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A crise da economia brasileira, Besteirol Libertal, Debate Macroeconômico, desindustrialização, Semi-estagnação da economia brasileira
Matéria publicada ontem na Folha de São Paulo repercutiu o posicionamento do empresário Winston Ling, apoiador de Bolsonaro, nas redes sociais no qual ele afirma que o Brasil precisa de mais desigualdade social e econômica pois “As atividades dos indivíduos talentosos desencadeiam mudanças econômicas e tecnológicas que impulsionam o crescimento econômico a longo prazo e criam oportunidades para as pessoas medianas ingressarem nos círculos da elite”. O empresário, ligado ao Instituto Mises Brasil, afirma portanto a existência de uma relação positiva e estatisticamente significativa entre crescimento econômico e desigualdade social.
O Instituto Mises Brasil não é exatamente conhecido pela seriedade e rigor científico na elaboração de suas, por assim dizer, “análises econômicas”. Afirmações como a que esse empresário bolsonarista fez nas redes sociais não tem, via de regra, nenhum embasamento empírico, bem como escasso suporte teórico. No que se segue irei demonstrar que o que o referido “empresário” repercutiu nas redes sociais não passa de baboseira ideológica de baixo calão.
O economista mexicano Jaime Ros, falecido em 2019, publicou em 2013 uma obra magistral sobre a teoria e a evidência empírica sobre o desenvolvimento econômico intitulado “Rethinking Economic Development, Growth and Institutions” pela Oxford University Press. No capítulo 1 desse livro ele apresenta uma série de fatos estilizados a respeito das divergências observadas entre os níveis e as taxas de crescimento da renda per-capita de uma amostra de 87 países para o período 1970-2008. Esses países são divididos em 5 grupos com base no seu nível de renda per-capita: Grupo 1 (países de renda alta), Grupo 2 (países de renda média alta), Grupo 3 (países de renda média), grupo 4 (países de renda média baixa), grupo 5 (países de renda baixa). A lista completa de países e sua classificação em grupos pode ser vista abaixo:
Grupo 1 Países de Renda Alta: Noruega, Singapura, Estados Unidos, Bélgica, Países Baixos, Austrália, Áustria, Irlanda, Hong Kong, Suécia, Reino Unido, França, Itália, Finlândia, Canadá, Dinamarca, Suiça.
Grupo 2 Países de Renda Média-Alta: Japão, Grécia, Israel, Espanha, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Portugal, Turquia, México, Irã, Chile, Malásia, Argentina, Costa Rica, Uruguai, República Dominicana, Botswana.
Grupo 3 Países de Renda Média: Panamá, Venezuela, Mauritânia, África do Sul, Jamaica, Colômbia, Brasil, Tunísia, El Salvador, Peru, Egito, Equador, Jordânia, Namíbia, Tailândia, Síria.
Grupo 4 Países de Renda Média-Baixa: China, Honduras, Marrocos, Paraguai, Bolívia, Índia, Indonésia, Filipinas, Paquistão, Nigéria, Nicarágua, Zâmbia, Camarões, Congo, Mauritânia, Senegal, Mali, Costa do Marfim.
Grupo 5 Países de Renda Baixa: Gâmbia, Lesoto, Bangladesh, Gana, Benin, Quênia, Nepal, Tanzânia, Serra Leoa, Ruanda, Burquina Faso, Guiné, Madagascar, Moçambique, Malaia, Etiópia, Burundi, Zimbábue.
Conforme podemos observar na Tabela 1.1 abaixo uma característica notável da amostra de países é a enorme desigualdade entre os níveis de renda per capita: a diferença da renda per-capita dos países do grupo 1 relativamente aos países do grupo 5 é de mais de 40 vezes. Essa enorme divergência internacional nos níveis de renda per-capita é explicada pela diferenças na produto por trabalhador, as quais dependem fortemente das diferenças no estoque de capital por-trabalhador e no número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos. A evidência empírica mostra também que não existe nenhuma relação estatisticamente robusta entre a abundância de recursos naturais (medida pelo número de hectares de terra agricultável por trabalhador) e as diferenças observadas entre os níveis de renda per-capita. Isso se deve ao fato de que após a Revolução Industrial a dotação de recursos naturais passou a ter uma influência pequena como determinante das diferenças entre os níveis de produtividade e de renda per-capita entre os países. Definitivamente o agro não é pop, muito menos tech.

A tabela 1.6 abaixo apresenta a relação entre uma série de variáveis definidas como “causas ultimas” e os diferentes estratos de renda per-capita entre os países da amostra. A variável que nos interessa em particular é o índice de Gini de concentração de renda, o qual é uma medida do grau de concentração de renda de um determinado país, quanto mais alto o índice mais concentrada será a renda. Os dados de Ros mostram claramente que a relação entre concentração de renda e nível de renda per-capita é não-linear, corroborando a hipótese de Kusnetz, segundo a qual nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico ocorre uma tendência a concentração de renda (devido ao excesso estrutural de oferta de trabalho no setor de subsistência que faz com que os salários permaneçam constantes enquanto se processa a transferência de mão-de-obra dos setores de baixa produtividade para os setores de alta produtividade, de forma que o aumento da produtividade média do trabalho é apropriada pelos capitalistas na forma de maiores margens de lucro), ao passo que após um certo nível crítico de renda per-capita – que coincide, em geral, com o alcançamento do “ponto de Lewis” – a relação entre renda per-capita e concentração de renda torna-se negativa: quanto maior o nível de renda per-capita, ou seja, quanto mais rica é a população de um país menor será a desigualdade na distribuição de renda, justamente o oposto do que prega o empresário Bolsonarista.

A continuidade do governo Bolsonaro após as eleições de 2022 significará o fim do processo de desenvolvimento econômico do Brasil, condenando nosso país a uma “armadilha de pobreza”. Delenda est Bolsonaro.
Referências
Maddison, A. (1988). “Ultimate and Proximate Growth Causality: a critique to Mancur
Olson on the Rise and Decline of Nations”. Scandinavian Economic History Review,
N.2.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford
University Press: Oxford