A neoindustrialização não pode ser um programa de governo, mas uma política de Estado, capaz de perpassar vários governos, incluindo o atual, com um horizonte de pelo menos 15 anos
JOSÉ LUIS OREIRO – Opinião
postado em 02/05/2024 06:00
A era do desenvolvimento industrial puxado pela substituição de importações se esgotou no início da década de 1980. A nova indústria brasileira precisa ser competitiva – (crédito: CLARABOIA FILMES/CNI)
Entre 1991 e 2019, o Brasil passou por um acentuado processo de desindustrialização, no qual a participação da indústria de transformação no PIB passou de 21,83% para 10,33%, uma queda de 11,5 p.p, muito superior ao verificado em países como Alemanha (5,29 p.p), Espanha (5,35 p.p), Itália (4,21 p.p), Colômbia (4,36 p.p) e Argentina (10,88 p.p). Essa mudança na composição do PIB é uma das causas principais do baixo crescimento da economia brasileira nas últimas três décadas, na comparação com o período compreendido entre 1930 e 1980, no qual taxas de crescimento superior a 7% a.a eram puxadas pelo vigoroso crescimento da produção da indústria de transformação. Vale lembrar que, em 1980, a produção da indústria de transformação no Brasil era superior à produção industrial combinada da China, Índia e Coreia do Sul, ao passo que mais de 50% das exportações brasileiras eram compostas por produtos manufaturados. Foi o período áureo do desenvolvimento brasileiro, em que “a indústria era tech, a indústria era pop, a indústria era tudo”.
O governo do presidente Lula tem como uma das suas bandeiras na agenda econômica promover a neoindustrialização, ou seja, retomar o processo de aumento da importância da indústria de transformação no PIB, mas num novo contexto, caracterizado pela necessidade de fazer a transição para uma economia de baixo carbono e tornar a indústria brasileira capaz de competir em condições isonômicas nos mercados internacionais de produtos manufaturados. A era do desenvolvimento industrial puxado pela substituição de importações se esgotou no início da década de 1980. A nova indústria brasileira precisa ser competitiva — tanto em termos de preço, como em termos de intensidade tecnológica — com os seus pares na China, Alemanha, Itália, Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos.
O primeiro passo consiste em definir metas claras, objetivas e factíveis para serem alcançadas no curto, médio e longo prazo. Isso significa que a neoindustrialização não pode ser um programa de governo, mas uma política de Estado, capaz de perpassar vários governos, incluindo o atual, com um horizonte de pelo menos 15 anos.
Nesse contexto, o Estado brasileiro deveria definir como meta dobrar a participação do emprego industrial no emprego total dos atuais 12% para 24% da força de trabalho até 2040. Isso significa que será necessária a criação de 12 a 15 milhões de novos postos de trabalho na indústria de transformação durante esse período — ou seja, uma média de 1,8 milhão de postos de trabalho por ano na indústria de transformação.
A boa notícia é que essa mão de obra adicional para a indústria pode ser facilmente recrutada do setor informal ou de subsistência da economia brasileira, onde os salários e a produtividade do trabalho são muito mais baixos. Com efeito, no primeiro trimestre de 2022, 26,27% de uma força de trabalho de pouco mais de 107 milhões de pessoas estavam trabalhando no setor informal (25,54 milhões) e outros 12,92% eram “autoempregados” (12,47 milhões). Dessa forma, o Brasil dispõe de 39,19% da sua força de trabalho em atividades de subsistência de baixa produtividade que podem ser realocados para o setor manufatureiro, de alta produtividade e altos salários, caso novos empregos sejam criados nesse setor.
O ponto central é criar empregos no setor manufatureiro. A indústria é um setor de alta produtividade, em que a inovação tecnológica se dá tanto na forma de novos produtos, como na forma de novos processos que são poupadores de força de trabalho. Logo, para que ocorra um aumento da participação do emprego industrial no emprego total, é necessário que o ritmo de crescimento da produção industrial seja superior ao ritmo de crescimento da produtividade do trabalho na indústria. É aqui que a transição para uma economia de baixo carbono se faz essencial. A descarbonização vai exigir a introdução de novos bens de consumo, intermediários e de capital, que sejam mais eficientes em termos de emissão de CO2 por unidade produzida. Isso vai exigir maciços investimentos na produção de “bens verdes”, como automóveis híbridos, trens de transporte de passageiros e de carga e equipamento para a produção de energia renovável. A taxa de investimento terá de passar dos atuais 16,5% para algo como 22% do PIB. O setor privado pode contribuir com uma parte desse aumento, mas devido à incerteza associada à transição para uma economia de baixo carbono, o investimento do setor público deverá aumentar significativamente. Para tanto, uma revisão do Novo Arcabouço Fiscal será absolutamente necessária.
JOSÉ LUIS OREIRO
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB)
As importações brasileiras de diesel e petróleo russos estão atingindo níveis recordes, e o governo não pensa em impor sanções a Moscou. Uma reportagem de Brasília
Entre o Ocidente e a Rússia, a questão é clara. Desde o ataque à Ucrânia, países ocidentais, que incluem Austrália, Canadá e Japão, além da UE e dos EUA, impuseram uma série de sanções contra a Rússia. A exportação de bens de tecnologia foi proibida, os ativos do Banco Central russo foram congelados e muitos países não compram mais petróleo e gás da Rússia.
No entanto, de Washington a Bruxelas e Tóquio, rapidamente ficou claro que o Ocidente representa apenas uma fração da comunidade internacional. A maioria dos países não viu e não vê razão para evitar a Rússia, a guerra ou não. O papel mais importante e interessante nisso é provavelmente desempenhado pela Índia e pelo Brasil simplesmente por causa de seu tamanho (a China está muito mais próxima da Rússia de qualquer maneira). Ambos os países querem manter boas relações com os EUA e a UE, mas não têm nada a ver com sanções. Os laços estreitos da Índia com a Rússia já foram mencionados aqui.
Nesta semana, visitantes da Áustria puderam conhecer a abordagem do país à guerra na Europa como parte de uma viagem de delegação ao Brasil. O ministro da Economia, Martin Kocher (ÖVP), está atualmente viajando pelo Brasil e pela Argentina e fazendo campanha por relações econômicas mais estreitas com a Áustria. À margem das conversas, intelectuais, economistas e empresários também discutiram a relação com a Rússia.
4600 Por cento mais
Recentemente, isso se tornou muito mais estreito, pelo menos no que diz respeito aos laços econômicos. Rússia e Brasil até agora estão intimamente ligados, especialmente no negócio agrícola: a Rússia exportou fertilizantes para o Brasil, enquanto carne, soja e açúcar foram devolvidos do país sul-americano.
No ano passado, no entanto, as exportações de petróleo e diesel da Rússia para o Brasil subiram no teto. Só o volume de exportações de diesel aumentou 4.600%, o de petróleo 300%. O Brasil ultrapassou a Turquia como o maior importador de diesel da Rússia. 5,3 mil milhões de dólares (cinco mil milhões de euros) fluíram de Brasília para o Kremlin no ano passado, contra apenas 1,1 mil milhões no ano anterior. Assim, o Brasil substituiu parcialmente a UE: na Europa, as importações de diesel da Rússia são proibidas, assim como a importação de petróleo de oleoduto russo.
“Por um lado, o Brasil quer desempenhar o papel de mediador entre as partes beligerantes”, diz José Luís da Costa Oreiro, economista da Universidade de Brasília. “Um intermediário não pode tomar partido, isso é óbvio.” Acima de tudo, porém, o Brasil está preocupado com interesses econômicos tangíveis. Desde que a indústria estatal de fertilizantes foi fechada na década de 1990 como parte de uma onda de liberalização, o Brasil vem importando seus fertilizantes da Rússia. Isso é extremamente importante para o Brasil com sua grande agricultura, com o setor contribuindo com cerca de sete por cento para a produção econômica. Em comparação, na Áustria é de cerca de um por cento.
Agora, o diesel e o óleo estão sendo adicionados, já que a Rússia vende ambos com descontos, o que economiza dinheiro das famílias e empresas brasileiras. Mas isso não leva a nenhuma discussão no país, afinal, esses bilhões estão financiando a guerra de Putin? “Ninguém aqui está interessado na guerra na Ucrânia. É muito longe para as pessoas”, diz Costa Oreiro. O que é muito mais emocional, diz ele, é a guerra na Faixa de Gaza. Posfácio: “A Ucrânia pode se defender, mas o povo de Gaza não”.
O mais importante do ponto de vista do Brasil é que o país ainda está atrasado em relação aos países industrializados. Nas taxas de crescimento atuais, o Brasil não estará ao nível de Portugal daqui a 50 anos. Para ilustrar: a produção econômica per capita do Brasil gira em torno de 17 mil dólares, na Áustria gira em torno de 70 mil – esse cálculo leva em conta o poder de compra diferenciado.
Agir sem dar palestras
Um representante da Comissão Europeia no país sul-americano confirma essa visão: o Brasil se vê como um país em ascensão, que não quer se amarrar a nenhum lado e quer se beneficiar economicamente da Rússia e do Ocidente. Os ensinamentos ocidentais também são de pouca ajuda. A UE está a tentar promover as suas posições trazendo delegações de pequenos países ao Brasil, por exemplo dos Estados Bálticos, para relatar as suas experiências com a ameaça representada pela Rússia.
O quanto de impressão isso deixa permanece questionável. O chefe de Estado do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, convidou o presidente russo, Vladimir Putin, várias vezes ao longo do ano passado, apesar de um mandado de prisão contra Putin do Tribunal Penal Internacional de Haia, do qual o Brasil é membro.
Também é perceptível entre os representantes da indústria que não há medo de contato com a Rússia. Os laços entre Rússia e Brasil se dão principalmente por meio de fóruns no âmbito do grupo BRICS, explica Frederico Lamego, representante de alto escalão da Confederação Brasileira dos Industriais (CNI). Além da Rússia e do Brasil, Índia, China e África do Sul também são membros dessa aliança frouxa, com Irã, Etiópia, Egito e Emirados se juntando em 2024.
Os países do Brics trabalham juntos em grupos temáticos sobre questões econômicas, diz Lamego, há grupos sobre agricultura, aviação, educação e financiamento. Aqui, as empresas trocam ideias diretamente e trabalham em uma cooperação mais intensa. A Rússia lidera atualmente os grupos que lidam com questões econômicas. Lamego diz, no entanto, que a importância da Rússia para o Brasil não deve ser superestimada, e que as relações com a China são muito mais importantes para a indústria, por exemplo. Mas isso fica claro depois de alguns dias no país: também não se deve subestimar o fator russo. (András Szigetvari de Brasília, 18.4.2024)
Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.
Do lado da demanda, observamos que o crescimento foi puxado pelo consumo das famílias o que apresentou um crescimento de 3,1% em 2023. A decepção veio da formação bruta de capital fixo, que apresentou uma queda 3% em quatro trimestres. Com isso da taxa de investimento da economia brasileira recuou de 17,8% do PIB em 2022 para 16,5% do PIB em 2023. Esse comportamento da taxa de investimento deve acender um sinal de alerta para a equipe econômica do governo no que se refere a sustentabilidade da atual trajetória de crescimento. Isso porque o crescimento com estabilidade de preços só é possível se a demanda agregada e a capacidade produtiva estiverem crescendo em linha uma com a outra.
O problema é que a redução da taxa de investimento entre 2022 e 2023 fez com que a taxa de crescimento do PIB compatível com a estabilidade de preços se reduzisse de 2,43% para 2,0% [cálculos do autor]. Dessa forma, um crescimento de 2,9% do PIB em 2023 não é sustentável a médio prazo pois irá levar a um aumento da pressão inflacionária, produzindo um fim prematuro do atual ciclo de queda da taxa Selic. Nesse contexto, a equipe econômica deveria pensar em algum tipo de flexibilização do atual arcabouço fiscal de maneira a permitir um incremento considerável do investimento em infraestrutura do governo central ao longo de 2024. Para que a economia brasileira possa crescer de forma sustentada a, pelo menos, 3% a.a a taxa de investimento precisa ser aumentada para 20% do PIB.
Do lado da oferta, a indústria cresceu abaixo do PIB, apresentando um crescimento de 1,6% ao longo do ano de 2023. No entanto, quando desagregamos os dados de crescimento da indústria verifica-se que o mesmo foi puxado pela indústria extrativa (petróleo e gás natural e de minério de ferro) que apresentou um crescimento de 8,7% e pela indústria de serviços de utilidade pública como Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos que apresentou um crescimento de 6,5%. A indústria de transformação, que é o setor mais intensivo em tecnologia e em máquinas e equipamentos, com maior encadeamento para frente e para trás na matriz produtiva apresentou uma queda de 1,3% causado principalmente pela queda na fabricação de: produtos químicos; máquinas e equipamentos; metalurgia; indústria automotiva; ou seja, pela queda dos produção dos bens manufaturados mais intensivos em tecnologia.
Sendo assim, o processo de desindustrialização prematura da economia brasileira continua de vento em popa, apesar de todo o discurso da equipe econômica sobre uma neo-industrialização da economia brasileira. Os dados de 2023 nos mostram que no que se refere a mudança estrutural da economia brasileira na direção de uma economia mais sofisticada e baseada no conhecimento, ao invés da produção e exportação de produtos primários (minério de ferro, soja e carne), o governo demonstrou até agora mais boas intenções do que resultados práticos.
O destaque do PIB do lado da oferta foi a agropecuária que apresentou um crescimento de 15,1% ao longo do ano de 2023 puxado pelo crescimento da produção de soja (27,1%) e milho (19,0%), que alcançaram níveis recordes na série histórica. Deve-se ressaltar que a produção de soja é destinada quase que inteiramente para a exportação, contribuindo muito pouco para o abastecimento do mercado interno e, portanto, para a redução do custo de vida do povo brasileiro. Já algumas lavouras que tem uma maior importância para o abastecimento do mercado doméstico registraram queda na estimativa de produção anual, como, por exemplo, trigo (-22,8%), laranja (-7,4%) e arroz (-3,5%).
Os dados do PIB pelo lado da oferta mostram um crescimento estruturalmente ruim. O Brasil continua na sua trajetória de se tornar – se é que já não se tornou – um grande fazendão cercado de serviços de baixa intensidade tecnológica e baixa capacitação profissional por todos os lados. Essa é o caldo de cultura perfeito para um eventual retorno do Bolsonarismo ao poder, talvez em outros trajes, nas eleições de 2026. O governo precisa empreender uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico e dar menos importância para querelas insignificantes sobre o resultado primário de 2024 antes que seja tarde demais.
O desenvolvimento econômico é definido como um processo de mudança estrutural com incorporação de progresso técnico no qual o valor adicionado por-trabalhador aumenta de forma cumulativa ao longo do tempo, permitindo um aumento dos salários reais e do padrão de vida da população, o qual envolve, entre outros elementos, uma redução secular da jornada de trabalho, permitindo assim que a classe trabalhadora possa dedicar uma parcela maior de tempo para atividades extraeconômicas (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2015). A mudança estrutural é definida como a transferência de mão-de-obra de setores com menor valor adicionado por trabalhador para setores com maior valor adicionado por trabalhador. Historicamente esse processo de mudança estrutural esteve associado com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB e no emprego total das economias capitalistas. A incorporação de progresso técnico, por sua vez, exige o investimento em novas máquinas e equipamentos, os quais incorporam as novas tecnologias decorrentes do avanço da fronteira tecnológica resultante dos investimentos públicos e privados em Pesquisa e Desenvolvimento (Mazzucato, 2014). Também é necessário que ocorra um aumento contínuo, do número médio de anos de escolaridade da população, notadamente da parcela da população com mais de 25 anos (Ros, 2013, capítulo 1).
Numa amostra com 87 países para o período 1970-2008, Ros (2013) mostra que, considerando apenas os determinantes próximos do crescimento (Maddison, 1988), a taxa de crescimento do capital por trabalhador apresenta a maior influência (positiva) sistemática sobre o crescimento do valor adicionado por trabalhador, sendo a principal variável explicativa para a alta performance dos países de crescimento elevado da amostra. O nível inicial de educação (1970) e a taxa de progresso da educação, ou seja, a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos, embora possuam coeficientes positivos e estatisticamente significativos, nas equações de regressão, tem uma contribuição significativamente menor para o crescimento do valor adicionado per-capita. Contudo, quando se substitui a taxa de crescimento do capital por trabalhador e a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos pela taxa de crescimento da participação do emprego industrial no emprego total no período 1970-2008 chega-se à conclusão de que a taxa de crescimento do emprego industrial é a variável que isoladamente tem a maior influência sistemática sobre a taxa de crescimento do valor adicionado per-capita. Em outras palavras, a indústria de transformação é o motor do crescimento de longo-prazo (Thirlwall, 2013, pp. 43-53).
Entre 1999 e 2008 o Brasil experimentou um processo de aceleração do crescimento do PIB real o qual passou de 2,19% a.a em 1999 para 4,81% a.a, ambos os valores calculados pela média móvel de 5 anos. Durante esse mesmo período, a participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes, na média móvel de 5 anos, passa de 14,91% em 1999 para 16,97% em 2008. A partir da crise financeira internacional de 2008, contudo, se inicia um processo de desaceleração do crescimento da economia brasileira, o qual irá se aprofundar a partir de 2014, quando exibe um valor de 3,38% na média móvel de 5 anos, chegando a -0,64% a.a em 2018. Esse movimento foi acompanhado de um intenso processo de desindustrialização da economia brasileira, no qual a participação da indústria de transformação a preços correntes cai de 16,97% em 2008 para 12,28% em 2018, ambos os valores calculados com base na média móvel de 5 anos (Ver figura 1). De 2019 a 2022 observa-se uma recuperação parcial do crescimento real do PIB brasileiro, o qual atinge a marca de 1,52% a.a na média móvel de 5 anos em 2022, valor 30% inferior ao verificado em 1999. A participação da indústria de transformação no PIB se estabilizou em torno de 12%, valor 19,51% mais baixo do que o verificado em 1999.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
Quando calculamos a correlação entre as séries de participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes e taxa real de crescimento do PIB real para o período 1999-2022 verificamos que o valor encontrado é de 0.82, o que caracteriza a existência de uma forte correlação positiva entre as séries. Como a participação da indústria de transformação reflete a estrutura e composição da produção, sendo assim uma variável de natureza estrutural, podemos considerar a mesma como variável independente num exercício de regressão linear simples entre as duas séries em consideração. Os resultados dessa regressão podem ser visualizados na figura 2 abaixo.
Tanto o cálculo da correlação entre as duas séries de tempo como o exercício de regressão deixam pouca margem para a dúvida de que a desaceleração do crescimento da economia brasileira nos últimos 15 anos tem na desindustrialização uma de suas principais causas. Resta saber quais as causas desse processo de mudança estrutural.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
Com a eleição de Luis Inacio Lula da Silva em 30 de outubro de 2022 o debate sobre o processo de desindustrialização da economia brasileira foi finalmente desinterditado. Após anos a fio de discussões jurássicas sobre o sacrossanto “Teto de Gastos”, o novo governo aparenta estar disposto a retomar a agenda de desenvolvimento econômico e encarar de frente o fato, hoje indiscutível, de que o Brasil vivenciou, no período 1991-2019, conforme tabela abaixo, o mais intenso processo de desindustrialização no mundo, maior inclusive do que a verificada pela economia da Argentina.
Tabela I: Participação da Indústria de Transformação no PIB, Países Selecionados (1991-2019)
Continente/País
1991
2019
Var (%)
América do Sul
21,37
12,46
-8,91
Argentina
24,38
13,50
-10,88
Brasíl
21,83
10,33
-11,50
Colombia
17,90
13,54
-4,36
Europa
18,91
15,33
-3,58
Alemanha
24,84
19,55
-5,29
Dinamarca
14,64
13,40
-1,24
Espanha(*)
16,26
10,91
-5,35
Itália
19,09
14,88
-4,21
Suiça
19,74
17,92
-1,82
Leste da Ásia
24,32
22,64
-1,69
Coréia do Sul
25,18
25,22
0,04
Japão (**)
23,46
20,05
-3,41
Fonte: Banco Mundial. Elaboração do Autor. (*) A partir de 1995; (**) A partir de 1994.
Os dados apresentados na tabela I acima nos permitem tirar algumas conclusões. A primeira é que a desindustrialização, embora seja um fenômeno comum aos países da amostra, não é algo inevitável. Com efeito, a participação da indústria do PIB da Coréia do Sul manteve-se estável no período analisado, ao passo que países de renda alta como a Dinamarca e a Suíça apresentaram uma pequena queda da participação da indústria no PIB. Em segundo lugar, as grandes economias da América do Sul não só passaram por um processo de desindustrialização mais intenso do que o observado nos países europeus, como ainda reduziram a sua participação da indústria no PIB a um patamar inferior ao verificado nos países da Europa e do Leste Asiático, os quais tem uma renda per-capita muito mais alta do que as economias da América do Sul. Em suma, a desindustrialização da América do Sul é um fenômeno diferente da desindustrialização observada nos países de renda alta.
Para que possamos entender a natureza da diferença entre os dois processos, temos inicialmente que retomar a discussão feita no início deste artigo sobre a natureza do processo de desenvolvimento econômico. Vimos que o desenvolvimento econômico tem como um de seus determinantes a mudança estrutural, ou seja, a transferência de mão de obra dos setores com menor valor adicionado por-trabalhador para os setores de maior valor adicionado por-trabalhador. Trata-se do que é denominado de “sofisticação produtiva” na literatura novo-desenvolvimentista ou “complexidade econômica” por Hidalgo e Hausmann (2009). Nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico, aquilo de Rostow (1960) denominou de “decolagem”, ocorre uma grande transferência de mão-de-obra da agricultura para a indústria. É a fase da “Revolução Industrial” na qual a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego aumentam de forma contínua, proporcionando uma “aceleração do crescimento” do PIB per-capita. Todos os países de renda alta passaram, em algum momento, por esse processo.
A partir de certo nível de renda per-capita, contudo, ocorre uma diversificação crescente da demanda de consumo das famílias, as quais passam a demandar uma quantidade cada vez maior de serviços, muitos dos quais são direta ou indiretamente ligados a indústria. Nesse contexto, a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego irá começar um processo de declínio “natural”, o qual pode ser retardado por “políticas neo-mercantilistas” que visem ampliar as exportações de produtos manufaturados para compensar a queda relativa da demanda doméstica. Essas políticas parecem ter sido bem-sucedidas nos casos da Dinamarca e Suíça, países de renda alta da Europa que tiveram uma redução modesta ou pequena da participação da indústria de transformação no PIB.
Esse não foi o caso dos países da América do Sul, notadamente o Brasil, os quais se desindustrializaram antes de se tornarem países de renda alta ou de terem se tornado economias maduras (Kaldor, 1967), ou seja, economias nas quais a mão-de-obra já foi totalmente transferida do setor tradicional ou de subsistência para o setor moderno ou capitalista. Trata-se daquilo que Rodrik (2016) denominou de desindustrialização prematura. Com base na análise da estrutura do mercado de trabalho do Brasil e na avaliação da qualidade do emprego feita por Oreiro et al (2023) pode-se claramente perceber que o Brasil está muito longe de ter ultrapassado o ponto de Lewis (1954) no qual toda a mão-de-obra já foi transferida para o setor moderno da economia, de forma que a desindustrialização brasileira é de natureza precoce.
Ao contrário da desindustrialização natural, fenômeno associado a mudança na composição da demanda de consumo nos países de renda alta, a desindustrialização precoce está associada com a adoção de políticas econômicas neoliberais associadas ao consenso de Washington a partir da década de 1990.
Com efeito, as economias da América do Sul adotaram políticas de liberalização comercial e financeira a partir dos anos 1990 com a redução generalizada das alíquotas de importação, abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos, sobrevalorização cambial como instrumento básico de controle da inflação, redução da participação do Estado na economia por intermédio da privatização de empresas estatais e redução do financiamento estatal para o investimento em infraestrutura e atualização tecnológica do parque industrial.
No caso Brasileiro, Oreiro, Manarin e Gala (2020) avaliam os determinantes da redução da participação da indústria de transformação no PIB para o período 1998-2017. A partir de um modelo econométrico no qual a participação da indústria de transformação no PIB está determinada pela competitividade preço (taxa real de câmbio) e competitividade extra preço (hiato tecnológico), os autores mostram que cerca de 40% da desindustrialização verificada na economia brasileira deve-se a sobrevalorização da taxa de câmbio e 60% devem-se ao aumento da distância da indústria brasileira com respeito a fronteira tecnológica.
Não existe nada de natural ou inevitável num processo de desindustrialização que resultou de câmbio sobrevalorizado e aumento do hiato tecnológico. O desafio para a reindustrialização do Brasil passa pela adoção de políticas corretas que neutralizem essas causas. Dessa forma, se faz necessário uma mudança no regime de política macroeconômica no Brasil que permita a obtenção de uma taxa real de câmbio estável, competitiva e sustentável no médio de longo-prazo (Frenkel, 2014). Esse novo regime de política macroeconômica deve envolver a introdução de controles a entrada de capitais estrangeiros, imposto de exportação de commodities e desindexação da economia (Oreiro e Costa Santos, 2023) para permitir a obtenção da meta de inflação definida pelo conselho monetário nacional com níveis mais baixos de taxa de juros.
A redução do hiato tecnológico exige a adoção de políticas industriais seletivas baseadas no princípio da reciprocidade (Amsden, 2004, p. 38), ou seja, os incentivos dados as empresas industriais para aumentarem a sua capacitação tecnológica tem que estar atrelados a obtenção de padrões de desempenho monitoráveis, por natureza redistributivos e concentrados nos resultados, principalmente em termos de aumento das exportações e conquista de mercados externos.
Referências
Amsden. A (2004). A Ascenção do Resto: os desafios ao ocidente de economias com industrialização tardia. São Paulo: Editora Unesp.
Bresser-Pereira, L.C; Oreiro, J.L; Marconi, N. (2015). Developmental Macroeconomics: new-developmentalism as a growth strategy. Londres: Routledge
Frenkel, R. (2014). “How to manage a sustainable and stable competitive real exchange” In: Bresser-Pereira, L.C; Kregel, J; Burlamaqui, L. (Eds). Financial Stability and Growth: Perspectives of Financial Regulation and New-Developmentalism. Londres: Routledge Hidalgo, C. A.; Hausmann, R. (2009). The building blocks of economic Complexity. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(26), 10570–10575.
Lewis, W. A. (1954). “Economic development with unlimited supplies of labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, 28: 139-91
Oreiro, J. L. C.; Santos, J. F. C. (2023).” The Unfinished Stabilization of the Real Plan”. In: Fernando Ferrari Filho; Luiz Fernando de Paula. (Org.). Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies. 1ed.Chentenham: Edward Elgar, v. 1, p. 61-81.
Oreiro, J. L. C.; Gabriel, L. F. ; Damato, S. ; Silva, K. M. (2023). LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION. Panoeconomicus, v. 70, p. 601-625,
Oreiro, J. L., Manarin, L. L., Gala, P. (2022). Deindustrialization, economic complexity, and exchange rate overvaluation: the case of Brazil (1998-2017). PSL Quarterly Review, 73(295), 313–341
Mazzucato, M. (2014). O Estado Empreendor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo. Editora Schwarcz.
Rodrik, D. (2016). “Premature Deindustrialization”. Journal of Economic Growth, Vol.21, Issue 1, pp. 1-33.
Ros, J. (2013). Rethinking Econonomic Development, Growth and Institutions. Oxford: Oxford University Press.
Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge. Cambridge University Press.
Thirwall, A.P (2013). Economic Growth in an open Developing Economy. Edward Elgar: Cheltenham
O ano era 2018. Eleições Presidenciais. A besta do apocalipse, aquele quem não devemos dizer o nome, o filho do cão liderava as pesquisas para a presidência da República. A candidatura de Ciro Gomes, a qual eu inicialmente apoiava por ser mais próxima do projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (https://epoca.globo.com/economia/noticia/2018/02/quem-sao-os-conselheiros-economicos-dos-pre-candidatos-presidencia.html), que Bresser-Pereira e eu trabalhavamos a quase uma década, não decolava. Eu inclusive havia sido foco do, por assim dizer, “fogo amigo” de membros do inner core da campanha de Ciro Gomes que plantaram na Folha de São Paulo, por intermédio da Jornalista Daniela Lima, a mentira descabida de que eu estava me encontrando na surdina com banqueiros para discutir os projetos de Ciro Gomes para um mandato presidencial (https://www.facebook.com/jose.oreiro.3/posts/pfbid0UAQnnC23meGuQoespbRtgoALKD2UrRjxPnp5haZ9KpEcoGESuEgG6jA3JjMmHjHwl). Fui oposição ao governo Dilma Rousseff desde o início pois já previa o seu desastre, não por pedaladas fiscais (que coisa ridícula), mas pela sua incapacidade de administrar uma crise clássica sobre a distribuição de renda, que desembocou num “esmagamento de lucros” e no colapso da acumulação de capital (turbinada pelos efeitos da operação lava-jato comandada por aquela amostra da (sic) sapiência sulista, Sérgio Moro) no segundo semestre de 2014 (sobre isso ver https://www.scielo.br/j/ea/a/SxFbPNLxcStN6BKL7JTjtcT/). A única alternativa civilizada e honrada que me restava era votar no meu colega professor universitário Fernando Haddad.
Eu não conhecia o Haddad pessoalmente em 2018. Tudo o que sabia dele era que fora professor da USP, mas tinha se transferido (argh) pro Insper, comandado pelo ultra-liberal-ex-marxista Marcos Lisboa, ex-orientado da Maria da Conceição Tavares (argh), que era casado uma única vez com a mesma mulher e que era Cristão Ortodoxo. Como me disse certa vez meu colega e atual chefe de departamento na UnB, Roberto Ellery (sory chefe por te entregar), Haddad tinha cara de rico e professor da USP, tudo o contrário para se pleitear a Presidência da República (a não ser quando voce se chama Fernando Henrique Cardoso, tem lindos cabelos brancos, fala françês fluentemente e, por puro acaso da história, faz o único plano de estabilização da inflação da história do Brasil que funciona, o Plano Real).
Um belo dia antes do primeiro turno das eleições presidenciais, Joaquim Andrade, decano do departamento de economia da UnB, liga para o meu celular e pede, todo constrangido, se eu poderia assinar um manifesto em apoio a candidatura de Fernando Haddad para a presidência da República. Depois de hesitar por 0,00000000000 milésimo de segundo (Uma eternidade, como podem ver) eu declarei meu apoio incondicional e irrestrito ao professor da USP. Fiz sem esperar nada em troca a não ser a vitória da civilização contra a barbárie. Eu e outras centenas de economistas assinamos um manifesto em prol de Fernando Haddad para a Presidência da República (https://pt.org.br/economistas-lancam-manifesto-pro-haddad-premio-nobel-assina/). Infelizmente perdemos, e o mal absoluto governou o Brasil por 4 tenebrosos anos. Confesso que foi a única vez na minha vida que pensei em renunciar a cidadania brasileira e ir trabalhar na Espanha como professor da Universidade do País Basco em Bilbao (Da qual agora sou professor visitante: https://www.ehu.eus/es/web/doktoregoa/doctorado-integracion-economica/profesorado?p_cod_idioma=es&p_cod_proceso=doctorate&p_nav=605&p_cod_propuesta=1972&p_redirect=dameProfesorAjeno&p_idp=740329&p_dpa=740329). As negociações avançaram bastante, mas no final as questões familiares me fizeram ficar no Brasil a despeito do que ocorreu nas eleições de 2018.
Não é necessário falar aqui do governo do Coiso, pois me dediquei com afinco, neste espaço, não sem risco de ordem pessoal, a criticar ao mesmo e a seu gênio do mal, o por assim dizer, economista Paulo Guedes, Czar da Economia durante os tempos obscuros (um, entre muitos exemplos, pode ser encontrado em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/597197-a-embromacao-de-paulo-guedes-artigo-de-jose-luis-oreiro).
Pela Graça de Deus Todo Poderoso Luis Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente da República Federativa do Brasil no segundo turno das eleições de 2022. Fui convidado para fazer parte do governo de transição na equipe do Planejamento comandada pela minha colega e co-autora da UFRJ Esther Dweck (https://corecondf.org.br/conselheiros-do-corecon-df-fazem-parte-do-governo-de-transicao/?doing_wp_cron=1702865054.7510869503021240234375). Por questão de sigilo contratualmente acordado não posso expor os documentos a que tive acesso do governo do Coiso com as barbaridades que Paulo Guedes planejava contra o povo pobre e humilde do Brasil caso a besta do apocalipse tivesse sido reeleita. Mas asseguro que foi pela Misericórdia de Deus que nos livramos do imprestável.
Todo esse longo intróito foi para contextualizar o leitor sobre como Fernando Haddad, a quem eu havia conhecido em carne e osso em 2019 no Insper, assumiu o cargo de Ministro da Fazenda. Durante o governo de transição se especulou sobre quem seria o Ministro da Fazenda de Lula. Um jornal basco, de forma irresponsável, chegou a noticiar o meu nome como possível ministro da fazenda numa entrevista que eu dei antes do segundo turno das eleições quando em encontrava em Bilbao para uma banca de Tese de Doutorado na Universidade do País Basco (https://jlcoreiro.wordpress.com/category/el-correo-espanol/). Apesar de eu ter desmentido essa possibilidade durante a entrevista, o fato é que a mesma foi usada pelos meus inimigos dentro e fora do PT para queimar meu nome para qualquer cargo possível no futuro governo Lula III. Paciência, o Senhor deu o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor.
Após várias especulações, nenhuma delas fundadas, O Presidente Lula anuncia Fernando Haddad como o novo Ministro da Fazenda, algo que eu na entrevista para o jornal Basco já havia antecipado como inevitável. E ai o mercado financeiro teve uma TPM. Disseram que Haddad não era economista (Como se Antonio Palocci não fosse médico), ressuscitaram um sincericidio do Haddad dizendo que ele só havia estudado dois meses de economia (https://www.reuters.com/article/fact-check-haddad-economia-idUSL6N32Z0C3/), que o Haddad era comunista e iria transformar o Brasil numa Venezuela (https://www.youtube.com/watch?v=9aHLFNYfj0w).
Ataques de Bolsominions raivosos não são de espantar ninguem, mas eis que os auto-proclamados pais do Plano Real, Edmar Bacha, Arminio Fraga e Pérsia Arida em carta aberta ao Presidente Eleito Luis Inacio Lula da Silva datada de 17 de novembro de 2022 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/11/vai-cair-a-bolsa-aumentar-o-dolar-paciencia.shtml) criticaram as declarações de irresponsabilidade fiscal do novo governo ao afirmar que iria revogar o sacrosanto “Teto de Gastos” – essa relíquia da alquimia e do terraplanismo econômico que só foi adotada no Brasil e ainda mais como norma constitucional. Para os país do Plano Real a revogação do Teto de Gastos iria conduzir o Brasil a um “buraco negro fiscal” (obs: isso não existe em nenhum livro texto sério de economia) e faria com que o país virasse uma espécie de Venezuela, como era o desejo dos Bolsonaristas raivosos acampados em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, marchando que nem uns idiotas barrigudos e fisicamente despreparados e cantando hino nacional para pneu de caminhão. Eu e um conjunto de outros economistas Keynesianos e Desenvolvimentistas, sob a liderança intelectual do professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira fizemos uma contra-carta (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/11/18/carta-aberta-ao-presidente-lula/), refutando um a um os argumentos dos pais do Plano Real (By the way, passado mais de um ano, acertamos em cheio nossas previsões).
O novo governo assume a Presidência da República em 01/01/2023 sob a desconfiança generalizada do mercado financeiro a respeito da competência e seriedade de Fernando Haddad. Os eventos de 08 de janeiro dão uma trégua para o novo governo, mas a PEC da transição havia liquidado em definitivo a herança maldita de Michel Temer, o Teto de Gastos. Faltava algo para por no lugar. Haddad e sua equipe de não-economistas desenham um arcabouço fiscal que combinava uma regra de gastos com uma regra de resultado primário e (talvez) uma regra de dívida pública. Eu imediatamente me pronunciei contra o arcabouço afirmando que a ideia tinha um erro genético pois implicava num sistema sobre-determinado, ou seja, mais equações do que incógnitas (https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/6255). Falei com o Ministro por Whatsapp. Ele me assegurou que a variável de ajuste seria a arrecadação do governo e que o Ministério da Fazenda havia mapeado várias fontes de renúncia fiscal – muitas deles questionáveis do ponto de vista juridico – que poderiam render aos cofres públicos mais de 200 bilhões de reais de arrecadação sem que fosse necessário aumentar a carga tributária de jure. Como direito tributário não é minha praia, dei ao Ministro meu voto de confiança e não mais tratei do assunto por intermédio da imprensa, fazendo voluntariamente um voto de silêncio em favor do governo.
Os resultados do PIB do primeiro e do segundo trimestre de 2023 vieram bem acima do esperado do mercado financeiro. A inflação apresentou sinais consistentes de queda e o Ultra-Mega-Conservador Banco Central do Brasil, contra meus próprios prognósticos, começa um processo de redução lenta, gradual e segura da taxa de juros selic a partir de meados de 2023. Outra vitória do estilo conciliador de Fernando Haddad.
No segundo semestre de 2023 o Ministério da Fazenda se dedica a duas agendas cruciais para o país. A primeira, aprovar a reforma tributária dos impostos indiretos, extensamente discutida mas nunca implementada, nos últimos 40 anos. Para isso o Ministro da Fazenda escalou a maior autoridade brasileira no assunto, Bernard Appy. A segunda foi começar a cobrar impostos sobre o andar de cima, colocando na mesa a discussão sobre a tributação dos fundos de investimento off-shore e fundos específicos. A discussão posta em setembro de 2023 gerou uma reação dos endinheirados do Brasil que usando os seus think-thank regiamente pagos conseguiram a proeza de publicar na Folha de São Paulo um artigo que dizia que a população brasileira deveria se ajoelhar em agradecimento aos super-ricos pelas miganhas que eles permitiam cair de suas mesas. Essa afronta a decência, ao bom senso e a ciência econômica por rebatida veementemente por mim e por meu velho companheiro de armas Luiz Fernando de Paula em artigo publicado no site GNN (https://jornalggn.com.br/politica-fiscal/ser-rico-nao-e-pecado-mas-tem-que-pagar-imposto/). Ao que tudo indica nossa contra-ofensiva contra os endinheirados foi um êxito pois nunca mais nenhum deles se atreveu a retomar o assunto.
Eis que chegamos ao final de 2023. Haddad insiste em algo que ele sabe muito bem que não vai conseguir obter, a meta de resultado primário zero para 2024 (https://horadopovo.com.br/o-compromisso-do-haddad-nao-pode-ser-com-o-erro-diz-oreiro-sobre-meta-de-deficit-zero/). Disse isso em alto e bom som para o público e para ele em privado. Ele tem seu ponto. Sabe que as convenções do mercado financeiro são difíceis de serem mudadas, ainda quando estão erradas. Não se trata de conseguir uma meta de resultado primário zero em 2024 – todos sabemos que é impossível – mas passar o recado que o governo está comprometido com isso para não gerar turbulência desnecessária no mercado financeiro. Eu entendo a posição mas sou ferrenhamente partidário da ideia de que o melhor desinfetante é a luz do sol: o governo deve sempre e em todo o momento ser claro e transparente nas suas ações e intenções, reconhecendo os erros quando for necessário.
Eis que na última sexta-feira, diz 15 de dezembro, a câmara dos deputados aprova em dois turnos a PEC da reforma tributária que deverá seguir para promulgação presidencial antes do Natal. O homem que era visto como uma escolha muito ruim para o ministério da Fazenda de Lula 3 consegue aprovar a maior reforma constitucional – e a única que terá efeito positivo inquestionável sobre o desenvolvimento econômico do Brasil nos próximos 10 a 20 anos – da história do Brasil desde 1988. Um golaço de placa para quem era tido como perna de pau. Eu nunca o reputei dessa forma, embora não poucas vezes tenha discordado dele. Só me resta reconhecer a sua vitória. Ave César!
O grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, o maior grupo de pesquisa heterodoxo do Brasil (www.sdmrg.com.br), sediado no Departamento de Economia da Universidade de Brasília, irá organizar duas sessões especiais na Sétima Conferência Internacional da Astril (Associazone Studi e Richerche Interdisiciplinare Sul Lavoro) a ser realizado no Departamento de Economia da Universitá degli Studi Roma Tre, na cidade de Roma, Itália, no período de 25 a 26 de janeiro de 2024.
Vejam abaixo as sessões e os papers que serão apresentados, dois deles de autoria de alunos do curso de graduação em economia da UnB e um de autoria de um aluno do programa de doutorado em economia da UnB.
Structural Change and the Political Economy of Climate Change Session Proposal
Topic 3: Structural change, employment displacement, and social benefits
The Structural Development Macroeconomics Research Group (SDMRG) was founded back in 2008, in the aftermath of the “Great financial crisis”, and currently has more than thirty members from academic to policy circles in South America, Europe, and the United States (http://www.sdmrg.com.br/home). For the upcoming 7th ASTRIL conference, we would like to propose 2 hybrid sessions of 4-5 papers each:
SESSION 1
What drives oil dependence in the EU? An empirical assessment of technology-push and demand-pull factors (Federica Cappelli, University of Ferrara, In person)
European Union (EU) continues to depend heavily on fossil fuels since oil constitutes more than one-third of total energy available. We aim to understand what factors foster or reduce oil dependence in European countries, focusing on the role of environmental policies and eco-innovations. We exploit network analysis to represent the international oil trade network, allowing us to uncover different aspects of oil dependency. This information is then used within a proper econometric framework, which covers the period from 1999 to 2019 and accounts for the presence of cross-sectional dependence. Results indicate that both demand-pull and technology-push factors play a role in alleviating European countries’ dependency on oil, but, at the same time, the relative importance depends on how we define the concept of oil dependency.
Endogenous political cleavages and the social dimension of climate change (Marwil J. Davila-Fernandez, University of Siena, In person)
The ongoing transformation of the social base supporting political choices is happening in the context of raising demand for greater efforts to reduce carbon emissions. Our research question lies in the intersection between these two major themes. We develop a heterogeneous agent’s model that differentiates between left- and right-wing voting preferences in two main political dimensions: Economic-Distributive and Socio-Cultural. A continuous-time version of the discrete- choice approach describes the composition of the population over time. The model is compatible with the emergence of
“left-left”, “left-right”, “right-left”, and “right-right” coalitions, each associated with a carbon tax choice and whether to tax the skill premium. Through induced technical change, taxing emissions influences the development of carbon- neutral production techniques, impacting output and ultimately feeding political attitudes. Human capital accumulation results in a wage differential that influences production and feedback on inequality. We numerically study the implications of secularisation and the asymmetric effects of carbon taxes on low/high-skilled workers to green transition. It is shown that achieving absolute decoupling is a two-part problem. Reaching a consensus for implementing a carbon tax is only the first step. A sufficiently strong element of induced technical change favouring carbon-neutral production techniques is also necessary to avoid reducing living standards.
Policy coordination for ecological structural change: A macroeconomic model (Chiara Grazini, University of Tuscia, In person)
Ecological transition is based on ecological structural change that requires innovative macroeconomic policies, and this article proposes macroeconomic modelling to provide a baseline analytical framework to tackle this issue. Ecological policy coordination entails integrating the traditional tools of monetary and fiscal policies with typical industrial policies. Specifically, the macroeconomic modelling introduces an eco-Keynesian cross and an eco-3 equation model: ecological degrowth is the most straightforward approach to attaining environmental sustainability. The eco-3 equation model shows ecological macroeconomic policies’ positive role in fostering win-win environmental and social sustainability strategies and mitigating energy inflation by stimulating an ecological structural change. In the current geopolitical context of rising energy prices, mainstream monetary policy alone can merely reinstate the economy to its initial equilibrium and, in some instances, exacerbate the situation due to financial speculation. The imperative for policy coordination becomes even more pronounced. The coordination between less austere monetary stimulating green finance and ecological industrial and fiscal policies could not only overcome the inflationary shock but enable the economy to achieve the goal of sustainable and inclusive development.
The impact of trade liberalization and exchange rate undervaluation on exports, imports and balance of Latin American countries: An essay in honor of A. P. Thirlwall (Marcos Campo, University of Brasilia, Virtual)
This work aims to analyse the impact of trade liberalisations in the 80s and 90s on developing countries’ exports, imports, and trade balances. It expands and updates the study conducted by A. Santos-Paulino and A. P. Thirlwall in 2004 on the same topic but focuses on the case of Latin America. The mainstream premise that trade integration between countries always promotes development is disputed by some structuralist economic theories, especially in the context of developing nations. Critics argue that while implementing trade liberalisation reforms can improve a nation’s reach in international commerce, it also has a greater potential for foreign goods to infiltrate the national market. This can create an imbalance in the balance of payments and potentially lead to a foreign currency crisis, an issue historically associated with Latin American economies. We test this hypothesis using data from seven Latin American countries between 1970 and 2019 to estimate econometric models for exports, imports, and trade balance. Following the 2004 seminal paper, the econometric models include a dummy variable for liberalisation, which becomes positive in the year when liberalisation occurred, and the following years, to measure the impact of these reforms on the stated variables. A variable for the exchange rate undervaluation capturing the effect of the level of exchange rate value instead of the rate of change of exchange rate was also included in the analysis. Although the inherent uniqueness of each Latin American economy makes generalising the results difficult, the findings of the estimations support the idea that this type of trade liberalisation can produce currency imbalances that may lead to crises, as witnessed in the region in past decades.
SESSION 2
Political conflict, green capabilities and growth patterns in a Kaleckian small open economy (Julia Juarez, National Autonomous University of Mexico, In person)
The paper presents a Kaleckian model that discusses the condition for sustainable development, defined as a sustainable growth path in three dimensions: economic, social, and environmental. There are three actors in the model: green capitalists (G), brown capitalists (B) and workers (reds, R), whose different alliances define the level of three key parameters in the model: taxes, social expenditure and public investment in green capabilities, all defined as shares in GDP. Three political coalitions are formed: green-red, green-brown and red-brown. It is shown that the GR coalition can produce sustainable and inclusive growth. However, acute trade unbalances compromise growth in the medium term. The magnitude of the disequilibrium will depend very much on the capacity of public investment to boost non-price competitiveness based on green capabilities. The GB alliance, in turn, produces sustainable but not inclusive growth. In this case, the external imbalance will be less acute than with the GR coalition, but the budget deficit will remain high and unsustainable in the long run. Finally, the RB coalition will generate a path that is unsustainable from the point of view of the environment. In contrast, it may produce stable growth with some income redistribution in periods of high demand for commodity exports. We apply the model to the Latin American case and identify different patterns in the region in terms of the key parameters of the model.
Socio-environmental conflicts as a source of change in mining activities: the case of Chile (Gabriel Palazzo, Institute of Development Studies, In person)
Responding to climate change requires transitioning at pace and scale to low-carbon energy sources. Leading world economies are committing to the transition. However, the transition to a new energy system will require a considerable supply of minerals, whose extraction is associated with multiple environmental and social problems. In Chile, one of the main critical mineral suppliers of the world, 50% of all medium and large-scale mining is disputed by civil society. Our paper shows that those conflicts block mineral extraction in Chile and force mining companies and the government to negotiate with local communities. We compiled an unprecedented dataset that geo-localises and connects socio- environmental conflicts and show evidence of their impacts. In addition, we document how the regulation of mining activities has been forced to change because of the evolution of socio-environmental conflicts and the conquest of rights by indigenous people.
Bibliometric perspectives on the development in the Latin America and the Caribbean (Maria L. Almeida- Luz, University of Brasília, Virtual)
The evolution of development studies in Latin America and the Caribbean can be traced through various topics, interdisciplinary approaches, and methodological pluralism. This study applies bibliometric analysis to explore research patterns systematically and quantitatively in the academic literature. The analysis employs co-citation, bibliographic coupling, and co-occurrence networks to identify patterns, thematic clusters, and influential contributions within the scholarly discourse. The objective is to uncover historical and contemporary complexities, providing insights into potential directions for future research and policy considerations. Temporal dynamics underscore the importance of
historical context, while a consistent regional focus reflects a commitment to understanding the unique challenges Latin American and Caribbean countries face. Emerging themes, including extractive, renewable energy, and globalization, indicate responsiveness to contemporary realities. The study observes the region’s dynamic evolution of development studies, reflecting changes in its socio-political and economic landscape. Scholars have shifted focus from early examinations of historical legacies and colonization to contemporary explorations of democracy, social inequality, and globalization’s impact. This evolution emphasizes the need for a comprehensive understanding incorporating diverse perspectives, methodologies, and historical contexts. The synthesized overview of the development discourse in the region can guide future research and inform decision-making, contributing not only to academic scholarship but also offering practical implications for policymakers addressing the multifaceted challenges, opportunities, and progress in Latin America and the Caribbean.
A green new developmentalism strategy for a forest transition (Daniel M. Teixeira, University of Brasilia, Virtual)
The relationship between economic scale and its impacts on the environment is neither linear nor stable across economies and over time since it depends on the technologies adopted in a given production structure. In this context, the land-use change process in a country or region of sustained forest recovery after a long decline in forest cover in the early stages of economic development is called forest transition. Specifically concerning the forest sector, public policies should unlock investments in sustainable forest management to increase its contribution to the supply of food, fibres, and forest raw materials with the potential to replace fossil resources, as well as to capture and store carbon and provide other significant environmental services. This study aims to discuss the relationship between ecological structural change, forest transition, and the implications for a green new developmentalism strategy. This discussion takes place in the Brazilian context, where various policy instruments exist to combine forest protection and sustainable use while simultaneously achieving carbon emission reduction goals. Furthermore, forest policy management is decentralized among federal, state, and municipal governments, affirming the literature’s recommendation that the state’s role in a national eco-developmental strategy involves policy coordination, providing information during policy management, harmonizing policy instruments, and supporting all actors in identifying opportunities for economic diversification that contribute to environmental sustainability. Consequently, it is suggested that the national eco-developmental strategy must have a high priority on the governmental agenda.
Reindustrializing Brazil: a comprehensive analysis of industrial trajectory, policies and a forward- looking agenda (Luiza N. de Sousa, University of Brasilia, Virtual)
This study presents a thorough exploration of the trajectory of Brazil’s industrial sector, focusing on the nuanced process of deindustrialization and delving into the historical evolution of industrial policies, with particular attention to recent initiatives dating back to Lula’s first government and their outcomes. Embracing a heterodox viewpoint rooted in sector- specific economic growth and Kaldorian principles, the paper underscores the pivotal role of the industrial sector as a driver of overall economic prosperity. The paper advocates for a strategic industrial policy agenda to navigate Brazil towards reindustrialization, fostering sustained, long-term economic growth. By dissecting the industrial sector’s trajectory and examining Brazil’s prevailing industrial policy agenda, alongside insights from some developed nations actively pursuing reindustrialization, this study goes beyond analysis to propose a forward-looking industrial policy plan. Tailored to address Brazil’s unique challenges and opportunities, this study serves as a roadmap for policymakers, offering actionable recommendations to revitalize the industrial landscape.
“A reforma tributária é o primeiro passo para a reindustrialização, mas não é a solução final”, destacou o economista José Luis Oreiro
(crédito: Ed Alves/CB/DA PRESS)
“A reforma tributária é o primeiro passo para a reindustrialização, mas não é a solução final”, destacou o economista, ao criticar que a indústria brasileira está sendo penalizada com alta carga tributária, o que leva o país a um processo inverso de industrialização.
Oreiro criticou as elevadas taxas de juros definidas pelo Banco Central — que hoje está em 13,75%. “A reforma precisa atuar para propiciar a redução da taxa de juros e também manter um câmbio baixo.”
Oreiro ressaltou ainda que a indústria no Brasil é tratada com diferença, em relação aos tributos pagos, e afirmou que o processo de desindustrialização brasileira não é natural, como ocorre em outros países de renda alta. De acordo com o economista, o Brasil está desmobilizando a força industrial há muitos anos, e um dos motivos é o fato de ser ela um dos setores que mais sofre com fiscalização e arrecadação de impostos. Com essa prática, a indústria se tornou mais primitiva, o que impacta diretamente na força de trabalho, porque uma das maiores consequências da desinstalação é a falta da geração da força de renda.
“A indústria recebe tratamento diferenciado de outros setores, é onde mais ocorrem fiscalização e tributo mais alto, por isso a necessidade de uma reforma para corrigir esse processo”, alerta o professor.
A edição do jornal O Estado de São Paulo de hoje (30 de abril de 2023) apresenta uma matéria muito interessante intitulada “Economia brasileira perde relevância e tem a menor participação no PIB global em mais de 40 anos” (Ver: https://www.estadao.com.br/economia/economia-brasileira-perde-relevancia-e-tem-a-menor-participacao-no-pib-global-em-mais-de-40-anos/) na qual se apresentam dados que mostram a perda de relevância da economia Brasileira no cenário mundial nos últimos 40 anos. Segundo a matéria, que ser baseia em dados do FMI, a economia brasileira passou de cerca de 4% do PIB mundial em 1980, para cerca de 2,3% do PIB mundial ao final de 2023, uma queda de 42,5% na participação do Brasil na economia mundial num período de 43 anos.
Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos. Com efeito, como observamos na figura abaixo, que apresenta a média móvel decenal do crescimento do PIB per-capita brasileiro entre 1930 e 2017, no período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
Essa aceleração do crescimento da economia brasileira ocorreu simultaneamente com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB, a qual passou de 15% em 1947 para quase 22% em 1975, conforme figura abaixo extraída de Marconi e Rocha (2011). Desde então, a economia brasileira vem presenciando um processo de desindustrialização precoce ou prematura, a qual está claramente relacionada com a perda de dinamismo da economia brasileira nos últimos 40 anos.
Fonte: Marconi e Rocha (2011)
No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua, conforme figura abaixo construída a partir de dados do Banco Mundial, com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020.
Fonte: Banco Mundial
Esses dados mostram que a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB, ou seja, com a desindustrialização. Alguns economistas acreditam que a desindustrialização seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. De fato, existe uma desindustrialização que podemos classificar como “natural” resultante da combinação da diversificação da pauta de consumo com o aumento da participação dos serviços com o aumento da renda per-capita (Lei de Engel) e do crescimento mais acelerado da produtividade do trabalho na indústria relativamente aos demais setores de atividade econômica. Essa combinação de fatores explica porque a partir de um certo patamar de renda per-capita a participação do emprego industrial no emprego total e do valor adicionado na indústria no PIB começam a declinar. Essa desindustrialização natural, contudo, é um fenômeno de economias maduras nas quais a mão-de-obra foi totalmente transferida do setor de subsistência para o setor moderno, de maneira que os diferenciais de produtividade entre os setores de atividade econômica são relativamente pequenos. Nesse caso, a economia atinge um estado de maturidade (Kaldor, 1967) no qual o crescimento do PIB per-capita depende mais do avanço da fronteira tecnológica e do aumento do nível geral de produtividade do que da transformação da estrutura de emprego e produção permitida pela industrialização. Está claro que esse não é o caso do Brasil. A desindustrialização no Brasil tem início, no entanto, sem que a economia brasileira tivesse conseguido ultrapassar o “ponto de Lewis”, ou seja, com um percentual expressivo da força de trabalho alocada em atividades precárias ou de subsistência conforme podemos observar no quadro abaixo.
Source: Oreiro et al (2023).
Nesse contexto, tentar superar a perda de dinamismo por intermédio de um aumento massivo dos gastos com educação, como defendem alguns economistas, irá apenas atuar no sentido de aumentar a qualificação da mão-de-obra desempregada ou subempregada. Ros (2013), com base numa amostra de 87 países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que o nível educacional – medido pelo número de anos de estudo da força de trabalho com mais de 25 anos – e a participação do emprego industrial no emprego total possuem uma correlação alta (0,65) de maneira que podemos considerar as duas variáveis como complementares. Isso significa que para que seja possível um aumento do nível educacional da força de trabalho é necessário aumentar a participação do emprego industrial no emprego total, até porque as empresas que demandam uma mão-de-obra mais educada e qualificada são, em sua maioria, empresas do setor industrial ou empresas do setor de serviços que atendem as demandas do setor industrial.
Fonte: Ros (2013, p. 22)
Não é de admirar, portanto, o desinteresse cada vez maior de parte da sociedade brasileira pela formação universitária: um país que, nos últimos 40 anos, se tornou um grande fazendão pariu uma sociedade na qual uma parcela expressiva de cidadãos acha que os gastos do Estado Brasileiro com ensino superior e com ciência e tecnologia não passam de “boquinha” e “mamata” para “vagabundos”, “maconheiros” e “comunistas’.
A grande mídia, nos últimos 40 anos, criou bordões como “o agro é pop”, o “agro é tudo”. Constantemente somos bombardeados por propaganda subliminar que tenta convencer a sociedade brasileira que o agronegócio é uma máquina de prosperidade e de que a economia brasileira precisa desse setor para (sic) se desenvolver. Na verdade, contudo, a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com a perda de importância das exportações de manufaturados nas exportações totais, ou seja, com a reprimarização da pauta de exportações, como podemos visualizar na figura abaixo:
Fonte: Banco Mundial.
O agronegócio está bem longe de ser uma máquina de desenvolvimento como quer fazer parecer a grande mídia. Conforme dados apresentados na Tabela abaixo extraída do blog Valor Adicionado, a agropecuária é o setor que apresentou em 2020 a menor remuneração mensal do trabalho entre todos os setores de atividade econômica, menor inclusive do que a construção civil, cerca de 47% da remuneração paga na indústria de transformação e apenas 53% da remuneração média do trabalho no Brasil. Definitivamente o “agro não é pop”.
Em suma, para que o Brasil possa retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização. A evidência empírica recente parece apontar também para a existência de uma relação positiva entre industrialização e democracia (https://preprints.apsanet.org/engage/api-gateway/apsa/assets/orp/resource/item/61bbcb3e02c2146464287888/original/industrialization-and-democracy.pdf), de tal maneira que a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil.
Referências
Kaldor, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. New york State school of industrial and labor relations, Cornell University, Ithaca.
Marconi, N; Rocha, M. (2011). “Desindustrialização Precoce e Sobrevalorização da Taxa de Câmbio”. Texto para Discussão 1681, IPEA-DF.
OREIRO, J. L. C.; GABRIEL, L. F. ; DAMATO, S. ; SILVA, K. M. (2023). “LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION”. Panoeconomicus, no prelo.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford.
Eu gosto de ler as colunas dominicais de Samuel Pessoa na Folha de São Paulo. Não porque concorde com elas, mas porque elas me dão uma visão bastante clara do pensamento liberal brasileiro e, dessa forma, uma fonte quase inesgotável de ideias sobre como combater o liberalismo no Brasil. Na coluna publicada no domingo 05 de março de 2023, intitulada “Imposto sobre exportação de matérias-primas”, Samuel Pessoa faz menção a um artigo publicado na Economic History Review pelo historiador da USP Thales Zamberlan sobre os efeitos da tributação das exportações de algodão no Brasil no período 1800-1860. Segundo o estudo a imposição do imposto de exportação sobre algodão gerou uma queda acentuada das exportações brasileiras dessa produto na primeira metade do século XIX, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos (na verdade no sul dos Estados Unidos onde prevalecia a monocultura escravista de exportação) onde ocorreu um elevado aumento das exportações de algodão para a Inglaterra (algo que certamente atuou no sentido de alongar a escravidão nos Estados Unidos por algumas décadas).
Samuel Pessoa comenta que devido a imposição do imposto de exportação, ocorreu um descasamento entre a produtividade da produção de algodão nos Estados Unidos e a produção de algodão no Brasil, o que teria inviabilizado a produção de algodão no Maranhão.
Esse artigo de Samuel Pessoa suscita uma série de questões que marcam claramente a diferença entre o pensamento liberal e o pensamento desenvolvimentista. Primeiramente a argumentação de Pessoa deixa explicita a ideia de que o imposto de exportação sobre algodão foi uma medida equivocava porque (i) reduziu as exportações de algodão e (ii) levou a um aumento do hiato de produtividade entre a produção de algodão nos Estados Unidos e a produção brasileira. A redução das exportações de um produto primário pode ser um problema para países que enfrentam um desequilíbrio estrutural externo no Balanço de Pagamentos, como é o caso do Brasil ao longo da maior parte do período pós-independência. Trata-se aliás de um problema reconhecido por Raul Prebisch e pela Cepal, que desaconselhavam a introdução de medidas de política econômica que restringissem as exportações de produtos primários, pois as divisas geradas por essas exportações eram fundamentais para o financiamento do processo de industrialização por substituição de importações. Já o aumento do hiato tecnológico intra-setorial (produção de algodão) não será um problema relevante se as restrições a exportação de produtos primários permitirem um aumento da oferta desses produtos no mercado interno, reduzindo assim seus preços e possibilitando a transformação desses produtos em bens manufaturados, os quais estarão disponíveis tanto para o mercado interno como para a exportação. Essa medida foi adotada pelo Rei Henrique VII da Inglaterra que ao assumir o trono em 1485 percebeu que:
“Quando, posteriormente, Henrique assumiu a chefia do seu reino que estava empobrecido, com vários anos de produção de lã hipotecados a banqueiros italianos , ele se lembrou se sua adolescência no continente. Na Borgonha, não só os produtores têxteis , mas também os padeiros e outros artesãos estavam abastados. A Inglaterra estava no negócio errado: o rei percebeu isso e definiu uma política para tornar a Inglaterra uma nação produtora de têxteis, não uma exportadora de matérias-primas”
“Henrique VII criou um considerável arsenal de política econômica. Sua primeira e mais importante ferramenta eram as tarifas de exportação: os produtores de têxteis estrangeiros teriam de processar as matérias-primas mais caras que suas contrapartes inglesas. Aos fabricantes de lã recem-estabelecidos concediam-se isenção fiscal por certo período e monopólios em determinadas regiões. Também houve uma política para atrair artesãos e empreendedores do exterior, especialmente da Holanda e da Itália (…) Tal como Veneza e Holanda, a Inglaterra posicionou-se na situação de renda tripla: um setor comercial forte, monopólio sobre determinada matéria-prima (lã) e comércio ultra-marino” (Reinert, 2016, pp. 128-129).
Em resumo, Henrique VII intuiu que o desenvolvimento econômico não é o resultado de se fazer de maneira mais eficiente a mesma atividade econômica, mas decorre da mudança estrutural: deslocar recursos produtivos dos setores com menor valor adicionado per-capita (a produção e exportação de lã) para os setores com maior valor adicionado per-capita (a produção e exportação de produtos têxteis).
Isso posto, o resultado logicamente esperado da introdução de um imposto de exportação de matérias-primas é a redução das exportações das mesmas para incentivar a substituição de importações de produtos manufaturados por produção local, num primeiro momento, para na sequência, após aproveitadas as economias de aprendizado tecnológico, passar para a exportação de produtos manufaturados que utilizem como insumos as matérias-primas que antes eram exportadas. Esse é o verdadeiro caminho da Riqueza das Nações.
O objetivo do artigo de Pessoa foi atacar a surpreendente medida adotada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada de criar um imposto de exportação sobre o petróleo cru. Ao criticar o imposto de exportação criado por Haddad, Pessoa curiosamente não utiliza o argumento desenvolvido na primeira parte do artigo mas faz referência a uma suposta quebra contratual com relação as petroleiras que entraram nos leilões de blocos de petróleo. Esse argumento me parece estapafúrdio: só haveria quebra de contratos se o governo brasileiro tivesse explicitamente se comprometido em manter as exportações de petróleo isentas de tributação. Não existindo essa restrição não se pode falar de quebra de contratos.
A lógica da tributação das exportações de petroleo cru é aumentar a oferta para o mercado interno e assim estimular o refino do petróleo no Brasil, substituindo importações de derivados de petróleo por produção doméstica. Como existe uma grande capacidade ociosa nas refinarias brasileiras então essa medida irá reduzir as importações, aumentando o saldo da balança comercial, e estimular a geração de empregos no setor de refino de petróleo. No final o Brasil irá adicionar valor ao petróleo produzido domesticamente, gerando uma massa maior de salários e lucros no mercado interno, a qual será gasta com a compra de produtos made in Brazil. Intencionalmente ou não o Ministro da Fazenda Fernando Haddad está adotando uma das políticas econômicas defendidas pela escola novo-desenvolvimentista Brasileira. Da minha parte só tenho que parabenizar o Ministro Fernando Haddad.
Referências
Reinert, E.S. (2016). “Como os países ricos ficaram ricos … e porque os países pobres continuam pobres”. Contraponto: Rio de Janeiro.
“O que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros”, disse o economista da UnB
O economista José Luis Oreiro defendeu nesta quarta-feira (1) que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) inicie o ciclo de redução da taxa de juros da economia (Selic). O Copom realiza hoje a sua primeira reunião do ano e decide se manterá a Selic no atual patamar de 13,75%, ou se reajusta para baixo ou para cima a taxa.
Para Oreiro, “o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Se você olhar a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022 não vão se repetir”, afirmou o professor da UnB, em entrevista à Hora do Povo.
O economista também afirmou que o BC tem perseguido metas de inflação que não correspondem à realidade.
“O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado”, avaliou o economista.
Oreiro alertou, ainda, que o caso das Lojas Americanas pode ser apenas o começo de uma crise financeira no setor de varejo e que a taxa de juros mantida em níveis elevados pode agravar ainda mais este problema.
“O caso das Lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas”. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros”, defendeu Oreiro.
Leia, na sequência, a íntegra da declaração do economista José Luis Oreiro ao HP.
JURO REAL EXTRAORDINARIAMENTE ELEVADO
“Na minha opinião, o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Cupom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Você tem aí uma taxa de juros real de mais de 6%. a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta, que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022, não vão se repetir. Um exemplo, a gente está vendo o índice pluviométrico no Brasil está muito elevado, isso significa que os reservatórios das usinas hidrelétricas vão aumentar consideravelmente o seu nível num período de chuvas, que terminam agora em abril. Então, muito provavelmente a gente não vai ter que acionar as usinas térmicas. Nós vamos ter um período de tranquilidade nas tarifas de energia elétrica ao longo do ano de 2023. Isso já alivia a pressão da energia sobre a inflação”.
“Então, assim, embora a meta de inflação seja de 3,25 e com teto de um e meio, daria 4,75, portanto a inflação projetada para esse ano ainda esteja acima da meta, o problema é que a meta de inflação é irrealista. O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado.”
“O caso das lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive, o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros. Se fosse eu o presidente do Banco Central reduziria hoje a Selic de 13,75% para 13%.”
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)