A menos de seis meses das eleições gerais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) praticamente descartou a possibilidade de aprovação, ainda neste ano, das reformas de interesse do governo, como a tributária e a administrativa. Para enfrentar a crise econômica e a alta da inflação, o Palácio do Planalto quer que a equipe do ministro Paulo Guedes amplie a adoção de medidas que não dependam de aprovação do Congresso nem provoquem impacto fiscal.
“Dificilmente, o Parlamento vai avançar em qualquer projeto importante este ano”, disse Bolsonaro, em entrevista a uma rádio de Belém. “O Parlamento, no meu entender, não adianta forçar a barra, você não vai conseguir levar adiante uma proposta como essa”, acrescentou, em alusão à reforma administrativa.
Bolsonaro também afirmou que o Brasil ainda enfrentará “inflação pela frente”, principalmente em relação aos produtos alimentícios. Segundo o chefe do Executivo, a ocorrência é reflexo da pandemia e da guerra no Leste Europeu.
Na lista de medidas em estudo estão novas reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, além da abertura de linhas de crédito com juros baixos para atender setores mais impactados pela crise econômica. “A Casa Civil, a AGU (Advocacia-Geral da União) e o Ministério da Economia estão vendo as medidas que não têm impacto fiscal ou complicações jurídicas. Todo dia, o presidente anuncia alguma medida”, disse ao Correio um assessor do Palácio do Planalto.
A fonte lembrou que a arrecadação aumentou, o que abre para o governo uma folga “relevante” no Orçamento da União para sustentar essas medidas de enfrentamento da crise. E que essas providências ajudam a despertar nas pessoas a sensação de que “a situação está melhorando, mesmo que não da forma ideal ainda”.
Na seara dos combustíveis, Bolsonaro voltou a falar sobre a demissão do general Joaquim Silva e Luna do comando da Petrobras. Segundo o chefe do Executivo, a troca na estatal ocorreu porque era necessário ter alguém “mais profissional”. Na semana passada, ele indicou para o posto o ex-secretário do Ministério de Minas e Energia José Mauro Coelho, após Adriano Pires ter declinado do convite.
Inócuo
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro observou que a inflação tem um aspecto internacional, mas que o governo “não está fazendo nada para resolver o problema”. “Muito pelo contrário, está adotando um instrumento da taxa de juros, que é inócuo, contra a inflação. O que o governo deveria ter feito e poderia ter reduzido a inflação de alimentos é ter introduzido imposto sobre exportação de alimentos para redirecionar a oferta do mercado interno e, com isso, reduzir a elevação dos preços dos alimentos”, ressaltou. “Outra coisa que ele poderia ter feito seria impedir Guedes de ter acabado com os estoques reguladores da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Se tivesse estoques reguladores de alimentos, poderia ter reduzido a inflação de alimentos.”
De acordo com o economista, “o governo tem culpa em parte da inflação elevada, seja porque não adotou medidas corretas para redirecionar ofertas de alimentos para o mercado interno, seja porque a Petrobras acompanha a paridade internacional, o que importa inflação para o Brasil”.
Ele destacou que as perspectivas de crescimento da economia este ano são de, no máximo, 0,5%, um terço do ritmo de crescimento da economia entre 2017 e 2019, representando estagnação econômica e a alta do desemprego.
“A trajetória de queda do desemprego em 2021 vai ser revertida ao longo de 2022 e vai se fazer com mais força justamente nos meses anteriores da eleição — agosto e setembro —, em que estaremos com inflação alta e desemprego ascendente, o que é mortal para quem quer se reeleger”, frisou. “A economia joga contra Bolsonaro. Não é por outro motivo que tenta desviar a atenção para a pauta de costumes.”
André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria, comentou que a economia é o tema da eleição. “Em 2018, tivemos um ponto fora da curva, do combate à corrupção. Agora, mudou o mote. As pesquisas mostram que mais de 50% da preocupação dos brasileiros é com o desemprego, inflação e juros”, afirmou. “Bolsonaro não pode terceirizar o problema e vai ser cobrado. Ele vai tentar fazer ‘gambiarras’ para buscar arrumar a casa, mas é complicada a situação.”
Presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Foto: Marcello Casal Jr/Agencia-Brasil
Após elevar os juros a 11,75%, BC promete que arrocho monetário continua com mais um aumento “de mesma magnitude” em maio
Ao elevar a taxa básica de juros da economia (Selic) em 1 ponto percentual, passando de 10,75% para 11,75% ao ano, o Banco Central (BC) aumenta em R$ 32 bilhões ao ano o pagamento de juros e serviço da dívida pública. Esta medida, tomada esta semana, beneficia bancos e demais rentistas com o pagamento de mais juros. São recursos públicos desviados da saúde, educação, investimentos, ciência e tecnologia e segurança pública.
Para o economista e professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, as alterações da taxa de juros não são neutras do ponto de vista da distribuição de renda. “Supondo que 50% da dívida pública é selicada, cada 1 p.p de aumento da Selic leva a um aumento imediato de 0,4 p.p do PIB nos serviços da dívida pública, ou seja, R$ 32 bilhões transferidos para os bolsos dos rentistas ao ano”.
Em 12 meses (até janeiro), foram pagos a títulos de juros para os bancos, rentistas e demais especuladores R$ 425,7 bilhões, segundo o relatório do BC sobre Estatísticas Fiscais. Para garantir a transferência de recursos públicos aos rentistas, Bolsonaro enxugou o investimento público ao menor nível da história. No Orçamento de 2022, o governo disponibilizou apenas R$ 42,3 bilhões para os investimentos.
Para o vice-presidente da Câmara, deputado federal Marcelo Ramos (PSD-AM), a decisão do BC de elevar a taxa Selic em mais um ponto percentual na última reunião do Copom, “não vai efetivamente resolver o problema da inflação e tende a agravar o problema da inflação, por um choque ainda maior de oferta”.
“Nós ficamos aqui no Congresso Nacional lutando para economizar R$ 1 bilhão do enfermeiro, economizar R$ 2 bilhões do Agente Comunitário de Saúde, economizar R$ 5 bilhões do Auxílio Brasil, e o Banco Central, numa tacada, sem nenhuma justificativa lógica do ponto de vista econômico, empurra uma dívida no lombo do povo brasileiro de R$ 32 bilhões”, denunciou o parlamentar em discurso no Congresso na quinta-feira (17).
Em entrevista ao HP, Oreiro disse que “o Banco Central fez um contorcionismo para justificar uma decisão que eles já tinham em mente, que era aumentar os juros em um ponto percentual”. O economista também destacou que a decisão do BC não é compatível com a suavização dos choques sobre o nível de atividade.
“Se você está com uma inflação que resulta de um choque de oferta, quando você eleva os juros você amplifica o choque sobre o nível de produto e emprego”, completou o professor.
Os preços dos combustíveis e dos alimentos dispararam no governo Bolsonaro, antes das sanções impostas à Rússia. Os seguidos aumentos na taxa Selic não reduziram em nada a inflação, que não é demanda. A economia está parada, o desemprego elevado e a renda desabando.
Mas o BC, com aval do governo, diz que o arrocho vai continuar. De acordo com a Ata do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgada na terça-feira (22), na próxima reunião, em maio, o BC vai aumentar os juros “de mesma magnitude”, mantendo o Brasil entre os países com as mais altas taxas de juros do mundo.
Entre os chamados países emergentes, o Brasil ocupa o segundo lugar entre aqueles que mais elevaram a taxa de juros em 2020.
Veja abaixo o gráfico com a evolução das taxas de juros nos principais “países emergentes”.
Embora em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) – que é a soma do valor de todos os bens e serviços produzidos – tenha apresentado alta acima do que esperavam os analistas de mercado, a expansão não foi suficiente para trazer ânimo com relação à economia do país em 2022. “O crescimento se concentrou mais no 1º trimestre de 2021 e todos os dados mostram que ele foi desacelerando ao longo do ano. E os dados que já foram divulgados do PIB do primeiro trimestre de 2022 mostram que a economia brasileira continua sem tração”, afirmou o professor de Economia da UnB José Luís Oreiro ao Portal Vermelho.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia brasileira cresceu 4,6% em 2021, representando uma recuperação com relação a 2020, quando sofreu retração de 3,9%. No quarto trimestre do ano passado, houve expansão de 0,5%, após o PIB ter encolhido 0,3% e 0,1% nos trimestres anteriores.
Contudo, Oreiro ressalta que a análise histórica da economia brasileira evidencia que ela estacionou na crise, conforme gráfico que demonstra o comportamento do PIB brasileiro desde 2005 (cujo primeiro trimestre é considerado base 100) e no qual a linha vermelha mostra a evolução do indicador.
“O que observamos? Que mesmo depois do crescimento de 4,6% do PIB no ano de 2021, ele continua abaixo do nível de 2013. Isso significa que a economia brasileira está há 9 anos estagnada”, explica o professor.
Segundo ele, a linha azul projeta qual teria sido o comportamento da economia brasileira se ela crescesse a 1/3 da tendência da economia no período 2005/2013: o PIB seria cerca de 10% maior do que ele é hoje.
“E se tivéssemos seguido a tendência de 2005 até 2013, o PIB seria 30% maior do que é hoje. Isso mostra a crise em que a economia brasileira está mergulhada desde 2013. Então não tem nada demais neste cenário do PIB de 2022”, conclui.
Especialistas reconhecem que o quadro fiscal piorou significativamente após a aprovação da PEC dos Precatórios no ano passado, e, com isso, avisam que o debate eleitoral deverá incluir uma discussão sobre uma nova âncora fiscal diante do abandono das atuais.
O problema é achar uma regra ideal para, depois, não ser cumprida como ocorreu com o teto de gastos, pois, quando ele iria mostrar alguma eficiência, foi modificado. Diante da escalada da inflação, que ajudou a melhorar o quadro da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), analistas afirmam que o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o compromisso fiscal está mantido, convence muito pouco.
O calote parcial das dívidas judiciais, para criar espaço fiscal para as polêmicas emendas parlamentares de destino duvidoso, o chamado orçamento secreto, não é bem-visto pelos analistas mais sérios e que têm preocupação com o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Eles alertam para a trajetória da dívida pública em ascensão devido às medidas desesperadas do presidente Jair Bolsonaro (PL) para conseguir pavimentar o caminho da reeleição, agradando o Centrão, que sequestrou o Orçamento e agora, um dos caciques, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que passou a ter mais poder do que Paulo Guedes na gestão dos recursos.
“Acabou a âncora fiscal e, sem dúvida, a PEC dos Precatórios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que dá voto. O Auxílio Brasil é meritório, independentemente se dá voto ou não. O que não é positivo é o fato de o governo não cortar nem mesmo os gastos supérfluos”
Simão Davi Silber, economista, professor da Universidade de São Paulo (USP)
O decreto presidencial do último dia 13, que dá a Nogueira a palavra final em vez de Guedes na matéria orçamentária em um cenário sem qualquer medida responsável para frear os gastos públicos daqui para frente, foi a cereja do bolo da deterioração das contas públicas.
O teto de gastos era considerado uma âncora fiscal ruim para muitos analistas, mas, mesmo os críticos lamentam o fato do atual governo antecipar a mudança do indexador, que estava prevista apenas para 2026, para ampliar os espaços de gastos em ano eleitoral.
“Acabou a âncora fiscal e, sem dúvida, a PEC dos Precatórios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que dá voto. O Auxílio Brasil é meritório, independentemente se dá voto ou não. O que não é positivo é o fato de o governo não cortar nem mesmo os gastos supérfluos. Não é preciso, por exemplo, o presidente ficar andando de jetski com a família e os séquitos. Isso poderia ser evitado. Assim, como os aumentos de salários de policiais, que estão desencadeando greves e reivindicações de outras categorias”, destaca o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP).
(foto: Arte/Paulinho Miranda)
Meta de superávit
Desde 2014, quando passou a registrar deficit primário, o Brasil deixou de lado a principal âncora fiscal em vigor, a meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). Os rombos consecutivos colocaram contra a parede outra âncora de quem poucos se lembravam que existia na Constituição: a emenda da regra de ouro, que proíbe o governo de emitir títulos da dívida pública para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias.
O teto de gastos, aprovado em 2016, segundo alguns analistas “sem paredes”, acabou ajudando a preservar a confiança do mercado de que havia algum compromisso para evitar a explosão dos gastos públicos e, até mesmo, na redução dos juros básicos para o piso histórico de 2% ao ano em 2020.
A pandemia não ajudou em 2020 e fez os gastos públicos explodirem em todo o mundo, mas, agora, quem assumir o governo em 2023 terá que arrumar o estrago deixado por Bolsonaro provocado pela PEC dos Precatórios e pela farra das emendas do relator. E a herança maldita nas contas públicas, lembram analistas, deverá ser pior do que a deixada pelo governo Dilma Rousseff (PT), diga-se de passagem, pois a dívida pública bruta estava em 65,5% do PIB, em 2015.
Em 2020, chegou a 88,8% do PIB, e as estimativas são de disparada da dívida pública se não houver âncoras fiscais capazes de segurar o endividamento em bola de neve que pode ocorrer com as pedaladas de precatórios e do aumento de gastos com viés populista e sem a preocupação de impacto na atividade.
“Por enquanto, nenhum pré-candidato tem um plano econômico consolidado e deve lançar versões para a plateia. Falar de ajuste fiscal não garante voto e não vai adiantar a mesma ladainha de que é preciso fazer reforma e privatizar para fazer ajuste fiscal. É preciso crescimento do PIB e isso só acontece se houver investimento público. E, para isso, é importante olhar e ver o que os outros países estão fazendo, inclusive, os governos de centro, como a França, a Alemanha e a Espanha, e olhar para os livros de história e ver como os países europeus saíram da Segunda Guerra Mundial. Os governos estão aumentando o investimento e o Brasil parece estar em um mundo paralelo”, explica Oreiro.
“Para o Brasil crescer, será preciso retomar o investimento público. Mas isso não vai acontecer se o Congresso sequestrar o Orçamento e o dinheiro que poderia ir para isso for para emendas parlamentares”, alerta. Para ele, o governo Bolsonaro conseguiu “legalizar a corrupção”, com a criação das emendas do relator, que não revelam quem são os verdadeiros beneficiados. O especialista em contas públicas e consultor do Senado Federal Leonardo Ribeiro, reconhece que o teto de gastos “perdeu efetividade”.
“Eu não diria que a regra acabou, mas discutir uma nova regra fiscal em um momento de eleição não é bom porque é impopular e acaba influenciando essa discussão. Vejo muitas incertezas no campo institucional que decorrem das eleições”, analisa.
Ele reconhece que o momento de se fazer um ajuste fiscal é no início de um mandato, porque o capital político é favorável nesse sentido. “Os governos sempre começam com uma consolidação fiscal e, no último ano, acabam flexibilizando um pouco”, frisa. Na avaliação de Ribeiro, além das incertezas no campo institucional, há os riscos do cenário externo.
“A inflação global, chegando a 7% nos Estados Unidos, traz consequências para o mundo inteiro e vejo a pandemia, com essa nova variante Ômicron, podendo influenciar mais o fiscal, e, provavelmente, vamos ver a possibilidade de entrar no radar novos créditos extraordinários no combate à pandemia, e a discussão dessa nova regra fiscal em um contexto pandêmico, que é adicional, é preocupante”, alerta.
Exemplo alemão
Um modelo de âncora fiscal que o Brasil poderia adotar é o da Alemanha, estabelecido depois da crise de 2008, de acordo com Oreiro, da UnB. A regra é bastante sofisticada, com limites para a dívida pública e que envolve uma avaliação do resultado fiscal estrutural, destaca o economista Leonardo Ribeiro.
“Estamos falando de uma regra que dá atenção para os ciclos econômicos e para como o PIB performa em relação ao PIB potencial”, explica o consultor do Senado. Isso precisaria ser melhor compreendido para depois ser adaptado no Brasil.
“Essa regra está sendo discutida. Aliás, a Europa está rediscutindo as âncoras fiscais e precisamos ficar atentos a essa discussão também”, aconselha. Ribeiro lembra que, em 2015, o projeto de lei que tratava do limite para a dívida pública proposto pelo senador José Serra (PSDB-SP), poderia ser um bom “ponto de partida” nessa discussão, a fim de resgatar a ideia original da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“O sucesso de uma nova âncora vai depender de como a regra será desenhada, porque é preciso colocar no papel a sinalização que envolva a segurança jurídica e uma compreensão do que é a regra. O pessoal fala que a LRF não é cumprida, mas a vejo como um parâmetro que norteia toda essa discussão da questão fiscal. Alguns dispositivos merecem atenção e uma regulamentação infralegal, porque são complexos. Mas eu vejo a LRF como a verdadeira âncora fiscal do país”, complementa Ribeiro.
O especialista em contas públicas José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e um dos autores da LRF, não acha que o Brasil precisaria copiar o modelo de outros países, “embora sempre deva avaliar lições, para melhorar o próprio modelo”. “O Brasil era tido como um modelo de regras fiscais, reconhecido por especialistas e por organismos internacionais, inclusive recomendado para outras federações e para economias emergentes”, explica.
Afonso lamenta o fato de que, no Brasil, as leis e as regras não são cumpridas e acredita que, se mudar o modelo, por si só, não há garantia de que ele será respeitado. “Em um país em que autoridades máximas parecem não ver problemas que algumas crianças possam morrer apesar de se saber que elas poderiam ser vacinadas e como tal protegidas, porque esperar que as mesmas autoridades cumpririam regras fiscais? Quem não respeita a vida, porque respeitaria o modelo fiscal?”, questiona.
Equilíbrio ajuda a atrair investimento
Um país que consegue equilibrar as contas públicas é considerado um bom lugar para os investidores estrangeiros. Não à toa, desde que começou a registrar deficit primário nas contas públicas, em 2014, o Brasil perdeu o grau de investimento – selo de bom pagador e os títulos públicos hoje são classificados como “lixo” no mercado externo desde 2015.
De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a mudança das regras fiscais às vésperas de um ano eleitoral foi muito ruim para a imagem do país e do governo para os investidores.
Ela reforça que isso vai prejudicar a confiança do setor produtivo, limitando o investimento privado neste ano, diante da mudança de mais uma regra quando ela se torna impeditiva para os objetivos políticos. “Toda vez que o sapato aperta, o governo troca o sapato. A questão fiscal é importante. E o ambiente macroeconômico não está favorável para gerar condições para um crescimento mais robusto e isso afeta o investimento, porque há muita instabilidade e não há previsibilidade, especialmente, em ano eleitoral”, destaca.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, também faz um alerta para o desequilíbrio fiscal que está em curso.
“O quadro fiscal é desafiador. Com as mudanças profundas nas regras do jogo, a partir das emendas 113 e 114, derivadas da PEC dos precatórios, o próximo governo terá de harmonizar as diferentes legislações e normas na área de contas públicas e fixar objetivos claros. Não é uma missão impossível, mas requererá bom diagnóstico e planejamento”, afirma.
Conforme dados levantados pelo economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, as emendas parlamentares tiveram um crescimento espantoso nos últimos anos, passando de R$ 7,3 bilhões, em 2016, das quais R$ 3,6 bilhões foram efetivamente pagos, para R$ 31,7 bilhões, em 2021, dos quais R$ 24,9 bilhões foram efetivamente pagos. As emendas do relator passaram a existir no Orçamento de 2020, passando de R$ 19,7 bilhões, naquele ano, para R$ 15,2 bilhões, em 2021. Para este ano, a previsão é de R$ 16,5 bilhões, que somados aos R$ 21,3 bilhões previstos na peça orçamentária aprovada pelo Congresso, apenas as emendas parlamentares somam R$ 37,8 bilhões. “Essas emendas do relator não existiam até 2019 e, agora, elas consomem um grande percentual dos recursos do Orçamento e não sabemos com transparência para onde esse dinheiro é destinado e se ele vai contribuir para a retomada da atividade econômica”, alerta Castello Branco.
Problema estrutural
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), não poupa críticas às emendas do relator roubando espaço dos investimentos e destaca que existe um problema estrutural grave que limita o crescimento do país. E esse problema, segundo ele, já existia mesmo antes da pandemia da COVID-19, o país não tinha se recuperado da recessão de 2015 e 2016 e vinha crescendo por volta de 1% e deve voltar a esse ritmo.
Foto: José Luis Oreiro. Professor do Departamento de Economia da UnB.
“Há restrições externas para o crescimento. O deficit em conta-corrente estava em 3% do PIB mesmo com o país crescendo pouco. O aumento com a alta dos preços de commodities, que ajudaram nas exportações em 2021, o saldo negativo foi reduzido, mas o superávit não veio na conta corrente do setor externo. E, agora, se o país crescer 2%, o déficit vai para 4% ou mais, que é padrão para uma crise no balanço de pagamentos”, alerta Oreiro.
A eliminação da alta inflação no Brasil a partir da implementação do Plano Real durante o governo Itamar Franco teve como efeito colateral a persistência de patamares extremamente elevados para a taxa real de juros de curto-prazo, a taxa Selic. Durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso creditava-se essa persistência a adoção de um regime de bandas cambiais deslizantes, no qual o Banco Central do Brasil definia um “teto” e um “piso” para a taxa nominal de câmbio, definindo ex-ante o ritmo de depreciação de ambos de maneira a produzir uma desvalorização controlada da taxa de câmbio, ao mesmo tempo que se permitia que, no intervalo da banda cambial, a taxa de câmbio pudesse flutuar “livremente” com base nas condições de oferta e demanda de moeda estrangeira.
Durante a vigência desse regime cambial, a taxa Selic real média oscilou em torno de 20% a.a, permitindo que aplicações financeiras livres de risco tivessem uma taxa de retorno muito superior ao que poderia ser obtido com qualquer tipo de empreendimento do lado real da economia. Nesse contexto, a justificativa que os economistas convencionais davam para o elevado patamar da taxa Selic era de que o regime de câmbio administrado impedia o ajuste na conta de transações correntes do balanço de pagamentos – fortemente deficitária durante o primeiro mandato de FHC – o que exigia a entrada de capitais externos para financiar o balanço de pagamentos e, dessa forma, a manutenção da Selic em patamares elevados para atrair a “poupança externa” necessária para “financiar” o crescimento da economia brasileira.
Se esse diagnóstico fosse correto, o abandono do regime de câmbio administrado em janeiro de 1999, no início do segundo mandato de FHC, deveria ter reduzido a taxa Selic para patamares mais civilizados. Não foi isso o que ocorreu. Embora a Selic real tenha se reduzido para um valor próximo a 10% a.a no ano 2000, ela permanecerá num patamar de quase 9% a.a até o início da crise financeira internacional de 2008. Se considerarmos o período 2003-2016, a taxa Selic real média foi de 6,25% a.a, um valor 2,57 p.b superior a estimativa da taxa de juros de equilíbrio da economia brasileira, ou seja, da soma entre a taxa de juros internacional e do prêmio de risco país. Apesar do elevado patamar da taxa Selic, a análise da variação acumulada do IPCA em 12 meses no período compreendido entre janeiro de 2003 e setembro de 2017 mostra que a inflação acumulada em 12 meses permaneceu a maior parte do tempo acima do centro do regime de metas de inflação, tendo estourado o teto desse regime em diversos momentos.
A experiência brasileira parece mostrar de maneira bastante clara que a política de juros altos é ineficaz no que se refere a manter a inflação dentro das metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Os efeitos combinados da grande recessão de 2014-2016, com a estagnação do crescimento no período 2017-2019 e a pandemia do covid-19 fizeram com que, pela primeira vez num período de 25 anos, a taxa Selic alcançasse um patamar de 2% a.a em termos nominais no segundo semestre de 2020. Finalmente parecia que o país finalmente havia obtido a “eutanásia do rentista”, obrigando os ricos a aplicar sua riqueza em atividades produtivas.
Contudo, essa expectativa se demonstrou incorreta. Em função de uma série de choques de oferta ocorridos no Brasil (pior regime de chuvas nos últimos 90 anos) e no resto do mundo (interrupção das cadeias mundiais de fornecimento de insumos devido ao covid-19) a inflação no Brasil e no resto do mundo começa a se acelerar a partir do início de 2021. Enquanto os Bancos Centrais dos países desenvolvidos (FED, BCE, BOE e BOJ) interpretaram a aceleração inflacionária como um fenômeno temporário num ambiente ainda marcado por elevadas taxas de desemprego, mantendo inalteradas suas taxas de juros; o BCB inicia um ciclo de elevação da Selic, levando-a ao patamar de 7,75% a.a em outubro de 2021.
Alguns analistas argumentam que se a Selic chegar a 11% a.a ao final do atual ciclo de “normalização da política monetária”, o Tesouro Nacional terá um gasto adicional de R$ 270 Bilhões com o pagamento de juros sobre a dívida pública. Trata-se do maior programa de transferência de renda da história do Brasil, um programa no qual se transfere dinheiro de todos os contribuintes para uma pequena elite de rentistas que se situa no 1% mais rico da pirâmide de distribuição de riqueza do país. Ao que parece a morte do rentismo no Brasil foi uma notícia bastante exagerada.
* Professor Associado do Departamento de Economia da UnB. E-mail: joreiro@unb.br.
Aumento será de 7% para a gasolina e 9,5% para o diesel. Caminhoneiros ameaçam greve e Bolsonaro promete “uma ajuda”, que é vista como “piada” por representante da categoria
Eram 10h20 da manhã quando Romão Edson, 42, saía de um posto de gasolina na região central de São Paulo. “Não enchi o tanque, não”, respondeu, ao ser perguntado pela reportagem. “Coloquei só o básico para sobreviver”. O motorista de aplicativo levava no rosto o sinal do cansaço. Estava trabalhando desde as 16h do dia anterior, sem parar. Na carteira, o sinal da crise. “Em um dia bom, eu faço 450 reais com as corridas. Mas disso, eu tiro 150 reais para a gasolina”. Descontando ainda o que gasta com a manutenção do carro, sobra pouco no final do mês. Por isso, enquanto abastecia, assistia a uma aula online pelo celular, de um curso para formação técnica em enfermagem. “Não compensa mais ser motorista de aplicativo”, diz ele, que atua há três anos na área. “Estou estudando para mudar de profissão”.
A realidade de Romão Edson é a mesma que a de milhões de brasileiros que estão sentindo na pele e no bolso o avanço da inflação. Nesta segunda-feira, a Petrobras anunciou um novo reajuste nos preços da gasolina e do diesel: 7% e 9,5%, respectivamente, valendo já a partir desta terça-feira. O último aumento da gasolina havia ocorrido no dia 8 de outubro, e do diesel, no dia 27 de setembro. Desde o início do mês, o gás de cozinha ultrapassa o valor de 100 reais o botijão em 19 estados, e o custo do litro da gasolina já supera os 7 reais em boa parte do país,. Na sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já havia afirmado que o combustível subiria de novo. “Nós sabemos que, aumentando o preço do petróleo lá fora e o dólar aqui dentro, o reajuste em poucos dias ou semanas, tem que ser cumprido na ponta da linha pela Petrobras”, afirmou ele, em entrevista coletiva com o ministro da Economia Paulo Guedes.
Diante dessa alta nos preços, caminhoneiros, que em 2018 realizaram uma grande greve em todo o país, agora ameaçam parar novamente. “Se o Governo não der nenhum sinal para nós até dia 31 de outubro, no dia 1 de novembro, a categoria vai cruzar os braços”, promete Wallace Landim, conhecido como Chorão, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava). “A situação que a gente está passando hoje é pior que a de 2018″, diz ele. “As leis que conquistamos não estão sendo cumpridas, como o preço mínimo do frete. Não há fiscalização pela ANP”, diz. O piso do frete, uma da principais conquistas da greve de 2018, tem sua constitucionalidade questionada até hoje e não é cumprido pelas empresas. “Mas sem dúvida, a situação pior hoje é a do combustível. O valor do frete não acompanha”, afirma Chorão.
Na semana passada, Bolsonaro havia tentado sinalizar à categoria. Em um evento em Pernambuco, afirmou que “em torno de 750.000 caminhoneiros receberão uma ajuda para compensar o aumento do diesel”. Mas não especificou de quanto seria o auxílio e nem como ele seria financiado. Por isso, a categoria não vê como um sinal. “Ele não deixou claro, não foi oficializado”, afirma Chorão. “Mas se for essa proposta que ele está querendo colocar para todos, a gente entende que são os 400 reais [do auxílio emergencial]. Se for isso, os caminhoneiros não querem esmola. Eu vi como uma piada”.
“Custo Bolsonaro”
José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UNB), explica que a alta dos preços se dá pela combinação de dois fatores: o aumento do valor do petróleo no mercado internacional, e a alta do dólar. “Fundamentalmente, a redução da produção de petróleo da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], juntamente com a retomada da atividade econômica nos Estados Unidos e China agora no primeiro semestre de 2021, elevaram o preço do barril de petróleo para mais de 80 dólares”, explica. “Isso atrelado ao que chamamos de custo Bolsonaro, reforçado pelo completo isolamento do Brasil devido à política ambiental desastrosa do Governo, e as frequentes crises políticas que o presidente causa, geram o aumento das incertezas e levam à fuga de capital”, diz. “Se não fosse essa péssima imagem que o Brasil tem no exterior, certamente o dólar estaria abaixo de 5 reais”.
Todos esses fatores nacionais e internacionais vão parar no preço final. “Quando chega o valor com aumento, temos que repassar para o consumidor, não tem outro jeito”, afirma Ana Paula Nardine, proprietária de uma rede de cinco postos em São Paulo. “E sabemos que esse valor ainda não se estabilizou. Pode subir ainda mais”, diz. O entregador Antônio Marcos de Sena Santos, 37, diz que ainda faz entregas com a moto “porque é melhor que fazer nada”, mas o combustível tem pesado cada vez mais na conta. “Muita gente deixou de fazer entrega porque não está compensando mais”, diz.
Oreiro explica que além dos fatores econômicos externos está a redução da capacidade de refino da Petrobras. Graças a uma política de enxugamento das refinarias, iniciada em 2017, hoje o Brasil exporta mais petróleo bruto e importa mais gasolina. “A nossa dependência da gasolina importada já foi menor”, ele explica. “Porque antes a Petrobras maximizava as refinarias. Agora, como temos que importar mais gasolina, a Petrobras mantém a paridade com o preço internacional”.
ICMS
Com a pressão exercida especialmente pelos caminhoneiros que ameaçam nova greve, e na tentativa de reverter os impactos dos aumentos dos preços em sua popularidade, Bolsonaro recorreu ao seu aliado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). E conseguiu uma vitória. Na semana passada, a Câmara aprovou projeto de lei que altera as regras de cobrança do ICMS. O imposto estadual incide sobre a gasolina e tem sido apontado erroneamente pelo Governo federal como a principal causa do aumento dos preços. A proposta, que seguirá para aprovação no Senado, muda a forma do cálculo do imposto.
Hoje, o ICMS é calculado pela média dos últimos 15 dias do preço do combustível nas distribuidoras. Se aprovada no Senado, a proposta faz com que o cálculo seja pela média dos últimos dois anos. “Como essa média é bem mais baixa, é evidente que o preço final para o consumidor vai ser mais baixo”, explica Oreiro. A conta, no entanto, não é tão simples. Hoje, o ICMS representa uma parte muito importante da arrecadação dos estados, podendo chegar a até 30% dos impostos arrecadados.
O economista explica que, se o cálculo do ICMS mudar, será preciso arrecadar em outra frente. “Hoje há diversos estados com problemas fiscais, como o Rio de Janeiro, por exemplo. Se tirar a arrecadação de impostos desses estados, vai ter que haver uma compensação pela União, e, no final das contas, o consumidor vai ter que pagar mais em forma de impostos”, diz. “Sem contar que assim, o Governo estará subsidiando o consumo de combustíveis fósseis, o que vai totalmente na contramão do que está sendo feito no mundo inteiro”.
Sabendo que o Senado também é favorável à mudança, governadores se articulam. No final da semana, representantes do Fórum Nacional de Governadores se reuniram por videoconferência com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para tratar do assunto. “É consenso entre os governadores e o presidente do Senado que a alteração no preço dos combustíveis não pode ser colocada como por conta do ICMS”, afirmou Wellington Dias, governador do Piauí e coordenador do Fórum Nacional de Governadores. “Sempre tivemos o ICMS na mesma alíquota, há vários anos, não teve alteração”. De acordo com ele, ficou acertado convocar a Petrobras para conversar e montar um grupo de trabalho com uma representação dos estados, com um governador de cada região.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) chegou a dizer que o alto custo do combustível é culpa da “incompetência do Governo”. Em sua conta no Twitter, o governador tucano ainda disse que o Governo federal “fala muito e faz pouco. A cutucada de Doria rendeu uma reposta de Lira, que rebateu dizendo que que trata-se de uma questão de “sensibilidade social”, e culpou o preço do barril de petróleo. “O barril quase triplicou. Em um momento de retomada econômica, todo o incentivo é bem vindo. Não seria o caso de pensar no cidadão e não nos cofres do Estado?”, respondeu o presidente da Câmara, também no Twitter.
Seja como for, as negociações sobre o ICMS ainda devem colocar sobre a mesa a reforma tributária, de acordo com Dias. “Essa agenda deve acontecer já na próxima semana”, afirmou. “Se tiver que ter uma alternativa intermediária, estamos abertos ao diálogo, e ainda, a garantia de que vamos nos voltar com prioridade para o projeto da reforma tributária”.
Apesar da pressão de parte da classe política para que o governo prorrogue o pagamento do auxílio emergencial, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltaram a afirmar que o Executivo é contra a proposta. Enquanto o mandatário alega não poder deixar que “medidas temporárias relacionadas com a crise se tornem compromissos permanentes de despesas”, o titular da equipe econômica ponderou que a continuidade do benefício significaria a redução de verbas para outras áreas, como saúde, educação e segurança pública. Contudo, o retorno da pandemia a um estágio mais severo faz com que o Palácio do Planalto não descarte de vez a retomada do auxílio. Diante da encruzilhada para salvar vidas e preservar a economia, Bolsonaro, enfim, reconheceu a importância das vacinas. Após meses questionando a eficácia dos imunizantes contra o novo coronavírus, o presidente, agora, admitiu que os produtos podem “dar mais conforto à população” e “segurança a todos”, além de fazer com “que a nossa economia não deixe de funcionar”. Guedes, por sua vez, aposta na eficácia das vacinas e no sucesso da aplicação dos imunizantes para não ser necessário o pagamento de novas parcelas do auxílio emergencial. As declarações de Bolsonaro e do ministro ocorreram ontem, durante um evento com investidores estrangeiros promovido pelo banco Credit Suisse. Mais controverso à volta do auxílio, o chefe do Executivo ponderou que o governo precisa estimular a economia com estratégias que envolvam, sobretudo, o respeito ao teto de gastos, norma que limita o crescimento da despesa pública à inflação do ano anterior. “No âmbito fiscal, manteremos firme compromisso com a regra do teto de despesas como âncora de sustentabilidade e credibilidade econômica. Nosso objetivo é passar da recuperação baseada no apoio ao consumo para um crescimento sustentado pelo dinamismo do setor privado”, frisou. “As projeções do mercado estimam que a taxa de inflação flutuará dentro da banda, com taxa de juros em nível competitivo e atraentes para novos investimentos.” Ante as críticas de que o governo atrasa a conclusão das privatizações de estatais, o que motivou a recente saída de Wilson Ferreira Junior da presidência da Eletrobras, o chefe do Planalto ressaltou que um dos focos do Executivo para este ano será acelerar os processos para “dar continuidade a medidas de aperfeiçoamento no ambiente de negócios”. Ele também aposta na inclusão do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na aprovação das reformas tributária e administrativa para recuperar a economia. “Queremos regulamentos mais simples e menos onerosos para destravar o imenso potencial do Brasil e facilitar o trabalho da iniciativa privada. A modernização da economia e o aprimoramento das políticas públicas passam pela incorporação das melhores práticas internacionais. Estamos no caminho para um 2021 de crescimento econômico projetado 3,5%”, frisou. “Meu governo entende os problemas estruturais pelos quais passa a indústria brasileira e mundial. Estamos empenhados em realizar mudanças nesse setor, com pensamento estratégico e redefinição de vínculos das cadeias produtivas globais.” Guedes adotou tom mais moderado sobre o auxílio, mas considera a extensão do benefício apenas para situações extremas, como no caso de o Brasil “falhar miseravelmente” com as vacinas. “Vamos observar a economia e a saúde, os dois andam juntos. E vamos esperar pelo melhor e que, com a vacinação em massa, as mortes estejam descendo”, disse. O ministro acrescentou: “Vamos observar. Caso o pior aconteça, se a doença volta, como compatibilizar uma coisa com a outra? Bom, temos o protocolo da crise aperfeiçoado agora. Se não for o caso (de retorno à normalidade), porque a vacinação não está andando ou porque as mortes continuam acima de mil, já existe o protocolo da crise”. Guedes afirmou que, se a prorrogação do benefício for necessária, poderia ser incluída na proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos a serem acionados no caso de descumprimento do teto de gastos. “Quer criar o auxílio de novo? Tem de ter muito cuidado. Se fizer isso, não pode ter aumento automático de verbas para educação e segurança pública, porque a prioridade passou a ser a guerra (contra a pandemia). Pega as guerras aí para ver se tinha aumento de salário, se tinha dinheiro para saúde e educação. Não tem, é dinheiro para a guerra. Aqui, é a mesma coisa. Se apertar o botão, vai ter que travar o resto todo”, pregou.
Para o economista José Luís Oreiro, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), é muito difícil que Bolsonaro não renove o estado de calamidade pública e estenda o auxílio emergencial. “Isso daria um desafogo. A realidade vai se impor. Sem algum tipo de renda provisória emergencial, que cubra alguns meses até que uma proporção significativa da população esteja vacinada, vai ser um caos social”, alertou. “Renovando o estado de calamidade pública até junho, o governo estaria desobrigado de cumprir regras fiscais e teria dinheiro para reimplantar o auxílio, mantendo o compromisso com o teto de gastos.”
O economista Roberto Ellery, também da UnB, acrescentou que o governo tem poucas saídas. “Ele precisa repensar programas sociais como um todo. Talvez, seja o caminho, mas tem de ver de onde vai sair o dinheiro”, afirmou. Média de mortesHoje, de acordo com números do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a média diária de mortes por Covid-19, no Brasil, é de 1.055, número que se aproxima do pico registrado em julho do ano passado, de 1.102. Além disso, o país tem uma média de 51.356 novas infecções por dia — desde o início de 2021, essa média tem sido superior a 50 mil, o que não aconteceu no ano passado.Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
À TV 247, o professor da UnB disse que quando as fábricas fecham, quem perde o emprego são os integrantes da classe média, setor responsável por dar estabilidade ao país e evitar radicalismos. “Foram os trabalhadores ‘uberizados’ que votaram no Bolsonaro em 2018”, explica.
Professor da Universidade de Brasília (UnB) formado em ciências econômicas, José Luis Oreiro, em entrevista à TV 247, explicou a razão pela qual a desindustrialização do Brasil está diretamente ligada à ascensão de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto.
Oreiro, primeiramente, esclareceu que os melhores postos de trabalho com os melhores salários para a classe média brasileira, com nível de escolarização razoável, se encontram exatamente na indústria. Quando as fábricas fecham, são integrantes da classe média que perdem o emprego. “Os melhores salários para pessoas com um nível médio de escolarização são pagos precisamente na indústria de transformação. Essas pessoas que vão ser demitidas da 3M ou da Ford. Se elas não conseguirem vagas em outras fábricas, elas vão terminar no setor de serviços. Uns vão virar motoristas de Uber, que precisam trabalhar 12 ou 14 horas por dia para tirar dois ou três mil reais por mês. Não vão ter direito a férias, a décimo terceiro salário, não vão ter contribuição previdenciária. Vão se esfolar de trabalhar para ganhar um salário menor. Ou seja, os bons empregos para as pessoas que têm um nível intermediário de educação estão na indústria. Então quando você destrói empregos da indústria você está reduzindo a renda desses trabalhadores, mesmo que eles consigam um emprego formal no setor de serviços. Você vai ter um progressivo empobrecimento da chamada classe média brasileira”.
Segundo o professor, o fato de a classe média estar insatisfeita com sua situação econômica e com a precariedade de seu trabalho abala a vida política do país. Isto porque é este setor da sociedade, ainda de acordo com Oreiro, que confere estabilidade ao país e evita os radicalismos, como o de Jair Bolsonaro, por exemplo. “A classe média brasileira são essas pessoas que têm uma renda de três, quatro, cinco mil reais. São essas pessoas que estão sendo demitidas quando as fábricas fecham. Isso é terrível para o país e também do ponto de vista político, porque as grandes democracias pressupõem uma grande classe média. A classe média é que dá estabilidade, ela não gosta de radicalismos, nem de direita e nem de esquerda. Quando você destrói essa classe média, o resultado pode ser o radicalismo de esquerda e de direita. Nos últimos anos a gente observou o radicalismo de direita. Foram os trabalhadores ‘uberizados’ que votaram no Bolsonaro em 2018. Essa classe média que está se sentido excluída, que está vendo seu poder de compra reduzido, sua qualidade de vida reduzida, que não tem perspectiva. Então acabam votando em um Bolsonaro da vida, seja como voto de protesto ou por desespero mesmo. Se o perfil da força de trabalho no Brasil em 2018 fosse a dos anos 1970, quando o Lula fundou o Partido dos Trabalhadores, Bolsonaro não teria nenhuma chance”.
O deficit primário não deve chegar aos R$ 831 bilhões projetados, porque R$ 34,8 bilhões estão represados em vários ministérios
Marina Barbosa
postado em 30/12/2020 06:00
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
O rombo das contas públicas brasileiras já está beirando os R$ 700 bilhões neste ano, por conta da pandemia de covid-19, que achatou as receitas e ampliou os gastos do governo. Porém, o deficit não deve chegar aos R$ 831,8 bilhões projetados pelo Ministério da Economia. O Tesouro Nacional explicou, ontem, que R$ 34,8 bilhões estão empoçados no governo.
O represamento ocorre quando os recursos são liberados para pagamento, mas não são gastos pelo governo. É um fenômeno que ocorre anualmente por conta das amarras orçamentárias, mas que atingiu um “elevado volume” neste ano, segundo o Tesouro. E, por isso, vai aliviar o rombo estimado para as contas públicas em 2020. “O empoçamento reduz o deficit porque é uma despesa que está na nossa conta, como parte da despesa primária, mas não é gasta dentro do exercício”, explicou o secretário substituto do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira.
Ele disse que ainda não há uma nova projeção para o rombo das contas públicas neste ano, mas afirmou que é possível que o empoçamento “continue nesse patamar ou fique um pouco mais alto”. Descontando os mais de R$ 30 bilhões da previsão de um deficit de R$ 831,8 bilhões, é possível, portanto, que o rombo das contas públicas não ultrapasse a marca dos R$ 800 bilhões.
Ainda assim, a situação é preocupante. Afinal, as contas públicas já estão no vermelho há 10 meses consecutivos. Em novembro, por exemplo, o buraco foi de R$ 18,2 bilhões, segundo dados apresentados, ontem, pelo Tesouro Nacional. O resultado veio melhor que as estimativas do mercado, mas fez o deficit primário do governo central chegar a R$ 699,1 bilhões no acumulado de janeiro a novembro. O resultado é 752,3% superior ao do mesmo período do ano passado, quando o deficit primário acumulado no ano foi de R$ 80,4 bilhões, e é o pior da série histórica.
O Tesouro Nacional explicou que estes dados “revelam a continuidade dos efeitos da crise da covid-19 sobre as contas públicas”. A pandemia diminuiu a receita do governo em 10%, seja por conta da desaceleração econômica que reduziu a arrecadação, seja porque o governo diferiu e cortou impostos na pandemia de covid-19. Por outro lado, as despesas públicas subiram 39,3%, já que o governo liberou mais de R$ 500 bilhões para os gastos emergenciais de combate ao novo coronavírus.
Por isso, o Tesouro reforçou que atacar a questão fiscal é prioridade em 2021 e voltou a dizer que “o espaço fiscal que o país dispõe para a implementação de novas medidas de enfrentamento aos impactos econômicos e sociais da pandemia é limitado”. A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia também reiterou, ontem, que todas as medidas econômicas adotadas durante a pandemia são transitórias e “se encerram sem exceção até o fim deste ano”. A pasta ainda rebateu as críticas sobre o término do auxílio emergencial, cujos últimos depósitos foram realizados ontem, dizendo que o fim do benefício “foi gradativo e amplamente anunciado”.
Prorrogação
Diante do recrudescimento da pandemia de covid-19 e da alta do desemprego, no entanto, muitos parlamentares e empresários têm pedido a prorrogação de medidas como o auxílio emergencial e os acordos de redução salarial e suspensão do contrato de trabalho. Ladeira disse, então, que só em uma “situação extrema” as metas fiscais seriam afrouxadas novamente, como ocorreu em 2020, quando o Orçamento de Guerra desobrigou o governo a cumprir a meta de resultado primário para fazer gastos emergenciais.
Por enquanto, reforçou o secretário, o governo trabalha com a possibilidade de que essas medidas terminem amanhã, junto com o estado de calamidade pública, e que, por isso, será preciso seguir a regra do jogo novamente em 2021. Isso significa que só cortando gastos ou aumentando a arrecadação o governo vai poder encaixar medidas como essa no Orçamento. “É um ano de mais restrição orçamentária”, frisou Ladeira, lembrando que, além de um deficit de quase R$ 800 bilhões, o Brasil vai acabar o ano com uma dívida superior a 90% do Produto Interno Bruto (PIB).
Dinheiro da pandemia parado
A maior parte dos R$ 34,8 bilhões que estão empoçados no governo federal deixou de ser gasta por pastas diretamente ligadas ao combate à pandemia de covid-19. Entre elas, a Saúde e a Cidadania. Segundo os dados apresentados, ontem, pelo Tesouro Nacional, só o Ministério da Cidadania, que é o responsável pelo pagamento do auxílio emergencial e do Bolsa Família, deixou de gastar R$ 8,3 bilhões dos recursos recebidos ao longo do ano. A Educação represou R$ 6 bilhões. E a Saúde, R$ 5,4 bilhões. Ainda há uma quantia significativa de recursos na Infraestrutura (R$ 2,4 bilhões), na Defesa (R$ 2,3 bilhões) e na Economia (R$ 2,3 bilhões).
O secretário substituto do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira, argumentou que é comum haver empoçamentos na Educação e na Saúde, uma vez que essas pastas têm grandes orçamentos e as amarras legais nem sempre permitem que todos esses recursos sejam empenhados a tempo. Já o caso da Cidadania se explica porque os recursos destinados ao auxílio emergencial pelo Orçamento de Guerra substituíram 95% dos pagamentos do Bolsa Família, fazendo com que o orçamento do benefício ficasse parado. “Como é despesa obrigatória, com controle de fluxo, esse limite não poderia ser remanejado”, explicou a pasta.
Secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco confirmou que “o excesso de vinculações e de rigidez do Orçamento dificulta a operacionalização da máquina pública, porque sobram recursos em algumas iniciativas e faltam para outras ações importantes”. Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto acrescentou que o Orçamento de Guerra pode ter ampliado esse movimento. “Como houve um possível superdimensionamento de alguns gastos, em razão da incerteza da crise, é possível que exista limite financeiro para o gasto, mas não haja demanda.”
O professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro disse, no entanto, que também pode haver “falta de competência técnica e de vontade política” nesta questão. “O empoçamento, na Saúde e na Cidadania, mostra que o governo não tem um plano para lidar com a pandemia de covid-19, pois os recursos poderiam ser usados, por exemplo, em campanhas de esclarecimento e testagem”, criticou.
Os especialistas também lembram que, apesar de o Tesouro Nacional não prever uma redução do represamento, é comum que, nesses últimos dias do ano, os ministérios corram para empenhar o máximo de recursos possíveis, para que possam ser usados como restos a pagar no ano seguinte, o que pode reduzir essa quantia. Se mantido em R$ 34,8 bilhões, no entanto, o empoçamento deste ano será o dobro do de 2019, quando foi de R$ 17,4 bilhões.
Os economistas José Luis Oreiro e André Lara Resende. Foto: Live do Fórum Nacional e Direitos Já!
“A ideia de suprimir, de asfixiar a capacidade de investimento do Estado é o caminho mais curto para a paralisia completa da economia e é onde nós estamos, num completo atoleiro”, afirma o economista André Lara Resende
O “dogmatismo fiscalista” e a necessidade de promover investimentos públicos estiveram no centro do debate “Gestão Macro na Pandemia”, no sábado (15), promovido pelo Fórum Nacional INAE (Instituto Nacional de Altos Estudos) em parceria com o Direitos Já! Fórum pela Democracia.
O debate foi coordenado por Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e presidente do Fórum Nacional, com a participação dos economistas André Lara Resende, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do BNDES, do economista José Luis Oreiro, professor da UnB e ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira, e do sociólogo Fernando Guimarães, coordenador do Fórum pela Democracia que reúne mais de 300 organizações da sociedade civil e lideranças de 16 partidos políticos.
Raul Velloso
“Nós queremos descobrir os caminhos para crescer mais. Esse é o nosso objetivo”, resumiu o economista Raul Velloso, durante sua apresentação. Citando o resultado do índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) do segundo trimestre em relação ao primeiro, divulgado na semana passada, que mostrou queda de 10,9%, Velloso lembrou que quando esse nível de queda apareceu nos Estados Unidos muita gente lhe dizia: “estamos com pena dos americanos”. “E eu dizia, calma, porque quando sair o nosso, nós temos é que ter pena é da gente”, contou.
Fernando Guimarães
“TETO DE GASTOS É INVIÁVEL”
Raul Velloso destacou as discussões que dominaram na mídia e em torno do governo sobre a “questão do cumprimento do teto dos gastos”.
Citando “uma declaração vigente nos mercados financeiros que coloca toda a ênfase no cumprimento desse teto como sendo algo que se não for cumprido vai ser o caos no país”, Velloso manifestou sua posição contrária à visão de que o não cumprimento do teto será o caos. “Não cumprir o teto, que é muito difícil de cumprir, vai significar que o país vai ser abalado por isso? Vai ter fuga de capitais? A inflação vai voltar? Não quero dizer que a gente não tenha de ter controle das contas, eu não sei é se faz sentido escandalizar do jeito que um grande grupo está fazendo no momento”.
Velloso lembrou que Paulo Guedes, ministro da Economia, no dia 13 de março, disse que “tinha R$ 5 bilhões para aniquilar a pandemia da Covid-19 e que eram suficientes”, e que no dia 13 de agosto já foram necessários mais de R$ 700 bilhões. “Por que não ‘furar o teto’ com mais R$ 20 bilhões para investimentos em infraestrutura?”, questiona Velloso. “É que Guedes fica sinalizando para o mercado – esse ente que muita gente não sabe direito o que é, mas que tem um peso muito importante no noticiário – que está ‘furando o teto’, ‘dando um jeitinho’. Guedes reclamou que o governo estava sinalizando negativamente com isso e que ele estava muito preocupado”, ironizou Velloso.
“Os investimentos estão tendendo a zero. É difícil entender essa briga pelo cumprimento do teto. Será que não precisa investir? Será que não tem um papel para o setor público desempenhar nessa área?”, questionou o economista. “Os investimentos estão desabando há muito tempo. Temos uma epidemia, a economia desabou, em seguida à sua eclosão. Em última instância, o que nós precisamos é crescer mais, empregar as pessoas, a discussão do teto reapareceu e é uma discussão que tem muito problema em si e não sei se é a coisa mais urgente neste momento, porque o investimento está pagando a conta quando ele poderia ser o motor principal da recuperação da economia nessa situação atípica, extraordinária, que nós estamos vivendo”, afirmou Raul Velloso.
LARA RESENDE: “EUROPA E EUA SEGUIRAM NOVO RECEITUÁRIO DE EXPANSÃO DA BASE MONETÁRIA APÓS A GRANDE CRISE DE 2008”
O economista André Lara Resende destacou que com a pandemia “nós temos uma crise inusitada, diferente das crises que são mais frequentes no capitalismo contemporâneo, que normalmente começam com uma crise financeira e que ameaçam a economia real. Essa crise, como ela teve origem como uma crise sanitária do coronavírus, ela paralisou a economia, o funcionamento da economia real, e com isso provocou uma grande queda do nível de atividade e recessão e ameaça se transformar numa crise financeira. A queda no nível de atividade da economia no segundo trimestre, como Raul mostrou, foi profunda, dramática, não apenas no Brasil, mas em todos os países afetados pelo vírus. É uma recessão, portanto, global e sincronizada. Permanece uma enorme incerteza sobre o desenvolvimento dessa crise, como é que vamos sair dela, especialmente, por causa das incertezas de questões médicas, sanitárias, sobre o vírus. Se haverá um tratamento, se haverá uma vacina, quando haverá, qual é a eficácia da vacina? Portanto, continuamos com um horizonte ainda mais incerto do que o normal em relação ao futuro”.
Segundo Lara Resende, “a reação de políticas públicas nas principais economias do mundo, na Europa, nos Estados Unidos e nas outras economias avançadas seguiu o novo receituário adotado após a grande crise financeira de 2008, a ideia de que é possível expandir a liquidez, basicamente através do que se chamou de afrouxamento monetário (Quantitative easing-QE), com expansão do passivo do Banco Central, que é simplesmente expansão monetária, aumento de liquidez, e redução da taxa básica de juros, que é controlada pelo Banco Central, que é o principal instrumento de política monetária dos bancos centrais hoje”.
“Essa visão de dogmatismo fiscalista, de que é preciso equilibrar as contas públicas sempre e em todas as condições, a curto prazo, para evitar que a relação dívida/PIB passe de um teto mágico, que inicialmente se imaginava perto de 70% do PIB foi colocado completamente de lado”
“O FED [Banco Central dos EUA] logo no primeiro mês da crise multiplicou por três o seu passivo monetário, ou seja, a base monetária, passou de perto de 10% do PIB para quase 30% do PIB americano, responsável, portanto, por 20% do PIB de expansão monetária”.
Segundo o economista, “essa visão de dogmatismo fiscalista, de que é preciso equilibrar as contas públicas sempre e em todas as condições, a curto prazo, para evitar que a relação dívida/PIB passe de um teto mágico, que inicialmente se imaginava perto de 70% do PIB”, foi “colocado completamente de lado”.
“O que impressiona nesse fiscalismo, nesse dogmatismo fiscal que foi dominante, foi hegemônico de certa forma no mundo todo, inclusive, nas instituições e no próprio Fundo Monetário Internacional, que passaram a defender essa visão, alguns dos macroeconomistas das instituições multilaterais e das principais universidades americanas”, foi a de que a “austeridade fiscal seria expansionista”. “Você contrai, você faz uma política fiscal contracionista, mas é compensado pela confiança do setor privado que então investe e você cresceria. Isso foi posto de lado nos últimos anos por alguns países desenvolvidos, como Estados Unidos, na Europa, na Inglaterra, e agora com a pandemia foi colocado completamente de lado”, afirma Lara Resende.
“Com o advento do coronavírus, todos os países do mundo expandiram dramaticamente, diante da recessão dramática, expandiram muito rapidamente suas políticas monetária e fiscal, ou seja, emitiram base, creditaram reservas bancárias”, ressaltou o economista. “Evidentemente incorreram em déficits fiscais extraordinários, porque houve uma queda brutal da arrecadação com a atividade econômica e foram obrigados a fazer gastos emergenciais, e não estamos nem falando ainda em gastos de recuperação da economia. São gastos emergenciais para reduzir de certa forma o grau de sofrimento, do desemprego e da questão da saúde pública”, ressaltou Lara Resende.
“No Brasil, ao contrário, como a política econômica estava baseada na ideia de que a pedra central era o dogma de reequilibrar as contas públicas, o Brasil se viu diante da dramática necessidade de gastos e queda da arrecadação do coronavírus, com uma contradição interna. A própria equipe econômica, o ministro Paulo Guedes, se viu, o que eu chamo claramaente um caso de dissonância cognitiva, porque, ‘olha, o objetivo é equilibrar as contas públicas, reconheço que isso é completamente impossível, não faz o menor sentido, então ele não sabe mais para onde ir, uma enorme contradição”.
“A ideia de que o governo está com dificuldade de financiar a dívida pública é parte do alarmismo promovido pelo sistema financeiro para impedir que o governo atue com a política monetária e fiscal, como deve atuar em um momento como esse”
“Essa discussão no Brasil, no mundo todo, portanto, o dogmatismo diante da crise, essa ortodoxia dogmática, cedeu a uma prática realista, da política. Curiosamente no Brasil, não! Há uma insistência, defendida – não apenas pelo governo, é curioso, mas pelas pessoas que teoricamente teriam posição fora do governo – mas que continua defendendo a ideia de que o governo não pode gastar, e o teto dos gastos é algo completamente inviável”.
“A ideia de que o governo está com dificuldade de financiar a dívida pública é parte do alarmismo promovido pelo sistema financeiro para impedir que o governo atue com a política monetária e fiscal, como deve atuar em um momento como esse”, afirmou o economista.
Segundo Resende, a relação dívida-PIB aparece como um indicador principal dos limites da atuação do Estado na economia.
“Essa nova restrição imposta, que eu chamo de dogmatismo fiscalista, substituiu o papel que a teoria quantitativa da moeda cumpriu durante todo o século 20”.
“Essa tese que não se sustenta, nem logicamente, e já foi desmoralizada empiricamente”, disse o economista, lembrando as reações das principais economias do mundo na Europa, Estados Unidos e outros países, após a crise de 2008 e agora durante a crise sanitária, foram a do chamado “afrouxamento monetário”, com expansão da liquidez, do passivo dos Bancos Centrais e redução da taxa básica de juros. “E, apesar disso, todos eles não tiveram inflação. Pelo contrário, continuaram perigosamente próximo da deflação”, completou.
“Ao contrário do que pretendem os economistas no seu afã de apresentar a economia como uma ciência exata, paralela à física. Essas regras, são regras políticas, são regras desenhadas para o melhor funcionamento da economia”, frisou Lara Resende sobre o teto dos gastos.
Segundo essas teorias, seguidas a ferro e fogo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, “a ação do estado deve ser sempre minimizada porque ela sempre provoca distorções. Esse liberalismo primário, que procura reduzir o estado ao mínimo, asfixiá-lo, de certa forma, idealmente, para que ele fosse eliminado”. “Uma perda total de realismo. Ela se tornou cada vez mais irrealista, mais inaplicável”, afirmou o economista.
“A única coisa que se discute é o equilíbrio fiscal”, afirma André Lara Resende. “A ideia de suprimir, de asfixiar a capacidade de investimento do Estado é o caminho mais curto para a paralisia completa da economia e é onde nós estamos, num completo atoleiro, onde estamos há várias décadas sem capacidade de sair, sobretudo na últimas década”.
“Essa visão de que o Estado só pode gastar mal, é uma visão suicida. Levarmos o investimento, em especial investimento público, a zero, sobretudo numa situação como essa, onde há recessão e desemprego, o resultado é um país que continua estagnado há quatro décadas”.
“Não é o sistema financeiro que deve definir política monetária e fiscal. Ele funciona sequestrando essas políticas com base em mitos aterrorizantes, apresentando fantasmas de que o mundo vai desabar se restrições criadas não forem respeitadas”, afirmou.
“Quem carrega a dívida brasileira são os próprios brasileiros. Você pode dizer que, ao aumentar a dívida pública, você cria, para o futuro, um problema de distribuição, porque onera os pagadores de impostos e beneficia quem carrega a dívida. Agora, desde que a dívida pública não seja explosiva, isso é perfeitamente equacionável e gerível, principalmente se for um período transitório. Desde que a economia volte a crescer, essa relação [dívida/PIB] se estabiliza”, afirma Lara Resende.
De acordo com o economista, o Banco Central poderia até mesmo financiar integralmente a dívida pública brasileira. “Que efeito tem isso? Nenhum, porque a dívida interna brasileira é carregada essencialmente pelo sistema financeiro, que se refinancia com o Banco Central. Então, o BC poderia dispensar essa intermediação e carregar ele a dívida pública inteira”, afirma.
Segundo Lara Resende, o BC carrega 20% a 25% do PIB em operações compromissadas que poderiam ser substituídas por depósitos remunerados a taxa básica na autoridade monetária. “A dívida pública cairia em 25% do PIB. Não mudou nada, a dívida do setor público consolidado, Tesouro mais Banco Central, continuaria a mesma, mas a dívida do Tesouro cairia, porque depósito remunerado do BC é passivo do BC, não do Tesouro”.
“O Brasil está paralisado nessa armadilha da renda média, ou como se queira chamar um país que há 40 anos praticamente não cresce. Enquanto a renda per capita brasileira é um pouco mais do que o dobro nos últimos 40 anos, a da China multiplicou por 20 vezes. Então, nós temos claramente alguma coisa que está errada na condução da nossa economia, da nossa política econômica”, alertou Lara Resende.
JOSÉ LUIS OREIRO: CORTE NO INVESTIMENTO PÚBLICO LEVOU À DEPRESSÃO ECONÔMICA
O economista e professor da Universidade de Brasília (UNB) José Luis Oreiro apontou que a irracionalidade na discussão fiscal começou em 2014, com a narrativa falsa de que o Brasil tinha uma trajetória insustentável nas contas públicas.
“Essa narrativa [do desequilíbrio fiscal estrutural] venceu como interpretação da causa das crises de 2014 a 2016”, que foi até o presente momento, até o ano de 2020, a maior recessão da economia brasileira desde o início da década de 80. Nós tivemos a mais lenta recuperação cíclica da história brasileira desde 1980”, disse.
“O que explica isto? Basicamente o que explica é o esmagamento do investimento. O investimento público tem um papel muito importante no crescimento de longo prazo”, destacou José Oreiro, acrescentando que o investimento público, “que teve uma redução em 2015, continuou caindo ao longo de 2016, 2017, 2018 e 2019 e, com uma consequência absolutamente previsível, culminou nessa estagnação econômica”.
“O Brasil sai da crise de 2014 a 2016, em que ele tem uma queda acumulada do PIB próximo de 7%, com um crescimento médio no período de 2017 a 2019 de 1% ao ano”.
Oreiro afirma que essa soma de fatores associada à pandemia levará o país a encerrar 2020 com o PIB de 12% a 14% abaixo do que o de 2013. “Ou seja, o Brasil está numa depressão. A gente tem que dizer o nome correto da situação brasileira, não é recessão, nós estamos numa depressão, porque são duas crises muito próximas temporalmente, a de 2014/2016 e a de 2020”.
“Nós temos que nos assegurar que o investimento público seja de qualidade, mas que é absolutamente necessário fazer investimento público, é. Não só como instrumento de política anticíclica, mas também como política de desenvolvimento econômico e de recuperação da infraestrutura brasileira, que se deteriorou muito nos últimos anos”, ressaltou o professor da UnB.
FERNANDO GUIMARÃES COORDENOU PROGRAMA ECONÔMICO LANÇADO PELO MOVIMENTO DIREITOS JÁ!
O coordenador do Direitos Já!, Fernando Guimarães, destacou, em sua apresentação, alguns pontos do documento divulgado pelo movimento que foi elaborado por uma ampla frente de economistas, indicados por vários partidos políticos, com propostas para saídas da crise.
“Surge uma pandemia no momento em que a economia já estava em colapso. nós apontamos que não tem essa dicotomia entre medidas para salvar vidas e salvar a economia”, frisou Fernando. “Buscamos a retomada do crescimento, apontamos para a importância de se conjugar o mercado interno com o crescimento na participação nossa global”. Entre as medidas, ele apontou a recuperação do emprego, a proteção do trabalho, o processo de reindutrialização e investimentos em ciência e tecnologia, entre outras propostas que constam do documento.
Fernando defendeu a prorrogação do programa de renda emergencial de R$ 600 até dezembro de 2020 e o papel do Estado na retomada do crescimento, fortalecendo os serviços públicos e o investimento público na saúde, saneamento, educação, “todos esses setores muito afetados pela própria pandemia”.
Defendeu também “a alteração permanente das regras fiscais, não apenas garantindo mais flexibilidade, mas tornando essas regras anticíclicas, para poder dar um tratamento privilegiado ao investimento público”.
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista chefe, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro.
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)