Presidente do BC atacou os bancos públicos porque quer acabar com financiamentos direcionados. O cínico afirmou que juros altos “é um problema de todos nós, é um problema do BC, é um problema do governo, é um problema das pessoas”
O professor de economia da UnB José Luis Oreiro criticou, nesta terça-feira (18), em suas redes sociais, a declaração do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que a culpa pelo juros altos no Brasil é do crédito direcionado dos bancos públicos e do povo brasileiro. “Esse sujeito é um idiota confiante”, afirmou Oreiro.
Ao falar num evento promovido pela Esfera Brasil, no fim de semana passado, Campos Neto afirmou que os juros altos “é um problema de todos nós, é um problema do Banco Central, é um problema do governo, é um problema das pessoas”. As mesmas pessoas que são extorquidos por uma taxa de juros indecente, são agora culpadas por esta mesma alta, que é decidida pelo próprio Campos Neto.
Para o presidente do BC, o lucro dos bancos privados é sagrado, por isso ele ataca os bancos públicos e o financiamento direcionado. Ele ataca esta modalidade de financiamento exatamente porque ela tem juros mais baixos, uma conquista brasileira de muitas décadas.
O serviçal do mercado financeiro comparou o financiamento direcionado com a meia entrada no cinema, outra conquista da juventude brasileira que ele também condena. “No crédito direcionado, a gente pode fazer a análise do cinema que vende a meia-entrada. Se eu vendo muita meia-entrada e quero ter o mesmo lucro, a entrada inteira eu tenho que subir o preço. O crédito funciona um pouco assim”, afirmou.
“O que ele quer? Tirar o financiamento do Banco do Brasil para a agricultura? Para, então, o preço dos alimentos disparar?”, indagou o economista da UNB.
O objetivo de Campos Neto é acabar com o crédito para investimentos das empresas, realizado, em grande parte, por meio de operações diretas e repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Quer também eliminar os financiamentos habitacionais. E, por último, o presidente do BC está de olho no crédito rural, do Banco do Brasil.
Em suma, se o desemprego vai disparar, se a inflação fugirá ao controle, se vai faltar alimentos e se as indústrias vão fechar as portas e demitir, nada disso interessa a Campos Neto, desde que o bancos privados, é claro, sigam ganhando muito dinheiro na especulação financeira.
Atualmente está em 13,75% ao ano, a taxa básica de juros, fixada pelo BC. Os juros para financiamento de capital de giro está na casa dos 20%. Nenhum negócio apresenta um retorno que compense uma taxa de juros nesses níveis. O setor produtivo não investe e o país segue estagnado.
Em termos de juro reais, o Banco Central está praticando as maiores taxas do mundo. Estas taxas estão provocando uma estagnação econômica gravíssima no país. Os gastos públicos com os juros estão consumindo 20% do Orçamento da União, sem considerar a rolagem da dívida. Quando esta é incluída, os gastos atingem 50% do Orçamento da União. Enquanto isso, somente 2% do orçamento são destinados aos investimentos.
Segundo Oreiro, Campos Neto “está repetindo a mesma ladainha do Joaquim Levy em 2004” [ primeiro governo Lula]. “O Banco Central está querendo acabar com o financiamento habitacional”, denunciou o professor da UnB. “Aí o investimento residencial despenca”, destacou o economista. ‘A vantagem de ter 51 anos é que eu já ouvi essa estupidez várias vezes”, ironizou o especialista. “Estou ficando sem paciência para a burrice”, completou.
Pedro Rossi, Oreiro e Nelson Marconi (Fotomontagem HP)
“A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu Oreiro. Para Marconi, “o limite de 70% é bastante restritivo”. “O teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto nos governos Lula”, diz Pedro Rossi
O novo arcabouço fiscal, apresentado na quinta-feira (30) pelo ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad, recebeu comentários favoráveis de representantes do mercado financeiro e opiniões em tom mais críticos por parte de economistas que defendem uma maior independência do governo em relação à amarras fiscais e monetárias impostas ao país por este mesmo mercado financeiro.
José Luis Oreiro (UnB)
José Luis Oreiro, professor de Economia da UnB, afirmou ao HP que o arcabouço está na dependência da receita e que “não dá para controlá-la, apenas os gastos”. “A meta é um crescimento de meio ponto percentual do superávit primário em relação ao PIB por ano entre 2023 e 2026. “A receita, a princípio, o governo não controla porque depende do comportamento do PIB”, ressaltou o economista.
Oreiro disse ainda que o governo manteve a lógica do teto de gastos, “só que ela dá uma flexibilizada”. “O máximo que o gasto pode crescer entre um ano e outro é 2,5%. Este é o gasto total da União. Só que no gasto total da União estão os gastos previdenciários. Então, para respeitar o teto da banda, os outros itens da despesa vão te que crescer menos”, apontou. “E quais são os outros itens? Você tem dois que são fundamentais, são os gastos com o funcionalismo público e os gastos de investimento”, acrescentou Oreiro.
RECUPERAÇÃO DURANTE CRISES
Ele alerta que, “havendo uma crise, o governo não conseguirá recuperar a economia”. “O que acontece se a economia entrar em recessão? Porque você tem um limite mínimo de crescimento dos gastos que é 0,6% ao ano. Vamos supor que a economia em 2024 caia 2%. A contribuição da política fiscal para a recuperação da economia vai ser muito pequena”, advertiu.
Nelson Marconi (FGV)
Nelson Marconi, professor da FGV-Eaesp e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getúlio Vargas, disse à Folha de S. Paulo que a proposta dá uma sinalização importante para o mercado. “Agora, se ela é crível e se realmente vai ser apoiada pela sociedade, vai depender muito das outras medidas que o governo anunciar”, afirma.
Segundo o economista, o desenho proposto pelo governo é melhor e mais flexível, mas alguns pontos ainda precisam ser esclarecidos. O principal é como aumentar a arrecadação. “Se pensarmos num cenário de inflação a 4%, para que a despesa cresça na mesma magnitude, a receita precisaria subir 5,7% acima da inflação. Então o que o governo está apostando no fundo é que vai [conseguir] aumentar a receita”, diz.
Ele lembra que Lula e seus ministros têm prometido uma atenção maior em questões sociais. Por isso, embora as despesas com saúde e educação estejam fora do limite de gastos, há maior expectativa de desembolso para políticas públicas.
LIMITES RESTRITIVOS
O problema, ele diz, “é que a única forma de entregar as promessas, considerando o modelo apresentado, é cortando investimentos ou aumentando o caixa. Como é improvável que o governo adote o primeiro caminho, resta saber qual estratégia será usada para captar mais recursos”.
Segundo Marconi, essas metas também só são factíveis se a arrecadação for consideravelmente crescente. “Combinando o que o governo pretende fazer com o objetivo de superávit, a única forma de alcançar isso é através de crescimento de receita. A não ser que vá cortar recursos para saúde, educação, segurança e fiscalização. Aí chega no superávit”, diz.
Sobre a afirmação de representantes da sistema financeiro de que o limite de gastos nos 70% definidos pelo governo estão num patamar bem calibrado, Marconi discorda. Para ele, “o limite é bastante restritivo, e deve ser elevado no Congresso para algo em torno de 80% ou 90%”. “Acho que o governo está colocando um percentual para negociação, porque [70%] é baixo, dado o que ele está se propondo a fazer”, afirma.
Segundo Marconi, o ideal seria tirar os investimentos da regra. “A política fiscal tem que ser anticíclica. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico”, diz. “Tudo bem que há um piso [para investimentos], mas é fraco”, acrescenta.
Pedro Rossi Foto: Unicamp
Pedro Rossi, economista e professor da Unicamp, destacou em suas redes sociais que “é evidente o avanço em relação ao teto do Guedes, a proposta é mais flexível, tecnicamente bem construída, criativa na tentativa de amenizar o caráter pró-cíclico e até inovadora em alguns aspectos”.
No entanto, prosseguiu o economista da Unicamp, “o teto de crescimento do gasto primário de 2,5% é muito inferior ao crescimento real médio do gasto no governos Lula 1 e 2 (5,2% ao ano) e Dilma (3,5%) e mesmo FHC. Esse crescimento do gasto primário permitiu a expansão dos serviços públicos, programas sociais, seguridade e o investimento publico”.
O professor da Unicamp se somou a Nelson Marconi ao afirmar que as metas fiscais são desnecessariamente exageradas. “A banda é um avanço em relação ao regime de metas tradicional, mas poderia ter metas menos ambiciosas e bandas mais largas para acomodar choques. A utilização do excedente do primário para investimento também é boa, mas a alternativa seria tirar o investimento do teto”, afirmou.
PRIORIDADE NO CRESCIMENTO
“O objetivo central da politica econômica deveria ser emprego e o crescimento. Aliás, o Brasil vai estabilizar a divida quando voltar a crescer de verdade. Para isso o gasto público é fundamental”, acrescentou. “A prioridade dada ao resultado fiscal e estabilidade da divida pode custar caro. O risco é a regra representar mais um freio na economia (além do monetário) e aumentar a chance da extrema direita voltar em 4 anos”, defendeu Rossi.
Pedro Rossi disse ainda que o fim dos limites à Saúde e Educação é bom, mas advertiu para alguns problemas. “Com o fim da EC95 temos a volta dos antigos pisos constitucionais da saúde e educação. Isso é muito bom mas pouco compatível com o teto: se a receita cresce 10%, saúde e educação vão crescer 10% mas o conjunto dos gastos vai crescer 2,5%, o que cria um problema no orçamento”, disse.
Para o economista, “considerada a atual previsão de crescimento e carga tributaria, o teto de 2,5% não deve ser atingido no governo Lula. Ou seja, o gasto cresce menos a não ser que o governo aumente a carga tributaria”.
Rossi advertiu que as regras podem acabar reduzindo o tamanho do Estado. “A relação gasto/PIB pode cair se não houver aumento de carga tributaria, ou um crescimento do PIB não desejado (negativo ou próximo de zero). Ou seja, a regra não garante a sustentação do patamar de gasto/PIB e o tamanho do Estado na economia pode diminuir”, afirmou.
O economista apontou que “o novo teto de gastos vai ter o mesmo problema do teto anterior: um ‘efeito achatamento’ onde algum gastos (como seguridade, saúde, educação, bolsa família turbinado) crescem mais e pressionam outros gastos, especialmente discricionários”. “Isso dará pouca margem para expansão do investimento publico dentro do teto (apesar do novo piso que o protege de cortes), para aumentos do salario mínimo que pressiona a seguridade, e para o funcionalismo publico”, alertou.
Pedro Rossi assinala a dificuldade de se garantir investimentos relevantes. “No caso do investimento vale destacar que o excesso de superávit (para além do limite superior da banda) vira investimento. Logo uma expansão relevante do investimento vai depender da geração desses superávits”, afirmou o professor.
Ele chama a atenção para as pressões pelo desvinculamento do orçamento. “O governo vai ter que cortar gastos em outras áreas em meio à fartura para garantir os pisos constitucionais. Voltaremos ao debate sobre reformas para liberar gastos discricionários, rever pisos constitucionais da saúde e educação, gastos obrigatórios, peso do funcionalismo, etc”, denunciou.
BOA VONTADE DO BANCO CENTRAL
Assim como Oreiro, Rossi também alerta para as dificuldades que ocorrerão em períodos de crise. “O piso mínimo para o crescimento do gasto 0,6% é insuficiente em caso de uma recessão ou mesmo para a recuperação econômica que precisamos. A ver se o texto vai trazer clausulas de escape”, observou. “O instrumento de política expansionista fica atrofiado. O estimulo econômico vai depender muito mais da composição do gasto, de políticas de crédito, das estatais e do cenário externo, e também da boa vontade do Banco Central”, acrescentou.
“Se o primário ficar abaixo do piso da banda da meta, o gatilho para reduzir o crescimento das despesas em 50% da receita é duro e pró-ciclico, considerando que o resultado normalmente não é atingido em caso de PIB e receita abaixo do previsto”, apontou. “Ou seja, pode haver momento de economia em desaceleração precisando de estimulo publico e o regime vai prever desaceleração do gasto”, prosseguiu Rossi.
“Nos últimos anos, fomos pautados pela necessidade de um teto de gastos que nunca foi imprescindível. No governo FHC não tinha teto, no Lula também. O gasto público no governo Lula cresceu em torno de 5% ao ano em termos reais, o resultado primário era alto e a dívida caiu”, observou.
Lara Resende. Foto: Unicamp
Todos esses economistas se alinham com a opinião expressada por André Lara Resende, em entrevista à jornalista da Globo, Miriam Leitão, na quarta-feira (29) de que não há crise fiscal e nem descontrole da dívida. Ele lembrou que “a dívida pública é em reais, moeda emitida pelo governo – e não está fora do controle como apregoam os representantes do mercado financeiro”. Resende destacou que a única saída para a crise do país é o aumento dos investimentos públicos.
“O Brasil tem hoje quase 20%, um pouco menos, de reservas internacionais, ou seja, ele vendeu mais do que importou e isso criou reservas, o que é uma extraordinária segurança pro Brasil. É óbvio que essas reservas internacionais têm que ser deduzidas. É algo que o país tem de um ativo que tem que ser deduzido do passivo, que é a dívida que ele emitiu. Se você pegar 73% e deduzir os 20% dá 53%”, disse Lara Resende.
NÃO HÁ CRISE FISCAL
Ele acrescentou que “o Tesouro tem uma conta única do Tesouro no Banco Central e essa conta no final do ano passado estava com quase 10% do PIB em moeda. É um ativo do Tesouro. O Tesouro emitiu a dívida estava com moeda. Os dois, moeda e dívida, são passivos do Tesouro. Então ele só fez uma troca: ele disse emiti mais de dívida e retirei da moeda que está na minha conta no Banco Central. Isso também tem que ser deduzido para a dívida líquida líquida das reservas internacionais e das reservas em reais do Tesouro no Banco Central. E isso nós chegamos ao número de 45% do PIB”, destacou o economista.
Questionado sobre a ata do Copom, Lara Resende disse que foi “arrogância”. “O BC está se arvorando com uma equipe de jovens tecnocratas que acreditam piamente nos modelinhos equivocados que eles estão olhando e se acham no direito de passar pito no Congresso, o presidente eleito e o Judiciário. O BC, com a autonomia que lhe foi concedida, passou a se considerar um quarto poder. É um quarto poder que dá lições de moral e se considera acima dos demais poderes. É muito preocupante”, afirmou.
Nesta quinta-feira, dia 30 de março de 2023, o Ministro da Fazenda anunciou o tão esperado arcabouço fiscal. Com base na apresentação feita pelo ministro Fernando Haddad o novo arcabouço fiscal irá combinar metas para o crescimento das despesas primárias com metas para o resultado primário do governo geral de forma a estabilizar a dívida bruta em 76% do PIB em 2026 no cenário básico (sem “fechamento nos juros” e com o governo alcançando o centro da banda para o resultado primário previsto para o período 2023-2026). No cenário mais otimista, em que as despesas com juros são reduzidas em 2 p.p do PIB e o governo consegue cumprir o centro da banda de resultado primário, a dívida bruta do governo geral fecharia em 2026 dois pontos percentuais abaixo do nível prevalecente em 2023.
Os pontos principais do arcabouço são os seguintes. Em primeiro lugar é estabelecida uma meta móvel para o resultado primário, com bandas de variação. A meta de primário para 2023 é de -0,5% do PIB, aumentando 0,5 p.p do PIB a cada ano até alcançar 1,0% do PIB em 2026. Para evitar contingenciamentos devido a flutuações imprevistas nas receitas e despesas do governo geral é definida uma banda de variação de 0,25 p.p do PIB para mais ou para menos. O teto de gastos é mantido, mas modifica-se a regra de crescimento do teto de gastos. Ao invés de gasto real zero, os gastos primários podem agora crescer em termos reais dentro de um intervalo definido entre 0,6% a.a (o piso para o crescimento dos gastos) e o teto de 2,5% a.a. Dentro desse intervalo, os gastos podem crescer a uma taxa que seja igual ou menor do que 70% da taxa de crescimento das receitas tributárias. Caso o resultado primário fique abaixo do limite mínimo da banda para o resultado primário, então para o exercício fiscal seguinte os gastos primários poderão crescer no máximo a um ritmo igual a 50% do crescimento da receita tributária. Por fim, deverá ser estabelecido um piso para o investimento público (o qual seria de R$ 75 bilhões para o ano de 2023, sendo corrigido anualmente pela inflação.
O primeiro ponto que me chamou atenção foi a fixação de metas simultâneas para o resultado primário e para a despesa primária. Como o resultado primário é apenas a diferença entre a receita tributária (que o governo tem pouco poder de discricionariedade no curto-prazo) e as despesas primárias; segue-se que só é possível fixar uma única meta: ou se fixa uma meta de resultado primário, sendo as despesas primárias a variável de ajuste (como ocorria no regime de metas de superávit primário entre 1999 e 2014), ou se fixa uma meta para as despesas primárias e o resultado primário é a variável de ajuste (como ocorreu após a introdução do Teto de Gastos). Fixar o resultado primário e a despesa primária de forma independente e simultânea só é possível se a receita tributária for a variável de ajuste!
* Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), Professor do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco (UPV), Pesquisador Nível I do CNPq e Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento. E-mail: joreiro@unb.br.
“Seguir com os juros altos é apenas transferir renda de toda a sociedade para o 1% mais rico da população”, denunciou o economista
O economista e professor da UnB José Luis Oreiro definiu como “absurda” a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de manter a taxa de juros da economia (Selic) em 13,75% ao ano.
Em artigo, publicado na noite desta quarta-feira (22), Oreiro destacou que o Copom manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano “com um claro viés de alta. No comunicado, após o término da reunião, o Copom anuncia que: ‘O comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não ocorra dentro do esperado’. Mesmo que tudo ocorra conforme o esperado pelo Copom, a taxa básica de juros deverá permanecer elevada por um período de tempo prolongado. Com efeito, lê-se no comunicado, o Copom “segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação’. Desses trechos, segue-se uma única conclusão lógica: Ou a Selic irá ficar em 13,75% ainda por muitos meses, ou poderá aumentar”, alertou Oreiro, que seguiu.
“A justificativa técnica para a decisão de manutenção da meta de taxa de juros em 13,75% a.a é absurda. Segundo o comunicado do Copom ‘Os episódios envolvendo os bancos nos Estados Unidos e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento’. WTF!!!! [expressão em inglês para What the Fuck] O Copom afirma que, face a um quadro de possível crise financeira global, a estratégia ótima do Banco Central Brasileiro é manter a taxa de juros real em 8% a.a. Esses episódios apontam para um risco deflacionário a nível mundial, o que requer precisamente o afrouxamento da política monetária nos Estados Unidos e na Europa, bem como no Brasil. Aliás, pelas Terras Brazilis existe um risco não desprezível de crise financeira devido ao elevado endividamento das empresas não-financeiras”.
O economista afirmou, ainda, que a decisão do Copom mostra que não adianta tentar tentar uma política de “apaziguamento” com a presidente do BC e sua diretoria.
“O Ministério da Fazenda havia desenhado uma estratégia para convencer o Copom a reduzir, ou ao menos sinalizar com a redução, a taxa básica de juros na reunião de hoje. A estratégia repetida várias vezes pelo Ministro da Fazenda era a coordenação entre as políticas monetária e fiscal. O Ministério da Fazenda fez uma reoneração parcial dos impostos federais sobre os preços dos combustíveis e introduziu um imposto de exportação sobre o petróleo com o objetivo de aumentar a arrecadação de impostos em cerca de R$ 27 bilhões, diminuindo assim a previsão de déficit primário para o ano de 2023. Uma vez feita a sinalização por parte do Ministério da Fazenda que o governo está comprometido com a “responsabilidade fiscal”, o Copom poderia então iniciar o processo de flexibilização da política monetária, alegando que parte da incerteza fiscal fora dissipada nas últimas semanas. Em teoria, tratava-se de uma bela estratégia, mas pelo visto faltou combinar com os russos”, disse Oreiro.
E acrescentou:
“O debate público no Brasil sobre a condução da política monetária se baseia na ideia tola de que se trata de uma questão técnica, que deve ser tratada apenas por hiper especialistas no assunto. Ledo engano. Em primeiro lugar, a economia não é uma hard science como a Física, onde é possível realizar experimentos em condições controladas que permitem descartar ou aceitar determinadas hipóteses…. Em segundo lugar, o “conhecimento econômico”, por assim dizer, não é neutro: os modelos econômicos não apenas refletem a visão de mundo dos seus construtores como ainda podem esconder os interesses econômicos de certas classes sociais. No caso da política monetária isso é bem claro, pois a taxa de juros é uma variável fundamental para determinar a distribuição da renda produzida na sociedade entre as classes produtoras (empresários e trabalhadores) e as classes rentistas (bancos e sistema financeiro em geral). Ao longo do ano de 2023, o pagamento de juros da dívida pública será superior a R$ 700 bilhões, trata-se da segunda maior rubrica do orçamento do governo, ficando atrás apenas das despesas da previdência social”, lembrou o economista, que ressaltou:
“Se as políticas de assistência social (bolsa família, seguro desemprego, abono salarial, aposentadoria rural) são transferências de toda a sociedade para os mais pobres e vulneráveis, os juros da dívida pública são uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais rico da população”, afirmou Oreiro.
Segundo o professor da UNB, “a magnitude dos interesses envolvidos explica o por que a estratégia concebida pelo Ministério da Fazenda não deu certo. Tal como disse D. Juan de Austria, na batalha de Lepanto, ‘Ya no es tiempo de razonar, sino de combatir’. É necessária a união de todas as forças progressistas da sociedade brasileira para forçar a demissão do Presidente e de toda a diretoria do Banco Central do Brasil… Cabe ao governo abandonar a política de apaziguamento com respeito ao Banco Central e convocar uma reunião de emergência do Conselho Monetário Nacional para rever a meta de inflação de 2023 para, no mínimo, 4% a.a”.
Na reunião do Conselho de Política Monetária finalizada hoje, 22 de março de 2023, a taxa básica de juros foi mantida em 13,75% a.a com um claro viés de alta. No comunicado após o término da reunião o Copom anuncia que “O comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajusta caso o processo de desinflação não ocorra dento do esperado“. Mesmo que tudo ocorra conforme o esperado pelo Copom a taxa básica de juros deverá permanecer elevada por um período de tempo prolongado. Com efeito, le-se no comunicado que o Copom “segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação“. Desses trechos segue-se uma única conclusão lógica: Ou a Selic irá ficar em 13,75% ainda por muitos meses, ou poderá aumentar”.
A justificativa técnica para a decisão de manutenção da meta de taxa de juros em 13,75% a.a é absurda. Segundo o comunicado do Copom “Os episódios envolvendo os bancos nos Estados Unidos e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento”. WTF!!!! O Copom afirma que, face a um quadro de possível crise financeira global, a estratégia ótima do Banco Central Brasileiro é manter a taxa de juros real em 8% a.a. Esses episódios apontam para um risco deflacionário a nivel mundial, o que requer precisamente o afrouxamento da política monetária nos Estados Unidos e na Europa, bem como no Brasil. Aliás pelas Terras Brazilis existe um risco não desprezível de crise financeira devido ao elevado endividamento das empresas não-financeiras. Escrevi recentemente sobre esse tema no Blog do Monetary Policy Institute, coordenado por meu amigo Louis-Phillipe Rochon (https://medium.com/@monetarypolicyinstitute/high-interest-rates-and-financial-fragility-in-brazil-e7680e4484ae).
O Ministério da Fazenda havia desenhado uma estratégia para convencer o Copom a reduzir, ou ao menos sinalizar com a redução, a taxa básica de juros na reunião de hoje. A estratégia repetida várias vezes pelo Ministro da Fazenda era a coordenação entre as políticas monetária e fiscal. O Ministério da Fazenda fez uma reoneração parcial dos impostos federais sobre os preços dos combustíveis e introduziu um imposto de exportação sobre o petróleo com o objetivo de aumentar a arrecadação de impostos em cerca de R$ 27 bilhões de reais, diminuindo assim a previsão de déficit primário para o ano de 2023. Uma vez feita a sinalização por parte do Ministério da Fazenda que o governo está comprometido com a “responsabilidade fiscal” o Copom poderia então iniciar o processo de flexibilização da política monetária, alegando que parte da incerteza fiscal fora dissipada nas últimas semanas. Em teoria tratava-se de uma bela estratégia, mas pelo visto faltou combinar com os russos.
O debate público no Brasil sobre a condução da política monetária se baseia na ideia tola de que se trata de uma questão técnica, que deve ser tratada apenas por hiper especialistas no assunto. Ledo engano. Em primeiro lugar, a economia não é uma hard science como a Física, onde é possível realizar experimentos em condições controladas que permitem descartar ou aceitar determinadas hipóteses (Oreiro e Gala, 2016). A evidência empírica produzida pelos economistas nada mais é do que testes de consistência entre as previsões de um modelo econômico com as previsões de um modelo econométrico sujeito a todo tipo de limitações imagináveis: viés de variável omitida, falha de especificação do modelo, endogenidade de variáveis, inconsistência na base de dados, etc. Em segundo lugar, o “conhecimento econômico”, por assim dizer, não é neutro: os modelos econômicos não apenas refletem a visão de mundo dos seus construtores (Schumpeter, 1954) como ainda podem esconder os interesses econômicos de certas classes sociais. No caso da política monetária isso é bem claro, pois a taxa de juros é uma variável fundamental para determinar a distribuição da renda produzida na sociedade (Lavoie, 2022, p.251) entre as classes produtoras (empresários e trabalhadores) e as classes rentistas (bancos e sistema financeiro em geral). Ao longo do ano de 2023 o pagamento de juros da dívida pública será superior a R$ 700 bilhões, trata-se da segunda maior rubrica do orçamento do governo, ficando atrás apenas das despesas da previdência social. Se as políticas de assistência social (bolsa família, seguro desemprego, abono salarial, aposentadoria rural) são transferências de toda a sociedade para os mais pobres e vulneráveis, os juros da dívida pública são uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais rico da população, incluindo este escriba que vos fala!
A magnitude dos interesses envolvidos explica o porque a estratégia concebida pelo Ministério da Fazenda não deu certo. Tal como disse D. Juan de Austria na batalha de Lepanto “Ya no es tiempo de razonar, sino de combatir” (Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Lepanto). É necessária a união de todas as forças progressistas da sociedade brasileira para forçar a demissão do Presidente e de toda a diretoria do Banco Central do Brasil. O combate deve se dar no campo econômico, cabendo aos economistas Keynesianos e Desenvolvimentistas, refutar ponto por ponto os argumentos levantados pelos economistas ortodoxos para a manutenção desse sistema de saque de toda a sociedade pelos mais ricos; e aos demais membros da sociedade civil se mobilizar nas redes sociais e nas ruas pela mudança imediata da condução do Banco Central. Por fim, cabe ao governo abandonar a política de apaziguamento com respeito ao Banco Central e convocar uma reunião de emergência do Conselho Monetário Nacional para rever a meta de inflação de 2023 para, no mínimo, 4% a.a.
Figura: Batalha de Lepanto (07/10/1571)
O tempo urge. Os sinais de recessão na economia brasileira se acumulam a cada dia. Se nada for feito para reduzir os juros para algum patamar aceitável (creio que 2% real seria de bom tamanho) então o governo Lula estará condenado a repetir o destino de Dilma Rouseff. Será o retorno triunfante do Bolsonarismo. Temos que fazer tudo o que está ao nosso alcance para evitar isso.
Referências
Lavoie, M. (2022). Post-Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Cheltenhan.
Onze entre cada dez economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro atribuem o elevado patamar da taxa de juros selic observado no Brasil ao desequilíbrio fiscal do governo central (governo federal + Banco Central). Segundo o seu seu, por assim dizer, raciocínio, como o governo gasta mais do que arrecada então ele precisa pedir muito dinheiro emprestado no mercado, aumentando a demanda por crédito e, dada a baixa taxa de poupança existente no Brasil, produzindo uma elevada taxa de juros. A solução é reduzir a despesa primária do governo geral, cortando despesas desnecessárias e/ou ineficientes (quais?), para então conseguir reduzir a taxa de juros. Dessa forma, o desequilíbrio fiscal brasileiro teria sua origem no excesso de despesa primária do governo geral, razão pela qual o teto de gastos deveria ser mantido a forceps pela equipe econômica do novo governo Lula.
Na posse do novo presidente do BNDES Aloisio Mercadante, o Presidente Lula mais uma vez se pronunciou contra a decisão do Copom do Banco Central de manter a taxa selic em 13,75% a.a. Com uma inflação acumulada em 12 meses de 5,79% temos que a taxa real de juros (ex-post) é de 7,52% a.a, a mais elevada do mundo. O Presidente Lula afirmou hoje que “Não tem explicação para a taxa de juros a 13,5 [13,75]%. Faz anos que a gente briga pela taxa de juros no Brasil”.
Não existe efeito sem causa. Claro que existe uma explicação para o elevado patamar da taxa de juros no Brasil, mas essa explicação não é o desequilíbrio fiscal. Pelo contrário, o desequilíbrio fiscal é o resultado da política de juros adotada pelo Banco Central do Brasil nos últimos anos.
Vamos aos números. A Figura 1 abaixo mostra a evolução no acumulado em 12 meses do resultado primário do governo central e dos juros nominais que o governo central paga sobre o estoque de sua dívida. Observem que até março de 2020 (mês em que as primeiras medidas de distanciamento social são adotadas no Brasil) o governo central incorria num déficit primário em torno de 1,5% do PIB e pagava juros nominais ligeiramente superiores a 4% do PIB. Com os gastos primários realizados para o enfrentamento das consequências econômicas, sociais e sanitárias da pandemia do Covid-19, o déficit primário do setor público aumenta para quase 10% do PIB em dezembro de 2020, mas o pagamento de juros nominais cai para 3,5% do PIB nesse mês, continuando sua trajetória de queda até junho de 2021 quando chega a 2,93% do PIB. Observem, caros leitores, que um aumento espectacular nas despesas primárias do governo central (como % do PIB) foi obtido com uma redução da conta de juros nominais paga pelo governo central, ou seja, um resultado OPOSTO ao esperado com base na (sic) teoria econômica usada pelos analistas do mercado financeiro. Qual a razão disso? Muito simples: a taxa de juros não é o preço dos “fundos emprestáveis” mas o preço do dinheiro, o qual é fixado pelo Banco Central nas reuniões do Copom. Como o Banco Central reduziu a taxa de juros para 2% a.a ao longo do ano de 2022, o custo de carregamento da dívida pública (fortemente atrelado a selic devido as Letras Financeiras do Tesouro e as operações compromissadas) diminui em quase 25% entre março de 2020 e junho de 2021.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do autor.
Em março de 2021 o Banco Central do Brasil começou um ciclo de elevação da taxa de juros que levou a taxa selic a 13,75% a.a no final de 2022. Essa elevação da taxa selic fez com que os juros nominais passassem de 2,93% do PIB em junho de 2021 para 5,12% do PIB em dezembro de 2022, ficando acima do patamar observado no período anterior a pandemia. Nesse mesmo período, o resultado primário do governo geral passou de um déficit de 4,61% do PIB para um superávit 0,56% do PIB. Ou seja, uma melhoria do resultado primário de 5,17% do PIB foi seguido por um aumento da despesa com juros nominais de 2,19% do PIB. Parte significativa (42%) da melhoria do resultado primário foi dissipada em aumento das despesas com juros da dívida pública.
A figura 2 abaixo mostra o percentual do resultado nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) que pode ser atribuído a despesa com pagamento de juros da dívida pública.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do Autor.
O leitor pode verificar que a despesa con juros respondia por aproximadamente 80% do déficit nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) até o início da pandemia do covid-19. Esse percentual cai para pouco mais de 20% até dezembro de 2020 devido ao aumento do déficit primário e a redução da despesa com juros. A partir de março de 2021, o percentual volta a aumentar ultrapassando 100% no início de 2022. Em dezembro do ano passado os gastos com o pagamento de juros respondiam por 112% do déficit nominal do governo geral.
Esses números não permitem outra interpretação de que o desequilíbrio fiscal no Brasil é de natureza financeira. Nesse contexto, reduzir as despesas primárias não é apenas uma crueldade do ponto de vista social, mas uma estupidez do ponto de vista econômico. O reequilíbrio das contas públicas no Brasil passa pela solução do problema da “despesa ausente” no debate público no Brasil, ou seja, o gasto excessivo com o pagamento de juros da dívida pública. Sua solução se encontra numa reforma monetária no Brasil e na institucionalidade do regime de metas de inflação, de maneira a permitir que a obtenção de uma taxa de inflação estável e razoável (algo como 4% a.a.) seja possível com uma taxa de juros estruturalmente mais baixa.
£ Artigo produzido para o número de setembro do informativo NECAT (Núcleo de Estudos de Economia Catarinense) da Universidade Federal de Santa Catarina.
Em 2012, quando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2011 foi anunciado pelo IBGE em 2,7% (posteriormente, em 2015, revisado para 3,9%), muitos o chamaram de “pibinho”. Pois bem, o resultado do PIB no segundo trimestre de 2022 foi um crescimento de 1,2%, relativamente ao trimestre imediatamente anterior. Isso fez com que houvesse revisões nas expectativas de crescimento para a economia brasileira para o ano fechado de 2022, chegando a 2,65%, segundo as expectativas de mercado no Relatório Focus do Banco Central. Seria este um motivo para comemorar, como muitos têm feito, inclusive parte daqueles que chamavam exatamente esse crescimento de “pibinho”? Será que o país estaria “voando”?
Em primeiro lugar, não é cabível pegar os dados de crescimento de um trimestre e extrapolar para o ano todo, sendo que fatores pontuais podem fazer com que a economia de qualquer país cresça mais num trimestre do que no outro, sem que isso signifique uma aceleração da tendência de crescimento da economia no médio ou no longo prazo. Além disso, há motivos importantes para que essa aceleração no crescimento não se mostre sustentável adiante. No segundo trimestre, indústria, serviços e agropecuária registraram alta, sendo que o setor de serviços, com maior peso no PIB, puxou o resultado geral. Os serviços têm respondido à normalização das atividades com o avanço contínuo da vacinação contra a Covid e aos incentivos dados pelo governo federal neste ano eleitoral. De fato, pudemos observar a antecipação do 13º salário, a liberação de saque antecipado do FGTS, a elevação da margem do crédito consignado, a manutenção do auxílio no valor de 600 reais até o final do ano, a desoneração de produtos industrializados e a intervenção nos preços combustíveis. No entanto, os efeitos dessas medidas e da reabertura da economia se diluem com o tempo, e outros problemas vão começar a se materializar nos próximos trimestres.
Por exemplo, a alta no consumo veio acompanhada de índice recorde de inadimplência das famílias brasileiras, atingindo 79% delas, com grande parte sem conseguir pagar nem as contas de água e luz. O desemprego ainda atinge cerca de 10 milhões de brasileiros, e mesmo dentre os empregados, 40 milhões estão na informalidade e no trabalho precário. Ainda, nos próximos trimestres e em 2023, veremos os efeitos defasados da política monetária restritiva no arrefecimento da demanda. Outra questão é o quadro externo, com elevações de juros também em outros países, o que tende a levar a uma desaceleração global, o que impacta o Brasil de diversas formas, inclusive pelo canal do aumento da percepção de incerteza e da redução do preço de commodities. A percepção de incerteza pode inclusive se elevar durante as eleições e nos momentos subsequentes. Logo, enquanto vemos uma aceleração do crescimento para 2022, as expectativas para 2023 seguem se deteriorando.
Em segundo lugar, não se pode ignorar o passado. O governo Bolsonaro não começou em 2022, mas no dia primeiro de janeiro de 2019. Dessa forma, para uma melhor avaliação, é preciso verificar o conjunto da obra e sua comparação com os dados observados em períodos anteriores. Na tabela abaixo, pode-se observar a taxa média anual de crescimento real do PIB (já descontada a inflação) desde o início do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique (1999) até o último dado disponível, que corresponde ao ano de 2021, terceiro ano do mandato do presidente Bolsonaro.
Tabela 1 – Taxa de crescimento médio por governo (1999-2021)
Conforme podemos observar claramente na Tabela 1, o crescimento médio da economia Brasileira se acelera na passagem do segundo mandato do governo Fernando Henrique para o primeiro mandato do Presidente Lula. Apesar da ocorrência da maior crise da história do capitalismo desde a grande depressão de 1929, a assim chamada crise financeira internacional (2008), a economia brasileira no segundo mandato do presidente Lula (2006-2010) ganha ainda mais tração e apresenta um crescimento médio de 4,21% a.a. no período.
A desaceleração do crescimento tem início no primeiro mandato da Presidenta Dilma Rousseff, em parte resultado da crise do Euro em 2012 e do fim do boom de commodities, mas também de diversos erros na condução da política macroeconômica como as desonerações fiscais sem contrapartida, a intervenção desastrosa no setor elétrico e nos preços dos combustíveis (esse filme parece conhecido) e a tentativa de acelerar o crescimento econômico por intermédio de uma política de expansão da demanda agregada, num contexto em que a economia estava sobreaquecida e perdendo dinamismo pelo lado da oferta devido à desindustrialização prematura.
A combinação de todos esses elementos, os impactos da Lava Jato (sobre a economia, o ambiente político e a incerteza) e a crise hídrica fazem com que a economia brasileira entre em recessão no segundo semestre de 2014, o que não impede a Presidenta Dilma de se reeleger em outubro desse mesmo ano. O início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff foi caracterizado pela reversão completa na condução da política macroeconômica. Se no primeiro mandato, tanto a política fiscal como a política monetária foram, na média, expansionistas, no ano de 2015 o governo puxa todas as travas da economia ao mesmo tempo: redução de 35% do investimento público em termos reais, aumento da taxa Selic para 14% a.a. e “tarifaço”, ou seja, aumento rápido das tarifas de eletricidade e nos preços dos combustíveis. O resultado obtido, incluindo ainda efeitos da Lava Jato e da crise hídrica, foi exatamente o previsto em qualquer manual de macroeconomia: uma queda vertiginosa do PIB (-3,15%) e uma forte aceleração da inflação, a qual chega quase a 11% no final do ano.
O desastre econômico abre caminho para o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer como Presidente da República (dando fim aos 13 anos e alguns meses do governo petista). No governo Temer, a economia sai da grande recessão de 2014 a 2016, mas apresenta um crescimento médio de 1,5%, inferior ao observado no segundo mandato do governo Fernando Henrique e muito menor do que o ocorrido nos dois mandatos do Presidente Lula.
Quando Bolsonaro assume em primeiro de janeiro de 2019, a economia brasileira não se encontrava mais em recessão, embora estivesse crescendo a um ritmo médio muito inferior ao observado no período 1999-2010. Mesmo assim, no ano de 2019 a economia brasileira apresenta um crescimento de apenas 0,97%, desacelerando frente ao período anterior. A tendência de desaceleração continuava no início de 2020, de acordo com os dados de atividade antecipados pelo Banco Central para os meses de janeiro e de fevereiro de 2020, anteriores à pandemia.
Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde decreta estado de Pandemia de Covid-19. Medidas de restrição à mobilidade social (embora malvistas pelo governo brasileiro) foram adotadas em todos os países civilizados, dada a incerteza quanto ao vírus e a ausência de tratamento efetivo e de vacinas naquele momento. Graças à iniciativa do Congresso Nacional, foi aprovada uma Emenda Constitucional que viabilizou o pagamento de um Auxílio Emergencial de R$ 600,00 por três meses para 66 milhões de pessoas. Essa medida amorteceu o impacto das medidas de distanciamento social sobre o PIB, o qual apresentou uma queda de “apenas” 3,74% em 2020.
Em 31 de dezembro de 2020, expirou o “estado de calamidade pública”, o qual permitiu o pagamento do auxílio emergencial ao longo daquele ano. Mesmo com o contágio e as mortes por causa da Covid-19 ainda elevadas no Brasil e no mundo, o governo não solicitou prorrogação do estado de emergência. Nos 6 meses seguintes, o Brasil iria registrar mais de 400 mil mortes por conta do Covid-19, o dobro do que registrou no ano anterior, mesmo que em 2021 as vacinas estivessem amplamente disponíveis.
Retornemos à economia. Após um tombo de quase 4% em 2020, tendo sido aprovada em 2019 a Reforma da Previdência, muitos analistas apostavam não só numa recuperação em V da economia, como ainda na retomada do crescimento econômico. Não foi o que ocorreu. A economia recuperou o que havia perdido em 2020, mas nada mais além disso. Na média do período 2019-2021, o crescimento do PIB foi de somente 0,52% a.a., patamar inferior ao observado no primeiro ano do governo Bolsonaro, o qual já havia sido menor do que o observado na média do período de governo de Michel Temer.
Mesmo absorvendo os dados deste ano, apesar do crescimento de 1,2% no segundo trimestre de 2022, o PIB brasileiro ainda se encontra 0,3 p.p. abaixo do pico da série histórica, ocorrido no primeiro trimestre de 2014, durante a gestão da Presidenta Dilma Rouseff. Isso para não falar da queda no PIB per capita, sendo que a população cresceu nesse período entre 2014 e 2022. Apesar de todas as reformas feitas nos governos Temer (Teto de gastos, reforma trabalhista, reformulação do BNDES, etc.) e Bolsonaro (Previdência, marcos regulatórios, dentre outros), o fato é que a economia brasileira é menor do que era no início de 2014, o que deixa evidente o fracasso da política econômica desde então. Enfim, se for alegada apenas a Covid-19 como justificativa para o desempenho ruim do atual governo, devemos relembrar da maior crise mundial desde 1929 ocorrida durante o Governo Lula e as diversas crises durante o governo FHC. Finalmente, de acordo com levantamento do economistas Sérgio Gobetti, a partir de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), numa amostra de 50 países, o Brasil apresentou trigésima segunda posição dentre as taxas de crescimento no período 2019-2021. Respondendo à pergunta inicial do texto: não, nada temos a comemorar.
* É Professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade do País Basco (Bilbao, Espanha), pesquisador Nível I do CNPq e líder do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento (www.sdmrg.com). Contato: joreiro@unb.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.com.br.
** É mestre em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutorando em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Opiniões pessoais, não institucionais. Contato: helder.laferf@gmail.com.
[2] Na elaboração dessa tabela, o ano de 2016 foi excluído do cálculo das médias por ter sido um ano atípico em que o Brasil teve dois Presidentes: Dilma Rouseff (até abril de 2016) e Michel Temer (de maio a dezembro de 2016).
Prolongamento da guerra na Ucrânia e aumento de juros para conter alta da inflação vão desacelerar crescimento econômico em todo o mundo, segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
O número está bem abaixo do ritmo de crescimento econômico projetado antes da guerra e representa cerca de US$ 2,8 trilhões de perdas no mundo no ano que vem. Segundo a OCDE, o conflito deve continuar afetando a economia, em particular nos preços da energia e dos alimentos. A previsão de inflação mundial foi elevada para 8,2% em 2022 e 6,6% em 2023. “As pressões inflacionárias são cada vez mais generalizadas, com o aumento dos custos da energia, transportes e outros que são transferidos para os preços”, destacou o relatório.
Em linha com as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), a organização projeta que o Brasil crescerá 2,5%, quase dois pontos acima da estimativa de junho, bem superior às previsões iniciais. No entanto, a estimativa para 2023 foi 0,4 ponto percentual abaixo da previsão anterior, projetando que o país deve crescer apenas 0,8% no próximo ano.
Segundo o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, o crescimento mais expressivo neste ano não é sinônimo de que a economia brasileira esteja pujante e em pleno crescimento. “Na verdade é o resultado das medidas fiscais extremamente expansionistas e eleitorais, chamando atenção para a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) dos combustíveis e da eletricidade, que reduziram a inflação”, disse.
A guerra elevou ainda mais os preços da energia, especialmente na Europa, agravando as pressões inflacionárias em um momento em que o custo de vida já estava subindo rapidamente em todo o mundo devido aos impactos persistentes da pandemia de covid-19. Por outro lado, o economista destacou que o conflito acabou favorecendo o Brasil com o preço das commodities agrícolas. “Ajudou o valor das exportações brasileiras, principalmente da soja. A combinação de todos esses elementos vai fazer a economia brasileira se expandir 2,5%, mas eu quero chamar atenção que esse [crescimento de dois e ]meio por cento é inferior a nossa média [histórica de 1980-2014, que foi de 2,8% a.a]”, acrescentou.
O economista especialista em macroeconomia e doutorando em ciência política, Felipe Queiroz, atribui o baixo crescimento projetado para os próximos anos à recuperação lenta da indústria, que é quem realmente contribui para o aquecimento da economia. “Nos últimos anos perdemos capacidade de produção de fertilizantes, de refino e de petróleo. Além disso, a indústria em diferentes setores está estrangulada, isso contribui para que as projeções, especialmente dos organismos internacionais, sejam não apenas conservadoras, mas muito cautelosas e até mesmo pessimista em relação à capacidade do país crescer”, afirmou.
Os países do G20 devem avançar no próximo o mesmo ritmo da economia mundial, após uma redução de 0,6 ponto da perspectiva para o grupo na comparação com junho. Neste grupo, a OCDE diminuiu em 1,5 ponto a previsão para a Argentina, que deve crescer 0,4% no próximo ano, depois de um avanço calculado em 3,6% para 2022, que não teve alteração, e de 10,4% em 2021.
pri-2709-economia(foto: pri-2709-economia)
Riscos de recessão
O relatório projeta recessão na Alemanha e na Rússia no ano que vem. Na Alemanha, a previsão é de crescimento de 1,2% este ano, mas a economia alemã entraria em recessão, com contração de 0,7% em 2023. E, após uma contração de 5,5% em 2022, a OCDE reduziu a estimativa para o próximo ano na Rússia, que deve registrar resultado negativo de 4,5% em 2023.
O crescimento na China também foi atingido e deve cair para uma projeção de 3,2% em 2022. Exceto pela pandemia de 2020, esta será a menor taxa de crescimento na China desde a década de 1970. Para 2023, a projeção é 4,7%. Já o crescimento da economia dos Estados Unidos seria de 0,5% em 2023, sete décimos a menos que na previsão anterior. Além dos efeitos da guerra nos preços, o aumento das taxas de juros pelos Bancos Centrais para conter a inflação e as consequências da pandemia também repercutem na economia mundial, concluiu o relatório.
Preço da alimentação não dá trégua e diminuição dos preços dos combustíveis é “redistribuição de renda dos pobres para a classe média”, aponta economista da UNB.
A semana será marcada por anúncios sobre as taxas de juros do Brasil e dos Estados Unidos. Na próxima quarta-feira (21), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) brasileiro se reunirá para decidir se coloca fim ao ciclo de alta dos juros, ou se realiza mais um aumento antes de finalizar o ciclo. No mesmo sentido, o Federal Reserve dos EUA decidirá o quanto aumentar para controlar a inflação no país.
No Brasil, a taxa de juros (Selic) está em 13,75% ao ano. Parte do mercado acredita que os juros serão mantidos após divulgação do boletim Focus do BC. De acordo com o professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro, é possível que a manutenção aconteça, porém ele acredita em uma elevação de 0,25%, em um último aumento que encerraria o ciclo de elevação.
“Nos últimos dois aumentos, o Banco Central elevou em 0,5%. Acredito que antes de finalizar o ciclo de aperto monetário o Banco Central vai fazer um ajuste residual de 0,25%. Então acredito que a taxa de juros vá aumentar para 14% e a partir daí será sinalizado o encerramento, ou suspensão temporária do ciclo de elevação da Selic”, diz.
Inflação
A inflação é medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE) construído em cima de uma cesta representativa do consumo de bens entre famílias que ganham entre um e quarenta salários mínimos.
Segundo o Focus, a projeção para a inflação do ano caiu de 6,40% para 6%. No entanto, a queda apontada acontece em meio as ações do governo que visam ganhar popularidade com a classe média pela redução do preço dos combustíveis. No entanto, as medidas não auxiliam a questão da subida dos preços dos alimentos. Além disso, houve redução no valor da energia elétrica no período, com a operação tarifária em bandeira verde.
“No ano passado operou-se com bandeira vermelha tipo 2. As condições dos reservatórios, das usinas hidrelétricas estão melhores do que o ano passado. Isso significa que se aciona menos as termoelétricas e por isso estamos em bandeira verde. Quando você junta a redução dos preços de combustíveis e eletricidade, devido à redução do ICMS, com a redução sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), isso explica toda a queda observada na inflação nos últimos dois meses, junho e julho”, aponta Oreiro.
Peso da alimentação X Combustíveis
O economista ainda alerta que a redução apontada pelo IPCA, que tem uma grande amplitude, diz mais sobre as famílias que tem automóveis e, portanto, se beneficiam da redução do preço dos combustíveis, do que para as famílias com renda menor, para quem a cesta básica de alimentos tem maior peso.
“O peso da alimentação para famílias que ganham de um a dois salários mínimos é muito maior do que para famílias que ganham mais de 20 salários mínimos. Assim como o peso dos combustíveis para quem ganha entre um e dois salários mínimos é nenhum, porque essas pessoas não tem carro. Já quem ganha entre 5 e 6 salários mínimos, provavelmente, tem o seu próprio carro, pode ir trabalhar com ele e tem um gasto considerável devido aos combustíveis. Com isso, o efeito da queda do preço dos combustíveis é assimétrico, ele beneficia mais quem ganha mais, ou seja, foi uma medida regressiva do ponto de vista da distribuição de renda”, explica.
Conforme demonstra o professor, os mais pobres não se beneficiam com a queda da inflação puxada pelos combustíveis e pela eletricidade, pois a inflação dos alimentos continua alta, com entressafra, guerra e lockdown.
“Os alimentos continuaram subindo de preço, até porque a gente já está em entressafra e existem os problemas com a guerra da Ucrânia e Rússia e tem os lockdowns na China. Tudo isso continua pressionando os alimentos enquanto os combustíveis, que são mais importantes para a classe média e classe média alta, caíram de preço, isto é, foi uma política de redistribuição de renda dos pobres para a classe média”, crítica o economista as medidas do governo às vésperas da eleição.
Estados Unidos
A economia norte-americana continua em alerta com alta na inflação, de 8,3% em 12 meses (até agosto), o que afeta os preços dos alimentos no Brasil.
Como sinaliza o professor da UNB, os analistas apostam que Federal Reserve pode aumentar em até 1% a taxa de juros. Porém, ele acredita em uma nova elevação de 0,75% na taxa básica de juros norte-americana.
Sobre a influência sobre o Brasil, Oreiro observa que o câmbio nacional continuará pressionado acima de 5 reais por dólar.
“Isso significa que a inflação de alimentos não vai ceder, porque a única maneira de fazer ceder essa inflação seria por intermédio de uma valorização do real frente ao dólar. Coisa que não vai acontecer por conta da política monetária nos EUA e na Europa”, completa.
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)