a dívida pública pare de crescer, será preciso que o governo faça um ajuste fiscal de R$ 250 bilhões a R$ 300 bilhões. “Sem aumento de impostos, porém, a equipe econômica não conseguirá fazer um ajuste desse tamanho a curto prazo”, alerta. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, fala numa cifra da ordem de R$ 300 bilhões, ou 4% do PIB.
Previdência
Problema: Apesar de ser um país jovem, o Brasil gasta muito com benefícios previdenciários e assistência social: cerca de 13% a 14,5% do PIB. Nações desenvolvidas, como o Japão, que possui uma população bem mais velha, gastam algo em torno de 10%. Há descompasso entre o crescimento da população economicamente ativa e a de inativos, com o fim do chamado bônus demográfico. Para piorar, o brasileiro se aposenta muito cedo. A idade média de aposentadoria é de 56 anos para homens e de 53 anos, para mulheres, enquanto, entre os países da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa é de 66 anos, para homens e mulheres, sem distinção. A tendência é que o deficit da Previdência Social, que já é expressivo atualmente, atinja um patamar insustentável em poucos anos.
Solução: É consenso entre especialistas que o próximo presidente não poderá adiar mais a reforma da Previdência. O consultor legislativo Leonardo Rolim diz que deve haver um período de transição para um novo sistema. Essa transição teria de ser mais dura pelo lado do funcionalismo público, uma vez que os servidores se aposentam bem mais cedo do que os trabalhadores do setor privado, onde o processo poderá ser mais gradual. O economista e especialista em Previdência Paulo Tafner considera que a proposta de reforma tem que ser mais ampla do que a que foi encaminhada pelo atual governo ao Congresso Nacional, e atingir todas as categorias de trabalhadores. Dessa forma, será mais justa e igualitária.
Investimento
Problema: O investimento é a principal mola do crescimento econômico sustentável, mas, no Brasil, a taxa de aplicação de recursos em projetos produtivos é muito baixa, em torno de 16% do PIB. É um nível inferior à média da América Latina e dos países emergentes. Especialistas reconhecem que, para voltar ao pico de 2011, de 21,9%, ou até mesmo ultrapassar esse patamar, serão necessários muitos anos. Com a falta de investimentos, toda a economia sofre. A recuperação da atividade segue em patamar lento, o que mantém o desemprego elevado e o consumo, retraído. A tendência global é de que, para uma nação conseguir crescer em ritmo acima de 5% ao ano, a taxa de investimento precise ficar acima de 25% do PIB. Segundo cálculos da Tendências Consultoria, no país, só em 2028 o indicador voltará a 20%.
Solução: Na avaliação dos analistas, retomar o patamar de 22% do PIB (de 2011) dependerá da estabilidade da economia e de regras claras. Para que os investidores apostem no país, a segurança jurídica é fundamental. “Sem arrumar as contas públicas, a confiança não volta e o investimento não cresce”, avisa Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). Na avaliação de Alessandra Ribeiro, da Tendências, o crescimento econômico via investimentos só virá com uma agenda de projetos na área de infraestrutura, com regras claras para os investidores. Mauro Rocha, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que não há como fazer o investimento crescer em ritmo mais forte “se a questão fiscal não for solucionada”.
Comércio exterior
Problema: O Brasil é um dos países mais fechados do mundo e não consegue competir no mercado externo, em parte, porque a indústria nacional tem produtividade baixa, mas também por causa da carga tributária elevada e da ineficiência logística. Apesar de ser uma das 10 maiores potências econômicas do planeta, o Brasil ocupa a 26ª colocação no ranking dos maiores exportadores globais, com uma fatia de apenas 1,2% e, há décadas, não consegue ampliar esse naco. O embaixador José Alfredo Graça Lima, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), diz que o país se fechou muito nos últimos anos, interrompendo o processo de abertura dos anos 1990. “Esse fechamento resultou em um acentuado declínio da produtividade da indústria, e é isso que precisa ser consertado”, explica.
Solução: Para analistas, a abertura comercial do país é fundamental. Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que o próximo presidente precisará recuperar o protagonismo perdido pelo país nos últimos anos. “O Brasil tem uma participação muito pequena do comércio global e precisará de estratégia mais clara de negociações. Será necessário muito cuidado com a política externa e posicionamentos em relação aos parceiros estratégicos para não correr o risco de fechar portas em vez de abri-las”, afirma. Para Alessandra Ribeiro, da Tendências, o país precisa de uma agenda gradual de abertura comercial, via redução de tarifas de importação e eliminação de barreiras não tarifárias.
Infraestrutura
Problema: O país investe menos de 2% do PIB na infraestrutura, o que nem sequer é suficiente para manter a atual estrutura. O modal predominante de transporte é o rodoviário, que é caro e cheio de limitações. Com as contas públicas desequilibradas, não há espaço para investimento do governo. Assim, a iniciativa privada também não investe. Pelas contas de Claudio Frischtak, da Inter.B, se o investimento continuar no volume atual, o país levará 58 anos para universalizar o saneamento básico e 32 anos para oferecer transporte público de qualidade. Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), reforça que, como o risco do investimento em infraestrutura é elevado, o retorno acaba sendo inferior ao que o governo paga nos títulos da dívida pública, o que atrapalha a retomada.
Solução: Na avaliação de Adriano Pires, a atual estrutura rodoviária e portuária do país não comporta um crescimento acima de 3% ao ano. “No caso da energia elétrica, o quadro é muito pior. Corremos o risco de interrupção de fornecimento, se o PIB crescer mais de 2% no ano que vem”, adverte. Otaviano Canuto, diretor do Banco Mundial, destaca um estudo do organismo que sugere a revisão dos gastos governamentais como elemento principal de um ajuste das contas públicas com o objetivo de direcionar mais recursos para investimentos. “Enquanto a produtividade e o potencial de crescimento do PIB tiveram aumentos anêmicos, os gastos públicos correntes subiram acentuadamente ao longo das últimas décadas: 68% entre 2006 e 2017.”
Inflação
Problema: Mesmo com a inflação controlada, as pessoas reclamam dos aumentos de preço, principalmente da gasolina, da energia e do botijão de gás. A expectativa dos economistas é de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) continue entre 4,5% e 3,75% nos próximos anos. Segundo o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, o principal risco para a inflação é a frustração da agenda de reformas e ajustes na economia brasileira. Há também um cenário internacional mais nebuloso quando se trata de economias emergentes. O PIB mundial será menor devido às incertezas envolvendo a guerra comercial entre Estados Unidos e China. A alta de juros nos EUA deve manter o dólar em níveis elevados. É preciso trabalho duro para deixar o país mais preparado contra as volatilidades no exterior.
Solução: De acordo com o André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Getulio Vargas (FGV), não há risco a médio prazo. Ele destaca, porém, que a política monetária não é suficiente para garantir que a inflação fique baixa. “A política fiscal é importante. É preciso sanear o gasto público, começando pela reforma da Previdência. Medidas para corrigir o deficit público são fundamentais para que não se joguem todas as cartas na política monetária”, diz Braz. Na prática, é preciso ter responsabilidade com as contas públicas para fomentar os investimentos na economia e diminuir a dívida pública, que pode puxar o índice de preços para cima. O próximo presidente precisa manter as expectativas ancoradas.
Juros
Problema: A taxa básica de juros (Selic) está no menor patamar da história, em 6,5% ao ano. Mas, a partir de 2019, é consenso entre os analistas que ela terá de voltar a subir para controlar as pressões inflacionárias. A expectativa é de que, no fim do próximo ano, o Banco Central (BC) eleve a taxa para 8%, nível considerado não estimulante, ou seja, os juros não vão contribuir para uma atividade econômica mais forte. “Há uma situação benigna, mas podemos imaginar riscos, sem dúvida. A avaliação é de que uma política econômica que resolvesse a crise fiscal e estabilizasse a relação entre dívida pública e PIB tranquilizaria os investidores. Quanto mais rápido as medidas forem tomadas, mais cedo teremos uma solução para afastar o risco”, declara o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa.
Solução: Rosa afirma que o Banco Central precisará elevar a Selic para manter o controle da inflação. Segundo ele, haverá mais pressão do câmbio no próximo ano por conta do cenário internacional adverso. “O cenário externo é desfavorável para emergentes, com a subida de juros, o que ajudará a pressionar o câmbio desses países. Teremos de conviver com moeda mais desvalorizada e inflação mais alta”, diz. Além disso, é preciso implementar reformas e ajustar a economia, caso contrário, o dólar deve voltar a ser negociado acima de R$ 4. “Se o novo governo frustrar a expectativa de reformas, os juros subirão mais rápido. Caso mantenha a agenda de mudanças estruturais, o patamar estimulante dos juros permanecerá por mais tempo”, avalia.
Desemprego
Problema: Um dos temas mais dramáticos, atualmente, é a grande quantidade de pessoas fora do mercado de trabalho. Diante da baixa demanda por consumo e da desconfiança nos rumos da economia, falta investimento para que as empresas contratem funcionários. Falta trabalho para 27,5 milhões de pessoas. O número inclui os desocupados, os que estão em sub-ocupação por insuficiência de horas e aqueles que fazem parte da força de trabalho potencial – pessoas que não estão em busca de emprego, mas que estariam disponíveis para trabalhar. Neste último grupo, há 4,75 milhões de pessoas desalentadas, ou seja, que desistiram de procurar trabalho, desiludidos com a situação do país. Os jovens, os negros e as mulheres são os que mais sofrem com a falta de oportunidade.
Solução: “Tudo depende de como o novo governo vai começar. Se vier com a pauta defendida por Paulo Guedes (futuro ministro da Economia) e com apoio do Congresso, será possível aprovar não apenas uma ampla reforma da Previdência, mas também avançar na abertura da economia, na agenda de aumento de produtividade e nas privatizações”, ressalta Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos. O Brasil está “engatilhado” para ter uma boa recuperação cíclica, porque os juros estão baixos e a capacidade ociosa é grande. “Mas tudo depende da confiança de que não teremos um voo de galinha. Para decolarmos mesmo, precisamos avançar logo na recuperação estrutural de nossas contas públicas, nossa mazela número 1”, resume.
Desigualdade
Problema: A miséria voltou a aumentar em 2015, primeiro ano da recessão produzida pelo governo Dilma Rousseff. Atualmente, há 23,3 milhões de brasileiros na miséria, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Entre 2014 e 2017, o número de pessoas que recebiam menos de R$ 232 por mês saltou 6,3 milhões – número maior que a população do Paraguai. O índice de Gini, que mede a desigualdade social, mostrou que, do final de 2014 até junho deste ano, a concentração de renda cresceu 50% mais rápido do que no período de melhora na distribuição de renda, iniciado em 2000. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que 1% da população concentra entre 22% e 23% do total de renda do país. O Brasil é o quinto país com mais disparidade no mundo, entre 29 nações.
Solução: Segundo Marcelo Neri, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), se o país tiver crescimento médio de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), a taxa de pobreza só voltará ao mesmo patamar de 2014 (8,38%) em 2030. Ou seja, é preciso expansão econômica maior e mais inclusiva. “É importante que o país volte a crescer, com a agenda macroeconômica de ajuste fiscal e ganho de produtividade”, ressalta. Também é preciso permitir que o mercado de trabalho seja mais inclusivo. O Bolsa Família é um importante programa de redução da pobreza, e deve ser aprimorado. “É preciso incentivo para a redução da desigualdade. E não basta só o crescimento, porque ele é só o primeiro passo. Temos de combater a pobreza.”
Tributação
Problema: É consenso entre analistas que o sistema tributário brasileiro é complexo e tem muitas distorções. Há um emaranhado de regras que torna o processo de pagamento de tributos muito mais burocrático e penoso do que em outros países. As empresas brasileiras gastam, em média, 2.600 horas por ano para cumprir obrigações tributárias. Esse número é muito mais elevado de que os países em situação econômica similar. O sistema provoca baixa eficiência no funcionamento da economia e prejudica a produtividade, ou seja, o Brasil cresce menos do que poderia crescer. “O nosso sistema tributário é um dos principais fatores que impede o Brasil de ser mais competitivo. O regime expulsa o empreendedorismo do território nacional”, diz o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ernesto Lozardo.
Solução: Os especialistas destacam que é necessária uma reforma tributária que torne a cobrança mais progressiva, mais justa do ponto de vista social, mas sem prejudicar a eficiência das empresas. “É fundamental a eliminação da complexidade do sistema, mas também promover a integração regional, dar mais segurança às empresas e reduzir o custo de produção”, ressalta Lozardo. Nos últimos anos, amadureceu a ideia de criação de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que substituiria uma série de tributos e unificaria regimes. “A criação dele é extremamente complexa e difícil. Mas é uma discussão que precisa florescer cada vez mais”, afirma Lozardo. Uma iniciativa defendida pelos analistas é tributar menos o consumo e mais a renda
O economista José Luis Oreiro, professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), ministrou palestra sobre “Crescimento e ajuste fiscal: os desafios para o próximo presidente da República” no Dia do Economista, comemorado em 13 de agosto. O evento ocorreu na sede do Conselho Federal de Economia, em Brasília, e foi realizado pelo Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), iniciando as festividades no mês do economista. O evento foi transmitido ao vivo na página do Cofecon no Facebook e está disponível em https://www.facebook.com/cofeconeconomia/. Clique aqui para conferir a apresentação de slides do palestrante.
Em sua apresentação, Oreiro explicou suas visões pessoais sobre por que o crescimento econômico não decola. Afirmou que a recessão de 2014-2016 foi a segunda mais intensa em termos de queda do nível de atividade econômica no período iniciado em 1981 até 2016, com nove recessões no total, e com a recuperação mais lenta. O professor apontou suas hipóteses para o ritmo lento de recuperação da atividade econômica, citando os especialistas Bráulio Borges e Paulo Gala: conservadorismo excessivo da política econômica e deflação de dívidas.
“A economia brasileira passou por um ciclo de expansão de crédito no período pós 2008. Isso resultou num aumento significativo do grau de alavancagem das empresas não-financeiras. A reversão de políticas de represamento dos preços administrados e consequente elevação da taxa de juros a partir de 2015, em conjunto com a forte desvalorização da taxa nominal de câmbio, levaram as empresas e as famílias a desalavancar seus balanços, contraindo os gastos com investimento e consumo. Nesse contexto, a política monetária perde eficácia e a recuperação do nível de atividade é mais demorada”, explicou José Luis Oreiro.
O economista apresentou também suas impressões sobre o que chamou de “O fracasso do ajuste fiscal de Dilma/Temer”. Segundo Oreiro, a partir de meados de 2014 a relação dívida líquida do setor público/PIB passou a apresentar uma dinâmica insustentável. “Entre junho de 2014 e junho de 2018, a relação dívida líquida/pib aumenta 25 p.p. Isso decorreu do aumento expressivo do deficit nominal do setor público, o qual passou de 3,30% no acumulado em 12 meses em junho de 2014 para 10,72% do PIB no acumulado em 12 meses em janeiro de 2016”, afirmou.
O professor da UnB destacou que deficit nominal apresentou uma tendência de redução ao longo de 2017, mas que ainda esteve no patamar de 7,5% do PIB no primeiro semestre de 2018. “A tendência de aumento da relação dívida pública líquida/PIB ainda não apresenta nenhuma tendência visível de reversão. Até quando as instituições financeiras e os rentistas se mostrarão dispostos a aumentar a participação dos títulos públicos na sua carteira de ativos?”, questionou o economista.
Por fim, o palestrante opinou que “A única forma de compatibilizar a aceleração do crescimento com o reequilíbrio das contas públicas é por intermédio de um ajuste fiscal de emergência baseado em aumentos de impostos sobre as unidades que possuam menor propensão a consumir, combinado com um modesto aumento do investimento público, notadamente em obras de infraestrutura”.
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)