“A economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar”, destacou o economista José Luis Oreiro
A economia brasileira variou 1% no primeiro trimestre de 2022, na comparação com quarto trimestre de 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nesta quinta-feira (2). Em valores correntes, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a R$ 2,249 trilhões.
O resultado do PIB, que é a soma do conjunto de todas as riquezas produzidas por um país, foi puxado pelo setor de Serviço (1,0%), que ganhou algum fôlego com o fim das restrições impostas no combate à Covid-19. Com a inflação generalizada dos preços e os juros altos acima dos dois dígitos, o desempenho do primeiro trimestre não deve se repetir ao longo do ano. É o que aponta o economista e professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, em entrevista ao HP.
HORA DO POVO: Qual a sua avaliação sobre o resultado do PIB no primeiro trimestre de 2022?
JOSÉ LUISOREIRO: “Esse resultado do PIB de alta de 1% em relação ao quarto trimestre de 2021 foi basicamente devido ao setor de serviço. A indústria cresceu 0,1% e o agronegócio caiu (-0,9%). A questão mais relevante, no meu ponto de vista, não é o número em si do primeiro trimestre, mas se esse resultado se sustenta ao longo do ano. Para a gente poder analisar isso, temos que entender por que houve crescimento de 1% no primeiro trimestre, apesar dos juros altos, apesar da inflação e etc. Bom, o que houve foi uma demanda reprimida, já por dois anos de pandemia, por serviços.
Com a redução do número de casos de morte por causa da Covid-19 – devido ao avanço formidável da vacinação – houve uma espécie, assim, de frenesi de consumo reprimido por serviços e isto levou a esse número de 1%, que anualizado daria 4%.
HP: Com a inflação e os juros em patamares elevados é possível que a atividade econômica se sustente em alta nos próximos trimestres?
OREIRO: Esse ritmo não vai se sustentar, primeiro, porque essa demanda reprimida meio que já foi atendida. Então ela não vai continuar ocorrendo nos próximos trimestres. Você tem a elevação da inflação. A inflação no acumulado dos últimos doze meses continua crescendo, corroendo o poder de compra dos salários e, portanto, vai afetar o consumo das famílias. Nós temos também, que 8 em cada 10 famílias brasileiras têm dívidas a vencer no ano de 2022. Ou seja, o nível de endividamento está muito alto, o que também limita a perspectiva de aumento do consumo. Têm os efeitos defasados da elevação da taxa de juros, quer dizer, quando o Banco Central eleva a taxa de juros, o efeito sobre a demanda agregada leva de 6 a 9 meses para ocorrer. Então, agora em 2022 é que a gente vai começar a sentir os efeitos da elevação da Selic no 2º semestre de 2021. Portanto, os efeitos mais fortes e negativos da elevação da Selic vão se sentir no terceiro e quarto trimestre de 2022.
HP: A economia deve entrar em recessão em 2022?
OREIRO : Existem já alguns analistas que estão prevendo a possibilidade de crescimento negativo do PIB no terceiro e no quarto trimestre de 2022, caso isso se concretize, o país entrará numa recessão técnica no final de 2022. Isso não quer dizer que o crescimento do PIB em 2022 vai ser negativo, porque como já teve um crescimento alto no primeiro trimestre é provável que isso vai compensar o crescimento baixo ou negativo do terceiro ou do quarto trimestre de 2022. Mas, de qualquer forma, o consenso entre os analistas de mercado é que a economia brasileira deverá crescer abaixo de 1% em 2022.
HP: Mas o governo Bolsonaro vê o resultado do PIB do 1º tri como “robusto” e que consolida o processo de recuperação em “V”.
OREIRO: Esse número de 1% é ridiculamente baixo. Lembrando que a população brasileira cresce 0,8% ao ano, portanto o crescimento do PIB de 1% significa o crescimento da renda per capita de 0,2% ao ano. Se esse ritmo de crescimento for mantido ad infinitum vai levar 144 anos para a economia brasileira dobrar o seu PIB per capita. Ou seja, a economia brasileira está estagnada, portanto não há nenhuma razão para o governo comemorar. É mais uma comemoração feita por um governo medíocre que se contenta com resultados medíocres.
INVESTIMENTOS CAEM
Já como reflexo dos juros altos, a taxa de investimento caiu um ponto percentual na comparação anual, passando de 19,7% para 18,7%. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede os investimentos em máquinas, equipamentos e construção civil, recuou -3,5% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao quarto trimestre do ano passado, e caiu -7,2% frente ao primeiro trimestre de 2021.
Outros dados a serem observados no resultado do PIB do 1° trimestre é o Consumo das Famílias, que variou em alta de apenas 0,7%, e a despesa de Consumo do Governo (0,1%) que teve crescimento basicamente nulo.
A tragédia do Brasil é uma elite que não está interessada em construir uma nação rica e soberana, mas acumular capital pela sobre-exploração da força de trabalho conjugada com devastação ambiental
Por: José Luis Costa Oreiro (UnB/UPV/CNPq), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (IE-UFRJ, CNPq), Lauro Mattei (UFSC/NECAT), Fábio Guedes Gomes (UFAL), Maurício Weiss (UFRGS), Kalinka Martins da Silva (IFG/Campus Luziânia), AdalmirMarquetti (PUCRS) e Daniel Moura da Costa Teixeira (PPGECO/UnB)*
“Não é no que pensamos, mas no como pensamos, que reside nossa contribuição a teoria”.
Carl von Clausewitz
O crescimento mais expressivo da economia brasileira a partir de 2003 começou a ser interrompido com a emergência da crise financeira mundial de 2008-2009. A mudança no cenário internacional colocou limites na capacidade de a política econômica propiciar elevado nível de utilização da capacidade instalada, aumento dos salários e a manutenção da rentabilidade do capital.
Quando a crise internacional se tornou sistêmica a partir de 2008, ocorreram quedas do superávit comercial – notadamente na balança comercial de manufaturados, que se tornou deficitária – fato que colocou em debate, a forma de inserção do país no comércio internacional, bem como o tipo de bens e produtos que estavam sendo exportados. A partir de então, ganharam espaço diversos estudos sobre a estrutura de produção industrial do país neste novo cenário econômico mundial.
Nesse contexto, o tema da desindustrialização do país passou a ser debatido com maior ênfase, à luz do conteúdo tecnológico presente nos fluxos comerciais e seus possíveis efeitos sobre a estrutura produtiva. Já era visível, na época, que o padrão de inserção do País no comércio externo comprometeria, no longo prazo, a competitividade e o dinamismo industrial.
De um modo geral, observava-se a existência de uma “crise” no setor industrial, a qual estava se generalizando, sobretudo nos ramos tradicionais (setores menos intensivos em tecnologia), que vinham enfrentando dificuldades para competir, tanto no mercado interno como externo, devido ao baixo grau de incorporação de conteúdo tecnológico.
Esse fato conduzia a uma baixa competitividade da indústria de transformação e provocava perda de dinamismo do conjunto da economia, uma vez que a falta de ganhos de produtividade industrial impedia um crescimento do PIB a patamares mais elevados.
Para tornar a situação ainda mais complexa, a produtividade da mão de obra brasileira também contribuiu para a perda de competitividade industrial vis a vis seus principais concorrentes internacionais. O país ainda se encontra atrasado no enfrentamento dos elevados níveis de analfabetismo e na formação de mão de obra adequada aos novos horizontes do desenvolvimento tecnológico e inovação empresarial, especialmente naqueles ramos mais dinâmicos da indústria moderna, onde o uso de novas competências é fundamental como, por exemplo: inteligência artificial, big data, cyber segurança, robótica avançada, internet das coisas, biotecnologia etc.
Neste cenário, alertava-se que o país corria o risco de apresentar uma especialização produtiva primária assentada na produção de bens agropecuários e produtos extrativos minerais, concomitantemente com uma desestruturação do setor secundário, dada a baixa capacidade de desenvolvimento tecnológico do setor industrial, especialmente do ramo da indústria de transformação. Além disso, afirmava-se que a somatória desses dois fatores poderia ter impactos bastante negativos sobre o desenvolvimento econômico e social do conjunto da nação.
De fato, a regressão produtiva das últimas décadas pode ser analisada à luz da participação da indústria de transformação no PIB brasileiro. Segundo dados do Ipeadata, apresentados na Figura 1 abaixo, essa participação caiu de 17,35% do PIB, em 2005, para 11,33%, em 2021, ou seja, uma queda de 6 p.p do PIB num período de apenas 16 anos, apesar do crescimento da produção física da indústria de transformação no período 2003-2013.
Essas informações revelam que o Brasil está acometido por um grave processo de desindustrialização, o que tem contribuído para levar o país à estagnação econômica e ao retorno à condição de “colônia informal” dos países desenvolvidos e de “fazendão” que prevalecia até a Revolução de 1930, agora enquanto exportador de commodities agrícolas e de recursos minerais. Em outras palavras, a desindustrialização está associada à reprimarização da pauta de exportações.
A reprimarização da pauta de exportações brasileiras tem também um efeito que não é adequadamente levado em conta no debate público no Brasil, a saber: a pressão crescente sobre o meio ambiente e recursos naturais e o nível de devastação alarmante, como recentemente revelaram os dados publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe.
O agravamento do problema ambiental é o outro lado da moeda da reprimarização da pauta de exportações e da desindustrialização precoce da economia brasileira, haja vista que a produção e exportação de produtos primários é altamente rentável, mas intensiva na ocupação de terras; o que tem levado a fronteira agrícola do país para dentro dos limites da floresta amazônica, o que se traduz, muitas vezes, em desflorestamento e queimadas ilegais.
Um dos resultados mais evidentes do processo de regressão produtiva que o país está passando é a rápida e intensa reprimarização da pauta exportadora, associada ao forte aumento no coeficiente de insumos importados, independentemente do conteúdo tecnológico e valor agregado. Como pode ser visto no gráfico abaixo, a participação de produtos manufaturados no saldo da balança comercial se torna, a partir de 2008, fortemente negativa, ao mesmo tempo em que crescem os valores de bens básicos.
Essa profunda mudança estrutural negativa, a qual os economistas novo-desenvolvimentistas denominam de “regressão produtiva”, esteve associada a uma inequívoca redução do crescimento potencial da economia brasileira. Conforme podemos verificar na figura 3 abaixo, a média móvel de 10 anos da taxa de crescimento da economia brasileira, após alcançar um pico de 4,03%, em 2013, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, começou a apresentar um declínio acentuado, atingindo a ridícula marca de 0,36% no terceiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro.
Para os economistas liberais, esses dois fatos não são correlacionados: o problema da estagnação da economia brasileira dos últimos 10 anos se deve a uma alegada “nova matriz macroeconômica” – expressão infeliz criada pelo secretário de política econômica do primeiro governo Dilma Rousseff, Márcio Holland – que produziu um “excesso de intervenção do governo na economia” levando a uma má-alocação dos fatores de produção, o que seria a causa do baixo crescimento recente.
A hipótese de má-alocação de recursos é, contudo, uma teoria desprovida de evidência empírica ou uma evidência empírica desprovida de teoria, como foi explicado recentemente por um dos autores deste documento em artigo publicado no site do CORECON-DF.
Esse grupo de economistas liberais vem advogando, desde 2016, a adoção de uma agenda de reformas econômicas como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o teto de gastos, a qual supostamente devolveria o dinamismo da economia brasileira, fazendo com que o “PIB privado” liderasse o crescimento econômico ao invés do “PIB do governo” como fora realizado durante as administrações petistas. Os economistas liberais propõem alterar, de um lado, as políticas públicas com a redução dos gastos sociais e dos impostos, de outro, as regras do mercado de trabalho que possibilitariam diminuir a renumeração do trabalho e, assim, aumentar a renumeração do capital.
Todavia, o fracasso dessa agenda liberal pode ser observado à luz das reformas já realizadas. Em 2016 foi aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional de “Teto dos Gastos” (Emenda Constitucional 95), mecanismo que estabeleceu um teto fixo em termos reais para os gastos primários (excluindo-se do teto, portanto, os gastos com o pagamento de juros da dívida pública) do governo federal por um período de 20 anos.
Percebe-se, claramente, que logo após a aprovação dessa emenda constitucional do “Teto de Gastos” produziu-se, em âmbito nacional, uma redução significativa dos gastos federais nas áreas de saúde e educação. Porém, com o início da pandemia da Covid-19 em 2020, a vigência do “Teto de Gastos” foi temporariamente revogada por intermédio de uma nova emenda constitucional que estabelecia a suspenção das regras fiscais durante o estado de calamidade pública, vigente até 31/12/2020.
Por sua vez, em 2017 foi realizada a reforma trabalhista, ação defendida como sendo a solução redentora do problema do desemprego no Brasil, uma vez que bastaria fazê-la que imediatamente milhões de empregos seriam criados no país. Na verdade, o que se viu desde então foi uma taxa de desemprego duradoura e em patamares bastante elevados, a qual tem flutuado, desde então, em torno de 12% da força de trabalho.
Se a esse contingente foram acrescidos os trabalhadores que fazem bicos por não conseguirem uma jornada de trabalho integral e os trabalhadores desalentados (aqueles que procuram emprego, não encontram e acabam desistindo) chega-se a um montante de aproximadamente um terço da População Economicamente Atividade (PEA) do país. Isso significa dizer que a reforma trabalhista resultou numa brutal precarização do mercado de trabalho brasileiro, ou seja, um grande engodo para a classe trabalhadora e um alento temporário à recuperação das taxas de lucros.
Por fim, realizou-se a reforma da Previdência Social entre os anos de 2018-2019 levando ao desmonte do Sistema de Seguridade Social aprovado na Constituição de 1988[1]. Por meio do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (a chamada DRU) ampliou-se o percentual de desvinculação de 20% para 30%. Em termos monetários, apenas no ano de 2016 essa ampliação significou a retirada de R$ 126 bilhões da receita da Seguridade Social. Por outro lado, as desonerações fiscais implementadas ainda no primeiro governo Dilma afetaram negativamente a receita do sistema de Seguridade Social em, aproximadamente, R$ 90 bilhões ao ano.
Acrescente-se a isso os impactos negativos sobre a receita do Sistema de Seguridade Social derivados das dívidas crescentes, especialmente das grandes empresas, dos grandes bancos e dos times de futebol, cujo montante relativo ao ano de 2019, divulgado pelo sindicato nacional dos auditores fiscais do INSS, atingiu R$ 500 bilhões. A nosso ver, esses são elementos centrais que levaram ao colapso da saúde financeira do Sistema de Seguridade Social, por mais que se insista em discutir o problema apenas pela ótica do gasto, ou seja, do pagamento dos benefícios.
Passados seis anos da adoção do novo modelo de crescimento para a economia brasileira (2016-2021), os resultados foram decepcionantes, para dizer o mínimo. Enquanto a média de crescimento do PIB brasileiro foi de 2,64% a.a, entre 1980 e 2014, o crescimento médio no período 2017-2019 (período no qual a política econômica do Brasil foi conduzida totalmente pelos economistas liberais) foi de apenas 1,44% a.a, valor que corresponde a apenas 54,6% do crescimento do período 1980-2014. Os dados não permitem chegar a outra conclusão que não seja dizer em alto e bom som: o experimento liberal no Brasil foi um fracasso retumbante.
Quando confrontados com a realidade inescapável do seu fracasso, os economistas liberais reagem afirmando que o Brasil ainda não adotou todas as reformas necessárias para a retomada do crescimento econômico ou foram insuficientes aquelas levadas a cabo. Além das reformas já mencionadas anteriormente, voltaram a afirmar que ainda é necessário um choque de privatizações, com a venda do que restam das empresas estatais brasileiras, especialmente da Petrobras e do Sistema Eletrobras, os bancos do Brasil e Caixa Econômica, além da adoção de uma reforma administrativa que modernize o setor público brasileiro. Ou seja, sempre falta mais uma reforma liberal a ser implementada para a economia voltar a crescer.
O choque de “privatização” é uma má ideia já abandonada pelos países desenvolvidos. Conforme a figura 4 abaixo mostra, a onda de privatizações nos países desenvolvidos foi largamente revertida no período 2000-2017, ou seja, verificou-se um intenso movimento de reestatização devido às ineficiências manifestas das empresas privatizadas, as quais aumentaram os preços dos seus produtos ao mesmo tempo em que reduziram a qualidade dos respectivos serviços prestados.
A reforma administrativa prevista pela Proposta de Emenda Constitucional 32 (PEC 32), por seu turno, não tem por objetivo modernizar o serviço público no Brasil, mas tornar os servidores públicos em serviçais dos políticos de plantão; uma vez que a reforma cria novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir, fortemente, os cargos em que deve haver estabilidade. A reforma propõe, também, a criação dos cargos de liderança e assessoramento, algo na linha contrária a tudo o que foi feito no Brasil desde 1930, quando se passou a priorizar a estabilidade dos servidores públicos como forma de incrementar a profissionalização das atividades de Estado.
A PEC da reforma administrativa restringe o acesso transparente e meritocrático aos cargos públicos. Por fim, ela abre possibilidade para acumulação de cargos em carreiras menos prestigiadas, o que aumenta a possibilidade de interferências privadas e conflitos de interesses para esses cargos. Daqui se segue, portanto, que se a reforma administrativa for aprovada, o Estado Brasileiro irá retornar aos padrões prevalecentes na “República Velha”, um retrocesso de quase um século, uma reinserção ao Estado pré-moderno!
A agenda econômica liberal proposta pelo governo Temer e, ao menos na esfera da retórica, pelo governo Bolsonaro, nada mais é do que o retorno ao que o historiador econômico Erik Reinert (2016) denomina de “colonialismo”. Nas suas palavras,
“O Colonialismo é, antes de tudo, um sistema econômico, um tipo de integração econômica profunda entre os países. Não importa muito sob qual liderança política isso ocorre – independência nominal e “livre comércio” ou não. O importante é verificar que tipos de bens fluem em qual direção (…) as colônias são nações especializadas no “comércio ruim”, na exportação de matérias-primas e na importação de bens de alta tecnologia, seja industrial ou vindos de um setor de serviços que faz uso intensivo de conhecimento” (p. 190).
O ponto a ser ressaltado é que o Brasil dos últimos 20 a 30 anos adotou, inicialmente e de forma inconsciente, e depois de 2016 de forma deliberada, o modelo “colonialista”. A agenda de reformas não tem por objetivo emular as políticas econômicas que fizeram com que os países ricos se tornassem ricos, mas sim produzir uma espécie de “acumulação primitiva de capital” por intermédio do retorno do país às atividades primário-exportadoras, como já visto, e a redução dos salários e benefícios trabalhistas, elevando, assim, a “mais-valia absoluta” para utilizar o conceito criado por Karl Marx.
O projeto neoliberal de regressão produtiva tem por objetivo a recuperação da taxa de lucro do capital (ROE: Return Over Equity ou retorno sobre o capital próprio) na economia brasileira, o qual se reduziu de forma significativa no período 2010-2014, devido à elevação dos salários reais acima do crescimento da produtividade do trabalho, especialmente em função do sobreaquecimento do mercado de trabalho. Segundo dados de Rocca (2015), o ROE despencou a partir de 2012: 16,5% em 2010, 12,6% em 2011, 7,2% em 2012, 7,0% em 2013 e 4,3% em 2014.
Em suma, trata-se de um projeto para reverter o profit-squeeze por intermédio de uma sobre-exploração da força de trabalho, como forma de compensar a falta de esforço ou ousadia de inversão no longo prazo em uma estratégia moderna e competitiva de elevação da produtividade com inovação tecnológica e qualificação da mão de obra, conforme os padrões exigidos pelas tendências da economia do século XXI.
A partir da metade da segunda década do século XXI os problemas do mercado de trabalho ficaram mais evidentes, uma vez que tal período representa os piores índices de desemprego da história recente do país. Assim, nota-se que a taxa de desocupação passou de 7%, em 2014, para 13%, em 2017, percentual que representava mais de 13 milhões de pessoas. Tal situação pouco se alterou até o mês de fevereiro de 2020, quando essa taxa permanecia próxima ao redor de 12%. Com a emergência da pandemia da Covid-19, esse cenário se agravou ainda mais, uma vez que a taxa de desocupação atingiu 15% no segundo semestre de 2021.
Além do mercado de trabalho permanecer com elevadas taxas de desemprego ao longo dos últimos sete anos, outro fator determinante para a precarização das condições de trabalho é o reduzido grau de formalização das relações de trabalho. Ou seja, em 2014 o grau de formalização das ocupações no país era de 55%, percentual que caiu para 51% ao final de 2020. Em termos absolutos, isso significou que ao longo dos últimos seis anos foram perdidos cerca de 2,5 milhões de empregos com carteira de trabalho assinada.
Em suma, as condições do mercado de trabalho, que já eram péssimas após a crise econômica de 2015-2017, se agravaram ainda mais com a pandemia provocada pelo SARS-COV-2, especialmente nos empregos do ramo industrial. A perda de dinamismo desse setor provocou um deslocamento de um número expressivo de trabalhadores para setores de menor produtividade, especialmente do comércio e serviços, os quais atuam como válvula de escape diante da queda do emprego formal em setores tradicionais.
Todavia, com a paralisação de partes importantes das atividades, devido aos mecanismos de controle da pandemia, os problemas do mercado de trabalho do País se avolumaram ainda mais. Mesmo assim, o ideário econômico neoliberal continua apregoando a necessidade de um mercado “mais flexível”.
Nesse contexto, no aniversário de 200 anos da independência do Brasil temos pouco a comemorar. Com efeito, o modelo econômico adotado nas últimas três décadas abandonou o projeto “Varguista” de desenvolvimento econômico como instrumento para garantir a soberania e a independência de facto do Brasil. Os conselhos dados pelos economistas liberais não têm por objetivo tornar o Brasil uma nação rica e soberana; mas apenas reforçar os laços coloniais que o país voltou a ter a partir dos anos 1990 com as “reformas liberais” implementadas pelos governos Collor e FHC.
Desde 2016 as rédeas da política econômica no Brasil têm estado com os economistas liberais, os quais depois de um período de serviços prestados ao colonialismo, exercendo altos cargos na administração pública, são regiamente recompensados com postos de trabalho altamente remunerados no setor financeiro privado.
Ao fim e ao cabo, como o leitor deve ter percebido na frase que abre esse documento, Clausewitz estava certo: a maneira como pensamos é fundamental. A tragédia do Brasil é que nossa elite econômica e política não está interessada em defender a construção de uma nação rica e soberana, mas apenas em satisfazer seus desejos privados de acumulação de capital, por mecanismos primitivos de sobre-exploração da força de trabalho conjugados com a devastação ambiental, agora largamente promovida pelo governo Bolsonaro.
Infelizmente, muito pouco teremos a comemorar no dia 07 de setembro de 2022. Contudo, mantido o processo democrático, o Brasil continuará sendo o país do futuro.
* O artigo é resultado das discussões entre professores e pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior (públicas e privadas) e, em sua maioria, participantes do grupo de pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”, cadastrado no Diretório do Grupo de Pesquisas da UnB e sediado no Departamento de Economia da Universidade de Brasília.
Crédito da foto da página inicial: William West/AFP
[1] Importante observar que o orçamento do Sistema de Seguridade Social cobre as despesas e investimentos em saúde, assistência social e previdência social
Todos os meus leitores sabem que meu voto no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022 será para Luis Inácio Lula da Silva. Isso porque as eleições de 2022 serão uma disputa entre a barbárie – representada pelo cidadão que ocupa atualmente o palácio do planalto – e o atual maior líder político do Brasil desde Getúlio Dornelles Vargas. As pesquisas de opinião mostram recorrentemente que não existe espaço para uma alegada “terceira via”, incluindo o representante legítimo do desenvolvimentismo Brasileiro, Ciro Gomes. Não é possível brigar com a realidade. Nossa escolha, gostemos ou não será entre Bolsonaro e Lula. Nessas condições meu voto será no representante da civilização em ambos os turnos da eleição presidencial.
Mas isso não impede que meu apoio a candidatura de Lula seja, por assim dizer, crítico. Votei em Lula nas eleições de 2002 acreditando que ele iria mudar o modelo macroeconômico adotado por Fernando Henrique Cardoso. Pura Ilusão. O primeiro mandato do Presidente Lula foi mais do mesmo da política macroeconômica de FHC II. Em 2006, contrariado com a ortodoxia do governo Lula, votei em Geraldo Alckmin no primeiro e no segundo turno das eleições. Perdi. Lula venceu no segundo turno e começou uma mudança tímida na orientação da política macroeconômica na direção daquilo que eu e outros economistas defendíamos no livro Agenda Brasil publicado em 2003 pela editora Manole em parceria com a Fundação Konrad Adenauer, vinculada ao partido democrata cristão da Alemanha. Face a crise financeira internacional de 2008, detonada pela falência do Banco de Investimento Lehman Brothers em 15/09/2008, o governo brasileiro adotou uma política fiscal e para-fiscal expansionista, ao mesmo tempo que o Banco Central do Brasil, presidido por Henrique Meirelles, fazia ouvidos moucos a crise e manteve até janeiro de 2009 a taxa básica de juros inalterada em mais de 14% a.a. Conversas de bastidores, das quais tomei parte ativa, assinalaram que Meirelles esteve a prestes de ser demitido da presidência do Banco Central pelo Presidente Lula, o qual recuou da decisão apenas depois do COPOM aceitar reduzir a taxa de juros básica em janeiro de 2009, quase 4 meses após a deflagração da crise financeira internacional.
A adoção de políticas monetária e fiscal expansionistas no bojo da crise internacional era a lição de livro texto de macroeconomia para o Brasil lidar com a crise de 2008. Nisso o governo Lula foi extraordinariamente bem sucedido: já no segundo semestre de 2009 a economia brasileira estava crescendo rapidamente e alcançaria a mais elevada taxa de crescimento, desde 1981, em 2010, com um ritmo Chinês de crescimento de quase 8% a.a. Parecia que o Brasil havia retomado a rota do desenvolvimento auto sustentado com equidade social.
As coisas começaram a dar errado a partir de 2011 com o primeiro mandato da Presidenta Dilma Rouseff. A taxa de crescimento do PIB se desacelerou drasticamente em 2011 na comparação com 2010. Alguns economistas atribuem esse fato ao “ajuste fiscal” feito no início do primeiro mandato da Presidenta Dilma, quando foi realizado um grande corte do investimento público. Sem dúvida que essa contração fiscal teve importância para a desaceleração do investimento, mas não foi fundamental. Desde meados dos anos 2000, a economia brasileira estava passando por um profundo processo de desindustrialização prematura, com uma queda acentuada da participação da indústria de transformação no PIB, conforme observamos na figura abaixo. Essa mudança estrutural negativa – resultada da sobrevalorização da taxa de câmbio e da ausência de políticas industriais bem formuladas que demandassem contrapartidas das empresas beneficiadas por tais políticas – resultou numa redução do crescimento potencial da economia brasileira e, dessa forma, pavimentou o caminho para a crise de acumulação de capital ocorrida em 2014 em função da queda da taxa de lucro do setor privado não financeiro, resultante do crescimento dos salários reais acima do ritmo de crescimento da produtividade. Confrontados com uma queda significativa da taxa de lucro sobre o capital próprio, os empresários do setor não-financeiro reagiram com uma “greve de investimentos”, colocando a economia brasileira em recessão no segundo semestre de 2014.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do Autor.
O segundo mandato da Presidenta Dilma Rouseff foi o maior estelionato da história recente do Brasil: A Presidenta reeleita prometendo impedir que o Banco Central tirasse comida do prato dos brasileiros, assistiu passivamente o Banco Central – na época sobre seu total controle – fazer uma brutal elevação da taxa de juros no meio de uma recessão. Não fosse isso bastante, o Ministro da Fazenda. Joaquim Levy, promoveu o maior corte de investimentos públicos dos últimos 30 anos, reduzindo o gasto de investimento do governo federal em cerca de 35%. Por fim, o governo federal liberou os reajustes dos preços administrados (energia e combustíveis), o que levou a inflação para a casa de mais de 10% a.a. e 2015. A combinação de recessão com inflação foi fatal para a popularidade do governo de Dilma Rouseff, o qual sofreu processo de impeachment em abril de 2016. O assim chamado “golpe parlamentar” permitiu o retorno dos economistas liberais ao poder com o projeto “ponte para o futuro” do Presidente Michel Temer, o qual foi um fracasso retumbante em termos de recuperação do crescimento perdido: entre 2017 e 2019 o Brasil cresceu apenas 1,55 a.a, quase 40% menos do que na média do período 1980-2014, cujo valor foi de 2,88% a.a.
O desastre econômico e político do governo Dilma Rouseff deveria ter levado o PT a uma auto crítica sobre o que deu errado em seus 13 anos de governo. Mas ao invés disso, o ex-mais-longevo ministro da fazenda, Guido Mantega, escreveu em 05 de janeiro de 2022 na Folha de São Paulo um artigo afirmando que as políticas econômicas adotadas durante a sua gestão a frente da pasta foram essencialmente corretas (https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4975451-artigo-de-guido-mantega-sobre-economia-repercute-entre-pre-candidatos.html). No seu artigo, Guido Mantega defende um suposto social-desenvolvimentismo, conceito desprovido de fundamentação teórica, pelos (sic) acertos na política econômica dos governos do PT.
Acompanhando de longe a discussão interna ao PT sobre o modelo macroeconômico a ser adotado após a provável vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2022, minha sensação é de deja-vu. Ao que parece os economistas do PT, tal como os Bourbons espanhóis depois da restauração advinda com a derrota dos exércitos de Napoleão Bonaparte, “Não aprenderam nada, não esqueceram nada” e irão implementar as mesmas políticas econômicas que levaram ao declínio do PT entre 2010 e 2016. Ao invés de terem a coragem de adotar o novo-desenvolvimentismo – única alternativa ainda não testada entre o neoliberalismo de Temer e Bolsonaro e o social desenvolvimentismo fracassado dos governos de Dilma Rouseff – o PT, única alternativa real de derrotar o fascismo nas eleições de 2022, pretende cometer os mesmos velhos erros do passado. Se assim ocorrer, estaremos adiando por quatro anos o retorno triunfal do fascismo, talvez com outras roupagens.
O primeiro seria aquilo que um economista liberal brasileiro denominou recentemente de “produtividade intrínseca da economia”, mas que na academia é denominada de “produtividade total dos fatores de produção” (PTF). Esse conceito, criado originalmente por Solow (1957), nada mais é do que a parcela do crescimento econômico que não pode ser explicada pela expansão dos fatores de produção, a saber: capital e trabalho. Em outras palavras, a PTF é simplesmente um resíduo que a teoria convencional não é capaz de explicar, sendo portanto “a medida da nossa ignorância” nas palavras de M. Abramovitz (1956) [ver https://blogdoibre.fgv.br/posts/ptf-ou-medida-da-nossa-ignorancia-faz-60-anos%5D.
Como explicação para os diferenciais internacionais nos níveis de renda per-capita a PTF, contudo, enfrenta várias dificuldades (Ver Oreiro, 2016, cap. 2). Em primeiro lugar, o modelo de crescimento padrão da teoria neoclássica – o modelo de Solow (1956) – assume a existência de retornos constantes de escala e concorrência perfeita nos mercados de fatores de produção, o que faz com que [devido ao Teorema de Euller-Wicksteeed] toda a produção seja gasta na remuneração dos fatores de produção de acordo com suas respectivas produtividades marginais, de forma que não sobra nada da renda nacional para remunerar os esforços de Pesquisa e Desenvolvimento de novas tecnologias. Nesse contexto, a tecnologia tem que ser obrigatoriamente tratada como um bem público, estando disponível para todos os países e todas as empresas. Sendo assim, se a dita “produtividade intrínseca da economia” for uma próxi para o progresso tecnológico, como faz Solow (1957); então, dada a inexistência de barreiras a difusão internacional de conhecimento técnico e científico implícita na hipótese de bem livre, todos os países do mundo deveriam ter a mesma PTF e , portanto, níveis similares de renda per-capita.
Mais recentemente, a teoria convencional tentou reabilitar o uso da PTF para explicar as divergências internacionais nos níveis de renda per-capita argumentando que a má-alocação dos fatores de produção – definida como uma situação na qual as produtividades marginais dos fatores de produção são diferentes entre empresas e setores de atividade – seria a causa das diferenças observadas nos níveis de renda per-capita. Essa má-alocação, por sua vez, seria o resultado da intervenção do governo na economia por intermédio seja de impostos e subsídios para setores específicos, seja pelas políticas de crédito direcionado e juros subsidiados para certas empresas e setores de atividade econômica ou ainda pela diferenças na regulamentação. Conforme argumentei anteriormente (https://corecondf.org.br/a-misallocation-ou-alocacao-ineficiente-de-recursos-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/?doing_wp_cron=1650209850.0281140804290771484375) a hipótese da má-alocação de recursos tão pouco consegue dar uma explicação satisfatória para o problema que estamos discutindo. Isso porque, por um lado, é impossível atribuir a uma causa específica as diferenças observadas entre as produtividades marginais dos fatores de produção, sendo assim uma observação empírica desprovida de teoria; por outro lado, também não é possível mensurar os efeitos que as supostas causas da má alocação teriam sobre a eficiência na alocação dos fatores, ou seja, temos uma teoria sem comprovação empírica.
Uma vez descartada a PTF como explicação para as diferenças internacionais dos níveis de renda per-capita resta para a teoria tradicional apelar para as diferenças na dotação dos fatores de produção, mais especificamente nas diferenças na quantidade de capital físico por trabalhador e na quantidade de capital humano por trabalhador. As diferenças existentes na estrutura de produção e emprego de uma economia – o seu grau de sofisticação produtiva ou complexidade econômica – é um simples reflexo das diferenças observadas na dotação de fatores de produção, não exercendo assim nenhum papel autônomo na explicação das diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Em outros termos, se acrescentarmos o nível de complexidade econômica (ou alguma próxi para essa variável como, por exemplo, a participação da indústria de transformação no PIB) numa regressão de painel de dados na qual a renda per-capita seja a variável dependente, então o coeficiente da variável complexidade econômica (ou seu equivalente) deverá ser, segundo a interpretação dos economistas liberais, ou próximo a zero ou estatisticamente não-significativo ou uma combinação linear de ambos os casos, desde que estejam presentes na regressão como variáveis explicativas as próxis para a dotação de fatores de produção.
Essa assertiva, contudo, não tem nenhum embasamento empírico, sendo mais um “ato de fé” dos economistas liberais. Com efeito Gabriel et al (2020), no artigo intitulado “Manufacturing, economic growth, and real exchange rate: Empirical evidence in panel data and input-output multipliers”, publicado na Paolo Sylos-Labini Quarterly Review (https://macroeconomia-strapi.s3.sa-east-1.amazonaws.com/PSL_2020_149b2f7e12.pdf), realizam uma regressão com dados em painel para 84 países no período 1990-2011. A equação estimada é apresentada abaixo:
Onde a variável dependente é a renda per-capita do país i no tempo t (medida em PPC), e as variáveis explicativas são, respectivamente, a renda per-capita do país i no período anterior, o desalinhamento cambial do país i no período t, o desalinhamento cambial do país i no período t-1, o hiato tecnológico do país i no período t (definido como a razão entre o produto per-capita dos Estados Unidos e o PIB per-capita do país i), a participação da indústria de transformação no PIB do país i no período t, a participação do setor primário no PIB do país i no período t, a participação do setor de serviços no PIB do país no período t e um vetor Z de outras variáveis explicativas – entre as quais inflação, capital humano, gastos governamentais, termos de troca e investimento agregado (que é, por definição, igual a poupança total do país) – para o país i no tempo t.
A tabela 1 abaixo mostra a descrição das variáveis usadas e suas fontes de dados:
Fonte: Gabriel el al (2020, p. 61)
Os resultados da regressão em painel de dados podem ser vistos na tabela 2 abaixo.
Fonte: Gabriel el al (2020, p. 63)
Conforme podemos observar na tabela 2 acima a participação da indústria de transformação no PIB tem um impacto positivo e estatisticamente significativo sobre o nível de renda per-capita dos países da amostra, principalmente para os países com nível intermediário de hiato tecnológico como é o caso do Brasil, mesmo controlando-se para os efeitos do capital físico (investimento total) e do capital humano. Já a participação do setor primário no PIB dos países da amostra tem um sinal negativo para todos os países da amostra, independentemente no nível do hiato tecnológico, sinal claro da validade da doença holandesa e/ou da maldição dos recursos naturais. Daqui se segue que a estrutura produtiva tem um impacto autônomo sobre o nível de renda per-capita dos países, ou seja, a dotação de fatores não é a explicação única ou fundamental para as diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Ao acrescentar a variável complexidade econômica na regressão para todos os países em desenvolvimento, observa-se uma redução do coeficiente da participação da indústria de transformação no PIB, indicando assim que o efeito positivo da indústria de transformação sobre o nível de renda per-capita dá-se fundamentalmente pela sofisticação e/ou complexidade das atividades manufatureiras na comparação com as demais atividades produtivas.
Os economistas liberais argumentam que as vantagens comparativas dos países decorrem da sua dotação de fatores de produção. Se fosse assim, a economia da Coréia do Sul deveria ter se especializado na produção de produtos agrícolas, dado que o estoque de capital per-capita era extremamente baixo (muito mais baixo do que no Brasil) nos anos 1950. Mas ao invés de seguir as doutrinas ensinadas pelos economistas liberais a Coréia do Sul, tal como o Brasil, preferiu adotar as políticas que os países da Europa Ocidental e os EUA adotaram para se tornarem países ricos, ou seja, políticas que incentivaram a industrialização e sofisticação da estrutura produtiva e, portanto, a construção de vantagens competitivasdinâmicas[ sobre esse tema ver Reinert, 2016]. O termo fator de produção é, por sua vez, uma construção teórica enganosa, pois dá a entender a existência de uma relação de causalidade unidirecional da dotação de fatores para o nível de produção de um país, esquecendo-se do fato de que o capital nada mais é do que um conjunto de bens que são produzidos dentro do sistema e, portanto, existe uma relação de causalidade bidirecional. Além disso, o termo fator de produção desvia a atenção dos economistas para a questão da alocação estática de recursos ao invés da questão dinâmica do ritmo de criação de recursos. Nas palavras de Setterfield
“The use of produced means of production implies that the ‘scarcity of resources’ in processing activities cannot be thought of as being independent of the level of activity in the economy. What is chiefly important in processing activities is the dynamic propensity of the economy to create resources (that is, to deepen and/or widen its stock of capital) rather than the static problem of resource allocation” (Setterfield, 1997, p. 50).
Em suma, a teoria neoclássica não consegue fornecer uma explicação satisfatória para explicar a magnitude das diferenças internacionais de renda per-capita entre os países. Dessa forma, ela tão pouco pode ser usada como base para a formulação de estratégias para a retomada do desenvolvimento econômico no Brasil.
Referências
Gabriel, L.F; Riberiro, L.S; Jayme Jr, F.G; Oreiro, J.l (2020). “Manufacturing, economic growth, and real exchange rate: Empirical evidence in panel data and input-output multipliers” PSL querterly Review, Vol. 72, n.292.
Oreiro, J.L. (2016). Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana. LTC: Rio de Janeiro.
Reinert, E. (2016). Como os países ricos ficaram ricos … e por que os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.
Setterfield, M. (1997). Rapid Growth and Relative Decline. Macmillan Press: Londres.
Solow, R. (1956). “A Contribution to the Theory of Economic Growth”. The Quarterly Journal of Economics, Vol. 70, N.1.
Solow, R. (1957). “Technical Change and the Aggregate Production function”. The Review of Economics and Statistics, Vol. 39
José Luís Oreiro é professor de economia da UnB. Foto: Agência Câmara
“Está aumentando o custo do dinheiro. Isso vai aumentar o custo do crédito para as empresas, para os consumidores. O que nós vamos ver como consequência disso é uma desaceleração ainda maior do nível de atividade”, diz o economista sobre o aumento da taxa Selic anunciado hoje (2) pelo BC, “o que sinaliza que o ciclo de aperto monetário não vai terminar tão cedo”
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) aumentou nesta quarta-feira (2) a taxa básica de juros (Selic) de 9,25% ao ano para 10,75% ao ano. Na avaliação do economista e professor do Departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, “o Banco Central está pondo mais lenha na fogueira da recessão”.
“O Copom aumentou a taxa básica de juros, a Selic, em 1,5 pontos percentuais, e a taxa de juros voltou a dois dígitos pela primeira vez desde julho de 2017. Duas coisas chamam atenção, primeiro a magnitude da mudança, ou seja, manteve o ritmo de aumento. Ele estava aumentando nas últimas reuniões nessa magnitude de 150 pontos base. Então, ele manteve o ritmo de aumento, o que sinaliza que o ciclo de aperto monetário não vai terminar tão cedo. Quer dizer, se ele estivesse para terminar, você deveria esperar uma redução do ritmo de aumento. Não. Mas ele manteve o ritmo de aumento. Então, assim, realisticamente falando, eu acho que nós vamos ter ainda aumento na Selic durante todo o primeiro semestre de 2022”, avaliou o Oreiro.
“Agora quando você olha para a expectativa de inflação do Boletim Focus, a expectativa de inflação para 2022 é de algo em torno de 5%, 5,2%, 5,3%. Com uma Selic de 10,75%, isto significa um juro real de 5,5%, numa economia que tem uma elevada taxa de desemprego, mais de 12 milhões de pessoas estão desempregadas, é uma economia que tem uma expectativa de crescimento muito baixa para 2022. A expectativa de crescimento está em 0,5%, mas já existem instituições financeiras que estão prevendo inclusive contração do nível de atividade econômica em 2022. Então, o Banco Central está pondo mais lenha na fogueira da recessão. Está aumentando o custo do dinheiro. Isso vai aumentar o custo do crédito para as empresas, para os consumidores. O que nós vamos ver como consequência disso é uma desaceleração ainda maior do nível de atividade”, denunciou o economista.
“Mais uma vez eu tenho que enfatizar que o Banco Central do Brasil é o único banco central do mundo que está elevando, sistematicamente, a taxa de juros. O Federal Reserve está começando a discutir se e quando ele vai aumentar os juros, mas a situação do mercado de trabalho americano é completamente diferente do mercado de trabalho no Brasil. Os Estados Unidos já se recuperaram da crise do Covid, a taxa de desemprego nos Estados Unidos está em 3,9 % da força de trabalho, ou seja, mais baixo do que no nível anterior à crise do Covid, e os salários estão aumentando. Aqui é tudo ao contrário”, destacou.
“No Brasil nós temos uma taxa de desemprego em torno de 12% da força de trabalho. Nós temos mais ou menos 4 milhões de pessoas que saíram da força de trabalho durante a pandemia – que ainda continua, mas ainda não voltaram. Isso nos deixa 16 milhões de pessoas sem trabalho. Nós temos uma economia que cresceu alguma coisa em 2021, mas que vai crescer muito pouco em 2022 e os salários estão caindo. Os salários não estão conseguindo repor a inflação. Então, a situação do mercado de trabalho no Brasil é completamente diferente da situação do mercado de trabalho nos Estados Unidos”, argumentou.
“Nos EUA, realmente, já faz sentido você discutir em que momento, que ainda não começou, mas em que momento a política monetária vai ser normalizada. Ou seja, você vai ter alguma elevação dos juros, lembrando que os juros nos EUA continuam 0,25% ao ano. No Brasil está 10,75% ao ano, ou seja, uma diferença de 10,05 pontos percentuais, um enorme spread, uma enorme diferença de juro. Isso vai atrair capital especulativo, lógico, para apreciar o câmbio. O velho populismo cambial de sempre, que foi usado ‘ad nauseam’ no governo Fernando Henrique Cardoso, também no primeiro mandato do presidente Lula, quando você tinha o Henrique Meirelles como presidente do Banco Central, e agora está sendo usado de novo. Mais uma vez o Brasil está cometendo o mesmo erro de sempre, de aumentar o juro para valorizar o câmbio e assim reduzir a inflação. Isso já foi feito várias vezes e sempre deu errado, no sentido que o produto dessa política macroeconômica é desindustrialização. Agora, é lógico que é uma política macro que atende aos interesses dos rentistas brasileiros”, afirmou Oreiro.
“Nenhum dos elementos que o Banco Central elencou como explicação para a inflação de 2021 pode ser atacado por intermédio de elevação da taxa de juros”
O Banco Central (BC) “está aumentando os juros é para atender o interesse dos rentistas”, denunciou o economista e professor do Departamento de Economia da UnB José Luis Oreiro, ao comentar em entrevista ao HP. “Nenhum dos elementos que o Banco Central elencou como explicação para a inflação de 2021 pode ser atacado por intermédio de elevação da taxa de juros”, afirmou.
Para Oreiro, “de acordo com a carta que o Banco Central mandou para o ministro da Economia, está muito claro que a inflação de 2021 foi causada por um choque de oferta. Quer dizer, é uma inflação importada, devido a problema hidrológico, ao aumento do preço do petróleo, do gás, problema nas cadeias de suprimento… Perfeito! A explicação é fantástica. Eu não tenho nenhum problema com ela. A questão é: nada disso se combate com elevação das taxas de juros”, destacou o economista.
“A elevação dos juros não resolve nenhum dos problemas, ou nenhuma das causas, que gerou inflação em 2021. Então, a pergunta é, por que o Banco Central está usando o instrumento que não serve para combater as causas que ele, Banco Central, está diagnosticando? Porque só seria de fato útil, você usar a taxa de juros, se você tivesse um problema de inflação de demanda, o que não é o caso. O Banco Central está dizendo claramente que é devido a um choque de oferta e, mais, importado. Então, o que que a política monetária brasileira pode fazer com o preço do petróleo no mercado internacional? Nada. O que ela pode fazer com as cadeias mundiais de suplemento? Também nada. Nada do que o Banco Central está fazendo atua nas causas da inflação, segundo o próprio Banco Central”, enfatizou o economista.
“Na verdade, se ele está aumentando os juros é para atender o interesse dos rentistas, não é para eliminar a inflação. Porque nenhum dos elementos que o Banco Central elencou como explicação para a inflação de 2021 pode ser atacado por intermédio de elevação da taxa de juros”, afirma Oreiro.
Com o pretexto de combater a inflação, o Banco Central realizou no ano passado seguidos aumentos na taxa básica de juros (Selic), que passou de 2% a.a. para 9,25% a.a.
O Brasil fechou o ano com a inflação em alta acumulada de 10,06%, maior alta desde 2015, segundo IBGE. Na carta de explicações sobre a alta da taxa de inflação, Roberto Campos Neto, presidente do BC, sinalizou que vai continuar elevando a taxa Selic este ano.
O Banco Central divulgou que o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), considerado sinalizador do Produto Interno Bruto (PIB), teve queda de 0,40% em outubro na comparação com setembro, segundo dado dessazonalizado. O dado foi informado ao mercado nesta quarta-feira (15) e confirma o quadro de “recessão” sentido no país.
Na comparação entre os meses de outubro de 2021 e de 2020, houve retração de 1,48% na série sem ajustes sazonais. Com isso, a série histórica registrou 137,78 pontos no décimo mês, o pior desempenho para o período desde 2017 (135,99 pontos).
E apesar das expectativas ruins, o resultado de outubro reforça a atividade fraca no quarto trimestre, após números decepcionantes divulgados recentemente sobre os setores de serviços, comércio e indústria para o mês.
Mais ainda, ressalta a crise econômica, uma vez que, no terceiro trimestre, a economia brasileira entrou em recessão técnica ao registrar retração pela segunda vez seguida. O PIB, divulgado pelo IBGE, registrou queda de 0,1% entre julho e setembro.
Conhecido como uma espécie de “prévia do BC para o PIB”, o IBC-Br serve mais precisamente como parâmetro para avaliar o ritmo da economia brasileira ao longo dos meses. De acordo com o professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, embora se trate de prévia do PIB, os dados do IBC-Br revelam a queda da economia brasileira.
Foto: Professor José Luis Oreiro
“A economia brasileira se encontra em recessão. O que os dados de hoje mostram é que teremos novas contrações do PIB em 2021, o que levaria a economia brasileira a uma recessão de verdade”. José Luis Oreiro
Nesse cenário, o mercado de trabalho está ainda mais ameaçado. “As implicações são graves para o mercado de trabalho em 2022. Para que haja alguma esperança de criação dos postos de trabalho, a economia precisa crescer.
Com isso, o mercado de trabalho e a segurança financeira dos brasileiros está ainda mais ameaçada. “As implicações são graves para o mercado de trabalho em 2022. Para que haja alguma esperança de criação de renda e emprego, a economia precisa crescer. Com a recessão, não apenas não iremos criar novos postos de trabalho como vamos ter aumento das demissões”, explica o professor.
Ainda de acordo com o professor, pelos dados do Banco Central, a continuidade do processo da elevação da taxa de juros impacta o poder de compra dos trabalhadores. “Mais ainda, também contração da massa salarial que vai impactar as empresas, que deverão optar por novas demissões. Tudo indica que o primeiro semestre de 2022 vai ser muito ruim, com o aumento do desemprego, da miséria e da fome”, analisa.
“Já faz algum tempo que a gente não consegue crescer”, acrescenta o professor William Baghdassarian professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec). “Atualmente, temos um agravante que é o poder Executivo, que traz incertezas para o mercado. Os investidores estão inseguros para realizar novos investimentos, desde os grandes até os pequenos”, finaliza.
Projeção
A projeção atual do Banco Central para a atividade doméstica em 2021 é de crescimento de 4,7%, segundo o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de setembro. O próximo RTI será divulgado nesta quinta-feira (16). Até outubro, o IBC-Br acumulou alta de 4,99% em 2021 até outubro, informou a autoridade monetária.
Na comparação entre os meses de outubro de 2021 e de 2020, houve retração de 1,48% na série sem ajustes sazonais. Com isso, a série histórica registrou 137,78 pontos no décimo mês, o pior desempenho para o período desde 2017 (135,99 pontos).
E apesar das expectativas ruins, o resultado de outubro reforça a atividade fraca no quarto trimestre, após números decepcionantes divulgados recentemente sobre os setores de serviços, comércio e indústria para o mês.
Mais ainda, ressalta a crise econômica, uma vez que, no terceiro trimestre, a economia brasileira entrou em recessão técnica ao registrar retração pela segunda vez seguida. O PIB, divulgado pelo IBGE, registrou queda de 0,1% entre julho e setembro.
Conhecido como uma espécie de “prévia do BC para o PIB”, o IBC-Br serve mais precisamente como parâmetro para avaliar o ritmo da economia brasileira ao longo dos meses.
A projeção atual do Banco Central para a atividade doméstica em 2021 é de crescimento de 4,7%, segundo o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de setembro. O próximo RTI será divulgado nesta quinta-feira (16). Até outubro, o IBC-Br acumulou alta de 4,99% em 2021 até outubro, informou a autoridade monetária.
Assim como o auxílio emergencial para a população mais vulnerável durante a crise provocada pela pandemia de Covid-19, o Benefício para a Manutenção de Emprego e Renda (Bem), destinado para as empresas reduzirem jornada e salários, acaba nesta quinta-feira (31). E, no meio de tanta incerteza para 2021, a falta de medidas como o Bem gera preocupação de empresários, porque vai ajudar a aumentar ainda mais o desemprego em 2021, considerando que muitas empresas tiveram queda de metade do faturamento e, portanto, não estão tendo receita suficiente para cobrir todas as despesas.
Criado pela Medida Provisória 935/2020, o Bem contribuiu para que cerca de 10 milhões de empregos fossem preservados neste ano, de acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que gosta de usar o bordão de que, em 2020, houve “redução zero de emprego no mercado formal”. O benefício, inclusive, ajudou nos dados positivos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) da pasta, na contramão dos números recordes de desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de mais de 14 milhões de pessoas neste fim de ano, porque inclui dados do mercado informal. Algumas estimativas apontam que esse número é bem maior, superando a casa de 20 milhões.
A situação das empresas, especialmente as do setor de serviços, é critica, sem a prorrogação do Bem. Elas não devem conseguir se recuperar totalmente do tombo da crise de 2020 ao longo do ano que vem, porque os efeitos positivos na economia da vacinação, ainda incerta no Brasil, só devem começar a partir do segundo semestre, pelo menos, de acordo com estimativas de analistas ouvidos pelo Correio. “O setor de serviços prestados às famílias é o que mais deverá demorar para voltar à normalidade”, destacou a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Recursos sobrandoEmpresários acreditam que haveria espaço para prorrogar o benefício e esse alerta foi dado várias vezes para o ministro Paulo Guedes, que poderia aproveitar melhor a sobra de recursos do Bem, segundo Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A previsão do governo para os gastos com o Bem foi de R$ 51,5 bilhões, mas, até ontem, R$ 33,5 bilhões foram pagos, conforme dados do Tesouro Nacional. Logo, há R$ 18 bilhões de recursos que poderiam ser utilizados na prorrogação do benefício, na avaliação de empresários que consideram demissões ou mesmo o fechamento de empresas, apesar de a MP obrigar as empresas que utilizaram o benefício a não demitirem os trabalhadores nos próximos 240 dias, caso tenha utilizado o auxílio durante o mesmo período. “Há mais de dois meses temos falado com o ministro sobre a necessidade de prorrogação do Bem para continuar dando um respiro para o setor, porque, durante o período do benefício, os empresários reduziram a jornada e salários daqueles funcionários que eram menos essenciais à operação. Agora, se não houver uma continuidade de alguma ajuda do governo, como não é possível demitir os dispensáveis, vamos ter que, para evitar uma falência, começar a demitir os trabalhadores essenciais”, explicou o presidente da Abrasel. Especialistas lembram que, como não há um programa de vacinação em massa bem elaborado, o setor de serviços, que é o que mais emprega e um dos que mais utilizou o Bem, não vai conseguir se recuperar no início de 2021 e, portanto, ainda continuará dependendo de ajuda do governo, como vem ocorrendo nos países desenvolvidos. “A prorrogação do Bem é fundamental para evitar a destruição do emprego formal. Todo mês de janeiro tem o período de ressaca no mercado de trabalho, porque muitos temporários são demitidos”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB). “O que chama a atenção é que o Brasil é o único país do mundo que escolhe não renovar os auxílios emergenciais enquanto os Estados Unidos e os países europeus estão dando continuidade aos pacotes fiscais”, comparou. “E, para piorar, ainda não sabemos quando vai começar a vacinação no Brasil. Temos um cenário de terra arrasada”, emendou. Dificuldades
De acordo com Solmucci, 400 mil empresas do setor aderiram ao Bem e relatam dificuldades em continuar as operações enquanto não houver um plano de vacinação em massa da população para que a economia recupere a normalidade e volte a crescer. Ele contou que neste fim de ano, a maioria essas empresas está com mais dificuldade para se equilibrarem, porque o governo obrigou o pagamento do 13º salário integralmente para os trabalhadores que tiveram redução de jornada e, para piorar, esse pagamento coincide justamente com o período em que os tributos diferidos começaram a serem pagos juntamente o com o fim do período de carência dos empréstimos obtidos durante a pandemia para o fluxo de caixa, como é o caso do Programa Nacional de Apoio às Microempresas (Pronampe), criado durante a pandemia, além dos reajustes de aluguel, que estão ocorrendo acima de 20%. “Estamos com 44% das empresas faturando menos da metade do que faturaram antes da pandemia. Não dá para absorver todas essas contas que estão acumulando. Uma em cada quatro empresas do setor não conseguiu pagar o 13º salário neste ano e o Ministério da Economia resolveu não usar os recursos do Bem para ajudar essas companhias”, lamentou Solmucci. Para ele, o governo foi ágil em criar a MP 935 para ajudar a preservar o emprego e a renda dos trabalhadores, mas não teve sensibilidade para entender a necessidade de uma prorrogação do benefício para evitar o aumento de falências e de desemprego a partir do ano que vem. Para Solmucci, além do aumento de falências a partir de janeiro, a judicialização contra as medidas impostas para evitar demissões por conta do Bem, deverá aumentar. Tito Bessa Junior, presidente da Associação Brasileira dos Lojistas de Satélites (Alos), contou que o Bem foi muito importante para o setor que responde por mais de 60% das lojas dos shoppings nacionais. Nós usamos bastante e isso foi um dos grandes benefícios que nos fez chegar vivo até aqui. A redução de jornada foi um oxigênio para o setor”, afirmou. Agora, o segmento ainda enfrenta um outro problema além do fim do programa: os shoppings querem cobrar 23% de reajuste no aluguel e até 13º. “Ninguém aguenta porque as vendas caíram 35% no ano. Muita gente vai quebrar assim”, alertou. Ele, inclusive, defendeu a necessidade de uma vacinação em massa para que o setor consiga voltar à normalidade. Uma proposta da Alos para ajudar na manutenção dos empregos é a redução dos horários de funcionamento dos shoppings. “Aí seria possível trabalhar com apenas um turno”, defendeu Bessa Jr.. Procurado, o Ministério da Economia confirmou o fim do Bem a partir de 1º de janeiro de 2021 e não comentou sobre os recursos previstos e não utilizados pelo programa. Na véspera, o ministro interino da pasta, Marcelo Guaranys, contou que o governo considera a adoção de algumas medidas emergenciais que foram positivas para a economia neste ano “caso for necessário”.
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)