Em sua coluna dominical, Samuel Pessoa apresenta interpretações para as crises de 2008 e de 2020, bem como para a crise de 2014-2016. Enquanto as duas primeiras teriam causas exógenas, a última teria causas endógenas à economia brasileira. Nas crises exógenas, a tendência do PIB recuperou a trajetória anterior, enquanto na crise endógena houve queda permanente da taxa de crescimento. O autor apresenta “duas interpretações” para a crise de 2014-2016, uma heterodoxa e outra neoclássica.
A nossa interpretação heterodoxa difere da apresentada por Samuel. Em primeiro lugar, deve-se observar que a crise de 2014-2016 se vincula com a crise de 2008. As mudanças ocorridas na economia mundial interromperam o regime de crescimento liderado pelo aumento da participação dos salários na renda e estabilidade ou aumento da taxa de lucro. Como se observa no gráfico, entre 2003 e 2007 houve aumento da parcela salarial e do Ibovespa deflacionado pelo IPCA.
O primeiro governo Dilma Rousseff respondeu à mudança no quadro internacional com uma política de estímulo ao investimento privado com isenção fiscal e redução da taxa de juros. Houve uma queda da taxa de desemprego que aumentou a capacidade dos trabalhadores obterem ganhos salariais acima da produtividade do trabalho. Isso resultou na redução da taxa de lucro ao mesmo tempo em que reduziu a competitividade preço da indústria, acentuando o processo de desindustrialização prematura, o que diminuiu o crescimento potencial da economia.
A equipe econômica do governo não percebeu o efeito do esmagamento de lucros sobre o investimento privado. Ela também subavaliou o impacto da desindustrialização sobre o crescimento potencial. A resultante foi uma desaceleração do crescimento entre 2011 e 2013, seguida da uma “parada súbita” do investimento a partir do segundo trimestre de 2014, para a qual a operação Lava Jato teve uma contribuição não-desprezível. O desequilíbrio fiscal subsequente foi a consequência, e não a causa, da desaceleração do crescimento. No gráfico observa-se que entre 2009 e 2015, a parcela dos salários na renda aumenta enquanto o Ibovespa real se reduz.
A origem da crise de 2014-2016 está no esmagamento dos lucros que levou ao colapso do investimento. A mudança da política econômica em 2015, a qual aprofundou a recessão iniciada em 2014, teve como objetivo reduzir o poder de barganha dos trabalhadores por intermédio do aumento do desemprego resultante da adoção de uma política de “austeridade fiscal” combinada com elevação da taxa de juros.
Nos governos Temer e Bolsonaro as políticas contracionistas foram combinadas com “reformas estruturais” como a “reforma trabalhista” cujo objetivo era reduzir o custo do trabalho e assim promover um aumento da taxa de lucro. Embora esta tenha de fato aumentado, levando a um aumento real do Ibovespa, a manutenção das políticas de austeridade limitou o crescimento da produção industrial, aprofundando o processo de desindustrialização, atuando no sentido de reduzir a produtividade do trabalho na economia brasileira.
A estagnação econômica a partir de 2017 decorre de uma política econômica míope que busca recuperar a taxa de lucro através da sobre-exploração da força de trabalho, ao invés de promover uma mudança estrutural na direção dos setores onde a produtividade do trabalho é mais elevada, ou seja, a indústria e os serviços ligados a indústria.
A relação entre a parcela salarial e o Ibovespa real (2021=100)
Todos os meus leitores sabem que meu voto no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022 será para Luis Inácio Lula da Silva. Isso porque as eleições de 2022 serão uma disputa entre a barbárie – representada pelo cidadão que ocupa atualmente o palácio do planalto – e o atual maior líder político do Brasil desde Getúlio Dornelles Vargas. As pesquisas de opinião mostram recorrentemente que não existe espaço para uma alegada “terceira via”, incluindo o representante legítimo do desenvolvimentismo Brasileiro, Ciro Gomes. Não é possível brigar com a realidade. Nossa escolha, gostemos ou não será entre Bolsonaro e Lula. Nessas condições meu voto será no representante da civilização em ambos os turnos da eleição presidencial.
Mas isso não impede que meu apoio a candidatura de Lula seja, por assim dizer, crítico. Votei em Lula nas eleições de 2002 acreditando que ele iria mudar o modelo macroeconômico adotado por Fernando Henrique Cardoso. Pura Ilusão. O primeiro mandato do Presidente Lula foi mais do mesmo da política macroeconômica de FHC II. Em 2006, contrariado com a ortodoxia do governo Lula, votei em Geraldo Alckmin no primeiro e no segundo turno das eleições. Perdi. Lula venceu no segundo turno e começou uma mudança tímida na orientação da política macroeconômica na direção daquilo que eu e outros economistas defendíamos no livro Agenda Brasil publicado em 2003 pela editora Manole em parceria com a Fundação Konrad Adenauer, vinculada ao partido democrata cristão da Alemanha. Face a crise financeira internacional de 2008, detonada pela falência do Banco de Investimento Lehman Brothers em 15/09/2008, o governo brasileiro adotou uma política fiscal e para-fiscal expansionista, ao mesmo tempo que o Banco Central do Brasil, presidido por Henrique Meirelles, fazia ouvidos moucos a crise e manteve até janeiro de 2009 a taxa básica de juros inalterada em mais de 14% a.a. Conversas de bastidores, das quais tomei parte ativa, assinalaram que Meirelles esteve a prestes de ser demitido da presidência do Banco Central pelo Presidente Lula, o qual recuou da decisão apenas depois do COPOM aceitar reduzir a taxa de juros básica em janeiro de 2009, quase 4 meses após a deflagração da crise financeira internacional.
A adoção de políticas monetária e fiscal expansionistas no bojo da crise internacional era a lição de livro texto de macroeconomia para o Brasil lidar com a crise de 2008. Nisso o governo Lula foi extraordinariamente bem sucedido: já no segundo semestre de 2009 a economia brasileira estava crescendo rapidamente e alcançaria a mais elevada taxa de crescimento, desde 1981, em 2010, com um ritmo Chinês de crescimento de quase 8% a.a. Parecia que o Brasil havia retomado a rota do desenvolvimento auto sustentado com equidade social.
As coisas começaram a dar errado a partir de 2011 com o primeiro mandato da Presidenta Dilma Rouseff. A taxa de crescimento do PIB se desacelerou drasticamente em 2011 na comparação com 2010. Alguns economistas atribuem esse fato ao “ajuste fiscal” feito no início do primeiro mandato da Presidenta Dilma, quando foi realizado um grande corte do investimento público. Sem dúvida que essa contração fiscal teve importância para a desaceleração do investimento, mas não foi fundamental. Desde meados dos anos 2000, a economia brasileira estava passando por um profundo processo de desindustrialização prematura, com uma queda acentuada da participação da indústria de transformação no PIB, conforme observamos na figura abaixo. Essa mudança estrutural negativa – resultada da sobrevalorização da taxa de câmbio e da ausência de políticas industriais bem formuladas que demandassem contrapartidas das empresas beneficiadas por tais políticas – resultou numa redução do crescimento potencial da economia brasileira e, dessa forma, pavimentou o caminho para a crise de acumulação de capital ocorrida em 2014 em função da queda da taxa de lucro do setor privado não financeiro, resultante do crescimento dos salários reais acima do ritmo de crescimento da produtividade. Confrontados com uma queda significativa da taxa de lucro sobre o capital próprio, os empresários do setor não-financeiro reagiram com uma “greve de investimentos”, colocando a economia brasileira em recessão no segundo semestre de 2014.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do Autor.
O segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff foi o maior estelionato da história recente do Brasil: A Presidenta reeleita prometendo impedir que o Banco Central tirasse comida do prato dos brasileiros, assistiu passivamente o Banco Central – na época sobre seu total controle – fazer uma brutal elevação da taxa de juros no meio de uma recessão. Não fosse isso bastante, o Ministro da Fazenda. Joaquim Levy, promoveu o maior corte de investimentos públicos dos últimos 30 anos, reduzindo o gasto de investimento do governo federal em cerca de 35%. Por fim, o governo federal liberou os reajustes dos preços administrados (energia e combustíveis), o que levou a inflação para a casa de mais de 10% a.a. e 2015. A combinação de recessão com inflação foi fatal para a popularidade do governo de Dilma Rouseff, o qual sofreu processo de impeachment em abril de 2016. O assim chamado “golpe parlamentar” permitiu o retorno dos economistas liberais ao poder com o projeto “ponte para o futuro” do Presidente Michel Temer, o qual foi um fracasso retumbante em termos de recuperação do crescimento perdido: entre 2017 e 2019 o Brasil cresceu apenas 1,55 a.a, quase 40% menos do que na média do período 1980-2014, cujo valor foi de 2,88% a.a.
O desastre econômico e político do governo Dilma Rouseff deveria ter levado o PT a uma auto crítica sobre o que deu errado em seus 13 anos de governo. Mas ao invés disso, o ex-mais-longevo ministro da fazenda, Guido Mantega, escreveu em 05 de janeiro de 2022 na Folha de São Paulo um artigo afirmando que as políticas econômicas adotadas durante a sua gestão a frente da pasta foram essencialmente corretas (https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4975451-artigo-de-guido-mantega-sobre-economia-repercute-entre-pre-candidatos.html). No seu artigo, Guido Mantega defende um suposto social-desenvolvimentismo, conceito desprovido de fundamentação teórica, pelos (sic) acertos na política econômica dos governos do PT.
Acompanhando de longe a discussão interna ao PT sobre o modelo macroeconômico a ser adotado após a provável vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, minha sensação é de deja-vu. Ao que parece os economistas do PT, tal como os Bourbons espanhóis depois da restauração advinda com a derrota dos exércitos de Napoleão Bonaparte, “Não aprenderam nada, não esqueceram nada” e irão implementar as mesmas políticas econômicas que levaram ao declínio do PT entre 2010 e 2016. Ao invés de terem a coragem de adotar o novo-desenvolvimentismo – única alternativa ainda não testada entre o neoliberalismo de Temer e Bolsonaro e o social desenvolvimentismo fracassado dos governos de Dilma Rouseff – o PT, única alternativa real de derrotar o fascismo nas eleições de 2022, pretende cometer os mesmos velhos erros do passado. Se assim ocorrer, estaremos adiando por quatro anos o retorno triunfal do fascismo, talvez com outras roupagens.
Levantamento feito pela agência de classificação de risco Austin Rating desmonta falácia do governo de Jair Bolsonaro, de que o caos econômico no Brasil é consequência da pandemia e da guerra na Ucrânia
“É uma total inoperância da política macroeconômica do governo Bolsonaro que está levando a esse resultado catastrófico”, destaca economista da UnB
São Paulo – Governados pela direita e com forte inspiração militar e conservadora, o Brasil e a Turquia são os únicos países entre os 24 mais ricos com taxa de juros, desemprego e inflação acima de 10%, ao mesmo tempo. O Brasil tem hoje a quarta maior taxa de juros entre os países mais ricos, com 12,75% ao ano. Atrás apenas de Argentina, Rússia e Turquia. Também tem a quarta maior inflação, com 11,3% no acumulado em 12 meses. Sendo que a prévia do mês de abril já indica que a taxa deve ultrapassar os 12% ao ano.
O país tem ainda a terceira maior taxa de desemprego, com 11,1%, atrás apenas de África do Sul e Espanha. A situação, revelada pela agência de classificação de risco Austin Rating, mostra que, sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL) e de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, o Brasil está em situação bem pior do que ambos tentam fazer crer. E que o argumento deles de que o país sofre com as consequências da pandemia e da guerra entre Rússia e Ucrânia é uma falácia. Pois todos os outros países do ranking enfrentam a mesma situação.
Mestre em Economia e diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento, David Decacche considera que a situação do Brasil é drástica, principalmente para os mais pobres. De acordo com o especialista, isso “não é obra do acaso, mas uma escolha do governo Bolsonaro para beneficiar os mais ricos em detrimento da maioria da população”. Ele afirma, por exemplo, que o aumento de preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, é uma decisão política dessa gestão por meio da política de preços da Petrobras.
Crise é projeto
A medida, explica, favorece os acionistas da empresa e os importadores de combustível, que têm obtido lucros recordes nos últimos meses. Só que ela também favorece o aumento da inflação, que serve como desculpa para o Banco Central aumentar as taxas de juros. O que também beneficia os mais ricos, que têm dinheiro para investir em títulos públicos, que são remunerados com base nesses juros. “Isso tudo faz parte de um grande planejamento econômico, a destruição da maioria do povo é a forma de enriquecer os mais ricos”, critica.
Além disso, Decacche avalia que o governo Bolsonaro poderia estar obtendo ganhos com a atual situação de busca internacional por alimentos e petróleo. Isso porque o país possui uma característica que quase nenhum outro tem: ampla produção de alimentos e grandes reservas de petróleo.
“A Petrobras, como ela produz a maior parte dos combustíveis usados internamente, mais de 70%, ela poderia atenuar o repasse da elevação do preço do petróleo para o consumidor final. Só que isso implicaria redução dos lucros (dos acionistas) que foram estratosféricos. Em 2021, eles distribuíram mais de R$ 100 bilhões para os acionistas, isso significa três vezes o programa Bolsa Família com 120 mil pessoas. Então há elementos para mitigar esses impactos. Como grandes produtores de alimentos, nós poderíamos formatar estoques reguladores de alimentos que foram desmontados a partir do governo Temer para mitigar a pressão na cesta básica que impacta direto na vida da população. Mas o governo, ao invés de mitigar a crise, ela a aprofundou brutalmente para favorecer os super-ricos”, observa o economista.
Carro com freio
O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, também avalia que a principal responsabilidade pela situação econômica do Brasil é a péssima gestão de Bolsonaro e Guedes. Ele destaca que governos do mundo todo estão agindo com amplos pacotes de investimento público, enquanto o governo Bolsonaro se nega a fazer o mesmo. E, em paralelo, aumenta a taxa de juros a níveis que travam a economia, levando o país a ter hoje a menor projeção de crescimento de toda a América Latina.
“É uma política macroeconômica adotada desde o início desse governo, que em parte vem desde o governo Temer, mas é uma continuidade piorada, e que não consegue gerar crescimento. Era para o Brasil estar crescendo, no mínimo, 2,5% a 3% em 2022. Mas vamos crescer menos 1%, provavelmente 0,5% a 0,6%. Com isso o desemprego não tem como baixar. E com a economia crescendo pouco, os empresários investem pouco, e com baixo investimento, não tem como a produtividade aumentar e reduzir a inflação pelo lado da oferta. É uma total inoperância da política macroeconômica do governo Bolsonaro que está levando a esse resultado catastrófico”, destaca o professor.
Oreiro compara a situação do Brasil sob o governo Bolsonaro a de um carro preso na enchente. Em vez de agir para sair do alagamento, o motorista pisa no freio. “Aí a economia não se move do lugar e você fica com o pior dos dois mundos. Com a inflação subindo, que é o alagamento, e com o carro parado que é a falta de crescimento que gera desemprego elevado”, completa. A situação brasileira é tão crítica que as projeções econômicas têm piorado mês a mês. A Austin Rating indica que o país deve encerrar o ano com desemprego, juros e inflação ainda acima dos 10%. O mercado financeiro já estima que o crescimento do PIB brasileiro deve ser de apenas 0,7%, bem abaixo da média
Essa fábula se baseia no Principio da Contra Indução de Simonsen: Não importa se um experimento baseado na “teoria certa” fracassa. Deve-se repetir esse experimento o numero de vezes necessário para que ele funcione. No longo-prazo vai funcionar. Basta ter fé.
Banco Central: a inflação está subindo, precisamos aumentar os juros
Mundo real: os juros subiram de 2% a.a para mais de 10% a.a; mas a inflação continua acelerando
Banco Central: Então é porque ainda não esta alta o suficiente. Vamos aumentar mais
Mundo real: a inflação acumulada em 12 meses esta em dois dígitos e crescendo na margem
Banco Central: Isso está ocorrendo porque o ritmo de aumento foi insuficiente. Temos que pisar no acelerador e aumentar o ritmo de elevação dos juros.
A menos de seis meses das eleições gerais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) praticamente descartou a possibilidade de aprovação, ainda neste ano, das reformas de interesse do governo, como a tributária e a administrativa. Para enfrentar a crise econômica e a alta da inflação, o Palácio do Planalto quer que a equipe do ministro Paulo Guedes amplie a adoção de medidas que não dependam de aprovação do Congresso nem provoquem impacto fiscal.
“Dificilmente, o Parlamento vai avançar em qualquer projeto importante este ano”, disse Bolsonaro, em entrevista a uma rádio de Belém. “O Parlamento, no meu entender, não adianta forçar a barra, você não vai conseguir levar adiante uma proposta como essa”, acrescentou, em alusão à reforma administrativa.
Bolsonaro também afirmou que o Brasil ainda enfrentará “inflação pela frente”, principalmente em relação aos produtos alimentícios. Segundo o chefe do Executivo, a ocorrência é reflexo da pandemia e da guerra no Leste Europeu.
Na lista de medidas em estudo estão novas reduções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a correção da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, além da abertura de linhas de crédito com juros baixos para atender setores mais impactados pela crise econômica. “A Casa Civil, a AGU (Advocacia-Geral da União) e o Ministério da Economia estão vendo as medidas que não têm impacto fiscal ou complicações jurídicas. Todo dia, o presidente anuncia alguma medida”, disse ao Correio um assessor do Palácio do Planalto.
A fonte lembrou que a arrecadação aumentou, o que abre para o governo uma folga “relevante” no Orçamento da União para sustentar essas medidas de enfrentamento da crise. E que essas providências ajudam a despertar nas pessoas a sensação de que “a situação está melhorando, mesmo que não da forma ideal ainda”.
Na seara dos combustíveis, Bolsonaro voltou a falar sobre a demissão do general Joaquim Silva e Luna do comando da Petrobras. Segundo o chefe do Executivo, a troca na estatal ocorreu porque era necessário ter alguém “mais profissional”. Na semana passada, ele indicou para o posto o ex-secretário do Ministério de Minas e Energia José Mauro Coelho, após Adriano Pires ter declinado do convite.
Inócuo
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro observou que a inflação tem um aspecto internacional, mas que o governo “não está fazendo nada para resolver o problema”. “Muito pelo contrário, está adotando um instrumento da taxa de juros, que é inócuo, contra a inflação. O que o governo deveria ter feito e poderia ter reduzido a inflação de alimentos é ter introduzido imposto sobre exportação de alimentos para redirecionar a oferta do mercado interno e, com isso, reduzir a elevação dos preços dos alimentos”, ressaltou. “Outra coisa que ele poderia ter feito seria impedir Guedes de ter acabado com os estoques reguladores da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Se tivesse estoques reguladores de alimentos, poderia ter reduzido a inflação de alimentos.”
De acordo com o economista, “o governo tem culpa em parte da inflação elevada, seja porque não adotou medidas corretas para redirecionar ofertas de alimentos para o mercado interno, seja porque a Petrobras acompanha a paridade internacional, o que importa inflação para o Brasil”.
Ele destacou que as perspectivas de crescimento da economia este ano são de, no máximo, 0,5%, um terço do ritmo de crescimento da economia entre 2017 e 2019, representando estagnação econômica e a alta do desemprego.
“A trajetória de queda do desemprego em 2021 vai ser revertida ao longo de 2022 e vai se fazer com mais força justamente nos meses anteriores da eleição — agosto e setembro —, em que estaremos com inflação alta e desemprego ascendente, o que é mortal para quem quer se reeleger”, frisou. “A economia joga contra Bolsonaro. Não é por outro motivo que tenta desviar a atenção para a pauta de costumes.”
André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria, comentou que a economia é o tema da eleição. “Em 2018, tivemos um ponto fora da curva, do combate à corrupção. Agora, mudou o mote. As pesquisas mostram que mais de 50% da preocupação dos brasileiros é com o desemprego, inflação e juros”, afirmou. “Bolsonaro não pode terceirizar o problema e vai ser cobrado. Ele vai tentar fazer ‘gambiarras’ para buscar arrumar a casa, mas é complicada a situação.”
Embora em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) – que é a soma do valor de todos os bens e serviços produzidos – tenha apresentado alta acima do que esperavam os analistas de mercado, a expansão não foi suficiente para trazer ânimo com relação à economia do país em 2022. “O crescimento se concentrou mais no 1º trimestre de 2021 e todos os dados mostram que ele foi desacelerando ao longo do ano. E os dados que já foram divulgados do PIB do primeiro trimestre de 2022 mostram que a economia brasileira continua sem tração”, afirmou o professor de Economia da UnB José Luís Oreiro ao Portal Vermelho.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia brasileira cresceu 4,6% em 2021, representando uma recuperação com relação a 2020, quando sofreu retração de 3,9%. No quarto trimestre do ano passado, houve expansão de 0,5%, após o PIB ter encolhido 0,3% e 0,1% nos trimestres anteriores.
Contudo, Oreiro ressalta que a análise histórica da economia brasileira evidencia que ela estacionou na crise, conforme gráfico que demonstra o comportamento do PIB brasileiro desde 2005 (cujo primeiro trimestre é considerado base 100) e no qual a linha vermelha mostra a evolução do indicador.
“O que observamos? Que mesmo depois do crescimento de 4,6% do PIB no ano de 2021, ele continua abaixo do nível de 2013. Isso significa que a economia brasileira está há 9 anos estagnada”, explica o professor.
Segundo ele, a linha azul projeta qual teria sido o comportamento da economia brasileira se ela crescesse a 1/3 da tendência da economia no período 2005/2013: o PIB seria cerca de 10% maior do que ele é hoje.
“E se tivéssemos seguido a tendência de 2005 até 2013, o PIB seria 30% maior do que é hoje. Isso mostra a crise em que a economia brasileira está mergulhada desde 2013. Então não tem nada demais neste cenário do PIB de 2022”, conclui.
Especialistas reconhecem que o quadro fiscal piorou significativamente após a aprovação da PEC dos Precatórios no ano passado, e, com isso, avisam que o debate eleitoral deverá incluir uma discussão sobre uma nova âncora fiscal diante do abandono das atuais.
O problema é achar uma regra ideal para, depois, não ser cumprida como ocorreu com o teto de gastos, pois, quando ele iria mostrar alguma eficiência, foi modificado. Diante da escalada da inflação, que ajudou a melhorar o quadro da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), analistas afirmam que o discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o compromisso fiscal está mantido, convence muito pouco.
O calote parcial das dívidas judiciais, para criar espaço fiscal para as polêmicas emendas parlamentares de destino duvidoso, o chamado orçamento secreto, não é bem-visto pelos analistas mais sérios e que têm preocupação com o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Eles alertam para a trajetória da dívida pública em ascensão devido às medidas desesperadas do presidente Jair Bolsonaro (PL) para conseguir pavimentar o caminho da reeleição, agradando o Centrão, que sequestrou o Orçamento e agora, um dos caciques, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que passou a ter mais poder do que Paulo Guedes na gestão dos recursos.
“Acabou a âncora fiscal e, sem dúvida, a PEC dos Precatórios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que dá voto. O Auxílio Brasil é meritório, independentemente se dá voto ou não. O que não é positivo é o fato de o governo não cortar nem mesmo os gastos supérfluos”
Simão Davi Silber, economista, professor da Universidade de São Paulo (USP)
O decreto presidencial do último dia 13, que dá a Nogueira a palavra final em vez de Guedes na matéria orçamentária em um cenário sem qualquer medida responsável para frear os gastos públicos daqui para frente, foi a cereja do bolo da deterioração das contas públicas.
O teto de gastos era considerado uma âncora fiscal ruim para muitos analistas, mas, mesmo os críticos lamentam o fato do atual governo antecipar a mudança do indexador, que estava prevista apenas para 2026, para ampliar os espaços de gastos em ano eleitoral.
“Acabou a âncora fiscal e, sem dúvida, a PEC dos Precatórios foi a maior barbeiragem que o governo fez. Em ano eleitoral, vamos ver um governo gastador naquilo que dá voto. O Auxílio Brasil é meritório, independentemente se dá voto ou não. O que não é positivo é o fato de o governo não cortar nem mesmo os gastos supérfluos. Não é preciso, por exemplo, o presidente ficar andando de jetski com a família e os séquitos. Isso poderia ser evitado. Assim, como os aumentos de salários de policiais, que estão desencadeando greves e reivindicações de outras categorias”, destaca o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP).
(foto: Arte/Paulinho Miranda)
Meta de superávit
Desde 2014, quando passou a registrar deficit primário, o Brasil deixou de lado a principal âncora fiscal em vigor, a meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública). Os rombos consecutivos colocaram contra a parede outra âncora de quem poucos se lembravam que existia na Constituição: a emenda da regra de ouro, que proíbe o governo de emitir títulos da dívida pública para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias.
O teto de gastos, aprovado em 2016, segundo alguns analistas “sem paredes”, acabou ajudando a preservar a confiança do mercado de que havia algum compromisso para evitar a explosão dos gastos públicos e, até mesmo, na redução dos juros básicos para o piso histórico de 2% ao ano em 2020.
A pandemia não ajudou em 2020 e fez os gastos públicos explodirem em todo o mundo, mas, agora, quem assumir o governo em 2023 terá que arrumar o estrago deixado por Bolsonaro provocado pela PEC dos Precatórios e pela farra das emendas do relator. E a herança maldita nas contas públicas, lembram analistas, deverá ser pior do que a deixada pelo governo Dilma Rousseff (PT), diga-se de passagem, pois a dívida pública bruta estava em 65,5% do PIB, em 2015.
Em 2020, chegou a 88,8% do PIB, e as estimativas são de disparada da dívida pública se não houver âncoras fiscais capazes de segurar o endividamento em bola de neve que pode ocorrer com as pedaladas de precatórios e do aumento de gastos com viés populista e sem a preocupação de impacto na atividade.
“Por enquanto, nenhum pré-candidato tem um plano econômico consolidado e deve lançar versões para a plateia. Falar de ajuste fiscal não garante voto e não vai adiantar a mesma ladainha de que é preciso fazer reforma e privatizar para fazer ajuste fiscal. É preciso crescimento do PIB e isso só acontece se houver investimento público. E, para isso, é importante olhar e ver o que os outros países estão fazendo, inclusive, os governos de centro, como a França, a Alemanha e a Espanha, e olhar para os livros de história e ver como os países europeus saíram da Segunda Guerra Mundial. Os governos estão aumentando o investimento e o Brasil parece estar em um mundo paralelo”, explica Oreiro.
“Para o Brasil crescer, será preciso retomar o investimento público. Mas isso não vai acontecer se o Congresso sequestrar o Orçamento e o dinheiro que poderia ir para isso for para emendas parlamentares”, alerta. Para ele, o governo Bolsonaro conseguiu “legalizar a corrupção”, com a criação das emendas do relator, que não revelam quem são os verdadeiros beneficiados. O especialista em contas públicas e consultor do Senado Federal Leonardo Ribeiro, reconhece que o teto de gastos “perdeu efetividade”.
“Eu não diria que a regra acabou, mas discutir uma nova regra fiscal em um momento de eleição não é bom porque é impopular e acaba influenciando essa discussão. Vejo muitas incertezas no campo institucional que decorrem das eleições”, analisa.
Ele reconhece que o momento de se fazer um ajuste fiscal é no início de um mandato, porque o capital político é favorável nesse sentido. “Os governos sempre começam com uma consolidação fiscal e, no último ano, acabam flexibilizando um pouco”, frisa. Na avaliação de Ribeiro, além das incertezas no campo institucional, há os riscos do cenário externo.
“A inflação global, chegando a 7% nos Estados Unidos, traz consequências para o mundo inteiro e vejo a pandemia, com essa nova variante Ômicron, podendo influenciar mais o fiscal, e, provavelmente, vamos ver a possibilidade de entrar no radar novos créditos extraordinários no combate à pandemia, e a discussão dessa nova regra fiscal em um contexto pandêmico, que é adicional, é preocupante”, alerta.
Exemplo alemão
Um modelo de âncora fiscal que o Brasil poderia adotar é o da Alemanha, estabelecido depois da crise de 2008, de acordo com Oreiro, da UnB. A regra é bastante sofisticada, com limites para a dívida pública e que envolve uma avaliação do resultado fiscal estrutural, destaca o economista Leonardo Ribeiro.
“Estamos falando de uma regra que dá atenção para os ciclos econômicos e para como o PIB performa em relação ao PIB potencial”, explica o consultor do Senado. Isso precisaria ser melhor compreendido para depois ser adaptado no Brasil.
“Essa regra está sendo discutida. Aliás, a Europa está rediscutindo as âncoras fiscais e precisamos ficar atentos a essa discussão também”, aconselha. Ribeiro lembra que, em 2015, o projeto de lei que tratava do limite para a dívida pública proposto pelo senador José Serra (PSDB-SP), poderia ser um bom “ponto de partida” nessa discussão, a fim de resgatar a ideia original da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“O sucesso de uma nova âncora vai depender de como a regra será desenhada, porque é preciso colocar no papel a sinalização que envolva a segurança jurídica e uma compreensão do que é a regra. O pessoal fala que a LRF não é cumprida, mas a vejo como um parâmetro que norteia toda essa discussão da questão fiscal. Alguns dispositivos merecem atenção e uma regulamentação infralegal, porque são complexos. Mas eu vejo a LRF como a verdadeira âncora fiscal do país”, complementa Ribeiro.
O especialista em contas públicas José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e um dos autores da LRF, não acha que o Brasil precisaria copiar o modelo de outros países, “embora sempre deva avaliar lições, para melhorar o próprio modelo”. “O Brasil era tido como um modelo de regras fiscais, reconhecido por especialistas e por organismos internacionais, inclusive recomendado para outras federações e para economias emergentes”, explica.
Afonso lamenta o fato de que, no Brasil, as leis e as regras não são cumpridas e acredita que, se mudar o modelo, por si só, não há garantia de que ele será respeitado. “Em um país em que autoridades máximas parecem não ver problemas que algumas crianças possam morrer apesar de se saber que elas poderiam ser vacinadas e como tal protegidas, porque esperar que as mesmas autoridades cumpririam regras fiscais? Quem não respeita a vida, porque respeitaria o modelo fiscal?”, questiona.
Equilíbrio ajuda a atrair investimento
Um país que consegue equilibrar as contas públicas é considerado um bom lugar para os investidores estrangeiros. Não à toa, desde que começou a registrar deficit primário nas contas públicas, em 2014, o Brasil perdeu o grau de investimento – selo de bom pagador e os títulos públicos hoje são classificados como “lixo” no mercado externo desde 2015.
De acordo com a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), a mudança das regras fiscais às vésperas de um ano eleitoral foi muito ruim para a imagem do país e do governo para os investidores.
Ela reforça que isso vai prejudicar a confiança do setor produtivo, limitando o investimento privado neste ano, diante da mudança de mais uma regra quando ela se torna impeditiva para os objetivos políticos. “Toda vez que o sapato aperta, o governo troca o sapato. A questão fiscal é importante. E o ambiente macroeconômico não está favorável para gerar condições para um crescimento mais robusto e isso afeta o investimento, porque há muita instabilidade e não há previsibilidade, especialmente, em ano eleitoral”, destaca.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, também faz um alerta para o desequilíbrio fiscal que está em curso.
“O quadro fiscal é desafiador. Com as mudanças profundas nas regras do jogo, a partir das emendas 113 e 114, derivadas da PEC dos precatórios, o próximo governo terá de harmonizar as diferentes legislações e normas na área de contas públicas e fixar objetivos claros. Não é uma missão impossível, mas requererá bom diagnóstico e planejamento”, afirma.
Conforme dados levantados pelo economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, as emendas parlamentares tiveram um crescimento espantoso nos últimos anos, passando de R$ 7,3 bilhões, em 2016, das quais R$ 3,6 bilhões foram efetivamente pagos, para R$ 31,7 bilhões, em 2021, dos quais R$ 24,9 bilhões foram efetivamente pagos. As emendas do relator passaram a existir no Orçamento de 2020, passando de R$ 19,7 bilhões, naquele ano, para R$ 15,2 bilhões, em 2021. Para este ano, a previsão é de R$ 16,5 bilhões, que somados aos R$ 21,3 bilhões previstos na peça orçamentária aprovada pelo Congresso, apenas as emendas parlamentares somam R$ 37,8 bilhões. “Essas emendas do relator não existiam até 2019 e, agora, elas consomem um grande percentual dos recursos do Orçamento e não sabemos com transparência para onde esse dinheiro é destinado e se ele vai contribuir para a retomada da atividade econômica”, alerta Castello Branco.
Problema estrutural
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), não poupa críticas às emendas do relator roubando espaço dos investimentos e destaca que existe um problema estrutural grave que limita o crescimento do país. E esse problema, segundo ele, já existia mesmo antes da pandemia da COVID-19, o país não tinha se recuperado da recessão de 2015 e 2016 e vinha crescendo por volta de 1% e deve voltar a esse ritmo.
Foto: José Luis Oreiro. Professor do Departamento de Economia da UnB.
“Há restrições externas para o crescimento. O deficit em conta-corrente estava em 3% do PIB mesmo com o país crescendo pouco. O aumento com a alta dos preços de commodities, que ajudaram nas exportações em 2021, o saldo negativo foi reduzido, mas o superávit não veio na conta corrente do setor externo. E, agora, se o país crescer 2%, o déficit vai para 4% ou mais, que é padrão para uma crise no balanço de pagamentos”, alerta Oreiro.
Foto: Saque de Roma pelo Bárbaro Alarico em 410 d.c.
Tem quem deseje para o novo ciclo mais dinheiro, saúde em dia, amores mil, força de espírito, realização de promessas e, até mesmo, empatia pelo próximo. Dá para acreditar, apesar de as expectativas e projeções não serem das mais positivas?
O ano de 2021, que se encerrou ontem, vai entrar para a memória de muitos como um período que não deixou saudades. Motivos há de sobra: a inflação voltou aos dois dígitos depois de cinco anos; a renda média dos brasileiros chegou ao menor nível da década, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; o desemprego, também segundo o IBGE, até caiu na medição de outubro, mas afeta aproximadamente 13 milhões de cidadãos; e, para piorar, a fome alcançou mais de 19 milhões de pessoas — sendo que 116 milhões de brasileiros vivem, atualmente, em situação de insegurança alimentar.
O ano de 2021, que se encerrou ontem, vai entrar para a memória de muitos como um período que não deixou saudades. Motivos há de sobra: a inflação voltou aos dois dígitos depois de cinco anos; a renda média dos brasileiros chegou ao menor nível da década, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; o desemprego, também segundo o IBGE, até caiu na medição de outubro, mas afeta aproximadamente 13 milhões de cidadãos; e, para piorar, a fome alcançou mais de 19 milhões de pessoas — sendo que 116 milhões de brasileiros vivem, atualmente, em situação de insegurança alimentar.
Além disso, a pandemia voltou a assustar com a cepa ômicron, que fez com que as capitais dos estados brasileiros cancelassem as festas de réveillon, assim como vários países — a Holanda, por exemplo, entrou em lockdown para a virada do ano. Mais: 2021 fechou com o governo federal mais uma vez negando as evidências de que vacinas salvam vidas e colocando dificuldades injustificáveis para a imunização de crianças entre 5 e 11 anos. Para piorar, as chuvas que devastaram várias cidades da Bahia ameaçam se estender, nas próximas horas, para estados vizinhos do Sudeste e do Centro-Oeste. Apesar disso, o presidente Jair Bolsonaro diverte-se em Santa Catarina com passeios de jet ski, jantares, visita à loja de um empresário que o apoia e manobras radicais ao volante de um carro no parque Beto Carrero.
Ufa!, são muitos fatos a reforçar a percepção negativa de 2021. OK, mas é preciso virar a página. E o que esperar deste ano que começa?
A pesquisa Global Advisor Predictions 2022, feita pelo Instituto Ipsos no Brasil e em outros 32 países, aponta que a chegada do novo ano traz esperanças para 82% dos entrevistados, que dizem crer que será melhor do que o anterior. A mesma proporção de participantes da sondagem afirma que pretende traçar resoluções e objetivos para 2022.
Fernanda Dias Medeiros, correspondente bancária de 29 anos, espera entrar no novo ano com mais esperança de ter uma jornada mais tranquila e com possibilidade de enxergar as coisas com otimismo. “Para 2022, a esperança é de um ano totalmente diferente, que seja bom em todos os aspectos da nossa vida: financeiro, amoroso, familiar e mental, principalmente”, diz, acreditando em um novo “recomeço”.
Também correspondente bancária, Amanda Rodrigues, de 20 anos, não tem tanto ressentimento assim de 2021 — “não foi ruim, foi de aprendizado”. “Espero que 2022 seja um ano muito próspero e que se possa conquistar tudo que não se conquistou no ano que passou”, acredita.
A expectativa, porém, não é positiva na visão de todos. Levantamento do Datafolha, realizado em dezembro, mostra que 20% da população acredita que a situação econômica deve piorar, e 35% acha que ficará como está.
Priscila Mariana Santos, estudante de pedagogia de 21 anos, mantém os pés no chão em relação a 2022. “É sobreviver, não? 2021 ficou marcado por epidemias, gripes e doenças. Acho que o que mais quero para 2022 é sobreviver mesmo. Espero que a gente consiga”, enfatiza.
Céu encoberto
Embora a visão de parte da população seja de otimismo e esperança, as previsões feitas por especialistas não indicam melhora significativa na situação do país, sobretudo no aspecto econômico. “De um modo geral, as estimativas para o crescimento econômico do Brasil, em 2022, são pífias. Esse otimismo da população, creio ser exagerado”, avalia o professor de Economia do Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Giácomo Balbinotto. “Temos piora na renda disponível em função da aceleração da inflação, elevação da taxa de juros, diminuição no poder de compra do consumidor e efeitos contracionistas na indústria de transformação, na formação bruta de capital e na construção civil”, enumera.
De acordo com Balbinotto, fatores que também não contribuem para esse otimismo são a elevada taxa de desemprego — em 12,1% —, além de baixo crescimento da massa salarial. A renda média do trabalhador brasileiro está, atualmente, no menor patamar dos últimos 10 anos, em R$ 2.449.
Na avaliação do economista, 2022 será “um período de grandes dificuldades” para a empregabilidade. Balbinotto aponta que os maiores desafios serão enfrentados por pessoas com menor nível de escolaridade e especialização e por jovens que estão em busca de espaço no mercado, algo para ele “preocupante”. “Outro ponto importante é que 2022 será de grandes incertezas por ser um ano eleitoral. A polarização que se espera entre as diversas propostas do governo cria um ambiente, para o empresariado e para o investimento, bem complicado. Há também restrições à contratação de funcionários públicos em período pré-eleitoral, o que deverá reduzir os empregos no setor público”, salienta.
A perspectiva coloca em xeque a esperança de Renata Souza, de 32 anos, que almeja mais vagas de trabalho em 2022. “Espero que melhore a qualidade de vida do brasiliense”, projeta. Melhorias no transporte público e nas condições de moradia também estão na lista de desejos da vendedora.
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), afirma que dois fatores foram fundamentais para a queda da renda média do brasileiro em 2021. “Primeiro, foi a aceleração da inflação, que começou o ano em torno de 4% e fechou acima de 10%. Isso corrói o poder de compra dos salários e leva à queda de renda”, explica.
O IBGE estima o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2021 em 10,42%, o maior desde 2015, que foi 10,71%. Oreiro aponta que a subida do preço dos itens básicos pressionaram a inflação: “É uma inflação de custos, principalmente devido à energia elétrica, aos combustíveis e aos alimentos. Por isso que, junto com o problema da estrutura de emprego, existe essa sensação de empobrecimento geral”, observa.
Outro motivo que contribuiu para diminuição no poder de compra do brasileiro, aponta o economista, foi a “mudança negativa na estrutura de emprego em 2021”. Oreiro diz que, embora o país tenha recuperado parte das vagas perdidas em 2020, esse avanço foi de má qualidade, em setores de baixa produtividade e que pagam salários modestos.
“Durante a pandemia, a gente percebeu que os segmentos que mais cresceram foram o informal e o autônomo, que têm baixa produtividade e pagam salário muito menor”, afirma.
Bolso cheio
Com todas as dificuldades atreladas à elevação das taxas de juros e da inflação, o salário fica mais escasso e ameaça complicar mais uma vez a vida dos brasileiros.
Para o analista de crédito Gustavo Dantas, 26 anos, dinheiro é prioridade no ano que se inicia “Acho que eu e a sociedade em geral precisamos de mais dinheiro em 2022. Ele não traz tudo, mas, sem dinheiro, não se faz nada. Com a inflação no nível que está, fica pior ainda”, lamenta.
Pesquisa do Datafolha mostra que 56% dos brasileiros apostam que sua situação financeira pessoal vai melhorar — maior índice desde abril, quando era de 56%. O otimismo é maior entre quem recebe até cinco salários mínimos. Segundo o levantamento, as finanças de 30% da parcela da população cuja faixa de renda está acima de 10 salários mínimos melhoraram em 2021.
Não é todo mundo que prioriza a questão financeira em 2022. É o caso de Jackson Pereira, açougueiro, 25 anos. Para ele, “dinheiro é bom e supre muitas necessidades, mas só isso não traz felicidade, alegria. O dinheiro compra a cama, mas não compra o sono”, filosofa. “Para 2022, quero dinheiro, felicidade, saúde e amigos. Hoje em dia, a gente precisa de tudo isso”, conclui.
Saúde x pandemia
Em dois anos de pandemia de covid-19, o país perdeu, até 30 de dezembro, aproximadamente 619 mil pessoas. As cenas de desespero nos hospitais ainda estão vivas na memória, assim como o corre-corre de parentes de pessoas infectadas com o novo coronavírus tentando encontrar balões de oxigênio na crise que assolou Manaus no começo de 2021. Os sepultamentos em massa, as milhares de covas abertas nos cemitérios, os velórios restritos a duas, três pessoas, as sequelas da doença — tudo isso faz muita gente querer apenas saúde para enfrentar a crise sanitária que não foi embora e, em alguns países, dá sinais de novo recrudescimento.
“Sem saúde a gente não tem nada”, ensina o militar Caio Alexandre Alves, 22 anos. Tainice Camelo, 21, concorda. Para a vendedora de trufas na Rodoviária do Plano Piloto, trabalho que encontrou para pagar a escola do filho pequeno, “se tiver mais saúde, vai ter mais dinheiro, vai ter mais emprego, vai ser melhor”. E ela amplia a lista de pedidos: “mais educação e mais dinheiro no bolso”.
A comerciante Deliane Macedo, 22, tem um desejo mais simples: que em 2022 haja mais empatia. “Queria que as pessoas fossem mais empáticas em 2022, que tivessem mais consideração um com o outro.”
O Banco Central divulgou que o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), considerado sinalizador do Produto Interno Bruto (PIB), teve queda de 0,40% em outubro na comparação com setembro, segundo dado dessazonalizado. O dado foi informado ao mercado nesta quarta-feira (15) e confirma o quadro de “recessão” sentido no país.
Na comparação entre os meses de outubro de 2021 e de 2020, houve retração de 1,48% na série sem ajustes sazonais. Com isso, a série histórica registrou 137,78 pontos no décimo mês, o pior desempenho para o período desde 2017 (135,99 pontos).
E apesar das expectativas ruins, o resultado de outubro reforça a atividade fraca no quarto trimestre, após números decepcionantes divulgados recentemente sobre os setores de serviços, comércio e indústria para o mês.
Mais ainda, ressalta a crise econômica, uma vez que, no terceiro trimestre, a economia brasileira entrou em recessão técnica ao registrar retração pela segunda vez seguida. O PIB, divulgado pelo IBGE, registrou queda de 0,1% entre julho e setembro.
Conhecido como uma espécie de “prévia do BC para o PIB”, o IBC-Br serve mais precisamente como parâmetro para avaliar o ritmo da economia brasileira ao longo dos meses. De acordo com o professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, embora se trate de prévia do PIB, os dados do IBC-Br revelam a queda da economia brasileira.
Foto: Professor José Luis Oreiro
“A economia brasileira se encontra em recessão. O que os dados de hoje mostram é que teremos novas contrações do PIB em 2021, o que levaria a economia brasileira a uma recessão de verdade”. José Luis Oreiro
Nesse cenário, o mercado de trabalho está ainda mais ameaçado. “As implicações são graves para o mercado de trabalho em 2022. Para que haja alguma esperança de criação dos postos de trabalho, a economia precisa crescer.
Com isso, o mercado de trabalho e a segurança financeira dos brasileiros está ainda mais ameaçada. “As implicações são graves para o mercado de trabalho em 2022. Para que haja alguma esperança de criação de renda e emprego, a economia precisa crescer. Com a recessão, não apenas não iremos criar novos postos de trabalho como vamos ter aumento das demissões”, explica o professor.
Ainda de acordo com o professor, pelos dados do Banco Central, a continuidade do processo da elevação da taxa de juros impacta o poder de compra dos trabalhadores. “Mais ainda, também contração da massa salarial que vai impactar as empresas, que deverão optar por novas demissões. Tudo indica que o primeiro semestre de 2022 vai ser muito ruim, com o aumento do desemprego, da miséria e da fome”, analisa.
“Já faz algum tempo que a gente não consegue crescer”, acrescenta o professor William Baghdassarian professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec). “Atualmente, temos um agravante que é o poder Executivo, que traz incertezas para o mercado. Os investidores estão inseguros para realizar novos investimentos, desde os grandes até os pequenos”, finaliza.
Projeção
A projeção atual do Banco Central para a atividade doméstica em 2021 é de crescimento de 4,7%, segundo o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de setembro. O próximo RTI será divulgado nesta quinta-feira (16). Até outubro, o IBC-Br acumulou alta de 4,99% em 2021 até outubro, informou a autoridade monetária.
Na comparação entre os meses de outubro de 2021 e de 2020, houve retração de 1,48% na série sem ajustes sazonais. Com isso, a série histórica registrou 137,78 pontos no décimo mês, o pior desempenho para o período desde 2017 (135,99 pontos).
E apesar das expectativas ruins, o resultado de outubro reforça a atividade fraca no quarto trimestre, após números decepcionantes divulgados recentemente sobre os setores de serviços, comércio e indústria para o mês.
Mais ainda, ressalta a crise econômica, uma vez que, no terceiro trimestre, a economia brasileira entrou em recessão técnica ao registrar retração pela segunda vez seguida. O PIB, divulgado pelo IBGE, registrou queda de 0,1% entre julho e setembro.
Conhecido como uma espécie de “prévia do BC para o PIB”, o IBC-Br serve mais precisamente como parâmetro para avaliar o ritmo da economia brasileira ao longo dos meses.
A projeção atual do Banco Central para a atividade doméstica em 2021 é de crescimento de 4,7%, segundo o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de setembro. O próximo RTI será divulgado nesta quinta-feira (16). Até outubro, o IBC-Br acumulou alta de 4,99% em 2021 até outubro, informou a autoridade monetária.
No primeiro semestre de 2021, face a aceleração da inflação, não foram poucos os economistas “heterodoxos” que defenderam uma elevação da taxa de juros Selic, que se encontrava em 2% a.a em termos nominais até fevereiro de 2021. Os argumentos propostos foram de que (i) A selic muito baixa (com respeito a algum valor de referência, quem sabe a taxa natural de juros) estava produzindo um aumento da inclinação da estrutura a termo da taxa de juros, pois o mercado financeiro acreditava que o BCB teria que aumentar a selic no futuro próximo, o que aumentava a taxa de juros de longo-prazo; (ii) A redução da taxa selic ocorrida ao longo do ano de 2020 produziu uma forte depreciação da taxa de câmbio R$/US$, resultando numa aceleração da inflação a partir do último trimestre de 2020, com impacto fortemente negativo sobre o rendimento real da população, especialmente os mais pobres. Nesse contexto, uma normalização da política monetária (leia-se aumento da selic) produziria automaticamente (a) uma redução da taxa de juros de longo-prazo e (ii) uma apreciação da taxa de câmbio com a correspondente redução das pressões inflacionárias.
Na reunião de ontem do COPOM, a taxa Selic foi aumentada em 150 b.p para 7,75% a.a. Desde março do corrente ano a taxa selic já aumentou em 575 b.p. Isso deveria ter produzido, com base no raciocínio exposto acima, uma forte valorização da taxa de câmbio, bem como uma redução da taxa de juros de longo-prazo. Infelizmente, “sua majestade” o fato mostrou que o resultado esperado pelos “neo-rentistas” não foi realizado.
A figura acima, extraída do portal da Blomberg, mostra que no período compreendido entre 21/09/2021 e 28/10/2021, o Real foi a segunda moeda que mais se desvalorizou no mundo, atrás apenas da Lira turca. Desde o dia 22 de setembro de 2021 o Banco Central do Brasil aumentou a selic em 250 p.b, ao passo que o Banco Central da Turquia, surpreendendo os mercados financeiros, reduziu a taxa básica de juros em 300 p.b. Enquanto na Turquia, o comportamento da taxa de câmbio seguiu o esperado pela teoria macroeconômica convencional, no Brasil o efeito foi oposto: o aumento da taxa de juros levou a uma depreciação da taxa nominal de câmbio, o que deverá aumentar, ao invés de reduzir, as pressões inflacionárias nos próximos meses.
Esse aparente paradoxo é explicado pelo que denominei de “custo Bolsonaro”: a combinação entre política ambiental desastrosa, conflitos diplomáticos frequentes com nosso principal parceiro comercial e a incerteza política causada pelos frequentes ataques do Presidente da República às instituições democráticas do país fazem com que o investidor externo fuja do país como o diabo foge da Cruz. Nesse contexto de aumento da aversão dos investidores internacionais a aplicações denominadas em Reais, o aumento da taxa de juros pode ser contraproducente ao sinalizar para os mesmos que as aplicações no Brasil são, de fato, muito arriscadas pois o Banco Central do Brasil é uma das poucas autoridades monetárias do mundo que está aumentando de forma significativa a taxa de juros básica para enfrentar um choque de oferta de caráter temporário que está ocorrendo no mundo inteiro. Com efeito, o BCE, o FED e o BOE tem mantido inalteradas suas respectivas taxas de juros num contexto de aceleração da inflação ao longo do ano de 2021. O BCB, contudo, aplica uma política monetária que destoa não apenas do praticado pelos bancos centrais dos países desenvolvidos, como também dos bancos centrais de outros países emergentes como é o caso da Turquia.
Em resumo, no Brasil tem algo errado – elevar a taxa de juros num contexto que a economia opera com enorme ociosidade dos fatores de produção – que não está dando certo, ou seja, não está produzindo os resultados esperados em termos de apreciação da taxa de câmbio e queda da taxa de juros de longo-prazo. A solução consiste em fazer o impeachment do Presidente da República e então reduzir os juros para um patamar compatível com o grau de ociosidade dos fatores de produção.
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)