“A economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar”, destacou o economista José Luis Oreiro
A economia brasileira variou 1% no primeiro trimestre de 2022, na comparação com quarto trimestre de 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nesta quinta-feira (2). Em valores correntes, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a R$ 2,249 trilhões.
O resultado do PIB, que é a soma do conjunto de todas as riquezas produzidas por um país, foi puxado pelo setor de Serviço (1,0%), que ganhou algum fôlego com o fim das restrições impostas no combate à Covid-19. Com a inflação generalizada dos preços e os juros altos acima dos dois dígitos, o desempenho do primeiro trimestre não deve se repetir ao longo do ano. É o que aponta o economista e professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, em entrevista ao HP.
HORA DO POVO: Qual a sua avaliação sobre o resultado do PIB no primeiro trimestre de 2022?
JOSÉ LUISOREIRO: “Esse resultado do PIB de alta de 1% em relação ao quarto trimestre de 2021 foi basicamente devido ao setor de serviço. A indústria cresceu 0,1% e o agronegócio caiu (-0,9%). A questão mais relevante, no meu ponto de vista, não é o número em si do primeiro trimestre, mas se esse resultado se sustenta ao longo do ano. Para a gente poder analisar isso, temos que entender por que houve crescimento de 1% no primeiro trimestre, apesar dos juros altos, apesar da inflação e etc. Bom, o que houve foi uma demanda reprimida, já por dois anos de pandemia, por serviços.
Com a redução do número de casos de morte por causa da Covid-19 – devido ao avanço formidável da vacinação – houve uma espécie, assim, de frenesi de consumo reprimido por serviços e isto levou a esse número de 1%, que anualizado daria 4%.
HP: Com a inflação e os juros em patamares elevados é possível que a atividade econômica se sustente em alta nos próximos trimestres?
OREIRO: Esse ritmo não vai se sustentar, primeiro, porque essa demanda reprimida meio que já foi atendida. Então ela não vai continuar ocorrendo nos próximos trimestres. Você tem a elevação da inflação. A inflação no acumulado dos últimos doze meses continua crescendo, corroendo o poder de compra dos salários e, portanto, vai afetar o consumo das famílias. Nós temos também, que 8 em cada 10 famílias brasileiras têm dívidas a vencer no ano de 2022. Ou seja, o nível de endividamento está muito alto, o que também limita a perspectiva de aumento do consumo. Têm os efeitos defasados da elevação da taxa de juros, quer dizer, quando o Banco Central eleva a taxa de juros, o efeito sobre a demanda agregada leva de 6 a 9 meses para ocorrer. Então, agora em 2022 é que a gente vai começar a sentir os efeitos da elevação da Selic no 2º semestre de 2021. Portanto, os efeitos mais fortes e negativos da elevação da Selic vão se sentir no terceiro e quarto trimestre de 2022.
HP: A economia deve entrar em recessão em 2022?
OREIRO : Existem já alguns analistas que estão prevendo a possibilidade de crescimento negativo do PIB no terceiro e no quarto trimestre de 2022, caso isso se concretize, o país entrará numa recessão técnica no final de 2022. Isso não quer dizer que o crescimento do PIB em 2022 vai ser negativo, porque como já teve um crescimento alto no primeiro trimestre é provável que isso vai compensar o crescimento baixo ou negativo do terceiro ou do quarto trimestre de 2022. Mas, de qualquer forma, o consenso entre os analistas de mercado é que a economia brasileira deverá crescer abaixo de 1% em 2022.
HP: Mas o governo Bolsonaro vê o resultado do PIB do 1º tri como “robusto” e que consolida o processo de recuperação em “V”.
OREIRO: Esse número de 1% é ridiculamente baixo. Lembrando que a população brasileira cresce 0,8% ao ano, portanto o crescimento do PIB de 1% significa o crescimento da renda per capita de 0,2% ao ano. Se esse ritmo de crescimento for mantido ad infinitum vai levar 144 anos para a economia brasileira dobrar o seu PIB per capita. Ou seja, a economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar. É mais uma comemoração feita por um governo medíocre que se contenta com resultados medíocres.
INVESTIMENTOS CAEM
Já como reflexo dos juros altos, a taxa de investimento caiu um ponto percentual na comparação anual, passando de 19,7% para 18,7%. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede os investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil, recuou -3,5% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao quarto trimestre do ano passado, e caiu -7,2% frente ao primeiro trimestre de 2021.
Outros dados a serem observados no resultado do PIB do 1° trimestre é o Consumo das Famílias, que variou em alta de apenas 0,7%, e a despesa de Consumo do Governo (0,1%) que teve crescimento basicamente nulo.
A tragédia do Brasil é uma elite que não está interessada em construir uma nação rica e soberana, mas acumular capital pela sobre-exploração da força de trabalho conjugada com devastação ambiental
Por: José Luis Costa Oreiro (UnB/UPV/CNPq), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (IE-UFRJ, CNPq), Lauro Mattei (UFSC/NECAT), Fábio Guedes Gomes (UFAL), Maurício Weiss (UFRGS), Kalinka Martins da Silva (IFG/Campus Luziânia), AdalmirMarquetti (PUCRS) e Daniel Moura da Costa Teixeira (PPGECO/UnB)*
“Não é no que pensamos, mas no como pensamos, que reside nossa contribuição a teoria”.
Carl von Clausewitz
O crescimento mais expressivo da economia brasileira a partir de 2003 começou a ser interrompido com a emergência da crise financeira mundial de 2008-2009. A mudança no cenário internacional colocou limites na capacidade de a política econômica propiciar elevado nível de utilização da capacidade instalada, aumento dos salários e a manutenção da rentabilidade do capital.
Quando a crise internacional se tornou sistêmica a partir de 2008, ocorreram quedas do superávit comercial – notadamente na balança comercial de manufaturados, que se tornou deficitária – fato que colocou em debate, a forma de inserção do país no comércio internacional, bem como o tipo de bens e produtos que estavam sendo exportados. A partir de então, ganharam espaço diversos estudos sobre a estrutura de produção industrial do país neste novo cenário econômico mundial.
Nesse contexto, o tema da desindustrialização do país passou a ser debatido com maior ênfase, à luz do conteúdo tecnológico presente nos fluxos comerciais e seus possíveis efeitos sobre a estrutura produtiva. Já era visível, na época, que o padrão de inserção do País no comércio externo comprometeria, no longo prazo, a competitividade e o dinamismo industrial.
De um modo geral, observava-se a existência de uma “crise” no setor industrial, a qual estava se generalizando, sobretudo nos ramos tradicionais (setores menos intensivos em tecnologia), que vinham enfrentando dificuldades para competir, tanto no mercado interno como externo, devido ao baixo grau de incorporação de conteúdo tecnológico.
Esse fato conduzia a uma baixa competitividade da indústria de transformação e provocava perda de dinamismo do conjunto da economia, uma vez que a falta de ganhos de produtividade industrial impedia um crescimento do PIB a patamares mais elevados.
Para tornar a situação ainda mais complexa, a produtividade da mão de obra brasileira também contribuiu para a perda de competitividade industrial vis a vis seus principais concorrentes internacionais. O país ainda se encontra atrasado no enfrentamento dos elevados níveis de analfabetismo e na formação de mão de obra adequada aos novos horizontes do desenvolvimento tecnológico e inovação empresarial, especialmente naqueles ramos mais dinâmicos da indústria moderna, onde o uso de novas competências é fundamental como, por exemplo: inteligência artificial, big data, cyber segurança, robótica avançada, internet das coisas, biotecnologia etc.
Neste cenário, alertava-se que o país corria o risco de apresentar uma especialização produtiva primária assentada na produção de bens agropecuários e produtos extrativos minerais, concomitantemente com uma desestruturação do setor secundário, dada a baixa capacidade de desenvolvimento tecnológico do setor industrial, especialmente do ramo da indústria de transformação. Além disso, afirmava-se que a somatória desses dois fatores poderia ter impactos bastante negativos sobre o desenvolvimento econômico e social do conjunto da nação.
De fato, a regressão produtiva das últimas décadas pode ser analisada à luz da participação da indústria de transformação no PIB brasileiro. Segundo dados do Ipeadata, apresentados na Figura 1 abaixo, essa participação caiu de 17,35% do PIB, em 2005, para 11,33%, em 2021, ou seja, uma queda de 6 p.p do PIB num período de apenas 16 anos, apesar do crescimento da produção física da indústria de transformação no período 2003-2013.
Essas informações revelam que o Brasil está acometido por um grave processo de desindustrialização, o que tem contribuído para levar o país à estagnação econômica e ao retorno à condição de “colônia informal” dos países desenvolvidos e de “fazendão” que prevalecia até a Revolução de 1930, agora enquanto exportador de commodities agrícolas e de recursos minerais. Em outras palavras, a desindustrialização está associada à reprimarização da pauta de exportações.
A reprimarização da pauta de exportações brasileiras tem também um efeito que não é adequadamente levado em conta no debate público no Brasil, a saber: a pressão crescente sobre o meio ambiente e recursos naturais e o nível de devastação alarmante, como recentemente revelaram os dados publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe.
O agravamento do problema ambiental é o outro lado da moeda da reprimarização da pauta de exportações e da desindustrialização precoce da economia brasileira, haja vista que a produção e exportação de produtos primários é altamente rentável, mas intensiva na ocupação de terras; o que tem levado a fronteira agrícola do país para dentro dos limites da floresta amazônica, o que se traduz, muitas vezes, em desflorestamento e queimadas ilegais.
Um dos resultados mais evidentes do processo de regressão produtiva que o país está passando é a rápida e intensa reprimarização da pauta exportadora, associada ao forte aumento no coeficiente de insumos importados, independentemente do conteúdo tecnológico e valor agregado. Como pode ser visto no gráfico abaixo, a participação de produtos manufaturados no saldo da balança comercial se torna, a partir de 2008, fortemente negativa, ao mesmo tempo em que crescem os valores de bens básicos.
Essa profunda mudança estrutural negativa, a qual os economistas novo-desenvolvimentistas denominam de “regressão produtiva”, esteve associada a uma inequívoca redução do crescimento potencial da economia brasileira. Conforme podemos verificar na figura 3 abaixo, a média móvel de 10 anos da taxa de crescimento da economia brasileira, após alcançar um pico de 4,03%, em 2013, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, começou a apresentar um declínio acentuado, atingindo a ridícula marca de 0,36% no terceiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro.
Para os economistas liberais, esses dois fatos não são correlacionados: o problema da estagnação da economia brasileira dos últimos 10 anos se deve a uma alegada “nova matriz macroeconômica” – expressão infeliz criada pelo secretário de política econômica do primeiro governo Dilma Rousseff, Márcio Holland – que produziu um “excesso de intervenção do governo na economia” levando a uma má-alocação dos fatores de produção, o que seria a causa do baixo crescimento recente.
A hipótese de má-alocação de recursos é, contudo, uma teoria desprovida de evidência empírica ou uma evidência empírica desprovida de teoria, como foi explicado recentemente por um dos autores deste documento em artigo publicado no site do CORECON-DF.
Esse grupo de economistas liberais vem advogando, desde 2016, a adoção de uma agenda de reformas econômicas como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o teto de gastos, a qual supostamente devolveria o dinamismo da economia brasileira, fazendo com que o “PIB privado” liderasse o crescimento econômico ao invés do “PIB do governo” como fora realizado durante as administrações petistas. Os economistas liberais propõem alterar, de um lado, as políticas públicas com a redução dos gastos sociais e dos impostos, de outro, as regras do mercado de trabalho que possibilitariam diminuir a renumeração do trabalho e, assim, aumentar a renumeração do capital.
Todavia, o fracasso dessa agenda liberal pode ser observado à luz das reformas já realizadas. Em 2016 foi aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional de “Teto dos Gastos” (Emenda Constitucional 95), mecanismo que estabeleceu um teto fixo em termos reais para os gastos primários (excluindo-se do teto, portanto, os gastos com o pagamento de juros da dívida pública) do governo federal por um período de 20 anos.
Percebe-se, claramente, que logo após a aprovação dessa emenda constitucional do “Teto de Gastos” produziu-se, em âmbito nacional, uma redução significativa dos gastos federais nas áreas de saúde e educação. Porém, com o início da pandemia da Covid-19 em 2020, a vigência do “Teto de Gastos” foi temporariamente revogada por intermédio de uma nova emenda constitucional que estabelecia a suspenção das regras fiscais durante o estado de calamidade pública, vigente até 31/12/2020.
Por sua vez, em 2017 foi realizada a reforma trabalhista, ação defendida como sendo a solução redentora do problema do desemprego no Brasil, uma vez que bastaria fazê-la que imediatamente milhões de empregos seriam criados no país. Na verdade, o que se viu desde então foi uma taxa de desemprego duradoura e em patamares bastante elevados, a qual tem flutuado, desde então, em torno de 12% da força de trabalho.
Se a esse contingente foram acrescidos os trabalhadores que fazem bicos por não conseguirem uma jornada de trabalho integral e os trabalhadores desalentados (aqueles que procuram emprego, não encontram e acabam desistindo) chega-se a um montante de aproximadamente um terço da População Economicamente Atividade (PEA) do país. Isso significa dizer que a reforma trabalhista resultou numa brutal precarização do mercado de trabalho brasileiro, ou seja, um grande engodo para a classe trabalhadora e um alento temporário à recuperação das taxas de lucros.
Por fim, realizou-se a reforma da Previdência Social entre os anos de 2018-2019 levando ao desmonte do Sistema de Seguridade Social aprovado na Constituição de 1988[1]. Por meio do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (a chamada DRU) ampliou-se o percentual de desvinculação de 20% para 30%. Em termos monetários, apenas no ano de 2016 essa ampliação significou a retirada de R$ 126 bilhões da receita da Seguridade Social. Por outro lado, as desonerações fiscais implementadas ainda no primeiro governo Dilma afetaram negativamente a receita do sistema de Seguridade Social em, aproximadamente, R$ 90 bilhões ao ano.
Acrescente-se a isso os impactos negativos sobre a receita do Sistema de Seguridade Social derivados das dívidas crescentes, especialmente das grandes empresas, dos grandes bancos e dos times de futebol, cujo montante relativo ao ano de 2019, divulgado pelo sindicato nacional dos auditores fiscais do INSS, atingiu R$ 500 bilhões. A nosso ver, esses são elementos centrais que levaram ao colapso da saúde financeira do Sistema de Seguridade Social, por mais que se insista em discutir o problema apenas pela ótica do gasto, ou seja, do pagamento dos benefícios.
Passados seis anos da adoção do novo modelo de crescimento para a economia brasileira (2016-2021), os resultados foram decepcionantes, para dizer o mínimo. Enquanto a média de crescimento do PIB brasileiro foi de 2,64% a.a, entre 1980 e 2014, o crescimento médio no período 2017-2019 (período no qual a política econômica do Brasil foi conduzida totalmente pelos economistas liberais) foi de apenas 1,44% a.a, valor que corresponde a apenas 54,6% do crescimento do período 1980-2014. Os dados não permitem chegar a outra conclusão que não seja dizer em alto e bom som: o experimento liberal no Brasil foi um fracasso retumbante.
Quando confrontados com a realidade inescapável do seu fracasso, os economistas liberais reagem afirmando que o Brasil ainda não adotou todas as reformas necessárias para a retomada do crescimento econômico ou foram insuficientes aquelas levadas a cabo. Além das reformas já mencionadas anteriormente, voltaram a afirmar que ainda é necessário um choque de privatizações, com a venda do que restam das empresas estatais brasileiras, especialmente da Petrobras e do Sistema Eletrobras, os bancos do Brasil e Caixa Econômica, além da adoção de uma reforma administrativa que modernize o setor público brasileiro. Ou seja, sempre falta mais uma reforma liberal a ser implementada para a economia voltar a crescer.
O choque de “privatização” é uma má ideia já abandonada pelos países desenvolvidos. Conforme a figura 4 abaixo mostra, a onda de privatizações nos países desenvolvidos foi largamente revertida no período 2000-2017, ou seja, verificou-se um intenso movimento de reestatização devido às ineficiências manifestas das empresas privatizadas, as quais aumentaram os preços dos seus produtos ao mesmo tempo em que reduziram a qualidade dos respectivos serviços prestados.
A reforma administrativa prevista pela Proposta de Emenda Constitucional 32 (PEC 32), por seu turno, não tem por objetivo modernizar o serviço público no Brasil, mas tornar os servidores públicos em serviçais dos políticos de plantão; uma vez que a reforma cria novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir, fortemente, os cargos em que deve haver estabilidade. A reforma propõe, também, a criação dos cargos de liderança e assessoramento, algo na linha contrária a tudo o que foi feito no Brasil desde 1930, quando se passou a priorizar a estabilidade dos servidores públicos como forma de incrementar a profissionalização das atividades de Estado.
A PEC da reforma administrativa restringe o acesso transparente e meritocrático aos cargos públicos. Por fim, ela abre possibilidade para acumulação de cargos em carreiras menos prestigiadas, o que aumenta a possibilidade de interferências privadas e conflitos de interesses para esses cargos. Daqui se segue, portanto, que se a reforma administrativa for aprovada, o Estado Brasileiro irá retornar aos padrões prevalecentes na “República Velha”, um retrocesso de quase um século, uma reinserção ao Estado pré-moderno!
A agenda econômica liberal proposta pelo governo Temer e, ao menos na esfera da retórica, pelo governo Bolsonaro, nada mais é do que o retorno ao que o historiador econômico Erik Reinert (2016) denomina de “colonialismo”. Nas suas palavras,
“O Colonialismo é, antes de tudo, um sistema econômico, um tipo de integração econômica profunda entre os países. Não importa muito sob qual liderança política isso ocorre – independência nominal e “livre comércio” ou não. O importante é verificar que tipos de bens fluem em qual direção (…) as colônias são nações especializadas no “comércio ruim”, na exportação de matérias-primas e na importação de bens de alta tecnologia, seja industrial ou vindos de um setor de serviços que faz uso intensivo de conhecimento” (p. 190).
O ponto a ser ressaltado é que o Brasil dos últimos 20 a 30 anos adotou, inicialmente e de forma inconsciente, e depois de 2016 de forma deliberada, o modelo “colonialista”. A agenda de reformas não tem por objetivo emular as políticas econômicas que fizeram com que os países ricos se tornassem ricos, mas sim produzir uma espécie de “acumulação primitiva de capital” por intermédio do retorno do país às atividades primário-exportadoras, como já visto, e a redução dos salários e benefícios trabalhistas, elevando, assim, a “mais-valia absoluta” para utilizar o conceito criado por Karl Marx.
O projeto neoliberal de regressão produtiva tem por objetivo a recuperação da taxa de lucro do capital (ROE: Return Over Equity ou retorno sobre o capital próprio) na economia brasileira, o qual se reduziu de forma significativa no período 2010-2014, devido à elevação dos salários reais acima do crescimento da produtividade do trabalho, especialmente em função do sobreaquecimento do mercado de trabalho. Segundo dados de Rocca (2015), o ROE despencou a partir de 2012: 16,5% em 2010, 12,6% em 2011, 7,2% em 2012, 7,0% em 2013 e 4,3% em 2014.
Em suma, trata-se de um projeto para reverter o profit-squeeze por intermédio de uma sobre-exploração da força de trabalho, como forma de compensar a falta de esforço ou ousadia de inversão no longo prazo em uma estratégia moderna e competitiva de elevação da produtividade com inovação tecnológica e qualificação da mão de obra, conforme os padrões exigidos pelas tendências da economia do século XXI.
A partir da metade da segunda década do século XXI os problemas do mercado de trabalho ficaram mais evidentes, uma vez que tal período representa os piores índices de desemprego da história recente do país. Assim, nota-se que a taxa de desocupação passou de 7%, em 2014, para 13%, em 2017, percentual que representava mais de 13 milhões de pessoas. Tal situação pouco se alterou até o mês de fevereiro de 2020, quando essa taxa permanecia próxima ao redor de 12%. Com a emergência da pandemia da Covid-19, esse cenário se agravou ainda mais, uma vez que a taxa de desocupação atingiu 15% no segundo semestre de 2021.
Além do mercado de trabalho permanecer com elevadas taxas de desemprego ao longo dos últimos sete anos, outro fator determinante para a precarização das condições de trabalho é o reduzido grau de formalização das relações de trabalho. Ou seja, em 2014 o grau de formalização das ocupações no país era de 55%, percentual que caiu para 51% ao final de 2020. Em termos absolutos, isso significou que ao longo dos últimos seis anos foram perdidos cerca de 2,5 milhões de empregos com carteira de trabalho assinada.
Em suma, as condições do mercado de trabalho, que já eram péssimas após a crise econômica de 2015-2017, se agravaram ainda mais com a pandemia provocada pelo SARS-COV-2, especialmente nos empregos do ramo industrial. A perda de dinamismo desse setor provocou um deslocamento de um número expressivo de trabalhadores para setores de menor produtividade, especialmente do comércio e serviços, os quais atuam como válvula de escape diante da queda do emprego formal em setores tradicionais.
Todavia, com a paralisação de partes importantes das atividades, devido aos mecanismos de controle da pandemia, os problemas do mercado de trabalho do País se avolumaram ainda mais. Mesmo assim, o ideário econômico neoliberal continua apregoando a necessidade de um mercado “mais flexível”.
Nesse contexto, no aniversário de 200 anos da independência do Brasil temos pouco a comemorar. Com efeito, o modelo econômico adotado nas últimas três décadas abandonou o projeto “Varguista” de desenvolvimento econômico como instrumento para garantir a soberania e a independência de facto do Brasil. Os conselhos dados pelos economistas liberais não têm por objetivo tornar o Brasil uma nação rica e soberana; mas apenas reforçar os laços coloniais que o país voltou a ter a partir dos anos 1990 com as “reformas liberais” implementadas pelos governos Collor e FHC.
Desde 2016 as rédeas da política econômica no Brasil têm estado com os economistas liberais, os quais depois de um período de serviços prestados ao colonialismo, exercendo altos cargos na administração pública, são regiamente recompensados com postos de trabalho altamente remunerados no setor financeiro privado.
Ao fim e ao cabo, como o leitor deve ter percebido na frase que abre esse documento, Clausewitz estava certo: a maneira como pensamos é fundamental. A tragédia do Brasil é que nossa elite econômica e política não está interessada em defender a construção de uma nação rica e soberana, mas apenas em satisfazer seus desejos privados de acumulação de capital, por mecanismos primitivos de sobre-exploração da força de trabalho conjugados com a devastação ambiental, agora largamente promovida pelo governo Bolsonaro.
Infelizmente, muito pouco teremos a comemorar no dia 07 de setembro de 2022. Contudo, mantido o processo democrático, o Brasil continuará sendo o país do futuro.
* O artigo é resultado das discussões entre professores e pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior (públicas e privadas) e, em sua maioria, participantes do grupo de pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”, cadastrado no Diretório do Grupo de Pesquisas da UnB e sediado no Departamento de Economia da Universidade de Brasília.
Crédito da foto da página inicial: William West/AFP
[1] Importante observar que o orçamento do Sistema de Seguridade Social cobre as despesas e investimentos em saúde, assistência social e previdência social
Levantamento feito pela agência de classificação de risco Austin Rating desmonta falácia do governo de Jair Bolsonaro, de que o caos econômico no Brasil é consequência da pandemia e da guerra na Ucrânia
“É uma total inoperância da política macroeconômica do governo Bolsonaro que está levando a esse resultado catastrófico”, destaca economista da UnB
São Paulo – Governados pela direita e com forte inspiração militar e conservadora, o Brasil e a Turquia são os únicos países entre os 24 mais ricos com taxa de juros, desemprego e inflação acima de 10%, ao mesmo tempo. O Brasil tem hoje a quarta maior taxa de juros entre os países mais ricos, com 12,75% ao ano. Atrás apenas de Argentina, Rússia e Turquia. Também tem a quarta maior inflação, com 11,3% no acumulado em 12 meses. Sendo que a prévia do mês de abril já indica que a taxa deve ultrapassar os 12% ao ano.
O país tem ainda a terceira maior taxa de desemprego, com 11,1%, atrás apenas de África do Sul e Espanha. A situação, revelada pela agência de classificação de risco Austin Rating, mostra que, sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL) e de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, o Brasil está em situação bem pior do que ambos tentam fazer crer. E que o argumento deles de que o país sofre com as consequências da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia é uma falácia. Pois todos os outros países do ranking enfrentam a mesma situação.
Mestre em Economia e diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento, David Decacche considera que a situação do Brasil é drástica, principalmente para os mais pobres. De acordo com o especialista, isso “não é obra do acaso, mas uma escolha do governo Bolsonaro para beneficiar os mais ricos em detrimento da maioria da população”. Ele afirma, por exemplo, que o aumento de preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, é uma decisão política dessa gestão por meio da política de preços da Petrobras.
Crise é projeto
A medida, explica, favorece os acionistas da empresa e os importadores de combustível, que têm obtido lucros recordes nos últimos meses. Só que ela também favorece o aumento da inflação, que serve como desculpa para o Banco Central aumentar as taxas de juros. O que também beneficia os mais ricos, que têm dinheiro para investir em títulos públicos, que são remunerados com base nesses juros. “Isso tudo faz parte de um grande planejamento econômico, a destruição da maioria do povo é a forma de enriquecer os mais ricos”, critica.
Além disso, Decacche avalia que o governo Bolsonaro poderia estar obtendo ganhos com a atual situação de busca internacional por alimentos e petróleo. Isso porque o país possui uma característica que quase nenhum outro tem: ampla produção de alimentos e grandes reservas de petróleo.
“A Petrobras, como ela produz a maior parte dos combustíveis usados internamente, mais de 70%, ela poderia atenuar o repasse da elevação do preço do petróleo para o consumidor final. Só que isso implicaria redução dos lucros (dos acionistas) que foram estratosféricos. Em 2021, eles distribuíram mais de R$ 100 bilhões para os acionistas, isso significa três vezes o programa Bolsa Família com 120 mil pessoas. Então há elementos para mitigar esses impactos. Como grandes produtores de alimentos, nós poderíamos formatar estoques reguladores de alimentos que foram desmontados a partir do governo Temer para mitigar a pressão na cesta básica que impacta direto na vida da população. Mas o governo, ao invés de mitigar a crise, ela a aprofundou brutalmente para favorecer os super-ricos”, observa o economista.
Carro com freio
O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, também avalia que a principal responsabilidade pela situação econômica do Brasil é a péssima gestão de Bolsonaro e Guedes. Ele destaca que governos do mundo todo estão agindo com amplos pacotes de investimento público, enquanto o governo Bolsonaro se nega a fazer o mesmo. E, em paralelo, aumenta a taxa de juros a níveis que travam a economia, levando o país a ter hoje a menor projeção de crescimento de toda a América Latina.
“É uma política macroeconômica adotada desde o início desse governo, que em parte vem desde o governo Temer, mas é uma continuidade piorada, e que não consegue gerar crescimento. Era para o Brasil estar crescendo, no mínimo, 2,5% a 3% em 2022. Mas vamos crescer menos 1%, provavelmente 0,5% a 0,6%. Com isso o desemprego não tem como baixar. E com a economia crescendo pouco, os empresários investem pouco, e com baixo investimento, não tem como a produtividade aumentar e reduzir a inflação pelo lado da oferta. É uma total inoperância da política macroeconômica do governo Bolsonaro que está levando a esse resultado catastrófico”, destaca o professor.
Oreiro compara a situação do Brasil sob o governo Bolsonaro a de um carro preso na enchente. Em vez de agir para sair do alagamento, o motorista pisa no freio. “Aí a economia não se move do lugar e você fica com o pior dos dois mundos. Com a inflação subindo, que é o alagamento, e com o carro parado que é a falta de crescimento que gera desemprego elevado”, completa. A situação brasileira é tão crítica que as projeções econômicas têm piorado mês a mês. A Austin Rating indica que o país deve encerrar o ano com desemprego, juros e inflação ainda acima dos 10%. O mercado financeiro já estima que o crescimento do PIB brasileiro deve ser de apenas 0,7%, bem abaixo da média
O primeiro seria aquilo que um economista liberal brasileiro denominou recentemente de “produtividade intrínseca da economia”, mas que na academia é denominada de “produtividade total dos fatores de produção” (PTF). Esse conceito, criado originalmente por Solow (1957), nada mais é do que a parcela do crescimento econômico que não pode ser explicada pela expansão dos fatores de produção, a saber: capital e trabalho. Em outras palavras, a PTF é simplesmente um resíduo que a teoria convencional não é capaz de explicar, sendo portanto “a medida da nossa ignorância” nas palavras de M. Abramovitz (1956) [ver https://blogdoibre.fgv.br/posts/ptf-ou-medida-da-nossa-ignorancia-faz-60-anos%5D.
Como explicação para os diferenciais internacionais nos níveis de renda per-capita a PTF, contudo, enfrenta várias dificuldades (Ver Oreiro, 2016, cap. 2). Em primeiro lugar, o modelo de crescimento padrão da teoria neoclássica – o modelo de Solow (1956) – assume a existência de retornos constantes de escala e concorrência perfeita nos mercados de fatores de produção, o que faz com que [devido ao Teorema de Euller-Wicksteeed] toda a produção seja gasta na remuneração dos fatores de produção de acordo com suas respectivas produtividades marginais, de forma que não sobra nada da renda nacional para remunerar os esforços de Pesquisa e Desenvolvimento de novas tecnologias. Nesse contexto, a tecnologia tem que ser obrigatoriamente tratada como um bem público, estando disponível para todos os países e todas as empresas. Sendo assim, se a dita “produtividade intrínseca da economia” for uma próxi para o progresso tecnológico, como faz Solow (1957); então, dada a inexistência de barreiras a difusão internacional de conhecimento técnico e científico implícita na hipótese de bem livre, todos os países do mundo deveriam ter a mesma PTF e , portanto, níveis similares de renda per-capita.
Mais recentemente, a teoria convencional tentou reabilitar o uso da PTF para explicar as divergências internacionais nos níveis de renda per-capita argumentando que a má-alocação dos fatores de produção – definida como uma situação na qual as produtividades marginais dos fatores de produção são diferentes entre empresas e setores de atividade – seria a causa das diferenças observadas nos níveis de renda per-capita. Essa má-alocação, por sua vez, seria o resultado da intervenção do governo na economia por intermédio seja de impostos e subsídios para setores específicos, seja pelas políticas de crédito direcionado e juros subsidiados para certas empresas e setores de atividade econômica ou ainda pela diferenças na regulamentação. Conforme argumentei anteriormente (https://corecondf.org.br/a-misallocation-ou-alocacao-ineficiente-de-recursos-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/?doing_wp_cron=1650209850.0281140804290771484375) a hipótese da má-alocação de recursos tão pouco consegue dar uma explicação satisfatória para o problema que estamos discutindo. Isso porque, por um lado, é impossível atribuir a uma causa específica as diferenças observadas entre as produtividades marginais dos fatores de produção, sendo assim uma observação empírica desprovida de teoria; por outro lado, também não é possível mensurar os efeitos que as supostas causas da má alocação teriam sobre a eficiência na alocação dos fatores, ou seja, temos uma teoria sem comprovação empírica.
Uma vez descartada a PTF como explicação para as diferenças internacionais dos níveis de renda per-capita resta para a teoria tradicional apelar para as diferenças na dotação dos fatores de produção, mais especificamente nas diferenças na quantidade de capital físico por trabalhador e na quantidade de capital humano por trabalhador. As diferenças existentes na estrutura de produção e emprego de uma economia – o seu grau de sofisticação produtiva ou complexidade econômica – é um simples reflexo das diferenças observadas na dotação de fatores de produção, não exercendo assim nenhum papel autônomo na explicação das diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Em outros termos, se acrescentarmos o nível de complexidade econômica (ou alguma próxi para essa variável como, por exemplo, a participação da indústria de transformação no PIB) numa regressão de painel de dados na qual a renda per-capita seja a variável dependente, então o coeficiente da variável complexidade econômica (ou seu equivalente) deverá ser, segundo a interpretação dos economistas liberais, ou próximo a zero ou estatisticamente não-significativo ou uma combinação linear de ambos os casos, desde que estejam presentes na regressão como variáveis explicativas as próxis para a dotação de fatores de produção.
Essa assertiva, contudo, não tem nenhum embasamento empírico, sendo mais um “ato de fé” dos economistas liberais. Com efeito Gabriel et al (2020), no artigo intitulado “Manufacturing, economic growth, and real exchange rate: Empirical evidence in panel data and input-output multipliers”, publicado na Paolo Sylos-Labini Quarterly Review (https://macroeconomia-strapi.s3.sa-east-1.amazonaws.com/PSL_2020_149b2f7e12.pdf), realizam uma regressão com dados em painel para 84 países no período 1990-2011. A equação estimada é apresentada abaixo:
Onde a variável dependente é a renda per-capita do país i no tempo t (medida em PPC), e as variáveis explicativas são, respectivamente, a renda per-capita do país i no período anterior, o desalinhamento cambial do país i no período t, o desalinhamento cambial do país i no período t-1, o hiato tecnológico do país i no período t (definido como a razão entre o produto per-capita dos Estados Unidos e o PIB per-capita do país i), a participação da indústria de transformação no PIB do país i no período t, a participação do setor primário no PIB do país i no período t, a participação do setor de serviços no PIB do país no período t e um vetor Z de outras variáveis explicativas – entre as quais inflação, capital humano, gastos governamentais, termos de troca e investimento agregado (que é, por definição, igual a poupança total do país) – para o país i no tempo t.
A tabela 1 abaixo mostra a descrição das variáveis usadas e suas fontes de dados:
Fonte: Gabriel el al (2020, p. 61)
Os resultados da regressão em painel de dados podem ser vistos na tabela 2 abaixo.
Fonte: Gabriel el al (2020, p. 63)
Conforme podemos observar na tabela 2 acima a participação da indústria de transformação no PIB tem um impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o nível de renda per-capita dos países da amostra, principalmente para os países com nível intermediário de hiato tecnológico como é o caso do Brasil, mesmo controlando-se para os efeitos do capital físico (investimento total) e do capital humano. Já a participação do setor primário no PIB dos países da amostra tem um sinal negativo para todos os países da amostra, independentemente no nível do hiato tecnológico, sinal claro da validade da doença holandesa e/ou da maldição dos recursos naturais. Daqui se segue que a estrutura produtiva tem um impacto autônomo sobre o nível de renda per-capita dos países, ou seja, a dotação de fatores não é a explicação única ou fundamental para as diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Ao acrescentar a variável complexidade econômica na regressão para todos os países em desenvolvimento, observa-se uma redução do coeficiente da participação da indústria de transformação no PIB, indicando assim que o efeito positivo da indústria de transformação sobre o nível de renda per-capita dá-se fundamentalmente pela sofisticação e/ou complexidade das atividades manufatureiras na comparação com as demais atividades produtivas.
Os economistas liberais argumentam que as vantagens comparativas dos países decorrem da sua dotação de fatores de produção. Se fosse assim, a economia da Coréia do Sul deveria ter se especializado na produção de produtos agrícolas, dado que o estoque de capital per-capita era extremamente baixo (muito mais baixo do que no Brasil) nos anos 1950. Mas ao invés de seguir as doutrinas ensinadas pelos economistas liberais a Coréia do Sul, tal como o Brasil, preferiu adotar as políticas que os países da Europa Ocidental e os EUA adotaram para se tornarem países ricos, ou seja, políticas que incentivaram a industrialização e sofisticação da estrutura produtiva e, portanto, a construção de vantagens competitivasdinâmicas[ sobre esse tema ver Reinert, 2016]. O termo fator de produção é, por sua vez, uma construção teórica enganosa, pois dá a entender a existência de uma relação de causalidade unidirecional da dotação de fatores para o nível de produção de um país, esquecendo-se do fato de que o capital nada mais é do que um conjunto de bens que são produzidos dentro do sistema e, portanto, existe uma relação de causalidade bidirecional. Além disso, o termo fator de produção desvia a atenção dos economistas para a questão da alocação estática de recursos ao invés da questão dinâmica do ritmo de criação de recursos. Nas palavras de Setterfield
“The use of produced means of production implies that the ‘scarcity of resources’ in processing activities cannot be thought of as being independent of the level of activity in the economy. What is chiefly important in processing activities is the dynamic propensity of the economy to create resources (that is, to deepen and/or widen its stock of capital) rather than the static problem of resource allocation” (Setterfield, 1997, p. 50).
Em suma, a teoria neoclássica não consegue fornecer uma explicação satisfatória para explicar a magnitude das diferenças internacionais de renda per-capita entre os países. Dessa forma, ela tão pouco pode ser usada como base para a formulação de estratégias para a retomada do desenvolvimento econômico no Brasil.
Referências
Gabriel, L.F; Riberiro, L.S; Jayme Jr, F.G; Oreiro, J.l (2020). “Manufacturing, economic growth, and real exchange rate: Empirical evidence in panel data and input-output multipliers” PSL querterly Review, Vol. 72, n.292.
Oreiro, J.L. (2016). Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana. LTC: Rio de Janeiro.
Reinert, E. (2016). Como os países ricos ficaram ricos … e por que os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.
Setterfield, M. (1997). Rapid Growth and Relative Decline. Macmillan Press: Londres.
Solow, R. (1956). “A Contribution to the Theory of Economic Growth”. The Quarterly Journal of Economics, Vol. 70, N.1.
Solow, R. (1957). “Technical Change and the Aggregate Production function”. The Review of Economics and Statistics, Vol. 39
A menos de seis meses das eleições gerais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) praticamente descartou a possibilidade de aprovação, ainda neste ano, das reformas de interesse do governo, como a tributária e a administrativa. Para enfrentar a crise econômica e a alta da inflação, o Palácio do Planalto quer que a equipe do ministro Paulo Guedes amplie a adoção de medidas que não dependam de aprovação do Congresso nem provoquem impacto fiscal.
“Dificilmente, o Parlamento vai avançar em qualquer projeto importante este ano”, disse Bolsonaro, em entrevista a uma rádio de Belém. “O Parlamento, no meu entender, não adianta forçar a barra, você não vai conseguir levar adiante uma proposta como essa”, acrescentou, em alusão à reforma administrativa.
Bolsonaro também afirmou que o Brasil ainda enfrentará “inflação pela frente”, principalmente em relação aos produtos alimentícios. Segundo o chefe do Executivo, a ocorrência é reflexo da pandemia e da guerra no Leste Europeu.
Na lista de medidas em estudo estão novas reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, além da abertura de linhas de crédito com juros baixos para atender setores mais impactados pela crise econômica. “A Casa Civil, a AGU (Advocacia-Geral da União) e o Ministério da Economia estão vendo as medidas que não têm impacto fiscal ou complicações jurídicas. Todo dia, o presidente anuncia alguma medida”, disse ao Correio um assessor do Palácio do Planalto.
A fonte lembrou que a arrecadação aumentou, o que abre para o governo uma folga “relevante” no Orçamento da União para sustentar essas medidas de enfrentamento da crise. E que essas providências ajudam a despertar nas pessoas a sensação de que “a situação está melhorando, mesmo que não da forma ideal ainda”.
Na seara dos combustíveis, Bolsonaro voltou a falar sobre a demissão do general Joaquim Silva e Luna do comando da Petrobras. Segundo o chefe do Executivo, a troca na estatal ocorreu porque era necessário ter alguém “mais profissional”. Na semana passada, ele indicou para o posto o ex-secretário do Ministério de Minas e Energia José Mauro Coelho, após Adriano Pires ter declinado do convite.
Inócuo
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro observou que a inflação tem um aspecto internacional, mas que o governo “não está fazendo nada para resolver o problema”. “Muito pelo contrário, está adotando um instrumento da taxa de juros, que é inócuo, contra a inflação. O que o governo deveria ter feito e poderia ter reduzido a inflação de alimentos é ter introduzido imposto sobre exportação de alimentos para redirecionar a oferta do mercado interno e, com isso, reduzir a elevação dos preços dos alimentos”, ressaltou. “Outra coisa que ele poderia ter feito seria impedir Guedes de ter acabado com os estoques reguladores da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Se tivesse estoques reguladores de alimentos, poderia ter reduzido a inflação de alimentos.”
De acordo com o economista, “o governo tem culpa em parte da inflação elevada, seja porque não adotou medidas corretas para redirecionar ofertas de alimentos para o mercado interno, seja porque a Petrobras acompanha a paridade internacional, o que importa inflação para o Brasil”.
Ele destacou que as perspectivas de crescimento da economia este ano são de, no máximo, 0,5%, um terço do ritmo de crescimento da economia entre 2017 e 2019, representando estagnação econômica e a alta do desemprego.
“A trajetória de queda do desemprego em 2021 vai ser revertida ao longo de 2022 e vai se fazer com mais força justamente nos meses anteriores da eleição — agosto e setembro —, em que estaremos com inflação alta e desemprego ascendente, o que é mortal para quem quer se reeleger”, frisou. “A economia joga contra Bolsonaro. Não é por outro motivo que tenta desviar a atenção para a pauta de costumes.”
André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria, comentou que a economia é o tema da eleição. “Em 2018, tivemos um ponto fora da curva, do combate à corrupção. Agora, mudou o mote. As pesquisas mostram que mais de 50% da preocupação dos brasileiros é com o desemprego, inflação e juros”, afirmou. “Bolsonaro não pode terceirizar o problema e vai ser cobrado. Ele vai tentar fazer ‘gambiarras’ para buscar arrumar a casa, mas é complicada a situação.”
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar as causas da desaceleração do crescimento da economia brasileira a partir de um referencial teórico Keynesiano-Estruturalista, segundo o qual o crescimento da produtividade do trabalho depende da mudança estrutural e da acumulação de capital. Nesse contexto, iremos mostrar que o ritmo de acumulação de capital na economia brasileira se reduziu de forma expressiva a partir do final dos anos 1980, e que essa redução foi causada basicamente pela redução da taxa de investimento a preços correntes. Iremos mostrar também que a participação da indústria de transformação no PIB apresentou uma nítida tendência de redução a partir de 1980, a qual está associada a instabilidade macroeconômica da segunda metade dessa década e a tendência a apreciação da taxa real de câmbio observada a partir da implantação do Plano Real e da adoção do modelo liberal-dependente de poupança externa a partir de 1994.
Palavras-Chave: Mudança estrutural, acumulação de capital, semiestagnação, Brasil.
Uma revisão nos dados recentes da economia brasileira, feita pelo IBGE, melhorou o resultado do PIB durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-14).
Assim, a primeira administração da petista deixou de ser isoladamente a de menor crescimento desde o governo de Fernando Collor (1990-92) e empatou com o desempenho de FHC em seu segundo mandato (1999-2002).
A revisão feita pelo IBGE não foi muito grande e ocorre cada vez que o instituto publica dados mais depurados do PIB. Nesta quinta (17), saiu o número definitivo de 2014. Em vez de uma estabilidade de 0,1%, a economia cresceu 0,5%. Também foi revisto levemente para cima o resultado de 2011, de 3,9% para 4%.
Foi o suficiente para a média anual de crescimento de Dilma 1 subir de 2,22% para 2,34% —superior, na segunda casa após vírgula, ao de FHC 2 (2,31%). Na divulgação oficial, o IBGE só considera o primeiro número após a vírgula, o que os coloca em empate.
Paulo Picchetti, pesquisador e um dos membros do Comitê de Datação de Ciclos da FGV, lembra que tanto Dilma quanto FHC enfrentaram turbulências externas.
Em sua segunda gestão, o tucano enfrentou o colapso argentino. Já Dilma encarou o estrago da crise financeira nos países da Europa. FHC enfrentou o racionamento de energia, e Dilma, a crise hídrica em 2014.
Mas, para Picchetti, o governo Dilma produziu desequilíbrios que cobraram seu preço no segundo mandato.
“O benefício de um crescimento que se mostrou melhor não compensa de forma alguma a dificuldade que estamos vivendo agora.”
A recessão se instalou em 2014, mas derrubou o PIB a partir de 2015, resultado de uma política de excessiva intervenção do governo no setor privado e desmesura nos gastos públicos, que levou à baixa da confiança empresarial e acabou em inflação.
O economista José Luis Oreiro, da UFRJ, dá peso à aceleração da inflação e ao choque de oferta produzidos pela súbita correção de tarifas, como de energia, em 2015 —represadas no primeiro governo Dilma. A crise política e as investigações da Lava Jato multiplicaram incertezas e debilitaram o investimento.
SEM NORTE
Oreiro afirma que a revisão dos números de Dilma não altera a leitura da gestão econômica da petista.
“Foi um governo que não soube lidar com a sustentabilidade do crescimento”, afirma. “Após tentar corrigir o câmbio [a seu ver, excessivamente valorizado], o governo Dilma desistiu e passou a adotar uma política econômica sem norte.”
O erro, diz Oreiro, foi ter interpretado que a moderação, após os anos de forte crescimento do governo Luiz Inácio Lula da Silva, se devia à falta de consumo. Em vez de adotar ações para estimular o investimento privado, optou-se por sobreaquecer a demanda.
Governantes desde o Plano Real, diz Oreiro, aplicaram juros altos e dólar barato para controlar a inflação, combinação que limita o investimento e a capacidade do país crescer no longo prazo.
“Sabemos que há 25 anos o padrão de crescimento do Brasil é baixo, ao redor de 2,3% anuais, o que é reflexo de uma baixa taxa de investimento, em torno de 18% do PIB. Isso é um problema mais estrutural do que de um governo ou de outro”, afirma.
PARA MAIS INFORMAÇÕES, ENVIE E-MAIL PARA: CND@FGV.BR
A ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS – EESP/FGV, EM PARCERIA COM A FIESP, O IEDI e o DIEESE CONVIDAM A PARTICIPAR DO
QUE SERÁ REALIZADO NOS DIAS 12 e 13 de setembro de 2016, NO SALÃO NOBRE DA
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
COM O TEMA:
SEMIESTAGNAÇÃO DESDE 1981. POR QUE?
Haverá 4 painéis, com os respectivos subtemas:
1) Taxa de juros e semiestagnação;
2) Taxa de câmbio e semiestagnação;
3) Razões políticas da semiestagnação;
4) Comparação entre o Leste Asiático e o Brasil desde 1980.
E a palestra dos Ministros
Henrique Meirelles (Ministro da Fazenda); e
José Serra (Relações Exteriores)
Abaixo a lista completa de todos os palestrantes confirmados ou convidados para o 13º FÓRUM DE ECONOMIA da Fundação Getúlio Vargas
– Luiz Carlos Bresser-Pereira – Professor Titular Emérito da FGV, Ex Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado e Ciência e Tecnologia, e Coordenador Geral do Fórum de Economia
– Carlos Ivan Simonsen Leal – Presidente da Fundação Getúlio Vargas
– Yoshiaki Nakano – Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, ex-secretário da Fazenda da Gestão Mario Covas
– Nelson Marconi – Professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV e Presidente da Associação Keynesiana Brasileira
– Henrique Meirelles – Ministro da Fazenda do Brasil, e ex-Presidente do Banco Central
– Jorge Gerdau – Presidente do Conselho do Grupo Gerdau
– Antônio Delfim Netto – Professor Emérito da FEA, Ex-Ministro, e Presidente do Conselho Superior de Economia da FIESP
– João Guilherme Sabino Ometto – 2º Vice-Presidente da FIESP, Presidente do Conselho de Administração do Grupo São Martinho e fundador do Conselho Superior do Agronegócio da FIESP.
– Benjamin Steinbruch – Vice-Presidente da FIESP e Presidente do Conselho de Administração da CSN
– Pedro Wongtschowski – Presidente do IEDI e Membro do Conselho do Grupo Ultra
– Carlos Buch Pastoriza – Presidente da Associação brasileira de máquinas e equipamentos
– Jeong Gwan Lee – Embaixador da Coreia do Sul no Brasil
– Paulo Rabelo de Castro – Presidente do IBGE
– Marco Antônio Bologna – Presidente do Grupo Fator
– Joaquim Falcão – Diretor da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas
– Oscar Vilhena Vieira – Diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
– Sérgio Amaral – Embaixador, ex ministro do MDIC e Presidente do Conselho Empresarial Brasil China
– Nilson Teixeira – Economista Chefe do Crédit Suisse
– Nelson Barbosa – Ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento
– Marcio Holland – Professor da EESP/FGV e ex Secretario de Política Econômica do Ministério da Fazenda
–José Francisco de Lima Gonçalves– Economista-Chefe do Banco Fator
–Mario Bernardini– Diretor de Competitividade da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ)
– André Nassif – Professor da UFF e economista do BNDES
– Celso Rocha de Barros – Analista do Banco Central do Brasil
– Cícero Araújo– Professor e Chefe do Departamento de Ciência Política da USP
– André Singer – Professor da USP
– Armando Boito – Professor da Unicamp
– Mariano Laplane – Professor da Unicamp
– Fabiana D’Atri – Economista Senior do Bradesco
– Paulo Gala – Professor da EESP/FGV e estrategista do Banco Fator
–Francisco Eduardo Pires de Souza – Assessor da Presidência do BNDES
–José Luis Oreiro– Professor da UFRJ e Ex-Presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB)
–Vera Thorstensen– Professora da EESP-FGV e ex-Presidente do Comitê de Regras de Origens da Organização Mundial do Comércio (OMC).
–Edgar Pereira– Professor do Instituto de Economia da Unicamp
–Clemente Ganz Lúcio– Diretor do DIEESE
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O Brasil cresce mal desde meados dos anos 1980, a avaliação é do professor do Instituto de Economia da Unicamp, Wilson Cano. Para o docente, a indústria de transformação perdeu peso na composição da riqueza do país nos últimos 30 anos em decorrência da crise anos 1980 e da adoção de políticas neoliberais que diminuíram a autonomia do Estado brasileiro no manejo da política econômica.
“A crise dos anos 1980 pegou pesado o Brasil porque perdemos o rumo da história e deixamos de pensar no longo prazo. A crise fiscal e financeira do Estado foi de tal profundidade que nos desestruturou fiscal e financeiramente. Nossa crise tem mais de 30 anos, não é uma crise que começou há 2 ou 3 trimestres. É uma crise estrutural que nos fez chegar no ponto em que estamos”, afirmou o professor durante debate organizado pelo Centro Acadêmico Visconde de Cairu na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA).
Durante a década de 1980, os Estados Unidos elevaram a taxa de juros dos seus títulos de dívida pública. A maior taxa de retorno garantida pelo governo americano atraiu a atenção de diversos investidores no mundo que deixaram de alocar seus recursos em outros países.
Como efeito, a taxa de câmbio brasileira se apreciou, o que diminuiu a capacidade de competição das exportações da indústria. Paralelamente a esse processo, o neoliberalismo se tornou uma política hegemônica no mundo com a desregulamentação do mercado financeiro, a abertura comercial das economias nacionais e as privatizações de empresas públicas.
“Nos anos 1990 nós tivemos a introdução do regime de política econômica neoliberal no Brasil que teve um resultado desastroso. Queimamos entre 1995 e 2001, a bagatela de US$ 200 bilhões nas nossas contas externas o que mais que dobrou a nossa dívida externa. Crescemos um pouco mais do que nos anos 1980, contudo, os nossos indicadores macroeconômicos atingiram níveis cruéis principalmente porque afetaram uma coisa absolutamente fundamental na economia, em especial no capitalismo, que é a taxa de investimento e nós de lá para cá não recuperamos os nossos níveis de investimento médio”, afirmou Cano.
Como parte da política neoliberal, o Brasil assinou uma série de compromissos internacionais que para o Cano tiraram a autonomia do país em manejar sua taxa de juros e de câmbio, fatores essenciais para garantir a competitividade e o desenvolvimento da indústria nacional.
“O Brasil pode crescer mais? Eu diria que não se nos mantivermos atados a essa circunstância estrutural da ordem neoliberal. Simplesmente porque o país não tem como manejar a política de comércio exterior porque assinou acordos e termos com a Organização Mundial do Comércio (OMC), com Basileia, e prometeu manter a taxa de juros dita necessária”, afirmou.
“Diante desses compromissos é impossível a qualquer dirigente nacional formular um plano nacional de desenvolvimento econômico. Eles serão um grande embusteio se disserem que mantidas essas condições externas e internas vão poder manipular a taxa de investimento e fazer com que a economia volte a crescer a taxas elevadas porque não pode. Não pode porque o Estado não controla nem a taxa de juros, nem o câmbio”, completou o docente da Unicamp.
Para o professor, os governos petistas adotaram políticas importantes e “corajosas” de combate à desigualdade tais como o bolsa família e a politica de valorização do salário mínimo. Apesar disso, a economia continuou a ser regida pelos cânones do neoliberalismo.
“Tivemos uma série de outras atitudes de ampliação de direitos sociais, tivemos mais fiscalização do Ministério do Trabalho que é responsável por um pedaço do aumento da formalização do emprego. Mas nos mantivemos dentro dos cânones centrais da ordem neoliberal: abertura comercial e a desregulamentação financeira. Essas são as duas questões chaves da política macroeconômica neoliberal”, concluiu Cano.
Indústria
A indústria brasileira foi a que mais sentiu os impactos das políticas neoliberais adotadas nos últimos 30 anos isso porque um dos principais efeitos dessa política foi a apreciação da moeda brasileira ante o dólar norte-americano.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a participação da indústria de transformação no PIB cresceu vertiginosamente entre 1947 e 1985 saltando de 11,8% para 27,2%.
Nos últimos 30 anos, entretanto, a indústria de transformação perdeu significativamente sua importância para a economia brasileira voltando quase ao patamar de 1947. Atualmente o setor responde por apenas 13% da riqueza gerada no país.
Para o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Luis Oreiro, a apreciação cambial é o principal fator que explica a queda da importância da indústria para a economia brasileira. Isso porque uma moeda local forte torna as exportações menos competitivas e permite a entrada de importados a um preço mais barato. Ele chama atenção para o fato do crescimento da demanda por produtos nos últimos anos ter sido atendida em grande medida por indústrias de outros países em um processo que ele chama de “substituição de importação às avessas”. “De 2006 a 2013, o coeficiente de penetração das importações passa de cerca de 13% para quase 22% no último trimestre de 2013. Isso nos mostra que ocorreu no Brasil uma espécie de substituição de importações às avessas, ou seja, estamos substituindo produção doméstica por importações”, afirmou.
Para o professor Wilson Cano, a perda de importância da indústria no PIB nacional é preocupante porque o segmento é um importante dinamizador de outros setores porque gera um progresso técnico que pode ser apropriado por outros segmentos da sociedade.
“Na história do mundo só se desenvolveram países que tiveram dois propósitos fundamentais. Primeiro fazer uma profunda transformação do Estado nacional e através dessa transformação conduzir a política econômica no rumo do desenvolvimento. A segunda questão é que esse desenvolvimento quase que se pode traduzir em industrialização porque o progresso técnico está na indústria e não em serviços ou em agricultura”, afirmou.
Para ele, o desenvolvimento da indústria tem impactos diretos sobre os outros setores porque a tecnologia desenvolvida pela e para a indústria acaba sendo utilizado por outros setores como serviços e agricultura.
“A introjeção de progresso técnico na indústria não tem como beneficiário único e exclusivo a indústria, pelo contrário. Foi pela industrialização que a Inglaterra no século XIX pode modernizar toda a sua agricultura mecanizando o campo graça aos avanços que houve no processo de industrialização”, analisou Cano.
Estado desestruturado
Para o professor de economia da FEA-USP, Roberto Vermulm, a recuperação da indústria passa pela adoção de uma série de medidas macroeconômicas, mas também de políticas micro voltadas para atender segmentos específicos da indústria priorizando o desenvolvimento de setores com mais tecnologia.
“Toda política industrial é por definição setorial porque os padrões de concorrência, de desenvolvimento tecnológico são diferenciados. A política industrial não pode ser a mesma para todos os setores e mais do que isso ela também tem hierarquia. Existem setores mais importantes que outros. Não vou dizer que uma indústria eletrônica tenha a mesma importância numa política de desenvolvimento do que uma que é receptora de progresso técnico como a têxtil”, afirmou.
O docente acredita que o Estado tem um papel crucial para fazer a indústria recuperar sua força. Ele, entretanto, não está otimista porque acredita que o desmonte do Estado promovido ao longo dos últimos 30 anos tirou parte da capacidade de atuação.
“A minha visão é pessimista porque existem desasjustes de natureza macro, que é condição necessária, mas não suficiente para retomada do desenvolvimento industrial. Nesse momento o estado seria fundamental, mas ele não está preparado, o Estado está desestruturado. Repensar o futuro implica em um reposicionamento político e institucional”, afirmou.
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)