O Índice de Variação de Aluguéis Residenciais (IVAR) subiu 0,76% no mês de abril de 2023. O resultado representa uma desaceleração em relação à taxa registrada em março, quando houve elevação de 0,97%. Com esse resultado, a taxa acumulada em 12 meses passou de 8,90% em março deste ano para 8,84% no mês de abril.
O economista José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, explica quais motivos levaram a esse cenário de desaceleração do Índice de Variação de Aluguéis. “A razão da desaceleração do Índice de Aluguéis, que capta a inflação dos aluguéis está diretamente relacionada ao comportamento do IGPM. Por lei os contratos de aluguéis devem ser reajustados anualmente pelo Índice Geral de Preço de Mercado.”
De março para abril, duas das quatro cidades componentes do IVAR apresentaram queda no indicador. No último mês, Rio de Janeiro registrou queda de 0,25%. Já em Belo Horizonte foi notada uma redução de 3,83%. Por outro lado, São Paulo teve uma elevação de 2,30%, enquanto Porto Alegre, de 1,24%.
Quando a comparação é feita entre abril deste ano com o mesmo mês do ano passado, Rio de Janeiro e Belo Horizonte voltam a apresentar queda no indicador. Enquanto a capital fluminense passou de 10,24% para 9,63%, a mineira passou de 14,79% para 10,48%. Já São Paulo subiu de 7,32% para 8,41%; enquanto Porto Alegre passou de 6,95% para 7,40%.
Tendência de redução
Conforme o economista Oreiro, a tendência para os próximos meses é de redução no índice.
“O IGPM acumulado nos últimos 12 meses tem desacelerado, inclusive no mês passado ele teve variação negativa e o Índice caiu basicamente por duas razões. Em primeiro lugar, porque houve uma valorização do real frente ao dólar como IGPM. Quando há uma valorização do real frente ao dólar, então muitas mercadorias caem de preço porque elas são importadas ou bem extracionável, então o seu preço acaba ficando mais barato em reais”.
O IVAR é o indicador que mede a evolução mensal dos valores de aluguéis residenciais do mercado de imóveis no Brasil. A próxima divulgação pelo FGV-IBRE está prevista para o dia 7 de junho próximo.
José Luís Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília, defende, em artigo que reproduzimos na íntegra, que “o Brasil” para “retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização”.
Com dados, o economista mostra que “a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB”, iniciada com a era neoliberal dos anos 80/90.
“No período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos”, sustentou.
“Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos”, aponta Oreiro.
“No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020”.
Oreiro desmonta a tese de que a perda da indústria de transformação seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. Ele afirma que este “não é o caso do Brasil”.
Segundo o economista, “a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil”, asseverou.
Por que o Brasil está se tornando economicamente irrelevante?
JOSÉ LUIS OREIRO*
A edição do jornal O Estado de São Paulo de hoje (30 de abril de 2023) apresenta uma matéria muito interessante intitulada “Economia brasileira perde relevância e tem a menor participação no PIB global em mais de 40 anos” (Ver: https://www.estadao.com.br/economia/economia-brasileira-perde-relevancia-e-tem-a-menor-participacao-no-pib-global-em-mais-de-40-anos/) na qual se apresentam dados que mostram a perda de relevância da economia Brasileira no cenário mundial nos últimos 40 anos. Segundo a matéria, que ser baseia em dados do FMI, a economia brasileira passou de cerca de 4% do PIB mundial em 1980, para cerca de 2,3% do PIB mundial ao final de 2023, uma queda de 42,5% na participação do Brasil na economia mundial num período de 43 anos.
Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos. Com efeito, como observamos na figura abaixo, que apresenta a média móvel decenal do crescimento do PIB per-capita brasileiro entre 1930 e 2017, no período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
Essa aceleração do crescimento da economia brasileira ocorreu simultaneamente com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB, a qual passou de 15% em 1947 para quase 22% em 1975, conforme figura abaixo extraída de Marconi e Rocha (2011). Desde então, a economia brasileira vem presenciando um processo de desindustrialização precoce ou prematura, a qual está claramente relacionada com a perda de dinamismo da economia brasileira nos últimos 40 anos.
Fonte: Marconi e Rocha (2011)
No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua, conforme figura abaixo construída a partir de dados do Banco Mundial, com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020.
Esses dados mostram que a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB, ou seja, com a desindustrialização. Alguns economistas acreditam que a desindustrialização seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. De fato, existe uma desindustrialização que podemos classificar como “natural” resultante da combinação da diversificação da pauta de consumo com o aumento da participação dos serviços com o aumento da renda per-capita (Lei de Engel) e do crescimento mais acelerado da produtividade do trabalho na indústria relativamente aos demais setores de atividade econômica. Essa combinação de fatores explica porque a partir de um certo patamar de renda per-capita a participação do emprego industrial no emprego total e do valor adicionado na indústria no PIB começam a declinar. Essa desindustrialização natural, contudo, é um fenômeno de economias maduras nas quais a mão-de-obra foi totalmente transferida do setor de subsistência para o setor moderno, de maneira que os diferenciais de produtividade entre os setores de atividade econômica são relativamente pequenos. Nesse caso, a economia atinge um estado de maturidade (Kaldor, 1967) no qual o crescimento do PIB per-capita depende mais do avanço da fronteira tecnológica e do aumento do nível geral de produtividade do que da transformação da estrutura de emprego e produção permitida pela industrialização. Está claro que esse não é o caso do Brasil. A desindustrialização no Brasil tem início, no entanto, sem que a economia brasileira tivesse conseguido ultrapassar o “ponto de Lewis”, ou seja, com um percentual expressivo da força de trabalho alocada em atividades precárias ou de subsistência conforme podemos observar no quadro abaixo.
Source: Oreiro et al (2023).
Nesse contexto, tentar superar a perda de dinamismo por intermédio de um aumento massivo dos gastos com educação, como defendem alguns economistas, irá apenas atuar no sentido de aumentar a qualificação da mão-de-obra desempregada ou subempregada. Ros (2013), com base numa amostra de 87 países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que o nível educacional – medido pelo número de anos de estudo da força de trabalho com mais de 25 anos – e a participação do emprego industrial no emprego total possuem uma correlação alta (0,65) de maneira que podemos considerar as duas variáveis como complementares. Isso significa que para que seja possível um aumento do nível educacional da força de trabalho é necessário aumentar a participação do emprego industrial no emprego total, até porque as empresas que demandam uma mão-de-obra mais educada e qualificada são, em sua maioria, empresas do setor industrial ou empresas do setor de serviços que atendem as demandas do setor industrial.
Fonte: Ros (2013, p. 22)
Não é de admirar, portanto, o desinteresse cada vez maior de parte da sociedade brasileira pela formação universitária: um país que, nos últimos 40 anos, se tornou um grande fazendão pariu uma sociedade na qual uma parcela expressiva de cidadãos acha que os gastos do Estado Brasileiro com ensino superior e com ciência e tecnologia não passam de “boquinha” e “mamata” para “vagabundos”, “maconheiros” e “comunistas’.
A grande mídia, nos últimos 40 anos, criou bordões como “o agro é pop”, o “agro é tudo”. Constantemente somos bombardeados por propaganda subliminar que tenta convencer a sociedade brasileira que o agronegócio é uma máquina de prosperidade e de que a economia brasileira precisa desse setor para (sic) se desenvolver. Na verdade, contudo, a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com a perda de importância das exportações de manufaturados nas exportações totais, ou seja, com a reprimarização da pauta de exportações, como podemos visualizar na figura abaixo:
Fonte: Banco Mundial.
O agronegócio está bem longe de ser uma máquina de desenvolvimento como quer fazer parecer a grande mídia. Conforme dados apresentados na Tabela abaixo extraída do blog Valor Adicionado, a agropecuária é o setor que apresentou em 2020 a menor remuneração mensal do trabalho entre todos os setores de atividade econômica, menor inclusive do que a construção civil, cerca de 47% da remuneração paga na indústria de transformação e apenas 53% da remuneração média do trabalho no Brasil. Definitivamente o “agro não é pop”.
Em suma, para que o Brasil possa retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização. A evidência empírica recente parece apontar também para a existência de uma relação positiva entre industrialização e democracia (https://preprints.apsanet.org/engage/api-gateway/apsa/assets/orp/resource/item/61bbcb3e02c2146464287888/original/industrialization-and-democracy.pdf), de tal maneira que a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil.
Referências
Kaldor, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. New york State school of industrial and labor relations, Cornell University, Ithaca.
Marconi, N; Rocha, M. (2011). “Desindustrialização Precoce e Sobrevalorização da Taxa de Câmbio”. Texto para Discussão 1681, IPEA-DF.
OREIRO, J. L. C.; GABRIEL, L. F. ; DAMATO, S. ; SILVA, K. M. (2023). “LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION”. Panoeconomicus, no prelo.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford.
*JOSÉ LUIS OREIRO, possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992), mestrado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996) e doutorado em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). Atualmente é professor adjunto do departamento de economia da Universidade de BrasÍlia.
A edição do jornal O Estado de São Paulo de hoje (30 de abril de 2023) apresenta uma matéria muito interessante intitulada “Economia brasileira perde relevância e tem a menor participação no PIB global em mais de 40 anos” (Ver: https://www.estadao.com.br/economia/economia-brasileira-perde-relevancia-e-tem-a-menor-participacao-no-pib-global-em-mais-de-40-anos/) na qual se apresentam dados que mostram a perda de relevância da economia Brasileira no cenário mundial nos últimos 40 anos. Segundo a matéria, que ser baseia em dados do FMI, a economia brasileira passou de cerca de 4% do PIB mundial em 1980, para cerca de 2,3% do PIB mundial ao final de 2023, uma queda de 42,5% na participação do Brasil na economia mundial num período de 43 anos.
Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos. Com efeito, como observamos na figura abaixo, que apresenta a média móvel decenal do crescimento do PIB per-capita brasileiro entre 1930 e 2017, no período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
Essa aceleração do crescimento da economia brasileira ocorreu simultaneamente com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB, a qual passou de 15% em 1947 para quase 22% em 1975, conforme figura abaixo extraída de Marconi e Rocha (2011). Desde então, a economia brasileira vem presenciando um processo de desindustrialização precoce ou prematura, a qual está claramente relacionada com a perda de dinamismo da economia brasileira nos últimos 40 anos.
Fonte: Marconi e Rocha (2011)
No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua, conforme figura abaixo construída a partir de dados do Banco Mundial, com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020.
Fonte: Banco Mundial
Esses dados mostram que a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB, ou seja, com a desindustrialização. Alguns economistas acreditam que a desindustrialização seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. De fato, existe uma desindustrialização que podemos classificar como “natural” resultante da combinação da diversificação da pauta de consumo com o aumento da participação dos serviços com o aumento da renda per-capita (Lei de Engel) e do crescimento mais acelerado da produtividade do trabalho na indústria relativamente aos demais setores de atividade econômica. Essa combinação de fatores explica porque a partir de um certo patamar de renda per-capita a participação do emprego industrial no emprego total e do valor adicionado na indústria no PIB começam a declinar. Essa desindustrialização natural, contudo, é um fenômeno de economias maduras nas quais a mão-de-obra foi totalmente transferida do setor de subsistência para o setor moderno, de maneira que os diferenciais de produtividade entre os setores de atividade econômica são relativamente pequenos. Nesse caso, a economia atinge um estado de maturidade (Kaldor, 1967) no qual o crescimento do PIB per-capita depende mais do avanço da fronteira tecnológica e do aumento do nível geral de produtividade do que da transformação da estrutura de emprego e produção permitida pela industrialização. Está claro que esse não é o caso do Brasil. A desindustrialização no Brasil tem início, no entanto, sem que a economia brasileira tivesse conseguido ultrapassar o “ponto de Lewis”, ou seja, com um percentual expressivo da força de trabalho alocada em atividades precárias ou de subsistência conforme podemos observar no quadro abaixo.
Source: Oreiro et al (2023).
Nesse contexto, tentar superar a perda de dinamismo por intermédio de um aumento massivo dos gastos com educação, como defendem alguns economistas, irá apenas atuar no sentido de aumentar a qualificação da mão-de-obra desempregada ou subempregada. Ros (2013), com base numa amostra de 87 países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que o nível educacional – medido pelo número de anos de estudo da força de trabalho com mais de 25 anos – e a participação do emprego industrial no emprego total possuem uma correlação alta (0,65) de maneira que podemos considerar as duas variáveis como complementares. Isso significa que para que seja possível um aumento do nível educacional da força de trabalho é necessário aumentar a participação do emprego industrial no emprego total, até porque as empresas que demandam uma mão-de-obra mais educada e qualificada são, em sua maioria, empresas do setor industrial ou empresas do setor de serviços que atendem as demandas do setor industrial.
Fonte: Ros (2013, p. 22)
Não é de admirar, portanto, o desinteresse cada vez maior de parte da sociedade brasileira pela formação universitária: um país que, nos últimos 40 anos, se tornou um grande fazendão pariu uma sociedade na qual uma parcela expressiva de cidadãos acha que os gastos do Estado Brasileiro com ensino superior e com ciência e tecnologia não passam de “boquinha” e “mamata” para “vagabundos”, “maconheiros” e “comunistas’.
A grande mídia, nos últimos 40 anos, criou bordões como “o agro é pop”, o “agro é tudo”. Constantemente somos bombardeados por propaganda subliminar que tenta convencer a sociedade brasileira que o agronegócio é uma máquina de prosperidade e de que a economia brasileira precisa desse setor para (sic) se desenvolver. Na verdade, contudo, a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com a perda de importância das exportações de manufaturados nas exportações totais, ou seja, com a reprimarização da pauta de exportações, como podemos visualizar na figura abaixo:
Fonte: Banco Mundial.
O agronegócio está bem longe de ser uma máquina de desenvolvimento como quer fazer parecer a grande mídia. Conforme dados apresentados na Tabela abaixo extraída do blog Valor Adicionado, a agropecuária é o setor que apresentou em 2020 a menor remuneração mensal do trabalho entre todos os setores de atividade econômica, menor inclusive do que a construção civil, cerca de 47% da remuneração paga na indústria de transformação e apenas 53% da remuneração média do trabalho no Brasil. Definitivamente o “agro não é pop”.
Em suma, para que o Brasil possa retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização. A evidência empírica recente parece apontar também para a existência de uma relação positiva entre industrialização e democracia (https://preprints.apsanet.org/engage/api-gateway/apsa/assets/orp/resource/item/61bbcb3e02c2146464287888/original/industrialization-and-democracy.pdf), de tal maneira que a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil.
Referências
Kaldor, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. New york State school of industrial and labor relations, Cornell University, Ithaca.
Marconi, N; Rocha, M. (2011). “Desindustrialização Precoce e Sobrevalorização da Taxa de Câmbio”. Texto para Discussão 1681, IPEA-DF.
OREIRO, J. L. C.; GABRIEL, L. F. ; DAMATO, S. ; SILVA, K. M. (2023). “LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION”. Panoeconomicus, no prelo.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford.
A vida do Presidente Central do Brasil não tem sido nada fácil nos 100 dias de governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Dia sim e outro também o Presidente Lula ataca a política monetária do Banco Central do Brasil que insiste em manter a taxa selic em 13,75 % a.a num contexto em que a inflação medida pelo IPCA acumulada em 12 meses acumulou alta de 4,65% em março de 2023 (https://www.remessaonline.com.br/blog/ipca-hoje/#:~:text=O%20valor%20do%20IPCA%20hoje%20est%C3%A1%20em%200%2C71%25%2C,puxada%20pela%20alta%20da%20gasolina.) mesmo após a re-oneração parcial dos impostos sobre combustíveis feita pelo governo federal.
A taxa real de juros (ex-post) se encontra no patamar de 8,69% a.a, quase 300 pontos base acima da média da taxa selic no período 1999-2022 de “apenas” 5,91% a.a. Isso num contexto em que a inflação acumulada em 12 meses está quase 200 pontos base abaixo da média do período 1999-2022 de 6,43% a.a. Trata-se da mais elevada taxa real de juros praticada entre as maiores economias do mundo como podemos observar na figura abaixo:
Ao ouvir de um empresário na Lide Brasil Conference nesta sexta-feira dia 21 de abril de que o elevado patamar da taxa selic atrapalha o crescimento do Brasil, Campos Neto recorreu ao velho arsenal de ideias desgastadas pelo uso recorrente para explicar o inexplicável. Campos Neto apresentou os seguinte argumentos:
Apenas 20% do crédito é ligado a Selic, o resto depende de taxas longas que o Banco Central não controla.
Se a redução da Selic não for (sic) crível então as taxas de juros longas não vão cair.
A taxa selic está no patamar que se encontra devido a obstrução dos canais de transmissão da política monetária por parte do crédito direcionado, o qual ao reduzir as taxas cobradas sobre algumas linhas de crédito (o crédito agrícola e o habitacional, por exemplo) faz com que seja necessário uma dosagem maior da taxa de juros básica para que o Banco Central consiga atingir a meta de inflação.
Antes de escrever este post, fui consultar o verbete sobre o Presidente do Banco Central do Brasil na wikipedia onde se pode constatar que Roberto Campos Neto é graduado em economia com especialização em finanças pela Universidade da Califórnia, tendo sua atuação profissional operador no mercado financeiro com passagens pelo Banco Bozano-Simonsen e Santander. Sua formação acadêmica e sua experiência profissional não tem nenhuma relação com Política Monetária, algo que deveria ser condição sine qua non para qualquer pessoa que exerça a presidência do Banco Central do Brasil, ainda mais agora na fase em que o Banco Central é uma “instituição autônoma” e, portanto, livre de pressões políticas.
Essa constatação me fez pensar que talvez o problema de Roberto Campos Neto não seja ele ser, conforme a versão que circula livremente em Brasília, um agente infiltrado do Bolsonarismo no governo Lula com o objetivo de sabotar o governo por intermédio de uma política monetária excruciantemente contracionista. Acredito que Roberto Campos Neto padeça do efeito “Dunning-Krueger” (https://blog.psicologiaviva.com.br/o-efeito-dunning-kruger/) definido como uma situação na qual a pessoa é ignorante sobre a própria ignorância, e por isso acredita piamente ser um gênio incompreendido.
Vamos aos argumentos apresentados por Campos Neto.
A taxa selic é a chamada taxa básica de juros, ou seja, a meta anual para a taxa de juros dos empréstimos no mercado interbancário, no qual ao final de cada dia os bancos compensam tomam emprestado ou emprestam a diferença entre as suas reservas no Banco Central e as reservas compulsórias. Como a política monetária é operada por intermédio de uma meta para a taxa de juros do interbancário, o Banco Central é obrigado a atuar como emprestador de ultima instância e ofertar as reservas que os bancos comerciais demandem a essa taxa. Em outras palavras, a oferta de reservas bancárias é endógena, determinada pela demanda dos bancos comerciais.
Mas a taxa selic não é apenas a taxa de juros do mercado interbancário. Ela também é a taxa de juros de uma parcela considerável de títulos da dívida pública, as assim chamadas Letras do Tesouro Nacional, sendo equivalente a 42,31% da dívida mobiliária federal. Como as Letras Financeiras do Tesouro tem duration zero no sentido de Macauley (Oreiro e Paula, 2021, p.78) segue-se que a taxa de juros selic também é a taxa de juros livre de risco da economia brasileira, sendo assim um dos determinantes do custo médio ponderado do capital, o qual é o custo de oportunidade dos projetos de investimento. Dessa forma, mesmo que um projeto de investimento seja 100% autofinanciado, a taxa de juros selic irá influenciar a decisão de investimento na medida que é um dos determinantes do custo do capital. É espantoso como uma pessoa que trabalhou tantos anos no mercado financeiro desconheça um fato tão simples como esse.
O custo médio ponderado do capital é a média entre a taxa de juros do capital próprio (igual a soma entre a taxa de juros livre de risco e o prêmio de risco específico ao projeto de investimento), ponderada pela participação do capital próprio na estrutura de capital da firma, e a taxa de juros do capital de terceiros, ponderada pela participação do capital de terceiros no capital próprio. O capital de terceiros pode ser obtido no mercado de crédito, na forma de empréstimos dos bancos comerciais ou de bancos de desenvolvimento como o BNDES; ou no mercado de capitais por intermédio da venda de títulos de dívida junto a instituições financeiras não bancárias. Os argumentos 2 e 3 de Campos Neto se referem a taxa de juros do capital de terceiros.
Vamos começar supondo que uma firma deseje lançar títulos no mercado de capitais para financiar um projeto de investimento cujo horizonte é de 10 anos. Para evitar descasamento de prazos entre ativos e passivos o ideal é que a firma emita um título de dívida de 10 anos de prazo de maturidade. O preço de mercado desse título será igual valor presente do fluxo de juros que a firma promete pagar ao longo desse período acrescido de um valor de resgate do título ao final do seu prazo de maturidade. A taxa de juros que iguala o preço do título ao valor presente desse fluxo de caixa é a taxa de juros na maturidade, ou seja, a taxa de juros que o comprador do título vai receber se mantiver o título em carteira até o final de seu prazo de vencimento. Como se trata de um título de 10 anos podemos dizer que se trata de uma taxa de juros de 10 anos. Como é determinado a taxa de juros desse título? O comprador do título tem sempre a opção de comprar um título da dívida pública de igual prazo de maturidade. Como os títulos públicos são livres de risco, segue-se que a taxa de juros de longo-prazo do título privado será igual a taxa de juros de longo-prazo dos títulos públicos acrescida do prêmio de risco que os títulos privados tem que pagar relativamente aos títulos públicos. Dessa forma, se a taxa de juros de longo-prazo dos títulos públicos aumentar; segue-se que a taxa de juros dos títulos privados também irá subir, aumentando o custo do capital de terceiros e, portanto, o custo médio ponderado do capital.
No caso de uma LFT a taxa de juros na maturidade será sempre igual a taxa selic, de forma que não há distinção entre a taxa de juros de curto-prazo e a taxa de juros de longo-prazo, ou seja, a curva de rendimentos é horizontal. Para os títulos públicos pré-fixados, cuja participação na dívida mobiliária federal era de 24,6% em fevereiro de 2023, a lógica de determinação da taxa de juros na maturidade é similar a dos títulos privados. Contudo, um título pré-fixado com um prazo de maturidade de 10 anos é substituto (imperfeito) de um título de prazo de maturidade de 1 ano, cuja aplicação pode ser renovada por 9 anos. Dessa forma, a taxa de juros na maturidade de um título público de 10 anos será igual a média geométrica do valor corrente da taxa de juros de um ano (a taxa selic no ano 1) e das expectativas que os compradores de títulos formam no ano 1 a respeito da taxa selic para o período i=2, …10.
O Presidente do Banco Central afirma que (ponto 2 acima) que se a redução da taxa de juros de curto-prazo não for crível, então a taxa de juros de longo-prazo não irá cair. Como a taxa longa nada mais é do que a média geométrica das expectativas de mercado sobre o valor futuro da taxa curto, o que Campos Neto quer dizer é que as expectativas que o mercado formula sobre o comportamento futuro do Banco Central, que é quem tem o poder para fixar a taxa selic a cada instante do tempo, não são compatíveis com o comportamento corrente do Banco Central. Parece confuso, mas não é. O que Campos Neto quer dizer é o seguinte “se eu fizer uma redução da taxa de juros que o mercado considere incompatível com o cumprimento da meta de inflação no futuro, então o mercado vai antecipar uma elevação futura da taxa selic que terá como consequência a manutenção da taxa longa em patamares elevados“.
O problema é que as expectativas do mercado sobre o comportamento futuro da taxa selic dependem criticamente da sinalização que o próprio Banco Central dá sobre o comportamento futuro da Selic. Quando o Presidente do Banco Central vem a público dizer, como o ocorrido no dia 30 de março de 2023, que a taxa selic deveria ser de 26,5% para que a meta de inflação de 2023 pudesse ser cumprida (https://www.moneytimes.com.br/selic-deveria-ser-265-para-cumprir-meta-de-inflacao-em-2023-diz-campos-neto/); ele está passando uma mensagem clara para o mercado de que o Banco Central não irá reduzir a taxa de juros tão cedo, o mercado então precifica essa informação na curva de juros fazendo com que os preços dos títulos públicos acabem por sancionar o cenário pessimista do Banco Central. Aqui temos um claro problema de falha de coordenação de expectativas: o Banco Central não reduz os juros porque acha que o mercado verá a redução como insustentável e o mercado precifica a manutenção da taxa de juros selic num patamar elevado porque acha que o Banco Central não irá reduzir os juros.
Passemos agora ao ponto 3. Esse argumento tem sido usado sistematicamente desde 2004 pelos economistas liberais como justificativa para o patamar elevado de juros no Brasil. Eu mesmo ouvi da boca do Joaquim Levy, pelos idos de 2004 ou 2005, quando ele sera secretário do Tesouro do primeiro governo Lula numa palestra realizada na Federação das Indústrias do Estado do Paraná. Esse argumento foi usado pelo governo Temer para substituir a TJLP, a taxa de juros fixada pelo Conselho Monetário Nacional para os empréstimos concedidos pelo BNDES, pela TLP uma taxa real que acompanha o movimento da taxa selic (Ver Tabela Abaixo). Daqui se segue, portanto, que uma parte relevante do canal de transmissão da política monetária teria sido “desobstruído” durante o governo Temer, de maneira que, fosse essa a causa dos juros elevados, então a taxa selic deveria estar num patamar muito mais baixo do que o atual. Mas, como chamei atenção no início deste post, o valor real da taxa selic se encontra hoje ACIMA da média histórica de 1999 a 2022 da taxa selic. Esse argumento do Campos Neto simplesmente não para em pé.
Mas a fala de Campos Neto mostrou também uma enorme ignorância sobre a relação crédito-depósitos numa economia de moeda fiduciária. Ao contrário do senso comum apresentado nos manuais de economia monetária, os Bancos não emprestam depósitos que tenham recebido previamente dos seus clientes; mas criam depósitos quando concedem empréstimos. Com efeito, quando um banco decide conceder um empréstimo a uma pessoa física ou jurídica ele credita o valor do empréstimo na conta de depósito a vista do tomador, criando naquele exato momento um depósito à vista igual ao valor do empréstimo (líquido das taxas cobradas pelo banco). Caso o volume de depósitos criado exija um montante de reservas compulsórias superior ao que o Banco dispõe no Banco Central, ele simplesmente toma essas reservas emprestadas no mercado interbancário pagando a taxa de juros selic, que é fixada pelo próprio Banco Central. Dessa forma, numa economia de moeda fiduciária empréstimos criam depósitos e depósitos criam reservas (Lavoie, 2022, capítulo 4). A implicação disso para a questão do crédito direcionado é muito direta: a taxa de juros do crédito livre não é mais alta do que a do crédito direcionado devido ao “efeito meia-entrada”, ou seja, devido a existência de uma fração fixa do volume de depósitos que tem que ser alocados em linhas de crédito menos lucrativas, forçando os bancos a cobrar taxas de juros mais altas sobre os depósitos que eles podem emprestar livremente. Isso porque o volume de depósitos não é independente do volume de crédito concedido, mas é determinado por ele. Se a taxa de juros do crédito livre é mais alta do que a do crédito direcionado é porque os bancos percebem um risco maior na concessão de crédito livre do que na concessão de crédito direcionado. Aversão ao risco, não efeito meia-entrada, é o que explica o diferencial de juros entre os segmentos livre e direcionado do mercado de crédito.
Em suma, Campos Neto apresentou no dia de hoje mais uma desculpa esfarrapada para manter a taxa de juros selic no patamar que se encontra. Vamos aguardar qual será a próxima desculpa. Da minha parte, acredito que o estoque de desculpas esteja prestes a se esgotar.
Referências
Lavoie, M. (2022). Post Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Chatelham.
Oreiro, J.L; Paula, L.F. (2021). Macroeconomia da Estagnação Brasileira. Alta Books: Rio de Janeiro.
Presidente do BC atacou os bancos públicos porque quer acabar com financiamentos direcionados. O cínico afirmou que juros altos “é um problema de todos nós, é um problema do BC, é um problema do governo, é um problema das pessoas”
O professor de economia da UnB José Luis Oreiro criticou, nesta terça-feira (18), em suas redes sociais, a declaração do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que a culpa pelo juros altos no Brasil é do crédito direcionado dos bancos públicos e do povo brasileiro. “Esse sujeito é um idiota confiante”, afirmou Oreiro.
Ao falar num evento promovido pela Esfera Brasil, no fim de semana passado, Campos Neto afirmou que os juros altos “é um problema de todos nós, é um problema do Banco Central, é um problema do governo, é um problema das pessoas”. As mesmas pessoas que são extorquidos por uma taxa de juros indecente, são agora culpadas por esta mesma alta, que é decidida pelo próprio Campos Neto.
Para o presidente do BC, o lucro dos bancos privados é sagrado, por isso ele ataca os bancos públicos e o financiamento direcionado. Ele ataca esta modalidade de financiamento exatamente porque ela tem juros mais baixos, uma conquista brasileira de muitas décadas.
O serviçal do mercado financeiro comparou o financiamento direcionado com a meia entrada no cinema, outra conquista da juventude brasileira que ele também condena. “No crédito direcionado, a gente pode fazer a análise do cinema que vende a meia-entrada. Se eu vendo muita meia-entrada e quero ter o mesmo lucro, a entrada inteira eu tenho que subir o preço. O crédito funciona um pouco assim”, afirmou.
“O que ele quer? Tirar o financiamento do Banco do Brasil para a agricultura? Para, então, o preço dos alimentos disparar?”, indagou o economista da UNB.
O objetivo de Campos Neto é acabar com o crédito para investimentos das empresas, realizado, em grande parte, por meio de operações diretas e repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Quer também eliminar os financiamentos habitacionais. E, por último, o presidente do BC está de olho no crédito rural, do Banco do Brasil.
Em suma, se o desemprego vai disparar, se a inflação fugirá ao controle, se vai faltar alimentos e se as indústrias vão fechar as portas e demitir, nada disso interessa a Campos Neto, desde que o bancos privados, é claro, sigam ganhando muito dinheiro na especulação financeira.
Atualmente está em 13,75% ao ano, a taxa básica de juros, fixada pelo BC. Os juros para financiamento de capital de giro está na casa dos 20%. Nenhum negócio apresenta um retorno que compense uma taxa de juros nesses níveis. O setor produtivo não investe e o país segue estagnado.
Em termos de juro reais, o Banco Central está praticando as maiores taxas do mundo. Estas taxas estão provocando uma estagnação econômica gravíssima no país. Os gastos públicos com os juros estão consumindo 20% do Orçamento da União, sem considerar a rolagem da dívida. Quando esta é incluída, os gastos atingem 50% do Orçamento da União. Enquanto isso, somente 2% do orçamento são destinados aos investimentos.
Segundo Oreiro, Campos Neto “está repetindo a mesma ladainha do Joaquim Levy em 2004” [ primeiro governo Lula]. “O Banco Central está querendo acabar com o financiamento habitacional”, denunciou o professor da UnB. “Aí o investimento residencial despenca”, destacou o economista. ‘A vantagem de ter 51 anos é que eu já ouvi essa estupidez várias vezes”, ironizou o especialista. “Estou ficando sem paciência para a burrice”, completou.
Pedro Rossi, Oreiro e Nelson Marconi (Fotomontagem HP)
“A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu Oreiro. Para Marconi, “o limite de 70% é bastante restritivo”. “O teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto nos governos Lula”, diz Pedro Rossi
O novo arcabouço fiscal, apresentado na quinta-feira (30) pelo ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad, recebeu comentários favoráveis de representantes do mercado financeiro e opiniões em tom mais críticos por parte de economistas que defendem uma maior independência do governo em relação à amarras fiscais e monetárias impostas ao país por este mesmo mercado financeiro.
José Luis Oreiro (UnB)
José Luis Oreiro, professor de Economia da UnB, afirmou ao HP que o arcabouço está na dependência da receita e que “não dá para controlá-la, apenas os gastos”. “A meta é um crescimento de meio ponto percentual do superávit primário em relação ao PIB por ano entre 2023 e 2026. “A receita, a princípio, o governo não controla porque depende do comportamento do PIB”, ressaltou o economista.
Oreiro disse ainda que o governo manteve a lógica do teto de gastos, “só que ela dá uma flexibilizada”. “O máximo que o gasto pode crescer entre um ano e outro é 2,5%. Este é o gasto total da União. Só que no gasto total da União estão os gastos previdenciários. Então, para respeitar o teto da banda, os outros itens da despesa vão te que crescer menos”, apontou. “E quais são os outros itens? Você tem dois que são fundamentais, são os gastos com o funcionalismo público e os gastos de investimento”, acrescentou Oreiro.
RECUPERAÇÃO DURANTE CRISES
Ele alerta que, “havendo uma crise, o governo não conseguirá recuperar a economia”. “O que acontece se a economia entrar em recessão? Porque você tem um limite mínimo de crescimento dos gastos que é 0,6% ao ano. Vamos supor que a economia em 2024 caia 2%. A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu.
Nelson Marconi (FGV)
Nelson Marconi, professor da FGV-Eaesp e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getúlio Vargas, disse à Folha de S. Paulo que a proposta dá uma sinalização importante para o mercado. “Agora, se ela é crível e se realmente vai ser apoiada pela sociedade, vai depender muito das outras medidas que o governo anunciar”, afirma.
Segundo o economista, o desenho proposto pelo governo é melhor e mais flexível, mas alguns pontos ainda precisam ser esclarecidos. O principal é como aumentar a arrecadação. “Se pensarmos num cenário de inflação a 4%, para que a despesa cresça na mesma magnitude, a receita precisaria subir 5,7% acima da inflação. Então o que o governo está apostando no fundo é que vai [conseguir] aumentar a receita”, diz.
Ele lembra que Lula e seus ministros têm prometido uma atenção maior em questões sociais. Por isso, embora as despesas com saúde e educação estejam fora do limite de gastos, há maior expectativa de desembolso para políticas públicas.
LIMITES RESTRITIVOS
O problema, ele diz, “é que a única forma de entregar as promessas, considerando o modelo apresentado, é cortando investimentos ou aumentando o caixa. Como é improvável que o governo adote o primeiro caminho, resta saber qual estratégia será usada para captar mais recursos”.
Segundo Marconi, essas metas também só são factíveis se a arrecadação for consideravelmente crescente. “Combinando o que o governo pretende fazer com o objetivo de superávit, a única forma de alcançar isso é através de crescimento de receita. A não ser que vá cortar recursos para saúde, educação, segurança e fiscalização. Aí chega no superávit”, diz.
Sobre a afirmação de representantes da sistema financeiro de que o limite de gastos nos 70% definidos pelo governo estão num patamar bem calibrado, Marconi discorda. Para ele, “o limite é bastante restritivo, e deve ser elevado no Congresso para algo em torno de 80% ou 90%”. “Acho que o governo está colocando um percentual para negociação, porque [70%] é baixo, dado o que ele está se propondo a fazer”, afirma.
Segundo Marconi, o ideal seria tirar os investimentos da regra. “A política fiscal tem que ser anticíclica. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico”, diz. “Tudo bem que há um piso [para investimentos], mas é fraco”, acrescenta.
Pedro Rossi Foto: Unicamp
Pedro Rossi, economista e professor da Unicamp, destacou em suas redes sociais que “é evidente o avanço em relação ao teto do Guedes, a proposta é mais flexível, tecnicamente bem construída, criativa na tentativa de amenizar o caráter pró-cíclico e até inovadora em alguns aspectos”.
No entanto, prosseguiu o economista da Unicamp, “o teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto no governos Lula 1 e 2 (5,2% ao ano) e Dilma (3,5%) e mesmo FHC. Esse crescimento do gasto primário permitiu a expansão dos serviços públicos, programas sociais, seguridade e o investimento publico”.
O professor da Unicamp se somou a Nelson Marconi ao afirmar que as metas fiscais são desnecessariamente exageradas. “A banda é um avanço em relação ao regime de metas tradicional, mas poderia ter metas menos ambiciosas e bandas mais largas para acomodar choques. A utilização do excedente do primário para investimento também é boa, mas a alternativa seria tirar o investimento do teto”, afirmou.
PRIORIDADE NO CRESCIMENTO
“O objetivo central da politica econômica deveria ser emprego e o crescimento. Aliás, o Brasil vai estabilizar a divida quando voltar a crescer de verdade. Para isso o gasto público é fundamental”, acrescentou. “A prioridade dada ao resultado fiscal e estabilidade da divida pode custar caro. O risco é a regra representar mais um freio na economia (além do monetário) e aumentar a chance da extrema direita voltar em 4 anos”, defendeu Rossi.
Pedro Rossi disse ainda que o fim dos limites à Saúde e Educação é bom, mas advertiu para alguns problemas. “Com o fim da EC95 temos a volta dos antigos pisos constitucionais da saúde e educação. Isso é muito bom mas pouco compatível com o teto: se a receita cresce 10%, saúde e educação vão crescer 10% mas o conjunto dos gastos vai crescer 2,5%, o que cria um problema no orçamento”, disse.
Para o economista, “considerada a atual previsão de crescimento e carga tributaria, o teto de 2,5% não deve ser atingido no governo Lula. Ou seja, o gasto cresce menos a não ser que o governo aumente a carga tributaria”.
Rossi advertiu que as regras podem acabar reduzindo o tamanho do Estado. “A relação gasto/PIB pode cair se não houver aumento de carga tributaria, ou um crescimento do PIB não desejado (negativo ou próximo de zero). Ou seja, a regra não garante a sustentação do patamar de gasto/PIB e o tamanho do Estado na economia pode diminuir”, afirmou.
O economista apontou que “o novo teto de gastos vai ter o mesmo problema do teto anterior: um ‘efeito achatamento’ onde algum gastos (como seguridade, saúde, educação, bolsa família turbinado) crescem mais e pressionam outros gastos, especialmente discricionários”. “Isso dará pouca margem para expansão do investimento publico dentro do teto (apesar do novo piso que o protege de cortes), para aumentos do salario mínimo que pressiona a seguridade, e para o funcionalismo publico”, alertou.
Pedro Rossi assinala a dificuldade de se garantir investimentos relevantes. “No caso do investimento vale destacar que o excesso de superávit (para além do limite superior da banda) vira investimento. Logo uma expansão relevante do investimento vai depender da geração desses superávits”, afirmou o professor.
Ele chama a atenção para as pressões pelo desvinculamento do orçamento. “O governo vai ter que cortar gastos em outras áreas em meio à fartura para garantir os pisos constitucionais. Voltaremos ao debate sobre reformas para liberar gastos discricionários, rever pisos constitucionais da saúde e educação, gastos obrigatórios, peso do funcionalismo, etc”, denunciou.
BOA VONTADE DO BANCO CENTRAL
Assim como Oreiro, Rossi também alerta para as dificuldades que ocorrerão em períodos de crise. “O piso mínimo para o crescimento do gasto 0,6% é insuficiente em caso de uma recessão ou mesmo para a recuperação econômica que precisamos. A ver se o texto vai trazer clausulas de escape”, observou. “O instrumento de política expansionista fica atrofiado. O estimulo econômico vai depender muito mais da composição do gasto, de políticas de crédito, das estatais e do cenário externo, e também da boa vontade do Banco Central”, acrescentou.
“Se o primário ficar abaixo do piso da banda da meta, o gatilho para reduzir o crescimento das despesas em 50% da receita é duro e pró-ciclico, considerando que o resultado normalmente não é atingido em caso de PIB e receita abaixo do previsto”, apontou. “Ou seja, pode haver momento de economia em desaceleração precisando de estimulo publico e o regime vai prever desaceleração do gasto”, prosseguiu Rossi.
“Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não tinha teto, no Lula também. O gasto público no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado primário era alto e a dívida caiu”, observou.
Lara Resende. Foto: Unicamp
Todos esses economistas se alinham com a opinião expressada por André Lara Resende, em entrevista à jornalista da Globo, Miriam Leitão, na quarta-feira (29) de que não há crise fiscal e nem descontrole da dívida. Ele lembrou que “a dívida pública é em reais, moeda emitida pelo governo – e não está fora do controle como apregoam os representantes do mercado financeiro”. Resende destacou que a única saída para a crise do país é o aumento dos investimentos públicos.
“O Brasil tem hoje quase 20%, um pouco menos, de reservas internacionais, ou seja, ele vendeu mais do que importou e isso criou reservas, o que é uma extraordinária segurança pro Brasil. É óbvio que essas reservas internacionais têm que ser deduzidas. É algo que o país tem de um ativo que tem que ser deduzido do passivo, que é a dívida que ele emitiu. Se você pegar 73% e deduzir os 20% dá 53%”, disse Lara Resende.
NÃO HÁ CRISE FISCAL
Ele acrescentou que “o Tesouro tem uma conta única do Tesouro no Banco Central e essa conta no final do ano passado estava com quase 10% do PIB em moeda. É um ativo do Tesouro. O Tesouro emitiu a dívida estava com moeda. Os dois, moeda e dívida, são passivos do Tesouro. Então ele só fez uma troca: ele disse emiti mais de dívida e retirei da moeda que está na minha conta no Banco Central. Isso também tem que ser deduzido para a dívida líquida líquida das reservas internacionais e das reservas em reais do Tesouro no Banco Central. E isso nós chegamos ao número de 45% do PIB”, destacou o economista.
Questionado sobre a ata do Copom, Lara Resende disse que foi “arrogância”. “O BC está se arvorando com uma equipe de jovens tecnocratas que acreditam piamente nos modelinhos equivocados que eles estão olhando e se acham no direito de passar pito no Congresso, o presidente eleito e o Judiciário. O BC, com a autonomia que lhe foi concedida, passou a se considerar um quarto poder. É um quarto poder que dá lições de moral e se considera acima dos demais poderes. É muito preocupante”, afirmou.
Nesta quinta-feira, dia 30 de março de 2023, o Ministro da Fazenda anunciou o tão esperado arcabouço fiscal. Com base na apresentação feita pelo ministro Fernando Haddad o novo arcabouço fiscal irá combinar metas para o crescimento das despesas primárias com metas para o resultado primário do governo geral de forma a estabilizar a dívida bruta em 76% do PIB em 2026 no cenário básico (sem “fechamento nos juros” e com o governo alcançando o centro da banda para o resultado primário previsto para o período 2023-2026). No cenário mais otimista, em que as despesas com juros são reduzidas em 2 p.p do PIB e o governo consegue cumprir o centro da banda de resultado primário, a dívida bruta do governo geral fecharia em 2026 dois pontos percentuais abaixo do nível prevalecente em 2023.
Os pontos principais do arcabouço são os seguintes. Em primeiro lugar é estabelecida uma meta móvel para o resultado primário, com bandas de variação. A meta de primário para 2023 é de -0,5% do PIB, aumentando 0,5 p.p do PIB a cada ano até alcançar 1,0% do PIB em 2026. Para evitar contingenciamentos devido a flutuações imprevistas nas receitas e despesas do governo geral é definida uma banda de variação de 0,25 p.p do PIB para mais ou para menos. O teto de gastos é mantido, mas modifica-se a regra de crescimento do teto de gastos. Ao invés de gasto real zero, os gastos primários podem agora crescer em termos reais dentro de um intervalo definido entre 0,6% a.a (o piso para o crescimento dos gastos) e o teto de 2,5% a.a. Dentro desse intervalo, os gastos podem crescer a uma taxa que seja igual ou menor do que 70% da taxa de crescimento das receitas tributárias. Caso o resultado primário fique abaixo do limite mínimo da banda para o resultado primário, então para o exercício fiscal seguinte os gastos primários poderão crescer no máximo a um ritmo igual a 50% do crescimento da receita tributária. Por fim, deverá ser estabelecido um piso para o investimento público (o qual seria de R$ 75 bilhões para o ano de 2023, sendo corrigido anualmente pela inflação.
O primeiro ponto que me chamou atenção foi a fixação de metas simultâneas para o resultado primário e para a despesa primária. Como o resultado primário é apenas a diferença entre a receita tributária (que o governo tem pouco poder de discricionariedade no curto-prazo) e as despesas primárias; segue-se que só é possível fixar uma única meta: ou se fixa uma meta de resultado primário, sendo as despesas primárias a variável de ajuste (como ocorria no regime de metas de superávit primário entre 1999 e 2014), ou se fixa uma meta para as despesas primárias e o resultado primário é a variável de ajuste (como ocorreu após a introdução do Teto de Gastos). Fixar o resultado primário e a despesa primária de forma independente e simultânea só é possível se a receita tributária for a variável de ajuste!
* Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Professor do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (UPV), Pesquisador Nível I do CNPq e Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento. E-mail: joreiro@unb.br.
“Seguir com os juros altos é apenas transferir renda de toda a sociedade para o 1% mais rico da população”, denunciou o economista
O economista e professor da UnB José Luis Oreiro definiu como “absurda” a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de manter a taxa de juros da economia (Selic) em 13,75% ao ano.
Em artigo, publicado na noite desta quarta-feira (22), Oreiro destacou que o Copom manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano “com um claro viés de alta. No comunicado, após o término da reunião, o Copom anuncia que: ‘O comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não ocorra dentro do esperado’. Mesmo que tudo ocorra conforme o esperado pelo Copom, a taxa básica de juros deverá permanecer elevada por um período de tempo prolongado. Com efeito, lê-se no comunicado, o Copom “segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação’. Desses trechos, segue-se uma única conclusão lógica: Ou a Selic irá ficar em 13,75% ainda por muitos meses, ou poderá aumentar”, alertou Oreiro, que seguiu.
“A justificativa técnica para a decisão de manutenção da meta de taxa de juros em 13,75% a.a é absurda. Segundo o comunicado do Copom ‘Os episódios envolvendo os bancos nos Estados Unidos e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento’. WTF!!!! [expressão em inglês para What the Fuck] O Copom afirma que, face a um quadro de possível crise financeira global, a estratégia ótima do Banco Central Brasileiro é manter a taxa de juros real em 8% a.a. Esses episódios apontam para um risco deflacionário a nível mundial, o que requer precisamente o afrouxamento da política monetária nos Estados Unidos e na Europa, bem como no Brasil. Aliás, pelas Terras Brazilis existe um risco não desprezível de crise financeira devido ao elevado endividamento das empresas não-financeiras”.
O economista afirmou, ainda, que a decisão do Copom mostra que não adianta tentar tentar uma política de “apaziguamento” com a presidente do BC e sua diretoria.
“O Ministério da Fazenda havia desenhado uma estratégia para convencer o Copom a reduzir, ou ao menos sinalizar com a redução, a taxa básica de juros na reunião de hoje. A estratégia repetida várias vezes pelo Ministro da Fazenda era a coordenação entre as políticas monetária e fiscal. O Ministério da Fazenda fez uma reoneração parcial dos impostos federais sobre os preços dos combustíveis e introduziu um imposto de exportação sobre o petróleo com o objetivo de aumentar a arrecadação de impostos em cerca de R$ 27 bilhões, diminuindo assim a previsão de déficit primário para o ano de 2023. Uma vez feita a sinalização por parte do Ministério da Fazenda que o governo está comprometido com a “responsabilidade fiscal”, o Copom poderia então iniciar o processo de flexibilização da política monetária, alegando que parte da incerteza fiscal fora dissipada nas últimas semanas. Em teoria, tratava-se de uma bela estratégia, mas pelo visto faltou combinar com os russos”, disse Oreiro.
E acrescentou:
“O debate público no Brasil sobre a condução da política monetária se baseia na ideia tola de que se trata de uma questão técnica, que deve ser tratada apenas por hiper especialistas no assunto. Ledo engano. Em primeiro lugar, a economia não é uma hard science como a Física, onde é possível realizar experimentos em condições controladas que permitem descartar ou aceitar determinadas hipóteses…. Em segundo lugar, o “conhecimento econômico”, por assim dizer, não é neutro: os modelos econômicos não apenas refletem a visão de mundo dos seus construtores como ainda podem esconder os interesses econômicos de certas classes sociais. No caso da política monetária isso é bem claro, pois a taxa de juros é uma variável fundamental para determinar a distribuição da renda produzida na sociedade entre as classes produtoras (empresários e trabalhadores) e as classes rentistas (bancos e sistema financeiro em geral). Ao longo do ano de 2023, o pagamento de juros da dívida pública será superior a R$ 700 bilhões, trata-se da segunda maior rubrica do orçamento do governo, ficando atrás apenas das despesas da previdência social”, lembrou o economista, que ressaltou:
“Se as políticas de assistência social (bolsa família, seguro desemprego, abono salarial, aposentadoria rural) são transferências de toda a sociedade para os mais pobres e vulneráveis, os juros da dívida pública são uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais rico da população”, afirmou Oreiro.
Segundo o professor da UNB, “a magnitude dos interesses envolvidos explica o por que a estratégia concebida pelo Ministério da Fazenda não deu certo. Tal como disse D. Juan de Austria, na batalha de Lepanto, ‘Ya no es tiempo de razonar, sino de combatir’. É necessária a união de todas as forças progressistas da sociedade brasileira para forçar a demissão do Presidente e de toda a diretoria do Banco Central do Brasil… Cabe ao governo abandonar a política de apaziguamento com respeito ao Banco Central e convocar uma reunião de emergência do Conselho Monetário Nacional para rever a meta de inflação de 2023 para, no mínimo, 4% a.a”.
Na reunião do Conselho de Política Monetária finalizada hoje, 22 de março de 2023, a taxa básica de juros foi mantida em 13,75% a.a com um claro viés de alta. No comunicado após o término da reunião o Copom anuncia que “O comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajusta caso o processo de desinflação não ocorra dento do esperado“. Mesmo que tudo ocorra conforme o esperado pelo Copom a taxa básica de juros deverá permanecer elevada por um período de tempo prolongado. Com efeito, le-se no comunicado que o Copom “segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação“. Desses trechos segue-se uma única conclusão lógica: Ou a Selic irá ficar em 13,75% ainda por muitos meses, ou poderá aumentar”.
A justificativa técnica para a decisão de manutenção da meta de taxa de juros em 13,75% a.a é absurda. Segundo o comunicado do Copom “Os episódios envolvendo os bancos nos Estados Unidos e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento”. WTF!!!! O Copom afirma que, face a um quadro de possível crise financeira global, a estratégia ótima do Banco Central Brasileiro é manter a taxa de juros real em 8% a.a. Esses episódios apontam para um risco deflacionário a nivel mundial, o que requer precisamente o afrouxamento da política monetária nos Estados Unidos e na Europa, bem como no Brasil. Aliás pelas Terras Brazilis existe um risco não desprezível de crise financeira devido ao elevado endividamento das empresas não-financeiras. Escrevi recentemente sobre esse tema no Blog do Monetary Policy Institute, coordenado por meu amigo Louis-Phillipe Rochon (https://medium.com/@monetarypolicyinstitute/high-interest-rates-and-financial-fragility-in-brazil-e7680e4484ae).
O Ministério da Fazenda havia desenhado uma estratégia para convencer o Copom a reduzir, ou ao menos sinalizar com a redução, a taxa básica de juros na reunião de hoje. A estratégia repetida várias vezes pelo Ministro da Fazenda era a coordenação entre as políticas monetária e fiscal. O Ministério da Fazenda fez uma reoneração parcial dos impostos federais sobre os preços dos combustíveis e introduziu um imposto de exportação sobre o petróleo com o objetivo de aumentar a arrecadação de impostos em cerca de R$ 27 bilhões de reais, diminuindo assim a previsão de déficit primário para o ano de 2023. Uma vez feita a sinalização por parte do Ministério da Fazenda que o governo está comprometido com a “responsabilidade fiscal” o Copom poderia então iniciar o processo de flexibilização da política monetária, alegando que parte da incerteza fiscal fora dissipada nas últimas semanas. Em teoria tratava-se de uma bela estratégia, mas pelo visto faltou combinar com os russos.
O debate público no Brasil sobre a condução da política monetária se baseia na ideia tola de que se trata de uma questão técnica, que deve ser tratada apenas por hiper especialistas no assunto. Ledo engano. Em primeiro lugar, a economia não é uma hard science como a Física, onde é possível realizar experimentos em condições controladas que permitem descartar ou aceitar determinadas hipóteses (Oreiro e Gala, 2016). A evidência empírica produzida pelos economistas nada mais é do que testes de consistência entre as previsões de um modelo econômico com as previsões de um modelo econométrico sujeito a todo tipo de limitações imagináveis: viés de variável omitida, falha de especificação do modelo, endogenidade de variáveis, inconsistência na base de dados, etc. Em segundo lugar, o “conhecimento econômico”, por assim dizer, não é neutro: os modelos econômicos não apenas refletem a visão de mundo dos seus construtores (Schumpeter, 1954) como ainda podem esconder os interesses econômicos de certas classes sociais. No caso da política monetária isso é bem claro, pois a taxa de juros é uma variável fundamental para determinar a distribuição da renda produzida na sociedade (Lavoie, 2022, p.251) entre as classes produtoras (empresários e trabalhadores) e as classes rentistas (bancos e sistema financeiro em geral). Ao longo do ano de 2023 o pagamento de juros da dívida pública será superior a R$ 700 bilhões, trata-se da segunda maior rubrica do orçamento do governo, ficando atrás apenas das despesas da previdência social. Se as políticas de assistência social (bolsa família, seguro desemprego, abono salarial, aposentadoria rural) são transferências de toda a sociedade para os mais pobres e vulneráveis, os juros da dívida pública são uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais rico da população, incluindo este escriba que vos fala!
A magnitude dos interesses envolvidos explica o porque a estratégia concebida pelo Ministério da Fazenda não deu certo. Tal como disse D. Juan de Austria na batalha de Lepanto “Ya no es tiempo de razonar, sino de combatir” (Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Lepanto). É necessária a união de todas as forças progressistas da sociedade brasileira para forçar a demissão do Presidente e de toda a diretoria do Banco Central do Brasil. O combate deve se dar no campo econômico, cabendo aos economistas Keynesianos e Desenvolvimentistas, refutar ponto por ponto os argumentos levantados pelos economistas ortodoxos para a manutenção desse sistema de saque de toda a sociedade pelos mais ricos; e aos demais membros da sociedade civil se mobilizar nas redes sociais e nas ruas pela mudança imediata da condução do Banco Central. Por fim, cabe ao governo abandonar a política de apaziguamento com respeito ao Banco Central e convocar uma reunião de emergência do Conselho Monetário Nacional para rever a meta de inflação de 2023 para, no mínimo, 4% a.a.
Figura: Batalha de Lepanto (07/10/1571)
O tempo urge. Os sinais de recessão na economia brasileira se acumulam a cada dia. Se nada for feito para reduzir os juros para algum patamar aceitável (creio que 2% real seria de bom tamanho) então o governo Lula estará condenado a repetir o destino de Dilma Rouseff. Será o retorno triunfante do Bolsonarismo. Temos que fazer tudo o que está ao nosso alcance para evitar isso.
Referências
Lavoie, M. (2022). Post-Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Cheltenhan.
José Luis Oreiro Associate Professor, Department of Economics, University of Brasília (Brazil)
“Brazilian inflation had the same nature of inflation in European countries and the United States: it is the result of supply shocks originated from the effects of COVID-19 pandemic over global supply chains and the huge increase in food and energy prices due to the war in Ukraine.”
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)