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José Luis Oreiro

~ Economia, Opinião e Atualidades

José Luis Oreiro

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A crônica da subordinação consentida (Brasil Debate, 26/05/2021) 

27 sexta-feira maio 2022

Posted by jlcoreiro in Debate Macroeconômico, Degradação ambiental, Desindustrialização, Eleições 2022, Enteguismo Bolsonarista, Erros de Paulo Guedes, escravidão financeira, Espoliação do Brasil, Estagnação da economia brasileira, Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento

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A crise da economia brasileira, Debate Macroeconômico, desindustrialização, Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, novo-desenvolvimentismo, Semi-estagnação da economia brasileira

A tragédia do Brasil é uma elite que não está interessada em construir uma nação rica e soberana, mas acumular capital pela sobre-exploração da força de trabalho conjugada com devastação ambiental

26/05/2022

Link: https://brasildebate.com.br/a-cronica-da-subordinacao-consentida/

Por: José Luis Costa Oreiro (UnB/UPV/CNPq), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (IE-UFRJ, CNPq), Lauro Mattei (UFSC/NECAT), Fábio Guedes Gomes (UFAL), Maurício Weiss (UFRGS), Kalinka Martins da Silva (IFG/Campus Luziânia), AdalmirMarquetti (PUCRS) e Daniel Moura da Costa Teixeira (PPGECO/UnB)*

“Não é no que pensamos, mas no como pensamos, que reside nossa contribuição a teoria”.

Carl von Clausewitz

O crescimento mais expressivo da economia brasileira a partir de 2003 começou a ser interrompido com a emergência da crise financeira mundial de 2008-2009. A mudança no cenário internacional colocou limites na capacidade de a política econômica propiciar elevado nível de utilização da capacidade instalada, aumento dos salários e a manutenção da rentabilidade do capital.

Quando a crise internacional se tornou sistêmica a partir de 2008, ocorreram quedas do superávit comercial – notadamente na balança comercial de manufaturados, que se tornou deficitária – fato que colocou em debate, a forma de inserção do país no comércio internacional, bem como o tipo de bens e produtos que estavam sendo exportados. A partir de então, ganharam espaço diversos estudos sobre a estrutura de produção industrial do país neste novo cenário econômico mundial.

Nesse contexto, o tema da desindustrialização do país passou a ser debatido com maior ênfase, à luz do conteúdo tecnológico presente nos fluxos comerciais e seus possíveis efeitos sobre a estrutura produtiva. Já era visível, na época, que o padrão de inserção do País no comércio externo comprometeria, no longo prazo, a competitividade e o dinamismo industrial.

De um modo geral, observava-se a existência de uma “crise” no setor industrial, a qual estava se generalizando, sobretudo nos ramos tradicionais (setores menos intensivos em tecnologia), que vinham enfrentando dificuldades para competir, tanto no mercado interno como externo, devido ao baixo grau de incorporação de conteúdo tecnológico.

Esse fato conduzia a uma baixa competitividade da indústria de transformação e provocava perda de dinamismo do conjunto da economia, uma vez que a falta de ganhos de produtividade industrial impedia um crescimento do PIB a patamares mais elevados.

Para tornar a situação ainda mais complexa, a produtividade da mão de obra brasileira também contribuiu para a perda de competitividade industrial vis a vis seus principais concorrentes internacionais. O país ainda se encontra atrasado no enfrentamento dos elevados níveis de analfabetismo e na formação de mão de obra adequada aos novos horizontes do desenvolvimento tecnológico e inovação empresarial, especialmente naqueles ramos mais dinâmicos da indústria moderna, onde o uso de novas competências é fundamental como, por exemplo: inteligência artificial, big data, cyber segurança, robótica avançada, internet das coisas, biotecnologia etc.

Neste cenário, alertava-se que o país corria o risco de apresentar uma especialização produtiva primária assentada na produção de bens agropecuários e produtos extrativos minerais, concomitantemente com uma desestruturação do setor secundário, dada a baixa capacidade de desenvolvimento tecnológico do setor industrial, especialmente do ramo da indústria de transformação. Além disso, afirmava-se que a somatória desses dois fatores poderia ter impactos bastante negativos sobre o desenvolvimento econômico e social do conjunto da nação.

De fato, a regressão produtiva das últimas décadas pode ser analisada à luz da participação da indústria de transformação no PIB brasileiro. Segundo dados do Ipeadata, apresentados na Figura 1 abaixo, essa participação caiu de 17,35% do PIB, em 2005, para 11,33%, em 2021, ou seja, uma queda de 6 p.p do PIB num período de apenas 16 anos, apesar do crescimento da produção física da indústria de transformação no período 2003-2013.

Essas informações revelam que o Brasil está acometido por um grave processo de desindustrialização, o que tem contribuído para levar o país à estagnação econômica e ao retorno à condição de “colônia informal” dos países desenvolvidos e de “fazendão” que prevalecia até a Revolução de 1930, agora enquanto exportador de commodities agrícolas e de recursos minerais. Em outras palavras, a desindustrialização está associada à reprimarização da pauta de exportações.

A reprimarização da pauta de exportações brasileiras tem também um efeito que não é adequadamente levado em conta no debate público no Brasil, a saber:  a pressão crescente sobre o meio ambiente e recursos naturais e o nível de devastação alarmante, como recentemente revelaram os dados publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe.

O agravamento do problema ambiental é o outro lado da moeda da reprimarização da pauta de exportações e da desindustrialização precoce da economia brasileira, haja vista que a produção e exportação de produtos primários é altamente rentável, mas intensiva na ocupação de terras; o que tem levado a fronteira agrícola do país para dentro dos limites da floresta amazônica, o que se traduz, muitas vezes, em desflorestamento e queimadas ilegais.

Um dos resultados mais evidentes do processo de regressão produtiva que o país está passando é a rápida e intensa reprimarização da pauta exportadora, associada ao forte aumento no coeficiente de insumos importados, independentemente do conteúdo tecnológico e valor agregado. Como pode ser visto no gráfico abaixo, a participação de produtos manufaturados no saldo da balança comercial se torna, a partir de 2008, fortemente negativa, ao mesmo tempo em que crescem os valores de bens básicos.

Essa profunda mudança estrutural negativa, a qual os economistas novo-desenvolvimentistas denominam de “regressão produtiva”, esteve associada a uma inequívoca redução do crescimento potencial da economia brasileira. Conforme podemos verificar na figura 3 abaixo, a média móvel de 10 anos da taxa de crescimento da economia brasileira, após alcançar um pico de 4,03%, em 2013, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, começou a apresentar um declínio acentuado, atingindo a ridícula marca de 0,36% no terceiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro.

Para os economistas liberais, esses dois fatos não são correlacionados: o problema da estagnação da economia brasileira dos últimos 10 anos se deve a uma alegada “nova matriz macroeconômica” – expressão infeliz criada pelo secretário de política econômica do primeiro governo Dilma Rousseff, Márcio Holland – que produziu um “excesso de intervenção do governo na economia” levando a uma má-alocação dos fatores de produção, o que seria a causa do baixo crescimento recente.

A hipótese de má-alocação de recursos é, contudo, uma teoria desprovida de evidência empírica ou uma evidência empírica desprovida de teoria, como foi explicado recentemente por um dos autores deste documento em artigo publicado no site do CORECON-DF.

Esse grupo de economistas liberais vem advogando, desde 2016, a adoção de uma agenda de reformas econômicas como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o teto de gastos, a qual supostamente devolveria o dinamismo da economia brasileira, fazendo com que o “PIB privado” liderasse o crescimento econômico ao invés do “PIB do governo” como fora realizado durante as administrações petistas. Os economistas liberais propõem alterar, de um lado, as políticas públicas com a redução dos gastos sociais e dos impostos, de outro, as regras do mercado de trabalho que possibilitariam diminuir a renumeração do trabalho e, assim, aumentar a renumeração do capital.

Todavia, o fracasso dessa agenda liberal pode ser observado à luz das reformas já realizadas. Em 2016 foi aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional de “Teto dos Gastos” (Emenda Constitucional 95), mecanismo que estabeleceu um teto fixo em termos reais para os gastos primários (excluindo-se do teto, portanto, os gastos com o pagamento de juros da dívida pública) do governo federal por um período de 20 anos.

Percebe-se, claramente, que logo após a aprovação dessa emenda constitucional do “Teto de Gastos” produziu-se, em âmbito nacional, uma redução significativa dos gastos federais nas áreas de saúde e educação. Porém, com o início da pandemia da Covid-19 em 2020, a vigência do “Teto de Gastos” foi temporariamente revogada por intermédio de uma nova emenda constitucional que estabelecia a suspenção das regras fiscais durante o estado de calamidade pública, vigente até 31/12/2020.

Por sua vez, em 2017 foi realizada a reforma trabalhista, ação defendida como sendo a solução redentora do problema do desemprego no Brasil, uma vez que bastaria fazê-la que imediatamente milhões de empregos seriam criados no país. Na verdade, o que se viu desde então foi uma taxa de desemprego duradoura e em patamares bastante elevados, a qual tem flutuado, desde então, em torno de 12% da força de trabalho.

Se a esse contingente foram acrescidos os trabalhadores que fazem bicos por não conseguirem uma jornada de trabalho integral e os trabalhadores desalentados (aqueles que procuram emprego, não encontram e acabam desistindo) chega-se a um montante de aproximadamente um terço da População Economicamente Atividade (PEA) do país. Isso significa dizer que a reforma trabalhista resultou numa brutal precarização do mercado de trabalho brasileiro, ou seja, um grande engodo para a classe trabalhadora e um alento temporário à recuperação das taxas de lucros.

Por fim, realizou-se a reforma da Previdência Social entre os anos de 2018-2019 levando ao desmonte do Sistema de Seguridade Social aprovado na Constituição de 1988[1]. Por meio do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (a chamada DRU) ampliou-se o percentual de desvinculação de 20% para 30%. Em termos monetários, apenas no ano de 2016 essa ampliação significou a retirada de R$ 126 bilhões da receita da Seguridade Social. Por outro lado, as desonerações fiscais implementadas ainda no primeiro governo Dilma afetaram negativamente a receita do sistema de Seguridade Social em, aproximadamente, R$ 90 bilhões ao ano.

Acrescente-se a isso os impactos negativos sobre a receita do Sistema de Seguridade Social derivados das dívidas crescentes, especialmente das grandes empresas, dos grandes bancos e dos times de futebol, cujo montante relativo ao ano de 2019, divulgado pelo sindicato nacional dos auditores fiscais do INSS, atingiu R$ 500 bilhões. A nosso ver, esses são elementos centrais que levaram ao colapso da saúde financeira do Sistema de Seguridade Social, por mais que se insista em discutir o problema apenas pela ótica do gasto, ou seja, do pagamento dos benefícios.

Passados seis anos da adoção do novo modelo de crescimento para a economia brasileira (2016-2021), os resultados foram decepcionantes, para dizer o mínimo. Enquanto a média de crescimento do PIB brasileiro foi de 2,64% a.a, entre 1980 e 2014, o crescimento médio no período 2017-2019 (período no qual a política econômica do Brasil foi conduzida totalmente pelos economistas liberais) foi de apenas 1,44% a.a, valor que corresponde a apenas 54,6% do crescimento do período 1980-2014. Os dados não permitem chegar a outra conclusão que não seja dizer em alto e bom som: o experimento liberal no Brasil foi um fracasso retumbante.

Quando confrontados com a realidade inescapável do seu fracasso, os economistas liberais reagem afirmando que o Brasil ainda não adotou todas as reformas necessárias para a retomada do crescimento econômico ou foram insuficientes aquelas levadas a cabo. Além das reformas já mencionadas anteriormente, voltaram a afirmar que ainda é necessário um choque de privatizações, com a venda do que restam das empresas estatais brasileiras, especialmente da Petrobras e do Sistema Eletrobras, os bancos do Brasil e Caixa Econômica, além da adoção de uma reforma administrativa que modernize o setor público brasileiro. Ou seja, sempre falta mais uma reforma liberal a ser implementada para a economia voltar a crescer.

O choque de “privatização” é uma má ideia já abandonada pelos países desenvolvidos. Conforme a figura 4 abaixo mostra, a onda de privatizações nos países desenvolvidos foi largamente revertida no período 2000-2017, ou seja, verificou-se um intenso movimento de reestatização devido às ineficiências manifestas das empresas privatizadas, as quais aumentaram os preços dos seus produtos ao mesmo tempo em que reduziram a qualidade dos respectivos serviços prestados.

A reforma administrativa prevista pela Proposta de Emenda Constitucional 32 (PEC 32), por seu turno, não tem por objetivo modernizar o serviço público no Brasil, mas tornar os servidores públicos em serviçais dos políticos de plantão; uma vez que a reforma cria novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir, fortemente, os cargos em que deve haver estabilidade. A reforma propõe, também, a criação dos cargos de liderança e assessoramento, algo na linha contrária a tudo o que foi feito no Brasil desde 1930, quando se passou a priorizar a estabilidade dos servidores públicos como forma de incrementar a profissionalização das atividades de Estado.

A PEC da reforma administrativa restringe o acesso transparente e meritocrático aos cargos públicos. Por fim, ela abre possibilidade para acumulação de cargos em carreiras menos prestigiadas, o que aumenta a possibilidade de interferências privadas e conflitos de interesses para esses cargos. Daqui se segue, portanto, que se a reforma administrativa for aprovada, o Estado Brasileiro irá retornar aos padrões prevalecentes na “República Velha”, um retrocesso de quase um século, uma reinserção ao Estado pré-moderno!

A agenda econômica liberal proposta pelo governo Temer e, ao menos na esfera da retórica, pelo governo Bolsonaro, nada mais é do que o retorno ao que o historiador econômico Erik Reinert (2016) denomina de “colonialismo”. Nas suas palavras,

“O Colonialismo é, antes de tudo, um sistema econômico, um tipo de integração econômica profunda entre os países. Não importa muito sob qual liderança política isso ocorre – independência nominal e “livre comércio” ou não. O importante é verificar que tipos de bens fluem em qual direção (…) as colônias são nações especializadas no “comércio ruim”, na exportação de matérias-primas e na importação de bens de alta tecnologia, seja industrial ou vindos de um setor de serviços que faz uso intensivo de conhecimento” (p. 190).

O ponto a ser ressaltado é que o Brasil dos últimos 20 a 30 anos adotou, inicialmente e de forma inconsciente, e depois de 2016 de forma deliberada, o modelo “colonialista”. A agenda de reformas não tem por objetivo emular as políticas econômicas que fizeram com que os países ricos se tornassem ricos, mas sim produzir uma espécie de “acumulação primitiva de capital” por intermédio do retorno do país às atividades primário-exportadoras, como já visto, e a redução dos salários e benefícios trabalhistas, elevando, assim, a “mais-valia absoluta” para utilizar o conceito criado por Karl Marx.

O projeto neoliberal de regressão produtiva tem por objetivo a recuperação da taxa de lucro do capital (ROE: Return Over Equity ou retorno sobre o capital próprio) na economia brasileira, o qual se reduziu de forma significativa no período 2010-2014, devido à elevação dos salários reais acima do crescimento da produtividade do trabalho, especialmente em função do sobreaquecimento do mercado de trabalho. Segundo dados de Rocca (2015), o ROE despencou a partir de 2012: 16,5% em 2010, 12,6% em 2011, 7,2% em 2012, 7,0% em 2013 e 4,3% em 2014.

Em suma, trata-se de um projeto para reverter o profit-squeeze por intermédio de uma sobre-exploração da força de trabalho, como forma de compensar a falta de esforço ou ousadia de inversão no longo prazo em uma estratégia moderna e competitiva de elevação da produtividade com inovação tecnológica e qualificação da mão de obra, conforme os padrões exigidos pelas tendências da economia do século XXI.

A partir da metade da segunda década do século XXI os problemas do mercado de trabalho ficaram mais evidentes, uma vez que tal período representa os piores índices de desemprego da história recente do país. Assim, nota-se que a taxa de desocupação passou de 7%, em 2014, para 13%, em 2017, percentual que representava mais de 13 milhões de pessoas. Tal situação pouco se alterou até o mês de fevereiro de 2020, quando essa taxa permanecia próxima ao redor de 12%. Com a emergência da pandemia da Covid-19, esse cenário se agravou ainda mais, uma vez que a taxa de desocupação atingiu 15% no segundo semestre de 2021.

Além do mercado de trabalho permanecer com elevadas taxas de desemprego ao longo dos últimos sete anos, outro fator determinante para a precarização das condições de trabalho é o reduzido grau de formalização das relações de trabalho. Ou seja, em 2014 o grau de formalização das ocupações no país era de 55%, percentual que caiu para 51% ao final de 2020. Em termos absolutos, isso significou que ao longo dos últimos seis anos foram perdidos cerca de 2,5 milhões de empregos com carteira de trabalho assinada.

Em suma, as condições do mercado de trabalho, que já eram péssimas após a crise econômica de 2015-2017, se agravaram ainda mais com a pandemia provocada pelo SARS-COV-2, especialmente nos empregos do ramo industrial. A perda de dinamismo desse setor provocou um deslocamento de um número expressivo de trabalhadores para setores de menor produtividade, especialmente do comércio e serviços, os quais atuam como válvula de escape diante da queda do emprego formal em setores tradicionais.

Todavia, com a paralisação de partes importantes das atividades, devido aos mecanismos de controle da pandemia, os problemas do mercado de trabalho do País se avolumaram ainda mais. Mesmo assim, o ideário econômico neoliberal continua apregoando a necessidade de um mercado “mais flexível”.

Nesse contexto, no aniversário de 200 anos da independência do Brasil temos pouco a comemorar. Com efeito, o modelo econômico adotado nas últimas três décadas abandonou o projeto “Varguista” de desenvolvimento econômico como instrumento para garantir a soberania e a independência de facto do Brasil. Os conselhos dados pelos economistas liberais não têm por objetivo tornar o Brasil uma nação rica e soberana; mas apenas reforçar os laços coloniais que o país voltou a ter a partir dos anos 1990 com as “reformas liberais” implementadas pelos governos Collor e FHC.

Desde 2016 as rédeas da política econômica no Brasil têm estado com os economistas liberais, os quais depois de um período de serviços prestados ao colonialismo, exercendo altos cargos na administração pública, são regiamente recompensados com postos de trabalho altamente remunerados no setor financeiro privado.

Ao fim e ao cabo, como o leitor deve ter percebido na frase que abre esse documento, Clausewitz estava certo: a maneira como pensamos é fundamental. A tragédia do Brasil é que nossa elite econômica e política não está interessada em defender a construção de uma nação rica e soberana, mas apenas em satisfazer seus desejos privados de acumulação de capital, por mecanismos primitivos de sobre-exploração da força de trabalho conjugados com a devastação ambiental, agora largamente promovida pelo governo Bolsonaro.

Infelizmente, muito pouco teremos a comemorar no dia 07 de setembro de 2022. Contudo, mantido o processo democrático, o Brasil continuará sendo o país do futuro.

* O artigo é resultado das discussões entre professores e pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior (públicas e privadas) e, em sua maioria, participantes do grupo de pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”, cadastrado no Diretório do Grupo de Pesquisas da UnB e sediado no Departamento de Economia da Universidade de Brasília. 

Crédito da foto da página inicial: William West/AFP

Referências

Oreiro, J.L. (2022). A “misallocation” ou alocação ineficiente de recursos explica o desenvolvimento desigual? Algumas considerações a partir da literatura de crescimento e desenvolvimento econômico. Brasília: Conselho Regional de Economia 11ª Região, Corecon/DF. Disponível em https://corecondf.org.br/a-misallocation-ou-alocacao-ineficiente-de-recursos-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/?doing_wp_cron=1652135251.9625520706176757812500

Oreiro, J.L; Paula, L.F. (2021). Macroeconomia da Estagnação Brasileira. Alta Books: Rio de Janeiro.

Reinert, E. (2016). Como os países ricos ficaram ricos …. e porque os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.

Rocca, C.A (2015). “Ajuste Fiscal e Recuperação do Investimento”. 14⸰ Seminário CEMEC de Mercado de Capitais. São Paulo.

Watanabe, P. (2022). “Amazônia tem recorde de desmate em abril, com mais de 1.000 km2 derrubados”. Folha de São Paulo, 06 de maio de 2022. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/05/amazonia-tem-recorde-de-desmate-em-abril-com-mais-1000-km2-derrubados.shtml?utm_source

[1] Importante observar que o orçamento do Sistema de Seguridade Social cobre as despesas e investimentos em saúde, assistência social e previdência social

Não aprenderam nada, não esqueceram nada: reflexões sobre o debate econômico do PT para as eleições de 2022

16 segunda-feira maio 2022

Posted by jlcoreiro in Como retomar o desenvolvimento econômico?, Conjuntura da economia brasileira, Debate macroeconômico, Desindustrialização, Estagflação Bozo-Guedes, Estagnação da economia brasileira, Estratégias de Desenvolvimento, Fracasso da agenda liberal, José Luis Oreiro

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A crise da economia brasileira, Debate Macroeconômico, desindustrialização, José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo

Todos os meus leitores sabem que meu voto no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022 será para Luis Inácio Lula da Silva. Isso porque as eleições de 2022 serão uma disputa entre a barbárie – representada pelo cidadão que ocupa atualmente o palácio do planalto – e o atual maior líder político do Brasil desde Getúlio Dornelles Vargas. As pesquisas de opinião mostram recorrentemente que não existe espaço para uma alegada “terceira via”, incluindo o representante legítimo do desenvolvimentismo Brasileiro, Ciro Gomes. Não é possível brigar com a realidade. Nossa escolha, gostemos ou não será entre Bolsonaro e Lula. Nessas condições meu voto será no representante da civilização em ambos os turnos da eleição presidencial.

Mas isso não impede que meu apoio a candidatura de Lula seja, por assim dizer, crítico. Votei em Lula nas eleições de 2002 acreditando que ele iria mudar o modelo macroeconômico adotado por Fernando Henrique Cardoso. Pura Ilusão. O primeiro mandato do Presidente Lula foi mais do mesmo da política macroeconômica de FHC II. Em 2006, contrariado com a ortodoxia do governo Lula, votei em Geraldo Alckmin no primeiro e no segundo turno das eleições. Perdi. Lula venceu no segundo turno e começou uma mudança tímida na orientação da política macroeconômica na direção daquilo que eu e outros economistas defendíamos no livro Agenda Brasil publicado em 2003 pela editora Manole em parceria com a Fundação Konrad Adenauer, vinculada ao partido democrata cristão da Alemanha. Face a crise financeira internacional de 2008, detonada pela falência do Banco de Investimento Lehman Brothers em 15/09/2008, o governo brasileiro adotou uma política fiscal e para-fiscal expansionista, ao mesmo tempo que o Banco Central do Brasil, presidido por Henrique Meirelles, fazia ouvidos moucos a crise e manteve até janeiro de 2009 a taxa básica de juros inalterada em mais de 14% a.a. Conversas de bastidores, das quais tomei parte ativa, assinalaram que Meirelles esteve a prestes de ser demitido da presidência do Banco Central pelo Presidente Lula, o qual recuou da decisão apenas depois do COPOM aceitar reduzir a taxa de juros básica em janeiro de 2009, quase 4 meses após a deflagração da crise financeira internacional.

A adoção de políticas monetária e fiscal expansionistas no bojo da crise internacional era a lição de livro texto de macroeconomia para o Brasil lidar com a crise de 2008. Nisso o governo Lula foi extraordinariamente bem sucedido: já no segundo semestre de 2009 a economia brasileira estava crescendo rapidamente e alcançaria a mais elevada taxa de crescimento, desde 1981, em 2010, com um ritmo Chinês de crescimento de quase 8% a.a. Parecia que o Brasil havia retomado a rota do desenvolvimento auto sustentado com equidade social.

As coisas começaram a dar errado a partir de 2011 com o primeiro mandato da Presidenta Dilma Rouseff. A taxa de crescimento do PIB se desacelerou drasticamente em 2011 na comparação com 2010. Alguns economistas atribuem esse fato ao “ajuste fiscal” feito no início do primeiro mandato da Presidenta Dilma, quando foi realizado um grande corte do investimento público. Sem dúvida que essa contração fiscal teve importância para a desaceleração do investimento, mas não foi fundamental. Desde meados dos anos 2000, a economia brasileira estava passando por um profundo processo de desindustrialização prematura, com uma queda acentuada da participação da indústria de transformação no PIB, conforme observamos na figura abaixo. Essa mudança estrutural negativa – resultada da sobrevalorização da taxa de câmbio e da ausência de políticas industriais bem formuladas que demandassem contrapartidas das empresas beneficiadas por tais políticas – resultou numa redução do crescimento potencial da economia brasileira e, dessa forma, pavimentou o caminho para a crise de acumulação de capital ocorrida em 2014 em função da queda da taxa de lucro do setor privado não financeiro, resultante do crescimento dos salários reais acima do ritmo de crescimento da produtividade. Confrontados com uma queda significativa da taxa de lucro sobre o capital próprio, os empresários do setor não-financeiro reagiram com uma “greve de investimentos”, colocando a economia brasileira em recessão no segundo semestre de 2014.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do Autor.

O segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff foi o maior estelionato da história recente do Brasil: A Presidenta reeleita prometendo impedir que o Banco Central tirasse comida do prato dos brasileiros, assistiu passivamente o Banco Central – na época sobre seu total controle – fazer uma brutal elevação da taxa de juros no meio de uma recessão. Não fosse isso bastante, o Ministro da Fazenda. Joaquim Levy, promoveu o maior corte de investimentos públicos dos últimos 30 anos, reduzindo o gasto de investimento do governo federal em cerca de 35%. Por fim, o governo federal liberou os reajustes dos preços administrados (energia e combustíveis), o que levou a inflação para a casa de mais de 10% a.a. e 2015. A combinação de recessão com inflação foi fatal para a popularidade do governo de Dilma Rouseff, o qual sofreu processo de impeachment em abril de 2016. O assim chamado “golpe parlamentar” permitiu o retorno dos economistas liberais ao poder com o projeto “ponte para o futuro” do Presidente Michel Temer, o qual foi um fracasso retumbante em termos de recuperação do crescimento perdido: entre 2017 e 2019 o Brasil cresceu apenas 1,55 a.a, quase 40% menos do que na média do período 1980-2014, cujo valor foi de 2,88% a.a.

O desastre econômico e político do governo Dilma Rouseff deveria ter levado o PT a uma auto crítica sobre o que deu errado em seus 13 anos de governo. Mas ao invés disso, o ex-mais-longevo ministro da fazenda, Guido Mantega, escreveu em 05 de janeiro de 2022 na Folha de São Paulo um artigo afirmando que as políticas econômicas adotadas durante a sua gestão a frente da pasta foram essencialmente corretas (https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4975451-artigo-de-guido-mantega-sobre-economia-repercute-entre-pre-candidatos.html). No seu artigo, Guido Mantega defende um suposto social-desenvolvimentismo, conceito desprovido de fundamentação teórica, pelos (sic) acertos na política econômica dos governos do PT.

Este escriba que vos fala foi um dos mais ardorosos críticos do Social-Desenvolvimentismo durante o governo Dilma Rouseff, posição que inclusive custou a indicação para a Presidência do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), cargo para o qual foi preterido pelo neoliberal Marcelo Neri da FGV-RJ (https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-mundo-imaginario-da-sucessao-do-Ipea/4/25108 e https://www.ihu.unisinos.br/noticias/510647-ministro-indica-marcelo-neri-para-ipea).

Acompanhando de longe a discussão interna ao PT sobre o modelo macroeconômico a ser adotado após a provável vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, minha sensação é de deja-vu. Ao que parece os economistas do PT, tal como os Bourbons espanhóis depois da restauração advinda com a derrota dos exércitos de Napoleão Bonaparte, “Não aprenderam nada, não esqueceram nada” e irão implementar as mesmas políticas econômicas que levaram ao declínio do PT entre 2010 e 2016. Ao invés de terem a coragem de adotar o novo-desenvolvimentismo – única alternativa ainda não testada entre o neoliberalismo de Temer e Bolsonaro e o social desenvolvimentismo fracassado dos governos de Dilma Rouseff – o PT, única alternativa real de derrotar o fascismo nas eleições de 2022, pretende cometer os mesmos velhos erros do passado. Se assim ocorrer, estaremos adiando por quatro anos o retorno triunfal do fascismo, talvez com outras roupagens.

Degradação ambiental: o lado esquecido da Doença Holandesa

08 domingo maio 2022

Posted by jlcoreiro in Degradação ambiental, Desindustrialização, doença holandesa, reprimarização da pauta de exportações

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Degradação ambiental, doença holandesa, novo-desenvolvimentismo, reprimarização da pauta de exportações

Uma das principais proposições do novo-desenvolvimentismo é que a existência de recursos naturais abundantes num determinado país gera uma estrutura produtiva desequilibrada, nos termos do economista Argentino Marcelo Diamand (1979), ou seja, uma estrutura produtiva na qual o custo unitário de produção de bens primários é não só inferior ao custo internacional de produção desses bens, como também menor do que o custo unitário de produção dos bens manufaturados. Dessa forma, o preço de oferta dos bens primários (aquele que embute a taxa normal de lucro na economia doméstica) deve ser menor do que o preço de oferta dos bens manufaturados, isto é, Pp < Pm (1). Em economias nas quais a estrutura produtiva é equilibrada, por seu turno, os custos unitários de produção de bens primários e dos bens manufaturados são aproximadamente iguais entre si, pois os níveis da produtividade do trabalho em ambos os setores de atividade econômica são similares. Nesse contexto, o preço de oferta dos bens primários produzidos em tais economias é aproximadamente igual ao preço de oferta dos bens manufaturados, ou seja, P*p = P*m. (2)

Os bens primários são, via de regra, bens homogêneos transacionados em mercados internacionais competitivos de forma que deve prevalecer a lei do preço único: o preço dos bens primários produzidos domesticamente deve ser igual ao preço em moeda doméstica dos bens primários produzidos no resto do mundo medido, ou seja: Pp = E.P*p (3).

Temos, então, as seguintes relações:

Pp < Pm (1)

P*p = P*m. (2)

Pp = E.P*p (3)

Substituindo (2) em (3) e a resultante em (1) temos que

Pm > E P*m (4)

Na expressão (4) observamos que ao nível de taxa de câmbio que equaliza os preços doméstico e internacional dos bens primários, o preço de oferta dos bens manufaturados domésticos será superior ao preço em moeda doméstica dos bens manufaturados produzidos no resto do mundo. Daqui se segue que enquanto os bens primários são competitivos nos mercados internacionais, os bens manufaturados não são. Para que os bens manufaturados pudessem ser competitivos nos mercados internacionais seria necessário que a taxa de câmbio fosse suficientemente alta (depreciada) para equalizar os preços doméstico e internacional dos bens manufaturados. A taxa de câmbio para a qual taxa equalização ocorre é a taxa de câmbio de equilíbrio industrial (Ei).

Temos então que: Ei = Pm/P*m.

Deve-se ressaltar que num regime de câmbio livremente flutuante não há nenhuma razão para se esperar que a taxa de câmbio assuma o valor requerido para tornar competitivas as exportações dos produtos manufaturados. A taxa de câmbio deverá flutuar em torno de um nível que equaliza os preços doméstico e internacional dos bens primários, a qual será um nível de taxa de câmbio sobrevalorizada do ponto de vista da produção e exportação da produtos manufaturados. Como resultado dessa sobrevalorização a participação dos produtos manufaturados na pauta de exportações irá se reduzir gradativamente, ao mesmo tempo em que a produção doméstica de produtos manufaturados será substituída por importações. A doença holandesa irá resultar, portanto, em reprimarização da pauta de exportações e desindustrialização prematura da economia doméstica.

Essa é a parte conhecida e amplamente difundida na literatura econômica e nos debates em torno da condução da política cambial em países como o Brasil. Mas essa é apenas a parte conhecida da doença holandesa. A parte desconhecida ou ignorada é o impacto da doença holandesa sobre o meio ambiente.

A produção de bens primários como, por exemplo, soja e carne é intensiva em terra, mas extremamente rentável no Brasil porque a terra é abundante. O contínuo aumento da produção e exportação de soja e carne exige uma ocupação cada vez maior de terras utilizadas para esse tipo de produção, levando assim a fronteira agrícola para os limites da floresta amazônica. Os produtores na fronteira agrícola não têm outra opção a não ser derrubar a floresta para ocupar novos espaços para a produção de soja e carne. Essa ocupação se dá, em geral, por intermédio de queimadas e desmatamento ilegal, o que tem um efeito claro e negativo sobre as emissões de CO2, contribuindo assim para o fenômeno das mudanças climáticas associadas ao aumento da temperatura média do planeta. Dessa forma, a doença holandesa resulta, de um lado, em reprimarização e desindustrialização prematura da economia brasileira e, de outro, em degradação ambiental, com efeitos de externalidade negativos sobre todo o planeta.

O que fazer para eliminar a doença holandesa? A solução simplista, que é aparentemente a única considerada pelos críticos do novo-desenvolvimentismo, seria a adoção de um regime de câmbio administrado no qual a autoridade monetária esteja disposta a utilizar os instrumentos necessários (redução da taxa de juros, introdução de controles a entrada de capitais, etc) para produzir uma desvalorização da taxa de câmbio até o nível compatível com o equilíbrio industrial. Mas a desvalorização cambial, por si mesma, não elimina o problema da doença holandesa, pois a rentabilidade da produção e exportação de bens primários será ainda maior a um nível da taxa de câmbio que torna a produção e exportação de bens manufaturados competitivas a nível internacional. O resultado de médio e longo-prazo dessa política será redirecionar o investimento doméstico da produção de bens manufaturados para a produção de bens primários, agravando os problemas de reprimarização da pauta de exportações e desindustrialização prematura, como também o processo de destruição da floresta amazônica.

Para que a doença holandesa seja eliminada é necessário, portanto, a introdução de um imposto de exportações de bens primários. Nesse caso, o preço de oferta doméstico de bens primários será dado por:

P´p = (1+t)Pp (5)

Nessas condições, a lei do preço único implica que:

P´p = (1+t)Pp= E. P*p (6)

A alíquota do imposto de exportação deve ser suficientemente alta para que: P´p > Pm. Nesse caso, a aplicação da lei do preço único fará com que Pm < E P*m, ou seja, a produção e exportação de produtos manufaturados será competitiva ao nível de taxa de câmbio que equaliza os preços doméstico e internacional dos produtos primários. Nessas condições a lucratividade do investimento industrial será, ao menos, equivalente a lucratividade do investimento na ampliação da produção e exportação de bens primários, reduzindo assim o incentivo econômico para a degradação ambiental.

Referências

Diamand, M. (1972). “La estructura productiva desequilibrada Argentina y el tipo de cambio”. Desarrollo Económico, 12(45), pp. 1-24.

Libertando os “economistas pop” das trevas da ignorância

02 segunda-feira maio 2022

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Debate Macroeconômico, economistas pop, José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo

Uma das obras de misericórdia segundo a Santa Igreja Católica Apostólica Romana é levar a luz do conhecimento aos que jazem na trevas da ignorância. Semana passada muitos amigos me enviaram posts do twitter – que se tornou nos tempos recentes a referência para o (sic) debate científico – de economistas pop (essa expressão não é minha, mas do prêmio Nobel de Economia Paul Krugman) – a qual designa economistas que não tem estofo acadêmico, mas que são venerados pelas massas que não dispõem de discernimento crítico para separar o joio do trigo – acusando o novo-desenvolvimentismo (doravante ND), escola de pensamento da qual eu me orgulho de ser um dos fundadores (Ver Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2015), de deliberadamente, por pura maldade, defender políticas que tem por objetivo empobrecer os trabalhadores. Essa afirmação é de uma brutal desonestidade intelectual somada a pura e simples ignorância de quem nunca se deu ao trabalho de ler, ao menos, o livro texto base do novo-desenvolvimentismo. Com efeito, Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi (2015, p. 14) afirmam que “Economic development is a process of capital accumulation with the incorporation ot technical progress, resulting in an increase in productivity, wages, and the population´s standar of living“. Afirmar que o ND defende o empobrecimento permanente da classe trabalhadora é uma fake news digna do Bolsonarismo.

Segundo os economistas pop os economistas do ND querem empobrecer os trabalhadores porque defendem uma desvalorização do câmbio a qual, se bem sucedida, e supondo a taxa de mark-up constante (ressalva que eles nunca se lembram de fazer), irá resultar numa inequívoca redução do salário real [ uma desvalorização do câmbio pode ser feita sem redução do salário real se os empresários estiverem dispostos a reduzir a taxa de mark-up. A esse respeito ver Oreiro, 2018, capítulo 8] Como algum filósofo já disse uma vez, toda mentira bem contada tem sempre uma aparência de verdade. De fato, os economistas ND nunca esconderam do público de que a eliminação da sobrevalorização cambial, cujos efeitos são nocivos sobre a estrutura de produção e emprego de uma economia de renda média, como é o caso do Brasil, no médio e longo-prazo, implica numa redução temporária do salário real. Eu mesmo afirmei isso com todas as letras no post https://jlcoreiro.wordpress.com/2017/04/07/sobre-a-relacao-entre-cambio-real-e-salarios/. O que os economistas pop se (sic) “esquecem” de perguntar é sobre (i) as causas da sobrevalorização cambial e (ii) o que irá ocorrer com os salários e os empregos dos trabalhadores se a sobrevalorização cambial for mantida indefinidamente. Como diria o velho Nelson Rodrigues, o diabo está nos detalhes. E são os detalhes que os economistas pop por pura desonestidade intelectual ou por pura ignorância ou por uma combinação convexa entre as duas opções anteriores não mencionam em suas narrativas rasas em postagens no twitter.

Vamos começar do princípio. O que é sobrevalorização cambial para o ND? Trata-se de uma situação na qual a taxa real de câmbio se encontra abaixo (apreciada) com relação ao nível de equilíbrio industrial. Na definição de Oreiro (2020), a taxa de câmbio de equilíbrio industrial é aquele nível da taxa real de câmbio que faz com que a participação da indústria de transformação no PIB permaneça constante ao longo do tempo, ou seja, aquela que impede a desindustrialização prematura da economia, tal como tem ocorrido no Brasil desde 2005 (Ver Figura abaixo).

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

A sobrevalorização cambial DESTROI os empregos de boa qualidade e de altos salários, obrigando a força de trabalho a buscar alternativas de emprego no setor de serviços de baixa produtividade e/ou no setor de subsistência urbano, processo que no Brasil ficou conhecido como “uberização” da economia. Trata-se de uma doença que destrói o tecido econômico do país, condenando milhões de trabalhadores a uma existência material primitiva ou tornando-os dependentes eternamente de programas de assistência social para poder escapar da miséria absoluta. Isso não é desenvolvimento econômico. Como salientado por Reinert (2016), trata-se de puro e simples neo-colonialismo assistencialista.

A sobrevalorização cambial tem duas fontes. A primeira é a Doença Holandesa ou Estrutura Produtiva Desequilibrada nos termos do economista Argentino Marcelo Diamand (1972). Em economias ricas em recursos naturais, como é o caso do Brasil, a produção de bens primários é realizada a custos unitários de produção mais baixos do que a produção de bens manufaturados. Isso se deve, por um lado, a disponibilidade de insumos para as atividades primárias a custos mais baixos do que os prevalecentes em outros países menos afortunados em termos de recursos naturais e, por outro, ao estágio de desenvolvimento ainda incompleto das indústrias manufatureiras nesses países. Dessa forma, se prevalecer uma única taxa de câmbio para os produtos primários e para os produtos manufaturados, a taxa de lucro obtida pelos produtores de bens primários será muito maior do que a obtida pelos produtores de bens manufaturados. Isso, por si só, já levaria a uma migração dos capitais e demais recursos produtivos da indústria de transformação para a produção de bens primários, resultando em desindustrialização prematura (É por isso que os economistas do ND defendem a implementação de um imposto de exportação sobre produtos primários para a redução dos lucros extranormais obtidos nas atividades de produção e exportação de bens primários). Mas no estágio atual de financeirização das relações econômicas, as taxas de câmbio são muito influenciadas pelas convenções dos agentes do mercado financeiro sobre os determinantes do “valor” das moedas. A convenção prevalecente atualmente é que as moedas dos países exportadores de commodities – ou seja a sua taxa de câmbio – depende dos preços das commodities que eles exportam. Dessa forma, períodos de boom de commodities como o que o Brasil experimentou entre 2005 e 2013 (Oreiro e D´Agostini 2017) geram um aumento do valor da moeda atrelada ao valor das commodities exportadas, ou seja, uma valorização da taxa de câmbio. Essa apreciação cambial, resultado da operação livre das forças de mercado, tem uma externalidade negativa sobre a indústria de transformação, fazendo com que a mesma tenha uma redução na sua competitividade-preço e, dessa forma, veja encolher o seu market-share tanto nas exportações mundiais de manufaturados como também, pasmem, na participação das vendas para o mercado interno!

A segunda fonte da sobrevalorização cambial é a adoção do modelo de crescimento com poupança externa inspirado nos princípios do Consenso de Washington. De acordo com o referido conselho, os países da América Latina precisam atrair “poupança externa” para financiar o seu desenvolvimento, o que significa necessariamente incorrer em déficits em conta corrente do balanço de pagamentos. Em outras palavras, o Consenso de Washington defende que os países da América Latina mantenham a absorção doméstica acima da produção interna de bens e serviços, financiando esse hiato com empréstimos e capitais externos. Na visão do consenso de Washington, a poupança é que determina o investimento e, além disso, a poupança externa e a poupança doméstica são complementares ao invés de substitutas. Para atrair “poupança externa” é, contudo, necessário manter a taxa de juros doméstica acima do nível internacional (ajustado pelo prêmio de risco país) para gerar um ganho de arbitragem suficientemente alto para os rentistas, ops, quero dizer, investidores internacionais aplicarem seus capitais benevolentemente no desenvolvimento dos países latino-americanos.

A fórmula do Consenso de Washington, que pelo visto é ardorosamente defendida pelos economistas pop, é elevar a taxa doméstica da juros para gerar uma taxa de câmbio apreciada e, dessa forma, captar a poupança externa necessária ao desenvolvimento dos países da América Latina. Mas não só isso. A sobrevalorização cambial, quero dizer, a apreciação cambial produziria como efeito colateral o aumento dos salários reais dos trabalhadores. Temos assim a fórmula para o paraíso na terra: os leões (os rentistas) poderiam conviver em paz e harmonia com os cordeiros (os trabalhadores). Isso sem que seja necessária uma revolução socialista (segundo a visão Marxista) ou a segunda vinda de Jesus Cristo a Terra (segundo a visão Cristã).

Cristãos e Marxistas, até o presente momento, não foram capazes de produzir o paraíso na Terra: os primeiros porque Jesus Cristo ainda não voltou; e os segundos porque seu experimento de economias centralmente planificadas fracassou rotundamente em 1989 com a queda do muro de Berlim e o fim da URSS. Será que a proposta dos economistas pop, baseada no Consenso de Washington, poderia ter uma sorte melhor?

A história do Brasil e da América Latina nos últimos 40 anos diz um inequívoco não a essa pergunta. Desde a implantação do Plano Real em 1994 pelo então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, o Brasil tem convivido com longos períodos de taxa de câmbio sobrevalorizada e taxa de juros acima do patamar internacional, pontuados por breves momentos de câmbio competitivo (1999-2004) e juros baixos (2019-2020). O resultado tem sido desindustrialização prematura, redução da participação do emprego industrial no emprego total, aumento da informalidade e crises cambiais (1995, 1998, 2002, 2015 e 2020).

É importante ressaltar que é impossível manter inalterado o nível de salário real se a taxa de câmbio estiver sobrevalorizada: a desindustrialização prematura e/ou a ocorrência de uma crise cambial irá mudar a composição do emprego na direção de empregos com salários mais baixos (efeito composição) e/ou produzir uma rápida e súbita desvalorização cambial (como as ocorridas em 1999, 2002, 2015 e 2020) a qual irá resultar em aceleração da inflação e, por conseguinte, redução do salário real.

Manter a taxa de câmbio num patamar competitivo é condição necessária, mas não suficiente para a reindustrialização e a retomada do crescimento econômico. O efeito de histerese sobre o investimento privado de anos de recessão na economia brasileira levou a um aumento do hiato tecnológico da economia brasileira, aumentando o valor da taxa de câmbio de equilíbrio industrial a tal ponto que a correção da sobrevalorização cambial unicamente por intermédio da desvalorização da taxa de câmbio pode ser politica e economicamente inviável (Oreiro, D´Agostini e Gala, 2020). Em conjunto com uma política cambial esclarecida o Brasil precisa de uma política industrial e de ciência e tecnologia que reduza o tamanho do hiato tecnológico, isto é, que seja capaz de aumentar a competitividade extra preço da indústria brasileira de transformação, algo que as sucessivas políticas industriais adotadas durante os governos do PT (2003-2016) não foram capazes de fazer pelas mais diversas razões. A combinação de câmbio competitivo e de políticas industriais e de ciência e tecnologia bem formuladas serão capazes de no prazo de alguns anos – prazo dilatado em função da destruição feita pelo governo Bolsonaro – induzir a uma transformação estrutural na economia brasileira, aumento assim não apenas a quantidade mas também a qualidade dos empregos gerados com a retomada do crescimento econômico. Essa é a única forma de se produzir um aumento sustentável dos salários reais. Todo o resto não passa de pura e simples demagogia.

Em tempo, nós economistas ND não desejamos apenas paz para os trabalhadores, desejamos principalmemente que eles prosperem em empregos de boa qualidade e não dependam do assistencialismo neo-colonialista defendido pelos economistas pop que desconsideram o fato elementar de que o trabalho é a fonte primária de dignidade do ser humano.

Em suma, os economistas pop construíram em suas (sic) publicações no Twitter um espantalho do ND, que não corresponde nem as ideias dos economistas dessa escola de pensamento, muito menos as suas origens sociais. No meu caso em particular, sou filho de camponeses pobres e semianalfabetos emigrados da Europa em meados dos anos 1950, e tenho muito orgulho disso. Não tenho nenhuma razão para defender os interesses dos capitalistas, muito menos dos rentistas. Não faltaram ocasiões em que tentaram me aliciar. Mas eu continuo onde sempre estive, coerente com minhas ideais, embora isso já tenha me custado, mais de uma vez, cargos no governo. E para quem interessar possa, estou muito velho para mudar de atitude a respeito de “cargos e comissões”. Se essas ideias são corretas e apropriadas para o Brasil ou não, o julgamento cabe a Deus e a História.

Referências

Bresser-Pereira, L.C; Oreiro, J.L; Marconi, N. (2015). Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a growth strategy. Routledge: Londres.

Diamand, M. (1972). “La estructura productiva desequilibrada Argentina y el tipo de cambio”. Desarrollo Económico 12(45), pp. 1-24.

Oreiro, J.L. (2020). New Developmentalism: beyond competitive exchange rate. Brazilian Journal of Political Economy, 40(2), pp. 238-242. https://doi.org/10.1590/0101-31572020-3138

Oreiro, J.L. (2018). Macrodinâmica Pós-Keynesiana: Crescimento e Distribuição de Renda. Alta Books: Rio de Janeiro.

Oreiro J.L., D’Agostini L.L. and Gala P. (2020). “Deindustrialization, economic complexity and exchange rate overvaluation: the case of Brazil (1998-2017)”, PSL Quarterly Review, 73 (295), pp. 313- 341. https://doi.org/10.13133/2037-3643_73.295_3

Oreiro, J.L and D’Agostini, L. (2017). “Macroeconomic policy regimes, real exchange rate over-valuation and performance of Brazilian economy (2003-2015)”. Journal of Post Keynesian Economics 40, pp. 27-42. https://doi.org/10.1080/01603477.2016.1273070

Reinert, E. (2016). Como os países ricos ficaram ricos … e porque os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.

As diferenças na dotação de fatores de produção pode explicar as diferenças observadas na complexidade econômica entre os países?

17 domingo abr 2022

Posted by jlcoreiro in Complexidade econômica, Debate macroeconômico, Desenvolvimento comparado, Desenvolvimento Desigual, Desenvolvimento econômico, Estagnação da economia brasileira, Estratégias de Desenvolvimento

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Brasil, Complexidade econômica, Coréia do Sul, Debate Macroeconômico, Desenvolvimento Desigual, novo-desenvolvimentismo, Semi-estagnação da economia brasileira

Nas últimas semanas tenho escrito neste espaço e no blog do Corecon-DF (https://corecondf.org.br/a-misallocation-ou-alocacao-ineficiente-de-recursos-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/?doing_wp_cron=1650208246.2216649055480957031250 e https://corecondf.org.br/diferencas-na-taxa-de-poupanca-e-no-capital-humano-explicam-por-que-os-paises-ricos-sao-ricos-e-os-paises-pobres-continuam-pobres/?doing_wp_cron=1650208276.2210750579833984375000) artigos nos quais argumento que a assim chamada “teoria convencional” (leia-se teoria neoclássica) tem uma enorme dificuldade para explicar a magnitude das diferenças internacionais dos níveis de renda per-capita. A teoria convencional procura explicar essas diferenças a partir de dois elementos distintos.

O primeiro seria aquilo que um economista liberal brasileiro denominou recentemente de “produtividade intrínseca da economia”, mas que na academia é denominada de “produtividade total dos fatores de produção” (PTF). Esse conceito, criado originalmente por Solow (1957), nada mais é do que a parcela do crescimento econômico que não pode ser explicada pela expansão dos fatores de produção, a saber: capital e trabalho. Em outras palavras, a PTF é simplesmente um resíduo que a teoria convencional não é capaz de explicar, sendo portanto “a medida da nossa ignorância” nas palavras de M. Abramovitz (1956) [ver https://blogdoibre.fgv.br/posts/ptf-ou-medida-da-nossa-ignorancia-faz-60-anos%5D.

Como explicação para os diferenciais internacionais nos níveis de renda per-capita a PTF, contudo, enfrenta várias dificuldades (Ver Oreiro, 2016, cap. 2). Em primeiro lugar, o modelo de crescimento padrão da teoria neoclássica – o modelo de Solow (1956) – assume a existência de retornos constantes de escala e concorrência perfeita nos mercados de fatores de produção, o que faz com que [devido ao Teorema de Euller-Wicksteeed] toda a produção seja gasta na remuneração dos fatores de produção de acordo com suas respectivas produtividades marginais, de forma que não sobra nada da renda nacional para remunerar os esforços de Pesquisa e Desenvolvimento de novas tecnologias. Nesse contexto, a tecnologia tem que ser obrigatoriamente tratada como um bem público, estando disponível para todos os países e todas as empresas. Sendo assim, se a dita “produtividade intrínseca da economia” for uma próxi para o progresso tecnológico, como faz Solow (1957); então, dada a inexistência de barreiras a difusão internacional de conhecimento técnico e científico implícita na hipótese de bem livre, todos os países do mundo deveriam ter a mesma PTF e , portanto, níveis similares de renda per-capita.

Mais recentemente, a teoria convencional tentou reabilitar o uso da PTF para explicar as divergências internacionais nos níveis de renda per-capita argumentando que a má-alocação dos fatores de produção – definida como uma situação na qual as produtividades marginais dos fatores de produção são diferentes entre empresas e setores de atividade – seria a causa das diferenças observadas nos níveis de renda per-capita. Essa má-alocação, por sua vez, seria o resultado da intervenção do governo na economia por intermédio seja de impostos e subsídios para setores específicos, seja pelas políticas de crédito direcionado e juros subsidiados para certas empresas e setores de atividade econômica ou ainda pela diferenças na regulamentação. Conforme argumentei anteriormente (https://corecondf.org.br/a-misallocation-ou-alocacao-ineficiente-de-recursos-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/?doing_wp_cron=1650209850.0281140804290771484375) a hipótese da má-alocação de recursos tão pouco consegue dar uma explicação satisfatória para o problema que estamos discutindo. Isso porque, por um lado, é impossível atribuir a uma causa específica as diferenças observadas entre as produtividades marginais dos fatores de produção, sendo assim uma observação empírica desprovida de teoria; por outro lado, também não é possível mensurar os efeitos que as supostas causas da má alocação teriam sobre a eficiência na alocação dos fatores, ou seja, temos uma teoria sem comprovação empírica.

Uma vez descartada a PTF como explicação para as diferenças internacionais dos níveis de renda per-capita resta para a teoria tradicional apelar para as diferenças na dotação dos fatores de produção, mais especificamente nas diferenças na quantidade de capital físico por trabalhador e na quantidade de capital humano por trabalhador. As diferenças existentes na estrutura de produção e emprego de uma economia – o seu grau de sofisticação produtiva ou complexidade econômica – é um simples reflexo das diferenças observadas na dotação de fatores de produção, não exercendo assim nenhum papel autônomo na explicação das diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Em outros termos, se acrescentarmos o nível de complexidade econômica (ou alguma próxi para essa variável como, por exemplo, a participação da indústria de transformação no PIB) numa regressão de painel de dados na qual a renda per-capita seja a variável dependente, então o coeficiente da variável complexidade econômica (ou seu equivalente) deverá ser, segundo a interpretação dos economistas liberais, ou próximo a zero ou estatisticamente não-significativo ou uma combinação linear de ambos os casos, desde que estejam presentes na regressão como variáveis explicativas as próxis para a dotação de fatores de produção.

Essa assertiva, contudo, não tem nenhum embasamento empírico, sendo mais um “ato de fé” dos economistas liberais. Com efeito Gabriel et al (2020), no artigo intitulado “Manufacturing, economic growth, and real exchange rate: Empirical evidence in panel data and input-output multipliers”, publicado na Paolo Sylos-Labini Quarterly Review (https://macroeconomia-strapi.s3.sa-east-1.amazonaws.com/PSL_2020_149b2f7e12.pdf), realizam uma regressão com dados em painel para 84 países no período 1990-2011. A equação estimada é apresentada abaixo:

Onde a variável dependente é a renda per-capita do país i no tempo t (medida em PPC), e as variáveis explicativas são, respectivamente, a renda per-capita do país i no período anterior, o desalinhamento cambial do país i no período t, o desalinhamento cambial do país i no período t-1, o hiato tecnológico do país i no período t (definido como a razão entre o produto per-capita dos Estados Unidos e o PIB per-capita do país i), a participação da indústria de transformação no PIB do país i no período t, a participação do setor primário no PIB do país i no período t, a participação do setor de serviços no PIB do país no período t e um vetor Z de outras variáveis explicativas – entre as quais inflação, capital humano, gastos governamentais, termos de troca e investimento agregado (que é, por definição, igual a poupança total do país) – para o país i no tempo t.

A tabela 1 abaixo mostra a descrição das variáveis usadas e suas fontes de dados:

Fonte: Gabriel el al (2020, p. 61)

Os resultados da regressão em painel de dados podem ser vistos na tabela 2 abaixo.

Fonte: Gabriel el al (2020, p. 63)

Conforme podemos observar na tabela 2 acima a participação da indústria de transformação no PIB tem um impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o nível de renda per-capita dos países da amostra, principalmente para os países com nível intermediário de hiato tecnológico como é o caso do Brasil, mesmo controlando-se para os efeitos do capital físico (investimento total) e do capital humano. Já a participação do setor primário no PIB dos países da amostra tem um sinal negativo para todos os países da amostra, independentemente no nível do hiato tecnológico, sinal claro da validade da doença holandesa e/ou da maldição dos recursos naturais. Daqui se segue que a estrutura produtiva tem um impacto autônomo sobre o nível de renda per-capita dos países, ou seja, a dotação de fatores não é a explicação única ou fundamental para as diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Ao acrescentar a variável complexidade econômica na regressão para todos os países em desenvolvimento, observa-se uma redução do coeficiente da participação da indústria de transformação no PIB, indicando assim que o efeito positivo da indústria de transformação sobre o nível de renda per-capita dá-se fundamentalmente pela sofisticação e/ou complexidade das atividades manufatureiras na comparação com as demais atividades produtivas.

Os economistas liberais argumentam que as vantagens comparativas dos países decorrem da sua dotação de fatores de produção. Se fosse assim, a economia da Coréia do Sul deveria ter se especializado na produção de produtos agrícolas, dado que o estoque de capital per-capita era extremamente baixo (muito mais baixo do que no Brasil) nos anos 1950. Mas ao invés de seguir as doutrinas ensinadas pelos economistas liberais a Coréia do Sul, tal como o Brasil, preferiu adotar as políticas que os países da Europa Ocidental e os EUA adotaram para se tornarem países ricos, ou seja, políticas que incentivaram a industrialização e sofisticação da estrutura produtiva e, portanto, a construção de vantagens competitivas dinâmicas[ sobre esse tema ver Reinert, 2016]. O termo fator de produção é, por sua vez, uma construção teórica enganosa, pois dá a entender a existência de uma relação de causalidade unidirecional da dotação de fatores para o nível de produção de um país, esquecendo-se do fato de que o capital nada mais é do que um conjunto de bens que são produzidos dentro do sistema e, portanto, existe uma relação de causalidade bidirecional. Além disso, o termo fator de produção desvia a atenção dos economistas para a questão da alocação estática de recursos ao invés da questão dinâmica do ritmo de criação de recursos. Nas palavras de Setterfield

“The use of produced means of production implies that the ‘scarcity of resources’ in processing activities cannot be thought of as being independent of the level of activity in the economy. What is chiefly important in processing activities is the dynamic propensity of the economy to create resources (that is,
to deepen and/or widen its stock of capital) rather than the static problem of resource allocation” (Setterfield, 1997, p. 50).

Em suma, a teoria neoclássica não consegue fornecer uma explicação satisfatória para explicar a magnitude das diferenças internacionais de renda per-capita entre os países. Dessa forma, ela tão pouco pode ser usada como base para a formulação de estratégias para a retomada do desenvolvimento econômico no Brasil.

Referências

Gabriel, L.F; Riberiro, L.S; Jayme Jr, F.G; Oreiro, J.l (2020). “Manufacturing, economic growth, and real exchange rate: Empirical evidence in panel data and input-output multipliers” PSL querterly Review, Vol. 72, n.292.

Oreiro, J.L. (2016). Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana. LTC: Rio de Janeiro.

Reinert, E. (2016). Como os países ricos ficaram ricos … e por que os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.

Setterfield, M. (1997). Rapid Growth and Relative Decline. Macmillan Press: Londres.

Solow, R. (1956). “A Contribution to the Theory of Economic Growth”. The Quarterly
Journal of Economics, Vol. 70, N.1.

Solow, R. (1957). “Technical Change and the Aggregate Production function”. The Review of Economics and Statistics, Vol. 39

Diferenças na taxa de poupança e no capital humano explicam por que os países ricos são ricos e os países pobres continuam pobres?

11 segunda-feira abr 2022

Posted by jlcoreiro in Desenvolvimento comparado, Desenvolvimento Desigual, Estratégias de Desenvolvimento, Instituições e desenvolvimento econômico, novo-desenvolvimentismo

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É frequente ler-se em artigos de opinião na grande mídia que as diferenças de renda per-capita entre os países ricos e os países pobres se devem aos seguintes conjuntos de causas primárias ou imediatas, a saber: (i) diferenças entre as taxas de poupança; (ii) diferenças no estoque de capital humano e (iii) diferenças na eficiência com a qual os fatores de produção são empregados. As diferenças entre as causas imediatas são, por sua vez, explicadas por diferenças nas causas profundas [sobre os conceitos de causas imediatas e causas profundas do crescimento econômico ver Madisson, 1988], em geral identificadas com as instituições existentes nos países ricos (instituições inclusivas) e nos países pobres (instituições extrativistas), para usar a terminologia empregada por Acemoglu e Robinson (2012).

Sobre as diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita poderem ser explicadas a partir da má-alocação dos fatores de produção, já argumentamos neste espaço que se trata de uma teoria sem fundamentação empírica ou um conjunto de observações sem teoria capaz de lhes dar suporte (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/03/10/a-misallocation-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/).

E o que podemos dizer sobre as diferenças entre as taxas de poupança e o estoque de capital humano? Será que as diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita podem ser explicadas pelas diferenças observadas nessas variáveis?

Antes de responder a essa pergunta temos que ter clareza da ordem de magnitude das diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Ros (2013) a partir de uma amostra de 87 países, construída a partir de dados da Penn World Tables (PWT ou Henson Data Set) e World Development Indicators (WDI), agrupou os países da amostra em cinco categorias com base no nível de renda per-capita: países de renda alta, países de renda média alta, países de renda média, países de renda média baixa e países de renda baixa. Os valores para a renda per-capita são de 2008 medidos em termos da Paridade do Poder de Compra (dólares de 2005). A estratificação feita por Ros encontra-se listada abaixo.

  • Grupo 1 Países de Renda Alta (PIB per-capita médio US$ 75.179): Noruega, Singapura, Estados Unidos, Bélgica, Países Baixos, Austrália, Áustria, Irlanda, Hong Kong, Suécia, Reino Unido, França, Itália, Finlândia, Canadá, Dinamarca, Suiça.
  • Grupo 2 Países de Renda Média-Alta (PIB per-capita médio: US$ 38.104): Japão, Grécia, Israel, Espanha, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Portugal, Turquia, Mexico, Irã, Chile, Malásia, Argentina, Costa Rica, Uruguai, República Dominicana, Botswana.
  • Grupo 3 Países de Renda Média (PIB per-capita médio : US$ 17.003) Panamá, Venezuela, Mauritânia, África do Sul, Jamaica, Colômbia, Brasil, Tunísia, El Salvador, Peru, Egito, Equador, Jordânia, Namíbia, Tailândia, Síria.
  • Grupo 4 Países de Renda Média-Baixa (PIB per-capita médio US$ 6.433): China, Honduras, Marrocos, Paraguai, Bolívia, Índia, Indonésia, Filipinas, Paquistão, Nigéria, Nicarágua, Zâmbia, Camarões, Congo, Mauritânia, Senegal, Mali, Costa do Marfim.
  • Grupo 5 Países de Renda Baixa (PIB per-capita médio US$ 2.042): Gâmbia, Lesoto, Bangladesh, Gana, Benin, Quênia, Nepal, Tanzânia, Serra Leoa, Ruanda, Burquina Faso, Guiné, Madagascar, Moçambique, Malaia, Etiópia, Burundi, Zimbábue.

A partir da classificação acima podemos verificar, por exemplo, que a Coréia do Sul é um país de renda média alta ao passo que o Brasil é um país de renda média. Podemos verificar também que a diferença entre os países do grupo 1 e dos do grupo 5 é igual a 36.81; ou seja a renda per-capita dos países de renda alta é 36,81 vezes mais alta do que a renda per-capita dos países pobres. A diferença observada entre os países do grupo 2 (onde está a Coréia do Sul) e os países do grupo 3 (onde está o Brasil) é de 2.24 vezes.

Quais fatores podem explicar as magnitudes observadas na diferenças internacionais da renda per-capita? A teoria econômica dominante, ensinada nos centros de pós-graduação em economia nos Estados Unidos e em alguns centros de pós-graduação no Brasil, baseia-se no modelo de crescimento de Solow (1956) – construído sob as hipóteses de retornos constantes de escala e concorrência perfeita nos mercados de fatores, hipóteses que demandam que a tecnologia seja obrigatoriamente tratada como um bem público estando livremente disponível para todas as empresas de todos os países – expandido para incluir o capital humano como um fator de produção [ver Mankiw, Romer e Weill, 1992] explica as diferenças observadas nos níveis de renda per-capita como o resultado das diferenças entre os determinantes da renda per-capita de steady-state (y*), a saber: taxa de poupança (s), taxa de crescimento da população (n), taxa de depreciação do estoque de capital (delta), taxa de crescimento da produtividade total dos fatores de produção (ga) e o “investimento” em capital humano (h til). Mankiw, Romer e Weil (1992) consideram o % a população em idade de trabalho que está na escola secundária como uma próxi para o investimento em educação; ao passo que Ros (2013) considera o número de anos de escolaridade da população com mais de 25 anos.

O modelo usado por Ros (2013) para seus exercícios empíricos baseia-se na seguinte equação:

A partir da equação (12) [ cuja derivação pode ser obtida em (http://joseluisoreiro.com.br/site/link/39dc38179f2ef0606f8a0b4ff8b3e891e21ab6a7.pdf ) chega-se a seguinte tabela:
Conforme a tabela 4 acima, extraída de Ros (2013, p.87), mostra; o modelo neoclássico padrão ampliado para incluir o capital humano como um fator de produção prevê uma diferença de renda per-capita entre os países do grupo 1 e 5 da ordem de apenas 5.84; valor muito menor ao observado na amostra que é igual a 36,81. Um resultado um pouco melhor é obtido para as diferenças previstas entre os países dos grupos 2 e 3. Para esses grupos de países o modelo neoclássico padrão prevê uma diferença de 1,20 vezes, contra 2,24 vezes que se observa a partir da base de dados; ou seja, o modelo explica apenas 53,57% das diferenças de renda per-capita entre os países de renda média alta e renda média.

Em suma, diferenças na taxa de poupança/investimento e no estoque de capital humano explicam apenas em parte (pouco mais de 50%) das diferenças entre os níveis de renda per-capita entre os países de renda média alta, como a Coréia do Sul, e os países de renda média, como o Brasil. Os restantes 50% devem ser explicados por fatores de natureza estrutural como, por exemplo, a composição setorial da produção e do emprego entre esses grupos de países. Nos casos da Coréia e do Brasil certamente que a maior participação da indústria de transformação no PIB e no emprego na Coréia do Sul relativamente ao Brasil é um fator fundamental para explicar as diferenças observadas nos seus níveis de renda per-capita. Os interessados em se aprofundar no papel da industrialização na construção dos níveis elevados de desigualdade da distribuição de renda entre os países podem consultar Reinert (2016).

Referência

Acemoglu, D; Robinson, J. (2012). Por que as Nações Fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Campus: Rio de Janeiro.

Maddison, A. (1988). “Ultimate and Proximate Growth Causality: a critique to Mancur Olson on the Rise and Decline of Nations”. Scandinavian Economic History Review, N.2.

Mankiw, N.G.; Romer, D; Weil, D. (1992). “A Contribution to the Empirics of Economic Growth”. The Quarterly Journal of Economics, Vol. 107, N.2.

Reinert, E. (2016). Como os países ricos ficaram ricos … e por que os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.

Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, growth, and institutions. Oxford University Press, New York., Chapter 1. 469p.

Solow, R. (1956). “A Contribution to the Theory of Economic Growth”. The Quarterly
Journal of Economics, Vol. 70, N.1.

Brasil 2022: A Crônica da Servidão Consentida

04 segunda-feira abr 2022

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200 anos de independência, Modelo neo-colonialista, novo-desenvolvimentismo

No início de 2006 eu escrevi um artigo com o então Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), Rodrigo rocha Loures (pai), e Carlos Artur Krueger Passos, então consultor da FIEP e professor da UFPR intitulado “Desindustrialização: a crônica da servidão consentida” (https://revistas.ufpr.br/ret/article/view/28936/18905) , o qual foi publicado no Vol. 04 do Boletim Economia & Tecnologia do Centro de Pesquisas Econômicas do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná, do qual eu era o Diretor-Presidente. O artigo começava com uma citação do teórico militar alemão Clausewitz : “Não é no que pensamos, mas no como pensamos, que reside nossa contribuição a teoria”. Nesse artigo alertamos o então governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva que o Brasil se encontrava num grave processo de desindustrialização, o qual acabaria por levar o país a estagnação econômica e ao retorno a condição de “colônia informal” dos países desenvolvidos. Nossa intenção nunca foi partidária: queríamos que o governo brasileiro da época fizesse uma mudança de rumo na sua política econômica, principalmente na política macroeconômica que aprisionava o país numa armadilha de juros altos e câmbio sobrevalorizado que estava matando o setor mais dinâmico da economia brasileira e fazendo com que o Brasil retornasse a condição de “fazendão” que prevalecia até a Revolução de 1930 liderada pelo maior presidente da história do país, Getúlio Dornelles Vargas. Infelizmente nossas considerações caíram em ouvidos moucos. A participação da indústria de transformação no PIB no Brasil, segundo dados do IPEADATA, de 17,35% do PIB em 2005 para 11,33% do PIB em 2021, uma queda de 6 p.p do PIB num período de 16 anos.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Essa profunda mudança estrutural negativa, a qual os economistas novo-desenvolvimentistas denominam de “regressão produtiva”, esteve associada com uma inequívoca redução do crescimento potencial da economia brasileira. Conforme podemos verificar na figura 2 abaixo, a média móvel de 10 anos da taxa de crescimento da economia brasileira após alcançar um pico de 4,03% em 2013, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rouseff, começou a apresentar um declínio acentuado atingindo a marca ridícula de 0,36% no terceiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro.

Fonte: Ipeadata. Elaboração do autor.

Para os economistas liberais como Marcos Lisboa, Samuel Pessoa, Marcos Mendes, Ana Paula Vescovi, José Márcio Camargo et caterva os dois fatos são (sic) não correlacionados. Esse grupo de economistas – que assessorou o governo do Presidente Michel Temer e, indiretamente, o governo de Jair Bolsonaro, devido ao acesso que tais economistas tem a grande mídia – o problema da estagnação da economia brasileira dos últimos 10 anos se deve a uma alegada “nova matriz macroeconômica” – expressão infeliz criada pelo secretário de política econômica do primeiro governo Dilma Roussef, Márcio Holland – que produziu (sic) um “excesso de intervenção do governo na economia” levando a uma má-alocação de fatores de produção, o que seria a causa causans do baixo crescimento recente. A hipótese de má-alocação de recursos é, contudo, uma teoria desprovida de evidência empírica ou uma evidência empírica desprovida de teoria conforme argumentei recentemente neste espaço (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/03/10/a-misallocation-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/). Esse grupo de economistas vem advogando desde 2016 a adoção de uma agenda de reformas econômicas como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o teto de gastos, a qual supostamente devolveria o dinamismo da economia brasileira, fazendo com que o “PIB privado” liderasse o crescimento econômico ao invés do “PIB do governo” como fora realizado durante as administrações petistas. Passados seis anos da adoção do novo modelo de crescimento para a economia brasileira, os resultados foram decepcionantes para dizer o mínimo. Enquanto a média de crescimento do PIB Brasileiro foi de 2,64% a.a entre 1980 e 2014, o crescimento médio no período 2017-2019 (período no qual a política econômica do Brasil foi conduzida totalmente pelos economistas liberais) foi de apenas 1,44% a.a, valor que corresponde a apenas 54,6% do crescimento do período 1980-2014. Os dados não permitem chegar a outra conclusão: o experimento liberal no Brasil foi um fracasso retumbante.

Confrontados com a realidade inescapável do seu fracasso, os economistas liberais reagem afirmando que o Brasil ainda não adotou todas as reformas que precisa. Além das reformas já realizadas é necessário um choque de privatização, com a venda do que resta das empresas estatais brasileiras, Petrobrás inclusa, e a adoção de uma reforma administrativa que (sic) modernize o setor público brasileiro.

O choque de “privatização” é uma má ideia já abandonada pelos países desenvolvidos. Conforme a figura 3 abaixo mostra, a onda de privatizações nos países desenvolvidos foi largamente revertida o período 2000-2017, ou seja, verificou-se um intenso movimento de reestatização devido as ineficiências manifestas das empresas privatizadas, as quais aumentaram os preços dos seus produtos ao mesmo tempo que reduziram a qualidade dos serviços prestados.

Figura 3 : A Movimento de “reestatização” nos países desenvolvidos (2000-2017)

Fonte: Transnational Institute.

A reforma administrativa, por seu turno, não tem por objetivo (sic) modernizar o serviço público no Brasil mas tornar os servidores públicos em serviçais dos políticos de plantão, conforme argumento em artigo publicado no Brazilian Journal of Political Economy escrito em co-autoria com meu orientado de doutorado em economia na Universidade de Brasília, Helder Lara Ferreira Filho (Ver https://www.scielo.br/j/rep/a/djDvQj9mJ9xQS5RcWw8sVbq/). Se a reforma administrativa for aprovada o Estado Brasileiro irá retornar aos padrões prevalecentes na “República Velha”, um retrocesso de quase um século!

A agenda econômica liberal proposta pelo governo Temer e, ao menos na esfera da retórica, pelo governo Bolsonaro nada mais é do que o retorno ao que o historiador econômico Erik Reinert (2016) denomina de “colonialismo”. Nas suas palavras

“O Colonialismo é, antes de tudo, um sistema econômico, um tipo de integração econômica profunda entre os países. Não importa muito sob qual liderança política isso ocorre – independência nominal e “livre comércio” ou não. O importante é verificar que tipos de bens flui em qual direção. Pelo sistema de classificação acima as colônias são nações especializadas no “comércio ruim”, na exportação de matérias primas e na importação de bens de alta tecnologia, seja industriais ou vindos de um setor se serviços que faz uso intensivo de conhecimento” (p. 190).

O ponto que quero ressaltar é que o Brasil dos últimos 20 a 30 anos anos adotou, inicialmente de forma inconsciente, e depois de 2016 de forma deliberada, o modelo “colonialista”. A agenda de reformas não tem por objetivo emular as políticas econômicas que fizeram com que os países ricos se tornassem ricos (tema do livro de Reinert), mas sim produzir uma espécie de “acumulação primitiva de capital” por intermédio do retorno do país as atividades primário-exportadoras e a redução dos salários e benefícios trabalhistas, elevando assim a “mais-valia absoluta” para utilizar o conceito criado por Karl Marx. A reprimarização da pauta de exportações brasileira no período 2008-2014) fica bem clara na Tabela abaixo extraída de Oreiro e D´Agostini (2016):

Esse projeto tem por objetivo a recuperação da taxa de lucro do capital (ROE: return over equity ou retorno sobre o capital próprio) na economia brasileira, o qual se reduziu de forma significativa no período 2010-2014 devido a elevação dos salários reais acima do crescimento da produtividade do trabalho em função do sobreaquecimento do mercado de trabalho, conforme podemos verificar na Tabela abaixo extraída de Oreiro e D´Agostini (2016). Em suma, trata-se de um projeto para reverter o profit-squeeze por intermédia de uma sobre-exploração da força de trabalho.

Nesse contexto, no aniversário de 200 anos da independência do Brasil temos muito pouco a comemorar. Com efeito, o modelo econômico adotado nos últimos 15 a 20 anos (governos FHC incluso) abandonou o projeto “Varguista” de desenvolvimento econômico como instrumento para garantir a soberania e a independência de facto do Brasil. Os conselhos dados pelos economistas liberais não tem por objetivo tornar o Brasil uma nação rica e soberana; mas apenas reforçar os laços coloniais que o país voltou a ter a partir dos anos 1990 com as “reformas liberais” implementadas pelos governos Collor e FHC. As administrações petistas tentaram descobrir a “quadratura do círculo”, tentando conciliar os interesses coloniais de nossas elites com mecanismos de promoção de equidade social. Essa contradição inerente ao projeto petista – qual seja, “conciliar & desenvolver” – está na raiz do golpe parlamentar que tirou a Presidenta Dilma Rousseff do poder em 2016, sem que tenha havido motivação jurídica para o impeachment. Desde 2016 as rédeas da política econômica no Brasil tem estado com os economistas liberais, os quais depois de um período de serviços prestados ao colonialismo, exercendo altos cargos na administração pública, são regiamente recompensados com postos de trabalho altamente remunerados no setor financeiro privado. Ao fim e ao cabo, Clausewitz estava certo: a maneira como pensamos é fundamental. A tragédia do Brasil é que nossa elite econômica e política não está interessada em defender a construção de uma nação rica e soberana, mas apenas em satisfazer seus desejos privados de acumulação de capital, por mecanismos primitivos de sobre-exploração da força de trabalho conjugados com a devastação ambiental largamente promovida pelo governo Bolsonaro. Infelizmente nada teremos a comemorar no dia 07 de setembro de 2022.

Referências:

Oreiro, J.L; D´Agostini, L.M. (2016). “From Lula Growth Spectacle to the Great Recession (2003-2015): Lessons of the management of the macroeconomic tripod and macroeconomic challenges for
restoring economic growth in Brazil”. Artigo apresentado no workshop “Central Banks in Latin America: In Search for Stability and Development” realizado na Pontíficia Universidade Católica de Lima, Peru, no período de 12 a 13 de maio de 2016. Disponível em http://joseluisoreiro.com.br/site/link/eca7eac82f16c20f9c2c75cb375ecbc01489ea2f.pdf

Reinert, Erik. S. (2016). Como os países ricos ficaram ricos e por que os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.

Taxa de Lucro, Acumulação de Capital e Crescimento Econômico: comentários ao artigo do Professor Adalmir Marquetti

23 quarta-feira fev 2022

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A crise da economia brasileira, Adalmir Marquetti, Debate Macroeconômico, Eduardo Costa Pinto, José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo, Taxa de lucro e acumulação de capital

Uma dos princípios fundamentais da economia política clássica (e marxista) é que o ritmo de acumulação de capital – e, por tabela, o ritmo de crescimento econômico – é determinado pelo nível da taxa de lucro. Isso porque a economia política clássica, ao assumir a validade da Lei de Say, admite que o investimento é determinado pela poupança e esta se origina, fundamentalmente, da fração poupada dos lucros. Dessa forma, a relação entre a taxa de lucro e a taxa de crescimento do estoque de capital pode ser apresentada pela assim denominada “equação de Cambridge” dada por:

g = r/sp (1)

Onde: g é a taxa de crescimento do estoque de capital, r é a taxa de lucro e sp é a fração poupada dos lucros.

A taxa de lucro, por sua vez, é o resultado do produto entre três variáveis, a saber: a produtividade potencial do capital (v=pYp/pkK), o grau de utilização da capacidade produtiva (u= Y/Yp) e a participação dos lucros na renda nacional (m=P/Y).

r = v.u.m (2)

Onde: Yp é o produto potencial, K é o estoque de capital, Y é o nível efetivo de produto, P é a massa de lucros), p é o deflator implícito do PIB, pk é o índice de preços de bens de capital.

Nesse contexto, a técnica de produção, o nível de utilização da capacidade produtiva e a distribuição de renda entre salários e lucros afetam a taxa de lucro e, por conseguinte, o nível de poupança e investimento da economia com reflexos sobre o ritmo de acumulação de capital e de criação de renda e de emprego da economia

Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).

Recentemente o grupo de pesquisa “macroeconomia estruturalista do desenvolvimento” realizou um webinário sobre o comportamento de curto e longo prazo sobre a taxa de lucro no Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=L913Rh-VogM&t=238s). Participaram do debate como expositores os professores Adalmir Marquetti (PUC/RS), Carmem Feijó (UFF) e Eduardo Costa Pinto (IE/UFRJ).

O professor Marquetti apresentou um estudo preliminar denominado “Uma interpretação da economia brasileira a partir da taxa de lucro: 1950-2020” escrito em co-autoria com Eduardo Maldonado Filho, Alessandro Miebach e Henrique Morrone, todos integrantes do programa de pós-graduação em economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O estudo é inédito no sentido de apresentar o comportamento da taxa de lucro no Brasil no período 1950-2020. Conforme podemos verificar na figura 2 abaixo, retirada de Marquetti el al (2022), a taxa de lucro no Brasil apresenta uma tendência nítida de queda a partir de 1975, quando se encontrava acima de 40% ao ano, se estabilizando depois de 1995 em torno de 20% a.a.

Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).

Essa redução da taxa de lucro na economia brasileira esteve associada a uma forte redução da taxa de acumulação de capital e da taxa de crescimento do PIB brasileiro no início da década de 1980 como podemos observar na figura abaixo, extraída do artigo de Marquetti el al (2022)

Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).

A Existência de uma forte correlação entre a taxa de lucro e a taxa de acumulação de capital também pode ser visualizada por intermédio da figura abaixo:

Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).

Uma primeira questão teórica que se coloca a partir da inspeção da figura acima é qual a relação de causalidade entre taxa de lucro e taxa de acumulação de capital. Marquetti el al (2022) assumem a posição Marxista de que a taxa de lucro é a variável explicativa ao passo que a taxa de acumulação de capital é variável dependente. Dessa forma, a desaceleração do ritmo de acumulação de capital no Brasil no início dos anos 1980 seria decorrência da queda da taxa de lucro, resultado esse consistente com a lei de tendência a queda da taxa de lucro em Marx. Essa relação de causalidade, no entanto, não é uma unanimidade entre os economistas heterodoxos. Para os economistas da escola de Cambridge como Kaldor (1956, 1957), Pasinetti (1961-1962) e Robinson (1962) a relação de causalidade é inversa : a taxa de acumulação de capital – determinada pelo investimento requerido para o crescimento balanceado – determina a taxa de lucro por intermédio de mudanças na distribuição de renda entre salários e lucros (a esse respeito ver Oreiro, 2016, capítulo 3). Aqui nos defrontamos com o primeiro ponto teórico relevante no debate sobre a relação entre a taxa de lucro e a taxa de acumulação de capital, a saber qual a relação de causalidade entre as duas variáveis.

Aceitando a hipótese de Marquetti et all (2020) de que a relação de causalidade é da taxa de lucro para a taxa de acumulação de capital, o próximo passo é determinar os fatores que explicam a queda da taxa de lucro no Brasil no período 1980-1995. Segundo os autores o principal determinante da queda da taxa de lucro no Brasil foi a redução da produtividade do capital, pois a participação dos lucros na renda nacional apresentou um comportamento cíclico em torno de uma tendência constante de longo-prazo de 48,7%, e o grau de utilização da capacidade produtiva apresenta uma queda no período 1980-1995, a qual é quase que inteiramente revertida no período 2000-2010.

A queda da produtividade potencial do capital, por seu turno, foi causada pelo aumento do preço relativo dos bens de capital (p/Pk) e por uma queda da produtividade real do capital (Yp/K) no período 1950-1980. De 1990 tanto o preço relativo dos bens de capital como a produtividade real do capital permanecem relativamente estáveis, o que contribuiu para garantir uma estabilidade da taxa de lucro até 2010.

Esses resultados parecem apontar que a desaceleração do crescimento de longo-prazo da economia brasileira estaria associada a tendência secular de queda da taxa de lucro, a qual é um resultado inexorável do processo de industrialização da economia brasileira no período 1950-1980 o qual é necessariamente capital intensivo, ou seja, atua no sentido de diminuir a produtividade real do capital. Contudo, ainda que se aceite a tese de que o processo de industrialização leve a um aumento inexorável da quantidade de capital tecnicamente necessária para a produção de uma unidade de produto (ou seja, gere uma redução da produtividade real do capital), a ampliação da escala de produção das indústrias produtoras de bens de capital deveria gerar, no longo-prazo, uma redução do preço relativo dos bens de capital devido a existência de retornos crescentes de escala nesse tipo de setor. Dessa forma, seria de se esperar que a redução da produtividade real do capital fosse ao menos parcialmente compensada pela queda do preço relativo dos bens de capital, algo que não ocorreu na economia brasileira. Minha hipótese para explicar esse “puzzle” é a persistência do modelo de industrialização por substituição de importações no Brasil nos anos 1970, época que o mesmo deveria ter sido substituído por um modelo de promoção de exportações segundo a estilização de Kaldor (1967) sobre as etapas do desenvolvimento industrial. A promoção de exportações de manufaturados foi o modelo de desenvolvimento industrial adotado pelos países Asiáticos já em meados da década de 1960, ao passo que os países da América Latina insistiram no modelo de “desarollo hacia dentro”. Está claro que um elemento importante para a adoção de um modelo de promoção de exportações é a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva, algo que o Brasil tal como os demais países da América Latina sistematicamente se recusaram a fazer devido ao “populismo cambial”, adotado tanto por governos de direita como de esquerda. Como a indústria de transformação é o locus por excelência dos retornos crescentes de escala a obtenção de mercados externos é condição de vida ou morte para a indústria de qualquer país em desenvolvimento. Infelizmente o Brasil fracassou nesse teste. Talvez em definitivo.

Uma nova inspeção da figura 11 mostra que a taxa de lucro no Brasil apresentou um movimento de queda entre 2011 e 2015, período que coincide com o governo da Presidente Dilma Rouseff. Ao contrário do movimento de longo-prazo da taxa de lucro, largamente explicado pela queda da produtividade potencial do capital, a queda da taxa de lucro no período 2011-2015 foi principalmente causada pela queda da participação dos lucros na renda nacional, a qual passou de 50,7% em 2004 para 41,1% em 2016, uma redução de aproximadamente 10 p.p.

Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).

Até 2010 o efeito negativo da queda da participação dos lucros na renda sobre a taxa de lucro foi compensada pelo aumento do grau de utilização da capacidade produtiva, configurando assim um regime de demanda do tipo wage-led.

Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).

De 2011 em diante, contudo, a taxa de lucro das empresas não-financeiras começa a apresentar uma nítida tendência de queda conforme estudo elaborado pelo CEMEC em 2015. Em 2014 a taxa de lucro sobre o capital próprio dessas empresas se encontra em torno de 5,5%, patamar inferior a taxa de juros livre de risco, ou seja, a taxa Selic. Nesse contexto, a acumulação de capital é inviável e o resultado não poderia ser outro: um colapso da formação bruta de capital fixo ao longo do segundo, terceiro e quarto trimestre de 2014. Devido a queda da demanda de investimento a economia brasileira entra em recessão já no segundo semestre de 2014.

Fonte: IPEADATA.

O comportamento da taxa de lucro no Brasil no período 2011-2015 mostra claramente os limites do modelo wage-led ou “social-desenvolvimentista”: ainda que o aumento da participação dos salários na renda possa aumentar a demanda agregada e, com ela, o nível de utilização da capacidade produtiva, existem limites econômicos e físicos ao aumento contínuo do grau de utilização da capacidade no longo-prazo (o grau de utilização da capacidade não pode permanecer sistematicamente acima do grau normal de utilização da capacidade produtiva), de forma que, mais cedo ou mais tarde, a taxa de lucro irá cair em função de uma redução da participação dos lucros na renda a não ser que ocorra um aumento concomitante da produtividade potencial do capital, o que requer uma redução do preço relativo dos bens de capital e, portanto, um aumento da escala de produção da indústria de equipamento de capital.

Outra forma de buscar uma recomposição da taxa de lucro é por intermédio da adoção de políticas que aumentem a produtividade real do capital físico. Aqui creio que o investimento em infraestrutura é fundamental. Como é ressaltado pela Teoria Clássica do Desenvolvimento Econômico (Ros, 2013, capítulos 7 e 8) existem externalidades tecnológicas e pecuniárias no investimento em capital físico. Dessa forma, o aumento do investimento público em infraestrutura contribui para aumentar a produtividade do investimento privado e, portanto, a própria taxa de lucro. Nesse contexto, a relação entre taxa de lucro e estoque de capital pode ser positiva, ao invés de negativa, de maneira que a redução da taxa de lucro pode resultar da insuficiência do investimento em infraestrutura.

Segundo o professor Eduardo Pinto, que também participou do webinário, o impeachment da Presidente Dilma Rouseff em 2016 viabilizou uma recuperação parcial da taxa de lucro por intermédio da adoção da “agenda de reformas” como a reforma trabalhista e mudanças regulatórias no setor de petróleo e gás, bem como na fiscalização ambiental as quais permitiram uma recuperação da participação dos lucros na renda conforme podemos observar na figura abaixo.

Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).

Além dos elementos citados pelo Professor Eduardo Pinto eu acrescentaria que a grande recessão de 2014-2016 ao produzir um aumento permanente da taxa de desemprego viabilizou, de um lado, a redução dos salários reais, permitindo assim um aumento das margens de lucro; por outro lado, promoveu um processo de concentração e centralização do capital (leia-se falência de algumas empresas e fusões e aquisições, o que aumentou o poder de monopólio das empresas que sobreviveram a recessão). Esse ultimo ponto foi extensamente apresentado pelo professor Eduardo Pinto em sua apresentação no webinário.

Dito isso, a economia brasileira se encontra numa encruzilhada. Para acelerar o crescimento econômico é necessário recuperar a lucratividade das empresas não-financeiras, principalmente no setor manufatureiro, o qual é mais intensivo em bens de capital. A retomada do projeto neoliberal no Brasil com o documento “ponte para o futuro” e o governo de Michel Temer se propôs a fazer isso por intermédio de uma redução do “custo do trabalho” e dos custos regulatórios. Embora a taxa de lucro tenha, de fato, aumentado, não se observou uma aceleração do ritmo de acumulação de capital, o qual se encontra no nível mais baixo desde 1950. Por outro lado, a taxa de desemprego continua no patamar de dois dígitos e o tecido social brasileiro apresenta sinais nítidos de esgarçamento devido a continuidade da estagnação econômica, agravada a partir de 2021 pela aceleração da inflação. Isso posto o projeto neoliberal no Brasil é politicamente insustentável no médio e longo-prazo, e talvez até mesmo no curto-prazo.

A única saída politica e economicamente possível é um pacto social que forneça as condições políticas necessárias para a implantação de um novo-desenvolvimentismo, entendido aqui como um conjunto de políticas que tem por objetivo acelerar o ritmo de acumulação de capital da economia brasileira ao mesmo tempo em que garante que os frutos do progresso econômico sejam apropriados principalmente pelos trabalhadores e pelas camadas mais pobres da população. Essas políticas envolvem necessariamente o aumento do investimento público, o incentivo a reindustrialização por intermédio da inserção da indústria brasileira nos mercados internacionais de produtos manufaturados e o fortalecimento dos sindicatos como forma de garantir o crescimento sustentável dos salários reais no longo-prazo. A competitividade extra-preço das exportações de manufaturados brasileiras terá que ser estimulada por políticas de inovação, viabilizadas por um aumento significativo dos investimentos públicos e privados em Ciência e Tecnologia; combinadas com um aumento dos gastos com educação principalmente a nível do ensino médio, o qual é historicamente a grande deficiência da educação no Brasil. Também será necessário adotar uma taxa de câmbio competitiva como política de Estado, o que exigirá mudanças na institucionalidade da condução da política monetária e a adoção de controles a entrada e saída de capitais do Brasil. Tais políticas são, claramente, contrárias ao interesse das instituições financeiras brasileiras, as que mais se beneficiaram da reviravolta neoliberal ocorrida em 2016. Cabe ao próximo presidente da República entender a natureza do nó górdio da economia brasileira e exercer suas habilidades políticas para desata-lo.

Referências

KALDOR, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. Ithaca: New York State School of Industrial and Labor Relations, Cornell University.

KALDOR, N. (1957). “A Model of Economic Growth”. Economic Journal, 67.

KALDOR, N. (1956). “Alternative Theories of Distribution”. Review of Economic Studies, 23, pp. 83-100.

Marquetti, A; Maldonado Filho, E; Miebach, A; Morrone, H. (2022). “Uma interpretação da economia brasileira a partir da taxa de lucro: 1950-2022”. Mimeo.

OREIRO, J.L. (2016). Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana. LTC Editora: Rio de Janeiro.

PASINETTI, L. (1961-1962). “The rate of profit and income distribution in relation to the rate of economic growth”. Review of Economic Studies, vol. 29, no.4.

ROBINSON, J. (1962). Essays in the Theory of Economic Growth. Macmillan: Londres.

Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford Economic Press: Oxford

Novo-Desenvolvimentismo: minhas divergências com Samuel Pessoa

22 quarta-feira dez 2021

Posted by jlcoreiro in novo-desenvolvimentismo, Samuel Pessoa

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José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo, Resposta a Samuel Pessoa

Recentemente assisti a um debate entre Samuel Pessoa e Elias Jabour no canal no Youtube do meu colega André Roncaglia (https://www.youtube.com/watch?v=Ej8HZziFZVE&t=4057s). Por volta de 1h05 minutos do vídeo o Samuel Pessoa faz menção (elogiosa) ao novo-desenvolvimentismo, mas faz duas críticas pontuais. A primeira, de economia política, com a qual concordo, de que a construção de uma coalização de classes desenvolvimentista no Brasil é muito difícil, mas improvável. A segunda, com a qual não concordo, é que os ganhos de produtividade gerados pelo aumento da participação da indústria de transformação no PIB seriam unicamente advindos das externalidades da indústria de transformação sobre o resto da economia.

Para deixar mais clara minha posição sobre o novo-desenvolvimentismo, o qual tem sido objeto de ataques intelectualmente desonestos por parte de alguns economistas pop, reproduzo abaixo e-mail que enviei para o Samuel Pessoa no dia 19 de julho de 2021.

———————————

Olá Samuel, 
Obrigado pela resposta. 
Vou responder por pontos para deixar bem clara nossas convergências e divergências 
(A) sobre o aspecto inovador do “novo-desenvolvimentismo”. O termo foi cunhado pelo Bresser e pelo Nakano entre 2002 e 2003. A ideia do “novo” é se contrapor ao “velho” desenvolvimentismo” baseado na Teoria Clássica do Desenvolvimento Econômico e do Estruturalismo Latino-americano os quais preconizavam (a) a ineficácia da taxa de câmbio para promover a industrialização e/ou reduzir a restrição externa ao crescimento devido a “rigidez estrutural” da balança comercial, resultado da predominância de produtos primários na pauta de exportações cuja elasticidade preço da demanda era baixo de forma que a condição de Marshall-Lerner não seria atendida; (b) a necessidade de impor tarifas de importação elevadas para promover a substituição de importações por produção doméstica devido ao caráter infante da indústria doméstica. O novo-desenvolvimentismo seria a adaptação da teoria do desenvolvimento econômico a realidade dos países de renda média como Brasil, Argentina e México os quais se tornaram a partir dos anos 1970 exportadores de manufaturados de forma que (c) o “pessimismo das elasticidades” não mais se aplicava ao caso desses países, ou seja, a taxa de câmbio passava a ter um impacto forte tanto no saldo da balança comercial como na competitividade da indústria de transformação e (d) a fase de industrialização por substituição de importações havia dado lugar a industrialização por promoção de exportações (Fases 2 e 4 do processo de industrialização do livro “Strategic Factors of Economic Development” de Kaldor, 1967). Nesse contexto, o maior obstáculo ao desenvolvimento econômico dos países de renda média advém da sobre-valorização da taxa de câmbio, essa é a contribuição específica do novo-desenvolvimentismo para a teoria do desenvolvimento econômico. Envio meu artigo da Structural Change and Economic Dynamics publicado no ano passado onde apresento um modelo matemático formal sobre esse ponto. 
(B) Modelo Kaldor-Pasinetti: O modelo Kaldor-Pasinetti tem muito pouco a haver com o novo-desenvolvimentismo. Trata-se de um modelo de crescimento exógeno, onde o crescimento de longo-prazo, tal como no modelo de Solow é exógeno e determinado pela taxa natural de crescimento. Sua diferença para com Solow é mostrar que o ajuste da taxa garantida de crescimento a taxa natural se dá por intermédio de variações da taxa de poupança induzidas por mudanças na distribuição de renda entre salários e lucros. O que o novo-desenvolvimentismo pega emprestado desse modelo é o mecanismo de endogeinização da taxa de poupança, o qual é usado para mostrar como se dá o processo de substituição da poupança doméstica por poupança externa e vice-versa. 
(C) Sobre o papel das externalidades para o papel da indústria (de transformação) como motor do desenvolvimento: Aqui creio que vocês não entenderam nosso ponto. Tudo o que é necessário para que a indústria seja o motor do desenvolvimento é que ela seja o lócus dos retornos crescentes de escala, os quais podem ser internos a firma, de maneira que não é necessário para o argumento que os benefícios sociais da indústria sejam maiores do que os benefícios privados. Externalidades são sim necessárias para justificar políticas de “big-push” nas quais o Estado coordena as decisões de investimento na indústria para criar uma “massa crítica” de capital industrial e assim permitir que a economia saia da “armadilha de pobreza” (veja minhas notas de aula a respeito em anexo). Quanto a existência de retornos crescentes de escala dentro da indústria e sua inexistência fora da indústria a evidência empírica é avassaladora e está condensada no Livro do Ros (2013) que fiz referência na minha nota ao seu artigo. Não creio que seja algo objeto de “dúvida razoável”. 
(D) Sobre o seu ceticismo do novo-desenvolvimentismo com o arranjo de economia política no Brasil:  concordo com ele (não necessariamente pelas mesmas razões). Veja a conclusão do meu artigo de 2020.  
(E) Interpretação do período 2005-2015: A grande valorização (nominal e real) da taxa de câmbio ocorreu – e isso eu deixo bem claro na nota – no período 2003-2006 quando a trajetória da taxa de inflação era de queda. Na verdade em 2006 a inflação ficou abaixo do piso do regime de metas de inflação, sinal claro, com base no protocolo do RMI, que a política monetária foi excessivamente contracionista, ou seja, taxa de juros muito acima do nível neutro. Pra mim o problema todo de perda de competitividade da indústria foi produzido e gestado nesse período, até porque a partir de 2007 o saldo comercial da indústria de transformação se deteriora muito rapidamente e muito profundamente. Quanto ao período 2011-2013 concordo que a economia estava sobre aquecida: o governo Dilma considerou a desaceleração do crescimento pós-2010 como um problema de insuficiência de demanda apesar dos dados de desemprego mostrarem o contrário. Eu fui bastante crítico dessa postura tendo escrito vários artigos naquele período mostrando que as políticas de expansão fiscal estavam equivocadas, pois o problema a ser atacado não era uma suposta insuficiência de demanda, mas a desindustrialização prematura. 
(F) Política Fiscal pós-2023: Medidas de hiato de produto, como você sabe, tem seus problemas. Boa parte do crescimento de 2021, como você sabe, virá do carregamento estatístico de 2020. Assim um crescimento de 5,5%, se tirarmos o carregamento estatístico, corresponde a um crescimento de 2% sem carregamento. A população cresce 0,7% a.a e 9 milhões de brasileiros saíram da força de trabalho em 2020. Creio que a taxa de desemprego vai continuar acima de dois dígitos por muitos anos, talvez até 2025. Da minha parte estou disposto a aceitar uma inflação entre 4 a 4,5% a.a até a taxa de desemprego cair para um dígito, quando então provavelmente estará mais próxima da NAIRU da economia brasileira. A surpresa inflacionária de 2021 se encarregará de reduzir a dívida bruta/PIB com respeito ao ano de 2020, de forma que os cenários mais pessimistas do ponto de vista fiscal não irão se realizar. Ganhamos alguns anos de folga para (a) aumentar o investimento público no curto-prazo e (b) preparar uma reforma fiscal decente que nos permita aumentar a carga tributária compatibilizando eficiência econômica com equidade na tributação. Até onde acompanhei a reforma tributária em negociação no congresso é um horror, melhor deixar pra fazer isso no próximo governo. 

Abs

José Luis da Costa Oreiro

Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq e Lider do Grupo de Pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”, cadastrado no CNPq. É autor do livro “Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana”, LTC: Rio de Janeiro (2016). 
Departamento de Economia
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – Universidade de Brasília – Campus Darcy Ribeiro – Prédio da FACE Asa Norte – CEP: 70910-900 – Brasília – DF

Liberais versus progressistas: um embate para 2022 (Valor Econômico, 19/10/2021)

20 quarta-feira out 2021

Posted by jlcoreiro in Debate Macroeconômico, Eleições 2022, Oreiro, RIB

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A crise da economia brasileira, Debate Macroeconômico, desindustrialização, Eleições 2022, José Luis Oreiro, novo-desenvolvimentismo

Vejam em https://valor.globo.com/brasil/coluna/liberais-x-progressistas-um-embate-para-2022.ghtml

Sobre a repercussão da coluna de Pedro Cafardo no Valor ver : https://www.youtube.com/watch?v=Hlwo_85GAt0&t=5s.

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