José Luis Oreiro Associate Professor, Department of Economics, University of Brasília (Brazil)
“Brazilian inflation had the same nature of inflation in European countries and the United States: it is the result of supply shocks originated from the effects of COVID-19 pandemic over global supply chains and the huge increase in food and energy prices due to the war in Ukraine.”
Novo arcabouço fiscal tem a capacidade de reduzir até 3 pontos percentuais a Selic, jogando a batata quente da redução no colo de Roberto Campos Neto.
Fagundes Schandert e Paula Cristina10/03/23 – 05h20 – Atualizado em 10/03/23 – 09h29
A terceira lei de Newton, conhecida como lei da ação e reação, determina que, para toda força de ação que é aplicada a um corpo, surge uma força de reação em um corpo diferente. Isso funciona na física, mas também nas relações humanas. A manutenção da Selic no patamar dos 13,75% tem sido a pedra no sapato do governo Lula. Mas para que ela mude é preciso que o governo também empregue alguma ação para instar o Banco Central a reagir. O argumento de Roberto Campos Neto, presidente do BC, é que faltam sustentação sólida de comprometimento fiscal. O mercado, por sua vez, fala em uma queda de 3 pontos percentuais ainda este ano caso seja posta em vigor a nova âncora.
Mas como a paciência é uma das virtudes humanas mais valorizadas, Campos Neto precisará provar a sua nos próximos dias e, do alto da autoridade monetária que representa, deverá buscar o equilíbrio necessário para manter a calma e suportar a pressão que virá para baixar os juros. Na outra ponta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o agora apoio da ministra do Planejamento, Simone Tebet, vai tentar convencer o mercado de que o novo arcabouço fiscal será suficiente para garantir a estabilidade da dívida pública no futuro, sem provocar inflação.
Haddad já fez suas apostas e disse ter desenhado a âncora fiscal ideal para atender as demandas de investimento do presidente Lula e ainda assim perseguir de modo permanente o superávit fiscal. Com a dívida atual (R$ 5,7 trilhões) 3 pontos representam uma redução de R$ 173 bilhões ao ano em juros da dívida.
PROJEÇÃO FEITA Fernando Haddad diz que governo já tem o desenho da nova âncora fiscal e logo enviará ao Congresso. (Crédito:Mateus Bonomi)
A alternativa ao teto de gastos foi uma das primeiras demandas de Lula para a equipe econômica e, segundo o próprio Haddad, os esforços começaram no governo de transição. Agora, com o projeto desenhado, o ministro afirma que ainda falta bater alguns números com outros integrantes da equipe econômica. A expectativa de assessores próximos ao ministro é que o texto final seja apresentado antes da próxima reunião do Copom, dias 21 e 22 deste mês.
E com este prazo, Haddad precisa preparar terreno porque sabe que precisará do apoio do Congresso Nacional na jornada. “Vai envolver uma Lei complementar a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Neste momento estamos com o desenho fechado, vamos apresentar para a área econômica, levar ao presidente Lula e encaminhar ao Congresso”, afirmou o ministro. A lei complementar regulamenta assuntos específicos quando expressamente determinado na Constituição. Diferentemente das leis ordinárias, que exigem maioria simples para sua aprovação, as leis complementares exigem aprovação de dois terços dos deputados e senadores — a única diferença em relação a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é que a votaçnao acontece em um turno nas duas Casas em vez de dois turnos. Dentro da Câmara, o presidente Arthur Lira tem mandado sinais para o Palácio do Planalto. Na quarta-feira (8) garantiu que Lula ainda não possui a base que pensa ter no Legislativo. E sobre o arcabouço, disse que o tema só avançará se for, nas palavras dele, “prudente e responsável”. Esse recado vem depois de Lula ter dito que a nova âncora fiscal seria desenhada no Executivo, contrariando o interesse da Câmara e do Senado de dividirem sua paternidade.
MUITA CALMA Arthur Lira alerta que os projetos do governo não terão trajetória fácil dentro da Câmara. (Crédito:Divulgação)
VISÃO DO MERCADO A expectativa dos agentes econômicos é de que uma âncora ideal seria capaz de reduzir a Selic nos tais 3 pontos. Os especialistas em contas públicas costumam lembrar que antes da aprovação da PEC da Transição, no final de 2022, que acabou com o teto de gastos, as projeções mostravam a Selic em torno de 10% no final de 2023. “Essa diferença de cerca de 3 pontos percentuais é o prêmio pelo risco fiscal”, afirmou o economista da XP Tiago Sbardelotto, que também foi analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional entre 2014 e 2021. Sbardelotto avalia que a proposta de arcabouço que está discutida, de uma correção da despesa com base no PIB per capita, produz um ajuste fiscal de médio prazo. “Não vemos a dívida se estabilizando nos próximos dez anos. Ela só deve se estabilizar na metade da próxima década”, disse. O economista argumenta que a ideia parte de um princípio de crescimento anual de 1% a 1,5% do PIB. “Só uma boa reforma tributária garantiria esse PIB potencial. Mas aumento do salário mínimo acima da inflação e o reajuste do funcionalismo como já foi sinalizado, não cabem nessa regra.”
Das experiências internacionais, Sbardelotto considera que as regras fiscais estão ficando mais flexíveis, mas consideram o controle de despesas, como na Suécia. “No passado, eram regras mais simples: superávit primário, superávit nominal, regra de ouro, mas levaram para um aumento da carga tributária”, disse. O economista cita que as regras que permitem flexibilidade também estabelecem limites. “Há gatilhos automáticos para cortes de despesas e, em momentos de recessão, permitem aumentar temporariamente os investimentos de curto prazo”, afirmou.
DEVER DE CASA Na avaliação do CEO da Azimut Brasil Wealth Management, Wilson Barcellos, uma regra fiscal que considere o controle das despesas irá trazer mais tranqüilidade para o mercado voltar a investir no crescimento do País. “É só fazer o dever de casa e trazer tranqüilidade para os juros recuarem”, disse. Segundo Barcelllos, essa briga do governo com o Banco Central não serve para nada. “Na próxima reunião do Copom, o mercado pode ficar em dúvida, se os juros vão mudar por causa da inflação ou por pressão do governo. Isso gera incertezas para os agentes de investimentos”, disse.
Para o economista José Luis da Costa Oreiro, que atuou na equipe de transição do atual governo, o teto de gastos foi um erro da gestão Michel Temer (2016-2018) e engessou o Orçamento. “O governo não precisa reinventar a roda. É só pegar a regra da União Europeia e trazer, o mundo todo vai aceitar”, disse. Para ele, a melhor solução é uma regra que torne o Orçamento mais flexível. “Um resultado primário mais estruturado, que permita flexibilidade por razões cíclicas”, afirmou
Foto: José Luis Oreiro
Já na visão do economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, a regra com base no crescimento do PIB per capita é interessante. “O teto sufocava o gasto público. Não era razoável. Temos de encontrar o meio do caminho, com prioridade para saúde, educação e previdência”, afirmou. “O grande abacaxi é a meta da inflação do BC. Com a atual será difícil cortar a Selic. Depois da regra fiscal, haverá mais espaço para esse corte”, afirmou.
REFORMA TRIBUTÁRIA Como sinalizado pelos analistas, a âncora precisa ser acompanhada de outras medidas, e aqui entramos em outro ruído de comunicação entre Executivo e Legislativo: a Reforma Tributária. O projeto tem andado a passos de tartaruga na Câmara e já incomoda o governo — que, na verdade, ainda não tem base para aprovar nada. Na quarta-feira (8) o primeiro encontro do Grupo de Trabalho que discute o tema na Câmara teve a presença do secretário especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Ele reforçou que a posição do governo é manter o mínimo de desonerações e exceções possível, com uma alíquota do IVA girando em torno de 25%. “Quanto mais exceção tiver, maior tem que ser a alíquota para outros setores, e aí é uma decisão política.” Ele cobrou celeridade do grupo condicionando a aprovação ao melhor desempenho da economia e redução da Selic.
À DINHEIRO, o coordenador do Grupo de Trabalho, Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou que essas questões serão tratadas no tempo necessários e servem para mitigar os medos que envolvem uma alteração tão grande nas regras. “Todos estão com receio que a mudança seja brusca. Mas não será, e mesmo depois de aprovada haverá ao menos seis anos de transição”, disse. Talvez ele precise ler sobre outra lei de Newton, a primeira, àquela que trata sobre a inércia.
Onze entre cada dez economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro atribuem o elevado patamar da taxa de juros selic observado no Brasil ao desequilíbrio fiscal do governo central (governo federal + Banco Central). Segundo o seu seu, por assim dizer, raciocínio, como o governo gasta mais do que arrecada então ele precisa pedir muito dinheiro emprestado no mercado, aumentando a demanda por crédito e, dada a baixa taxa de poupança existente no Brasil, produzindo uma elevada taxa de juros. A solução é reduzir a despesa primária do governo geral, cortando despesas desnecessárias e/ou ineficientes (quais?), para então conseguir reduzir a taxa de juros. Dessa forma, o desequilíbrio fiscal brasileiro teria sua origem no excesso de despesa primária do governo geral, razão pela qual o teto de gastos deveria ser mantido a forceps pela equipe econômica do novo governo Lula.
Na posse do novo presidente do BNDES Aloisio Mercadante, o Presidente Lula mais uma vez se pronunciou contra a decisão do Copom do Banco Central de manter a taxa selic em 13,75% a.a. Com uma inflação acumulada em 12 meses de 5,79% temos que a taxa real de juros (ex-post) é de 7,52% a.a, a mais elevada do mundo. O Presidente Lula afirmou hoje que “Não tem explicação para a taxa de juros a 13,5 [13,75]%. Faz anos que a gente briga pela taxa de juros no Brasil”.
Não existe efeito sem causa. Claro que existe uma explicação para o elevado patamar da taxa de juros no Brasil, mas essa explicação não é o desequilíbrio fiscal. Pelo contrário, o desequilíbrio fiscal é o resultado da política de juros adotada pelo Banco Central do Brasil nos últimos anos.
Vamos aos números. A Figura 1 abaixo mostra a evolução no acumulado em 12 meses do resultado primário do governo central e dos juros nominais que o governo central paga sobre o estoque de sua dívida. Observem que até março de 2020 (mês em que as primeiras medidas de distanciamento social são adotadas no Brasil) o governo central incorria num déficit primário em torno de 1,5% do PIB e pagava juros nominais ligeiramente superiores a 4% do PIB. Com os gastos primários realizados para o enfrentamento das consequências econômicas, sociais e sanitárias da pandemia do Covid-19, o déficit primário do setor público aumenta para quase 10% do PIB em dezembro de 2020, mas o pagamento de juros nominais cai para 3,5% do PIB nesse mês, continuando sua trajetória de queda até junho de 2021 quando chega a 2,93% do PIB. Observem, caros leitores, que um aumento espectacular nas despesas primárias do governo central (como % do PIB) foi obtido com uma redução da conta de juros nominais paga pelo governo central, ou seja, um resultado OPOSTO ao esperado com base na (sic) teoria econômica usada pelos analistas do mercado financeiro. Qual a razão disso? Muito simples: a taxa de juros não é o preço dos “fundos emprestáveis” mas o preço do dinheiro, o qual é fixado pelo Banco Central nas reuniões do Copom. Como o Banco Central reduziu a taxa de juros para 2% a.a ao longo do ano de 2022, o custo de carregamento da dívida pública (fortemente atrelado a selic devido as Letras Financeiras do Tesouro e as operações compromissadas) diminui em quase 25% entre março de 2020 e junho de 2021.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do autor.
Em março de 2021 o Banco Central do Brasil começou um ciclo de elevação da taxa de juros que levou a taxa selic a 13,75% a.a no final de 2022. Essa elevação da taxa selic fez com que os juros nominais passassem de 2,93% do PIB em junho de 2021 para 5,12% do PIB em dezembro de 2022, ficando acima do patamar observado no período anterior a pandemia. Nesse mesmo período, o resultado primário do governo geral passou de um déficit de 4,61% do PIB para um superávit 0,56% do PIB. Ou seja, uma melhoria do resultado primário de 5,17% do PIB foi seguido por um aumento da despesa com juros nominais de 2,19% do PIB. Parte significativa (42%) da melhoria do resultado primário foi dissipada em aumento das despesas com juros da dívida pública.
A figura 2 abaixo mostra o percentual do resultado nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) que pode ser atribuído a despesa com pagamento de juros da dívida pública.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do Autor.
O leitor pode verificar que a despesa con juros respondia por aproximadamente 80% do déficit nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) até o início da pandemia do covid-19. Esse percentual cai para pouco mais de 20% até dezembro de 2020 devido ao aumento do déficit primário e a redução da despesa com juros. A partir de março de 2021, o percentual volta a aumentar ultrapassando 100% no início de 2022. Em dezembro do ano passado os gastos com o pagamento de juros respondiam por 112% do déficit nominal do governo geral.
Esses números não permitem outra interpretação de que o desequilíbrio fiscal no Brasil é de natureza financeira. Nesse contexto, reduzir as despesas primárias não é apenas uma crueldade do ponto de vista social, mas uma estupidez do ponto de vista econômico. O reequilíbrio das contas públicas no Brasil passa pela solução do problema da “despesa ausente” no debate público no Brasil, ou seja, o gasto excessivo com o pagamento de juros da dívida pública. Sua solução se encontra numa reforma monetária no Brasil e na institucionalidade do regime de metas de inflação, de maneira a permitir que a obtenção de uma taxa de inflação estável e razoável (algo como 4% a.a.) seja possível com uma taxa de juros estruturalmente mais baixa.
Economista diz que “o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB”
Por: João Vitor Santos | 28 Novembro 2022
Bastou o presidente eleito Lula erguer a voz para falar que o combate à fome e a busca por um bem-estar social não devem ser preteridos a um ajuste fiscal para que começasse uma cantilena acerca do descontrole das contas. Com o dólar em alta e a bolsa de valores lá embaixo, o discurso hegemônico se arvora para defender, por vezes até de forma velada, o famigerado teto de gastos. Para o economista e professor José Luis Oreiro, “o problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico”. “Essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do ‘consenso macroeconômico’”, completa.
Oreiro observa que tal postura interdita um debate efetivo sobre o teto de gastos. “Este assumiu um status de ‘dogma de fé’. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira”, critica. Por isso, na entrevista a seguir concedia por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele detalha a perspectiva de que o Estado tem condições de expandir seus gastos ainda sem perder o controle. “O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal”, pontua.
O professor, que com outros economistas endereçou uma carta ao governo eleito defendendo o fim do tacanho e truculento controle de gastos, detalha os principais pontos dessa correspondência e indica um caminho saudável, pela via da economia, para a conciliação nacional. “Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça”, explica.
Por fim, ainda escarna as contradições do teto que nem sequer cumpre o que busca. “Veja como o ‘teto de gastos’ é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões”, exemplifica.
José Luis Oreiro
Foto: Arquivo pessoal
José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília – UnB e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, na Espanha, pesquisador Nível I do CNPq, membro sênior da Post-Keynesian Economics Society e da European Association for Evolutionary Political Economy. É líder do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento, do CNPq e assessor do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal – CORECON-DF. Entre suas publicações, mais de 130 artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior, destacamos os livros: Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana(LTC, 2016) e Macrodinâmica pós-keynesiana: crescimento e distribuição de renda(Alta Books, 2018).
Confira a entrevista.
IHU – Como podemos compreender as resistências à revogação do teto de gastos?
José Luis Oreiro – Começo respondendo com uma citação de John Maynard Keynes tirada do prefácio do seu magnum opus “A teoria geral do emprego, do juro e da moeda” publicada em 1936: “A dificuldade não reside em desenvolver novas ideias, mas em escapar das velhas, que se ramificam, para aqueles que foram educados como a maioria de nós, em cada canto da nossa mente”.
Para Oreiro, A teoria geral do emprego, do juro e da moeda (Atlas, 1982),de Keynes, permite compreender as resistências à revogação do teto de gastos
Foto: Divulgação
O teto de gastos é o equivalente moderno do padrão-ouro, sistema monetário que vigorou até o colapso do sistema de Bretton Woods que estabelecia que a base monetária deveria estar “lastreada” em ouro para assegurar a confiança do mercado no valor da moeda.
No Brasil, a partir de 2016, criou-se uma convenção (definida por Keynes como uma crença compartilhada) de que o crescimento econômico só seria restaurado por intermédio de uma regra fiscal que impedisse o governo de aumentar seus gastos primários (o gasto com juros nunca é mencionado, pois se trata de uma “despesa ausente” no debate público sobre o ajuste fiscal no Brasil), pois o aumento dos gastos do governo levaria a um deslocamento (efeito crowding-out) dos investimentos do setor privado.
Trata-se de uma versão tupiniquim da velha “visão do tesouro” apresentada no início da década de 1930 pelo staff do Tesouro Britânico contra o programa de obras públicas defendido por Lloyd George, nas eleições gerais de 1929 no Reino Unido, para reduzir as elevadas taxas de desemprego observadas no país desde 1924. A revolução keynesiana demonstrou que a “visão do tesouro” pressupõe uma economia que está operando permanentemente em estado de pleno emprego, o qual é apenas um caso fortuito na dinâmica das economias capitalistas, as quais tendem a operar em uma situação persistente de subutilização da capacidade produtiva (homens e máquinas).
O Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB – José Luis Oreiro Tweet
Um debate reduzido a “dogma de fé”
O problema é que o debate econômico feito no Brasil, na contramão do que ocorre atualmente nos países desenvolvidos, é baseado numa visão pré-keynesiana a respeito do funcionamento do sistema econômico, sendo que essa visão é repetida ad nausean pelos economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro e propagada pela grande mídia, onde há pouco ou nenhum espaço para vozes discordantes do “consenso macroeconômico”.
Dessa forma, o debate público sobre o teto de gastos fica interditado, pois este assumiu um status de dogma de fé. Como sabemos, aqueles que divergem de um dogma são considerados heréticos e ridicularizados pelos defensores da fé verdadeira.
A forma pela qual o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que leitura faz das críticas que o presidente Lula vem recebendo ao falar que os gastos sociais não devem ser preteridos em nome do controle fiscal?
José Luis Oreiro – Acredito que a forma como o presidente Lula se expressou não foi muito feliz, porque é totalmente possível compatibilizar a disciplina fiscal com os gastos sociais. A questão fundamental, no debate político, é definir qual o tamanho do Estado que a sociedade deseja.
A história brasileira mostrou repetidas vezes, por intermédio da eleição de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff por dois mandatos consecutivos cada um, que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social. Parafraseando Santo Agostinho: “Populus locutus, contenda finita” (“o povo falou, o debate está encerrado”, numa tradução livre). A frase original de Santo Agostinho é: “Roma locuta, contenda finita” (Roma se pronunciou, acabou o debate). Sendo assim, a disciplina fiscal consiste tão somente em arrecadar o volume de impostos necessários para financiar aquilo que o povo deseja. Se o déficit fiscal (estrutural, ou seja, ajustado pelo ciclo econômico) para financiar o Estado do bem-estar social se mostrar insustentável, então a solução econômica e política é aumentar a carga tributária para garantir a solvência intertemporal das contas do governo. É exatamente isso o que se espera de um governo de centro-esquerda, como é o caso do presidente eleito.
A história brasileira mostrou (…) que a sociedade Brasileira quer um Estado do bem-estar social – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Precisamos de um controle fiscal?
José Luis Oreiro – Temos que definir precisamente o que se entende por controle fiscal. Defino controle fiscal como uma situação na qual a relação dívida pública/PIB apresenta uma tendência de estabilidade ou queda no médio e longo prazo. No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione o mais próximo possível do pleno emprego dos fatores de produção.
Esse princípio elementar de finanças públicas tem sido omitido do debate público no Brasil, onde frequentemente se faz uma comparação grosseira entre as finanças públicas e as finanças de uma dona de casa. Essa comparação parece ser baseada no bom senso, mas veja: se fôssemos nos basear no bom senso, então a Terra deveria ser plana, dado que ninguém é capaz de ficar em pé, ao menos por muito tempo, sobre uma bola de futebol. Em suma, comparar as finanças públicas com as finanças de uma dona de casa é “terraplanismo econômico”.
Por outro lado, uma situação na qual a relação dívida pública/PIB aumenta de forma persistente, no médio e no longo prazo, não é sustentável, mesmo que a dívida pública esteja denominada na moeda legal do país. O real não é uma moeda de reserva internacional, razão pela qual se encontra num nível inferior na chamada hierarquia de moedas. Um aumento persistente da dívida pública pode levar o mercado – atuando com base nas suas convenções – a retirar dinheiro do país, produzindo uma desvalorização acentuada e súbita da taxa de câmbio, ou seja, uma crise cambial.
Está claro que o Banco Central tem instrumentos para amenizar os impactos dessa crise se assim o desejar. Mas a instabilidade nos mercados financeiros acabará por aumentar a percepção de incerteza de parte dos empresários, resultando em uma redução do investimento privado e, consequentemente, em recessão.
Em suma, o Brasil precisa de um arcabouço fiscal que permita ao governo realizar uma política fiscal anticíclica no curto prazo, ao mesmo tempo que garante uma trajetória não explosiva para a relação dívida pública/PIB. O teto de gastos não atende a nenhuma das duas condições, razão pela qual precisa ser substituído o quanto antes por outro arcabouço fiscal.
No curto prazo, não há nenhum problema em aumentar a dívida pública como proporção do PIB, pois uma das funções da política fiscal é precisamente estabilizar as flutuações econômicas e garantir que a economia funcione – José Luis Oreiro Tweet
IHU – O senhor, junto de outros economistas, encaminhou uma carta a Lula em apoio à revogação do teto de gastos. Entre outras ponderações, vocês consideram esse teto como uma falácia, dada a sua ineficácia para o controle fiscal. Gostaria que o senhor recuperasse esse argumento e o detalhasse.
José Luis Oreiro – Na carta aberta ao presidente Lula, está escrito:
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extrateto em quatro anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.”
A ideia que levou à criação do teto de gastos era congelar o gasto primário da União por um período de dez anos, de forma que o crescimento do PIB durante esse período se encarregasse de reduzir o gasto primário como proporção do PIB entre 3 e 4 pontos porcentuais. Dessa forma, continua o argumento, o governo federal voltaria a gerar superávits primários expressivos, capazes de gerar uma queda da dívida pública como proporção do PIB, sem ter que realizar um aumento da carga tributária.
Em 2016, no debate público sobre a PEC do teto de gastos, afirmei que o teto era insustentável porque implicava numa redução do gasto públicoper capita, uma vez que a população brasileira crescia a um ritmo de 0,8% a.a. Dessa forma, o congelamento do gasto público implicava numa redução da oferta de bens e serviços públicos para a população num contexto em que existem claras deficiências na área de saúde, educação e assistência social. Além disso, existiam componentes do gasto da União que apresentavam taxas de crescimento real significativas e que não poderiam ser significativamente reduzidas, a não ser que direitos garantidos pela Constituição fossem negados.
É o caso, por exemplo, dos gastos com a Previdência Social. Mesmo após a reforma da Previdência em 2019, os gastos previdenciários continuaram aumentando em termos reais devido ao simples crescimento vegetativo dos aposentados e pensionistas. Sendo assim, a manutenção do teto de gastos num contexto de crescimento real das despesas previdenciárias exigiria a redução do chamado gasto não obrigatório, ou seja, aquele que o governo precisa executar por estarem amparados na Constituição.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial. Durante o governo Bolsonaro, os salários reais dos servidores públicos também apresentaram uma queda significativa devido à não reposição das perdas inflacionárias.
Quais gastos foram cortados? O gasto com investimento público em infraestrutura, os gastos de consumo e custeio das universidades federais, o orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns programas de assistência social, como o Abono Salarial – José Luis Oreiro Tweet
Teto de gastos, uma sandice
Durante a pandemia de covid-19, o Congresso aprovou a emenda constitucional do “orçamento de guerra” que suspendia o teto de gastos até 31-12-2020. Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda para gerir o momento, porque a regra fiscal, aprovada pelo governo de Michel Temer, simplesmente não tinha instrumentos para lidar com esse tipo de situação. Em 2020, os gastos realizados fora do teto somaram R$ 507,9 bilhões.
No fim de 2021, com a aproximação das eleições e a baixa popularidade de Bolsonaro, o governo conseguiu que o Congresso aprovasse a chamada PEC dos Precatórios, visando abrir espaço no orçamento para manter o Auxílio Brasil em R$ 400,00 neste ano.
A PEC trouxe duas medidas. Uma delas foi alterar a regra de cálculo do teto de gastos. A regra originalmente estabelecida na EC nº 95 estabelecia que o valor autorizado para as despesas do governo seria atualizado pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Isso porque o orçamento é formulado ao longo do segundo semestre do ano anterior. Dessa forma, o orçamento poderia ser formulado com a informação exata do valor do reajuste do teto.
Com a mudança proposta pelo governo Bolsonaro em 2021, o reajuste do teto passou a ser fixado com a inflação acumulada até dezembro. Ou seja, o orçamento é inicialmente formulado com base na inflação esperada para o ano e, ao fim dele, poderia ser ajustado, caso a inflação, no período final do ano, fosse diferente da inflação acumulada em 12 meses até junho.
O governo fez isso porque já projetava que a inflação fecharia 2021 mais alta do que o acumulado em 12 meses até junho daquele ano. Essa manobra permitiu ao governo gastar, em 2022, R$ 26 bilhões a mais do que seria autorizado pela regra original do teto, segundo os cálculos do economista Bráulio Borges do IBRE/FGV.
Além disso, a PEC autorizou o atraso no pagamento de precatórios (dívidas da União com pessoas e empresas já reconhecidas pela Justiça). O adiamento desses gastos abriu uma folga de mais R$ 49 bilhões no teto.
Veja como o “teto de gastos” é uma sandice: para que o governo federal pudesse fazer frente à pandemia de covid-19, foi necessário fazer uma nova emenda constitucional para gerir a situação – José Luis Oreiro Tweet
PEC kamikaze
Em julho de 2022, o Congresso aprovou a chamada PEC kamikaze, autorizando uma série de benefícios acima do limite constitucional, como o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até 31 de dezembro e novos auxílios para caminhoneiros e taxistas. Foi necessário modificar a Constituição não só devido ao limite do teto, mas também para contornar a legislação eleitoral, que veda a criação de benefícios às vésperas da eleição.
Bráulio Borges calcula que serão gastos R$ 41,2 bilhões acima do teto até o final deste ano, devido à PEC kamikaze. Somando isso ao atraso dos precatórios e à mudança do cálculo do teto, o governo terá usado R$ 116,2 bilhões acima do que a regra original permitiria para este ano.
Um velho adágio popular diz que “contra fatos não há argumentos”. E os fatos mostram que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história da República brasileira.
Os fatos apontam que o teto de gastos não só se mostrou incapaz de congelar os gastos primários da União como também não impediu o uso do orçamento público para fins eleitoreiros na maior escala vista em toda a história – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Ainda na carta, é dito que é equivocado considerar que o país tem taxas de juros altíssimas pelo fato de o Brasil ser considerado mau pagador. Por que há esse equívoco e o que explica as atuais taxas de juros?
José Luis Oreiro – O risco de um calote soberano é algo que é precificado no mercado. O índice EMBI+, criado pelo banco J.P.Morgan, mede a diferença (spread) entre as taxas de juros pagas sobre títulos da dívida pública de diversos países que são negociados nos Estados Unidos e a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana com idêntico prazo de maturidade. Dessa forma, a percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor” pode ser visualizada dia a dia nos preços de mercado dos títulos da dívida pública.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos. No fim do governo Lula, o spread soberano se encontrava num patamar mais baixo, em torno de 190 pontos. Se a taxa de juros no Brasil fosse determinada apenas com base na percepção de mercado sobre a “qualidade do devedor”, então a Selic nominal deveria estar hoje entre 6 e 7% a.a., ao invés de 13,75%.
A taxa de juros está em 13,75% porque o Banco Central acredita que esse é o valor adequado para trazer a inflação para a meta de 3,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 p.p; ou seja, um valor máximo de 5% para o ano de 2022. Isso não tem nenhuma relação com a percepção de mercado sobre o risco de emprestar dinheiro para o governo brasileiro, mas com o modus operandi da política monetária no Brasil. Dado que no Brasil é dever do Banco Central manter a inflação na meta, que a inflação é medida pelo IPCA cheio, sem expurgos para itens mais voláteis como alimentos e energia, e que o prazo de convergência da inflação para a meta é o ano calendário, fica muito difícil para o Banco Central não impor doses cavalares de aumento da taxa de juros, mesmo num contexto de atividade econômica fraca, para cumprir aquilo que a sociedade brasileira manda que ele faça. Daqui, segue-se que só será possível ter taxas de juros mais baixas no Brasil por intermédio de uma mudança no arcabouço institucional da política monetária.
Uma simples inspeção nos dados para o EMBI + Brasil mostra que o mercado não considera o Brasil um mau pagador, pois o spread tem se mantido estável, flutuando numa banda entre 250 a 350 pontos ao longo dos últimos anos – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Que caminho deve ser adotado pelo novo governo quanto à política de juros?
José Luis Oreiro – O primeiro passo será uma flexibilização do regime de metas de inflação no Brasil. Uma ideia é aproveitar a lei que garantiu a autonomia operacional do Banco Central do Brasil para regulamentar o mandato duplo para a autoridade monetária. Embora essa lei preveja que o Banco Central deve se preocupar também com os efeitos da política de juros sobre o nível de atividade econômica, não há nenhuma orientação específica a respeito de como essa “preocupação” deve se manifestar em termos da condução da política monetária.
Eu proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária. Assim, em períodos de baixo crescimento – por exemplo, abaixo de 1% –, o Banco Central deverá calibrar a taxa Selic de maneira a estimular a atividade econômica, de forma a que o crescimento anual se situe acima desse patamar mínimo.
Proponho que o Congresso Nacional aprove uma lei que estabeleça uma taxa mínima de crescimento do PIB como objetivo complementar da política monetária – José Luis Oreiro Tweet
Inércia inflacionária
Um segundo elemento fundamental será reduzir o grau de inércia inflacionária existente na economia brasileira. No trabalho intitulado “The Unfinished Stabilization of the Real Plan: An Analysis of the Indexation of the Brazilian Economy”, escrito em coautoria com o professor Júlio Fernando Costa Santos, da Universidade Federal de Uberlândia, e que será publicado em 2023 no livro Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies – organizado pelos professores Luiz Fernando de Paula (IE/UFRJ) e Fernando Ferrari Filho (UFRGS) e editado pela Edward Elgar (Reino Unido) –, mostramos que a permanência da indexação de preços, salários e contratos com prazo de maturidade superior a um ano faz com que o coeficiente de autocorrelação das séries de inflação (o termo técnico para designar o grau de inércia inflacionária) no Brasil seja significativamente maior do que o observado nos Estados Unidos.
Dessa forma, o Banco Central do Brasil precisa usar uma dosagem de juros maior do que o Federal Reserve para conseguir reduzir a inflação. A indexação de quase 50% da dívida pública federal à taxa Selic, por sua vez, faz com que o custo de rolagem da dívida pública aumente instantaneamente com a elevação da taxa de juros por parte do Banco Central, ou seja, temos um efeito de contágio da política monetária sobre a dívida pública, justamente o inverso do que os economistas ortodoxos afirmam. Sendo assim, para eliminar o problema dos juros no Brasil será necessária uma reforma monetária com a extinção de todos os mecanismos de indexação ainda existentes no Brasil, o que inclui a substituição de todo o estoque de Letras Financeiras do Tesouro por papéis pré-fixados.
A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Qual sua avaliação quanto à PEC da transição? É o melhor caminho do ponto de vista econômico e social? E do ponto de vista da conciliação de forças, mercado e investimento social?
José Luis Oreiro – A PEC de transição é o melhor que pode ser feito por um governo que ainda não foi empossado e que tem pouco tempo disponível para garantir espaço no orçamento de 2023 para cumprir algumas das mais importantes promessas de campanha como, por exemplo, um valor de R$ 600,00 para o Bolsa Família com acréscimo de R$ 150,00 por filho.
IHU – Qual seu diagnóstico caso essa PEC da transição não seja aprovada?
José Luis Oreiro – Esse cenário é impossível.
IHU – São muitos os analistas que dizem que o grande desafio do governo Lula III será a promoção de uma conciliação no Brasil. Na área econômica, como essa conciliação se apresenta? Que forças estão em jogo?
José Luis Oreiro – Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco. Não adianta insistir na agenda do ajuste fiscal sem recuperar o crescimento da economia brasileira, porque se trata de enxugar gelo. Não existe ajuste fiscal que pare em pé sem que a economia cresça. Vimos isso após a implantação do teto de gastos.
Os defensores do teto de gastos afirmavam, em 2016, que ele seria a solução definitiva para o desequilíbrio fiscal no Brasil. Não foi. No fim de 2022, continuamos discutindo o problema do desequilíbrio fiscal no Brasil. Por quê? Certamente que não foi devido à adoção de medidas de controle fiscal. A reforma da Previdência foi aprovada em 2019. O teto de gastos e a reforma da Previdência deveriam ter equacionado a questão fiscal, mas isso não ocorreu. O que ficou faltando? Faltou o principal: a economia brasileira não retomou a tendência de crescimento do período 1980-2014 de 2,88% a.a, isso mesmo antes da pandemia da covid-19.
Entre 2017 e 2019, a economia brasileira cresceu em torno de 1,5% a.a. A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante.
Na economia, a conciliação passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento econômico. Esse tem que ser o foco – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Diante do atual cenário nacional e internacional, quais são os três pontos de que a equipe econômica do governo Lula III não pode abrir mão?
José Luis Oreiro – A futura equipe econômica precisa apresentar três coisas para a sociedade brasileira.
1. Uma nova regra que permita a realização de uma política fiscal anticíclica no curto prazo e garanta a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
2. Um projeto de reforma monetária que reformate o arcabouço institucional do regime de metas de inflação e elimine a indexação de preços, salários, contratos e dívida pública.
3. Um projeto para a reindustrialização do país que seja compatível com a transição para uma economia de baixo carbono.
A agenda de reformas definida no documento “Ponte para o Futuro”, que serviu de base para a política econômica do governo Michel Temer, foi um fracasso retumbante – José Luis Oreiro Tweet
IHU – Deseja acrescentar algo?
José Luis Oreiro – Apenas que estou à disposição para colaborar com o governo eleito no que ele precisar. Este governo tem que dar certo, porque a opção será o retorno da barbárie que vivemos durante o governo Bolsonaro.
Cinco economistas divulgaram nova carta ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), desta vez, fazendo críticas aos alertas feitos pelos representantes da ala ortodoxa
postado em 18/11/2022 19:28 / atualizado em 18/11/2022 20:00
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Transição provocou uma briga entre economistas com linhas de pensamentos opostas. Um dia após a divulgação da carta aberta dos economistas Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central; Edmar Bacha, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); e do ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cinco economistas desenvolvimentistas se uniram e divulgaram uma segunda carta aberta, nesta sexta-feira (18/11), rebatendo a missiva dos economistas que tiveram um importante papel na implementação do Plano Real e são reconhecidos como ortodoxos.
Na carta aberta, os economistas José Luis da Costa Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; Luiz Fernando Rodrigues de Paula, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-Líder do grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento; Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-minstro da Fazneda e professor emérito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Kalinka Martins da Silva, professora do Instituto Federal de Goiás (IFG); e Luiz Carlos Garcia de Magalhães, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirmam, logo no início, que discordam “do início ao fim “da missiva escrita Fraga, Bacha e Malan, na defesa de um teto para as despesas do governo a fim de evitar uma espiral inflacionária.
De acordo com o documento, a ideia de que o teto de gastos como garantia para garantir a disciplina fiscal é uma “falácia” e, nesse sentido, destacam que a atual regra não foi suficiente para evitar um estouro de R$ 795 bilhões durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), em referência ao cálculo do economista Braulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) para a BBC News.
“A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra teto em quatro anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro”, destacaram os economistas da segunda missiva. “O teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos ‘estouros do teto’ patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial”, acrescentaram.
A primeira carta foi motivada, de acordo com Armínino Fraga, pela declaração de Lula criticando o mercado, que recebeu de forma negativa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Transição propondo a exclusão de R$ 198 bilhões em despesas fora do teto de gastos. A proposta para um rombo muito acima do esperado pelo mercado gerou uma crise de credibilidade do novo governo junto ao mercado.
Nesse valor estão os R$ 175 bilhões previstos com o Bolsa Família, que retomará o lugar do Auxílio Brasil, de R$ 600, mais os R$ 150 para cada criança abaixo de seis anos, e mais R$ 23 bilhões extras para investimentos. Só que R$ 105 bilhões dos recursos para o auxílio estão incluídos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2023. Ao explicar a motivação da carta, Fraga destacou que os “indícios preocupantes” para o quadro fiscal.
Oreiro, um dos autores da segunda carta aberta ao presidente eleito, reconheceu a necessidade de uma nova âncora fiscal, que deverá ser discutida a partir de 2023. Além disso, defendeu o corte de subsídios criados pelo atual governo, reduzindo tributos sobre combustíveis, por exemplo, como alternativa para financiar os cerca de R$ 200 bilhões propostos na PEC e que, pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), deverá abrir um espaço de R$ 203 bilhões de despesas não sujeitas ao teto.
“O que tem para cortar no Orçamento são os benefícios tributários, por exemplo, com a PEC Kamikaze, R$ 150 bilhões de impostos federais e estaduais deixaram de ser arrecadados, que deixaram de ser arrecadados, e aí retorna para o mesmo valor de antes. Praticamente já paga o rombo”, afirmou Oreiro, em entrevista ao Correio.”Mas, como dizemos na carta, é preciso ter uma nova regra fiscal a partir do ano que vem, a partir de quando o presidente assumir”, frisou o acadêmico, que defende a desindexação generalizada da economia para permitir a redução o custo do pagamento de juros da dívida pública.
Veja a íntegra da segunda carta dos economistas
Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Eleito da República Federativa do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva.
Prezado Presidente Lula,
Nós os pesquisadores e economistas abaixo assinados gostaríamos inicialmente por parabenizá-lo pela sua eleição ao cargo de Presidente da República Federativa do Brasil no último dia 30 de outubro de 2022. Sua eleição representou o triunfo da civilização e da democracia contra a barbárie e a ameaça autoritária de Jair Bolsonaro. Todos nós ficamos muito felizes e aliviados pelo desfecho do processo eleitoral bem como pelo reconhecimento por parte dos governos das nações civilizadas da sua vitória incontestável no pleito.
Nossa intenção com esta carta, além de parabenizá-lo pela sua vitória, é fazer um contraponto a carta recentemente endereçada a Vossa Excelência pelos economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan. A parte da defesa da civilização e da democracia que os citados economistas fizeram em sua carta, discordamos do início ao fim da missiva escrita por eles.
Na carta enviada a Vossa Excelência, os economistas supracitados se opõem ao seu compromisso de campanha de revogar o Teto de Gastos, o qual na interpretação de Vossa Excelência, a qual é compartilhada por nós, estaria impedindo o aumento dos gastos com saúde, educação, assistência social e investimento em infraestrutura.
Para Fraga, Bacha e Malan o teto de gastos teria desempenhado no Brasil um papel fundamental no sentido de garantir a “responsabilidade fiscal”, a qual é fundamental para manter a inflação sob controle ao assegurar a confiança do “mercado” nas políticas econômicas do governo. Tais economistas afirmam também que a revogação do teto de gastos jogaria o país numa espiral inflacionária devido aos efeitos da desvalorização da taxa de câmbio, o que produziria um arrocho salarial, com efeito negativo para a classe trabalhadora.
A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o Governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra teto em 4 anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.
Fraga, Bacha e Malan argumentam que o Brasil paga taxas de juros altíssimas porque o Estado não é percebido com um bom devedor. Essa afirmação está equivocada. A avaliação de mercado sobre o risco envolvido em emprestar dinheiro para governos soberanos pode ser medida, entre outras formas possíveis, pelo EMBI + calculado pelo Banco J.P. Morgan. No dia 02 de janeiro de 2002, primeiro dia útil do seu primeiro mandato como Presidente da República, Vossa Excelência herdou do governo anterior – no qual trabalharam Fraga, Bacha e Malan – um risco país medido pelo EMBI + de 1527 p.b, ou seja, um spread de 15,27 % sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana de idêntico prazo de maturidade. No dia 31 de dezembro de 2010 o risco país havia se reduzido para 189 b.p; prova inconteste da confiança do “mercado” na responsabilidade fiscal do seu governo. O teto de gastos foi aprovado em segundo turno no Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, data na qual o risco país medido pelo EMBI + do J.P. Morgan se encontrava em 324 b.p, valor 71,42% acima do registrado do último dia de governo do seu segundo mandato como Presidente da República. No primeiro dia útil do governo de Jair Bolsonaro o risco país se encontrava em 275 p.b, valor apenas 15% inferior ao observado no dia da aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos pelo Congresso Nacional, mas 45,5% superior ao verificado em 31/12/2010, último dia do seu segundo mandato como Presidente da República. A avaliação do mercado, tal como expressa nos preços dos títulos da dívida pública transacionados nos mercados internacionais, é claríssima: o teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos “estouros do teto” patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial.
Na carta endereçada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan também afirmam que a elevação da inflação ocorrida entre 2021 e 2022 foi o resultado do descontrole dos gastos públicos patrocinado pelo governo Bolsonaro, o qual “furou” o teto de gastos em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 Bilhões (previsto) para o ano de 2022. Esse é outro equívoco na carta dos economistas supracitados. A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal. Com efeito, a pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram eventos extraeconômicos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial, quer pela desorganização das cadeias globais de valor (caso da pandemia) quer pelas restrições impostas a exportação de petróleo, gás, soja, milho e trigo por conta dos desdobramentos do conflito da Ucrânia. Esse choque de oferta global produziu um aumento dos preços dos produtos intermediários, energia e alimentos que está alimentando a escalada inflacionária em todo o mundo. A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia, calculada em outubro de 2022, se encontra em 11,25%, quase o dobro do valor observado no mesmo período para o Brasil. Na austera Alemanha a inflação se encontra em 11,6% no acumulado em 12 meses. Nos Estados Unidos a inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (dados de outubro de 2022). A política fiscal e monetária do Brasil tem capacidade muito restrita de intervir num processo inflacionário que é gerado fora do país.
No final da carta encaminhada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan afirmam que o problema da falta de recursos para saúde, educação, assistência social e investimento público não são decorrência do teto de gastos, mas da falta de prioridade dada pelo governo a essas áreas. Isso é uma meia verdade. Com efeito, é inegável que o governo de Jair Bolsonaro, tendo Paulo Guedes como Czar da Economia, só deu atenção a assistência social quando isso lhe era eleitoralmente conveniente. Quanto a saúde e educação os números de mortos durante a covid-19 e a falta de recursos para pagar a merenda escolar falam por si mesmos. Mas o teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas. Isso porque ao congelar em termos reais por um período de 20 anos, a contar de 2016, os gastos primários da União o crescimento puramente vegetativo dos gastos com previdência social, os quais mesmo após a reforma previdenciária continuam crescendo 3% a.a em termos reais, faz com que os demais itens do orçamento da União atuem com variável de ajuste para fechar o orçamento, comprimindo os mesmos. Durante o governo Bolsonaro, além da redução do investimento público e dos recursos destinados as áreas de saúde e educação, a folha de salários dos servidores (ativos e inativos) da União foi reduzida de uma média de 4,4% do PIB durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Temer para menos de 3% do PIB em 2022. Isso porque o governo Bolsonaro, ao não conceder reajuste aos servidores públicos nos últimos 4 anos, fez com que a inflação corroesse o valor real dos salários dos servidores da União. O problema é que esse processo de ajuste das demais rubricas do orçamento público chegou ao limite. Não é mais social e politicamente possível reduzir o investimento público, ou os gastos com saúde e educação, ou manter congelados os salários dos servidores públicos. Em outras palavras, o teto de gastos é inviável. Essa é a razão pela qual deve ser substituído por uma nova regra fiscal, cuja definição deverá ser feita a partir do momento em que Vossa Excelência assuma efetivamente, pela terceira vez, o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.
Para finalizar esta carta, gostaríamos de fazer um alerta a Vossa Excelência. No debate sobre o ajuste fiscal no Brasil existe um elemento ausente, a saber: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Em 2022 os gastos com juros serão de mais de R$ 500 bilhões, devendo ultrapassar os R$ 700 bilhões no próximo ano. Trata-se da segunda maior rubrica do orçamento público, ficando atrás apenas dos gastos com previdência social. Esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população. Não existem soluções mágicas para o problema dos juros como tem sido sustentada, por exemplo, pela famosa “auditoria cidadã da dívida”. Por outro lado, o volume pago com juros não decorre de um elevado endividamento público como proporção do PIB (atualmente em 77,12% do PIB segundo dados do Banco Central do Brasil para setembro de 2022). A título de comparação a Espanha tinha, em março de 2022, uma dívida pública como proporção do PIB de 117,7%, mas paga apenas 2% do seu PIB como juros sobre a dívida pública. Não existe uma relação direta entre o tamanho da dívida pública como proporção do PIB e o custo de carregamento da dívida pública, o qual é, em larga medida, determinado pela política monetária conduzida pelo Banco Central.
Todo o complexo de taxas de juros no Brasil é uma anomalia na comparação com o resto do mundo. Nos últimos 30 anos o Brasil não apenas exibiu uma das mais altas, se não a mais alta, taxa básica de juros do mundo; como também as maiores taxas de juros sobre empréstimos bancários e cartões de crédito. Nosso sistema financeiro é gigante e disfuncional, pois não atua como criador de crédito e de financiamento do investimento e do consumo do setor privado; mas como corretor dos rentistas que vivem às custas do financiamento da dívida pública. No Brasil a verdadeira luta de classes não é entre capital e trabalho, mas entre o capital financeiro, de um lado, e os trabalhadores e o capital produtivo do outro. Esse é o conflito de classes que Vossa Excelência deverá arbitrar a partir do dia 01 de janeiro de 2023. Neste contexto, entendemos ser absolutamente legítimo e viável abrir espaço no orçamento para viabilizar gastos públicos imprescindíveis para o enfrentamento da enorme crise social e econômica que o país está passando. Isto deverá ser combinado, quando estiver empossado, com a adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade na execução do orçamento com sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.
Era isso o que queríamos comunicar a Vossa Excelência. Sem mais por hora nos despedimos cordialmente, com sinceros votos de sucesso em seu terceiro mandato como Presidente da República.
José Luis da Costa Oreiro (UnB, líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Fernando Rodrigues de Paula (UFRJ, vice-Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)
Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP, professor emérito)
Recentemente estive participando de um debate no Corecon-DF sobre o comportamento da taxa de juros no Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=qufwmPuW3JA&t=20s). Na minha apresentação procurei focar sobre o comportamento de longo prazo da taxa de juros (Selic real ex post), o qual apresenta um nível estruturalmente elevado na comparação com a taxa de juros internacional ajustada pelo prêmio de risco país (Ver Figura 1 abaixo). Contudo, foi inevitável que o debate também abordasse o comportamento mais recente da política monetária, em particular o último ciclo de elevação da Selic iniciado em março de 2021 que elevou a selic nominal do patamar de 2% a.a para o patamar de 13,75% a.a em agosto de 2022. Na comparação internacional o Brasil foi um dos primeiros, se não o primeiro país do mundo, a iniciar o processo de “normalização” da política monetária e o fez num ritmo muito superior ao observado nos países que iniciaram mais tardiamente esse processo.
Figura 1
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
A elevação da taxa de juros no Brasil e em diversas partes do mundo foi uma reação a aceleração da inflação observada a nível global a partir do segundo semestre de 2020, aceleração essa que se intensificou ao longo do ano de 2021 e, notadamente, após a invasão da Ucrânia pela Rússia no dia 24 de fevereiro de 2022.
A figura 2 abaixo apresenta a evolução diária dos preços spot de três commodities, a saber: trigo, soja e petróleo no período compreendido entre 02/01/2020 a 25/08/2022. No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a existência de uma Pandemia de Covid-19. Conforme podemos verificar na figura abaixo, o efeito da pandemia sobre os preços das commodities foi nitidamente baixista no primeiro semestre do ano de 2020. O petróleo, por exemplo, acumulou um queda de 37,89% no período compreendido entre 02 de janeiro e 30 de junho de 2020. Não é de admirar, portanto, que o impacto inicial da Covid-19 tenha sido deflacionário, isto é, tenha resultado numa redução expressiva dos índices de inflação globais no primeiro semestre do ano em questão.
Figura 2
Fonte: Macrotrends e Quantum Axis.
No início do segundo semestre de 2020, contudo, as economias da Europa, Estados Unidos e China começaram um processo de reabertura gradual após um longo período de lockdown em meados do primeiro semestre. Os governos e os bancos centrais dos países desenvolvidos realizaram uma forte expansão fiscal e monetária com o objetivo de atenuar o impacto sobre a renda das famílias e sobre a solvência das empresas resultante das medidas de lockdown necessárias para frear a contágio do vírus e evitar o colapso dos sistemas de saúde pública. Essas medidas foram reforçadas em 2021 nos Estados Unidos após a posse de Joe Biden como Presidente da República.
Em tese a reabertura das economias dos países desenvolvidos após as medidas de lockdown serem suspendidas não deveria trazer maiores problemas. Embora a covid-19 tenha ceifado a vida de algumas milhões de pessoas ao redor do mundo, o impacto sobre o tamanho da força de trabalho foi relativamente pequeno. Além disso, o estoque de capital físico e o nível de conhecimento tecnológico não foram afetados pela pandemia, o contrário do que pode vir a acontecer num cenário de Terceira Guerra Mundial em função da ampliação do conflito na Ucrânia ou das aventuras militares norte-americanas pelas águas do Mar da China. Sendo assim, as economias atingidas pela covid-19 deveriam se recuperar rapidamente da queda ocorrida em 2020, apresentando elevados níveis de crescimento em 2021.
No que se refere ao nível de atividade econômica a recuperação ocorreu, mas num ritmo mais rápido nos Estados Unidos do que na Europa, devido a maior amplitude da expansão fiscal realizada pelo governo americano na comparação do que aquele realizado pelos governos dos países europeus.
No entanto, quando verificamos o comportamento dos preços das três commodities em análise constatamos que em 2021 os mesmos não só recuperaram os níveis prevalecentes no período anterior ao da pandemia, como ainda fecharam o ano num patamar muito maior do que os níveis pré-pandemia. Aqui nos deparamos com um puzzle: dado que no final de 2021 as economias dos países desenvolvidos haviam conseguido, quando muito, recuperar as perdas ocorridas no ano anterior, como explicar uma elevação dessa magnitude nos preços das commodities em consideração?
A resposta elementar é que a elevação dos preços das commodities não foi resultado de um aumento da demanda, mas de uma contração da oferta. No caso do petróleo a explicação é muito simples: a OPEP reduziu a produção de petróleo em 1,92 milhões de barris por dia em junho de 2020 na comparação com maio do mesmo ano como resultado da tentativa do cartel internacional dos países exportadores de petróleo de reverter a queda de preços ocorrida entre março e abril de 2020. Como resultado desse corte a produção de petróleo da OPEP caiu ao menor nível desde o ano de 2000. Embora algumas flexibilizações na redução da produção da OPEP tenham ocorrido desde então, principalmente após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a produção da OPEP se manteve inferior aos níveis pré-pandemia, o que explica, em parte, a elevação do preço do petróleo.
Apenas a redução da produção de petróleo da OPEP não pode explicar o comportamento dos preços das commodities agrícolas. No caso das mesmas o comportamento dos preços entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2021 se explica por uma série de razões. Em primeiro lugar vários países em desenvolvimento reduziram suas exportações de alimentos e/ou aumentaram suas importações de soja e milho para constituírem estoques de alimentos em face ao risco de rompimento ou interrupção da cadeia mundial de suprimentos pelos efeitos das sucessivas ondas de contágio de covid-19. Em segundo lugar, a retomada rápida e generalizada do nível de atividade econômica nos países desenvolvidos e em desenvolvimento gerou um “efeito engarrafamento” na logística mundial de transporte de cargas. Os estoques acumulados de matérias-primas e bens acabados nos diferentes portos do mundo durante os períodos de lockdown não poderiam ser imediatamente transportados ao seu destino com a frota de navios de cargas herdada do período pré-pandemia. Problemas similares também ocorreram nos portos secos com o transporte de carga por trens e caminhões. Esses gargalos ou engarrafamentos na logística de transporte fizeram com que a oferta de bens intermediários como semi-condutores e fertilizantes agrícolas não pudesse acompanhar o crescimento da demanda. A elevação dos preços dos insumos utilizados na agricultura tem impacto direto nos preços das commodities agrícolas, elevando os preços das mesmas.
Ao longo do segundo semestre de 2021, contudo, os preços das commodities apresentam nítidos sinais de estabilização, com o preço da soja recuando fortemente com relação ao pico observado em maio de 2021. O preço do petróleo também apresenta um recuo nítido no período entre 20 de outubro a 03 de dezembro de 2021. Aparentemente os efeitos da pandemia do covid-19 sobre a logística mundial de transportes estavam desaparecendo, o que sinalizava uma queda dos preços das commodities e, consequentemente, da inflação global para o ano de 2022.
Contudo, a partir de meados de dezembro de 2021 a Rússia começa a realizar uma série de exercícios militares ao longo de toda a fronteira com a Ucrânia, mobilizando cerca de 200 mil homens. Rumores passaram a circular com crescente força de que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, preparava uma invasão ao território ucraniano, o que de fato ocorreu no dia 24 de fevereiro de 2022, dando início a um conflito militar que se estende até os dias de hoje e que não tem, no momento que escrevo essas linhas, nenhuma perspectiva de encerramento
A expectativa de um conflito entre Ucrânia e Rússia teve um forte impacto sobre os preços da soja e do petróleo entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022. Com o rompimento do conflito bélico, os preços das commodities disparam devido ao peso da Rússia e da Ucrânia nas exportações mundiais de petróleo (Rússia) e trigo (Rússia e Ucrânia). A imposição das sanções econômicas pelos países da OTAN a Rússia contribuiu para o agravamento do problema no curto prazo, ao impor dificuldades operacionais para a exportação de petróleo e gás pela Federação Russa. As sanções econômicas também dificultaram a produção e a exportação de fertilizantes pela Rússia, contribuindo assim para aumentar o custo de produção das commodities agrícolas, entre as quais a soja.
Embora os preços das commodities tenham recuado com respeito ao pico observado no início do conflito (um exemplo claro de over-shooting), os mesmos permanecem em patamares consideravelmente superiores aos observados em dezembro de 2021, os quais, por sua vez, eram muito mais altos do que os observados em dezembro de 2020.
Todo esse razoado nos leva a conclusão lógica de que a economia global teve o “azar” de passar por dois choques negativos de oferta de forma consecutiva, elevando a taxa de inflação por um período muito maior de tempo do que ocorreria caso esses eventos não tivessem ocorrido de forma sequencial.
Em função da natureza do recrudescimento da inflação no Brasil e no mundo nos últimos dois anos a pergunta que se coloca é como deve se comportar a política monetária ? Um choque de oferta temporário produz uma aceleração temporária da inflação e uma queda do nível de atividade econômica, a qual passa a operar abaixo do potencial. Aqui a autoridade monetária se acha diante do dilema entre estabilizar a atividade econômica, acomodando o choque de oferta com uma redução da taxa de juros; ou estabilizar a taxa de inflação ao nível pré-choque, elevando a taxa de juros. Nesse caso, não ocorre a “coincidência divina” prevista nos modelos de meta de inflação: inflação e nível de atividade econômica se movem em direções opostas.
Os bancos centrais dos países desenvolvidos optaram, a meu ver corretamente, acomodar o choque de oferta mantendo as taxas nominais de juros em torno de zero ou até mesmo negativas, com base no pressuposto de que a aceleração da inflação seria temporária. Dado que o período compreendido entre a eclosão da crise financeira internacional de 2008 e a erupção da pandemia da covid-19 foi marcado por um crescimento anêmico do emprego e do nível de atividade econômica – o que levou muitos analistas a supor que a economia dos países desenvolvidos havia entrado numa era de estagnação secular – e uma inflação inferior a 2% a.a, a decisão de acomodar o choque de oferta temporário era mais do que justificada, pois uma normalização prematura da política monetária poderia matar a recuperação das economias dos países desenvolvidos após o fim das medidas de distanciamento social, com efeitos pouco expressivos sobre a dinâmica de curto prazo da taxa de inflação.
O início da guerra na Ucrânia frustrou as expectativas dos bancos centrais de acomodar o choque de oferta. O que deveria ser um aumento temporário da inflação, tornou-se um aumento persistente. Face a recuperação do nível de emprego nos Estados Unidos e, em menor medida, na Europa, o risco que se colocava pela aceleração persistente da inflação devido a um choque de oferta era desencadear um movimento de recomposição dos salários reais por intermédio da indexação dos salários aos preços. A indexação transformaria uma elevação persistente da inflação em elevação permanente devido ao aumento da inércia inflacionária. Face a esse risco os bancos centrais dos países desenvolvidos decidiram iniciar em 2022 um processo de normalização da política monetária com elevações sucessivas da taxa básica de juros sendo realizadas pelo Federal Reserve, pelo Bank of England e pelo Banco Central da Europa. No momento em que escrevo essas linhas, a taxa básica de juros nos Estados Unidos está no intervalo entre 2,25% a 2,5% a.a, no Reino Unido está em 1,75% a.a e na Área do Euro está em 0% a.a, deixando assim o território negativo em termos nominais que se encontra a vários anos.
Na comparação com os países desenvolvidos o Banco Central do Brasil começou o ciclo de elevação da taxa básica de juros com pelo menos um ano de antecedência, e já opera com uma taxa real de juros positiva, seja ex-post ou ex-ante. Contudo, se não fosse a deflação de julho de 2022, decorrência da redução dos impostos estaduais e federais sobre combustíveis e energia elétrica, a variação acumulada em 12 meses ainda estaria acima de 10% o que mostra a impotência da política monetária para lidar com os efeitos adversos de um choque de oferta, cuja origem se encontra fora das fronteiras nacionais. Está claro que alguma elevação da taxa de juros seria necessária face a aceleração da inflação no Brasil mas, citando o Senador José Serra durante a campanha presidencial de 2010, “a diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem”. Além disso, como o caso da deflação de julho deixou bastante nítido, o governo dispõe de mecanismos para lidar com os efeitos inflacionários de choques de oferta adversos. A redução dos impostos sobre combustíveis terá um custo de cerca de 100 bilhões de reais no acumulado em 12 meses. A elevação da taxa de juros entre março de 2021 e agosto de 2022 custou um aumento de cerca de 300 bilhões de reais no pagamento de juros sobre a dívida pública.
Se considerarmos os juros como parte integrante da despesa pública, ao invés de trata-la como uma “despesa ausente” como é feito no Brasil há mais de 20 anos, então podemos chegar a conclusão de que é possível fazer alguns compromissos entre redução de impostos (indiretos) e redução da taxa de juros no que se refere a combater os efeitos de um choque de oferta sobre a dinâmica da inflação numa economia que, por mais que os economistas convencionais afirmem o contrário, encontra-se ainda muito longe da plena utilização da capacidade produtiva.
Plano Real não eliminou todos os mecanismos de indexação existentes na economia Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
O Plano Real, iniciado em 1994, conseguiu remover mecanismos de indexação de curto prazo da economia brasileira, mas ainda é um processo inacabado no combate à inércia inflacionária, cujo coeficiente roda em 0,3, estimam os professores José Luís Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), e Julio Fernando Costa Santos, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em capítulo que será publicado no livro “Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Countries” (Edward Elgar Publishing).
Foto: Professor José Luis Oreiro (UnB, CNPq e UPV)Foto: Professor Julio Fernando Costa Santos (UFU)
O Real, dizem os autores, ajudou a desarmar o “efeito memória” da inflação, de modo que as taxas passaram de 2.477% em 1993 para 22,4% em 1995 e ficaram abaixo de 10% ao ano em boa parte dos períodos seguintes. O plano, no entanto, não eliminou todos os mecanismos de indexação existentes na economia. Além dos salários, preços de energia, de serviços de telecomunicações e de abastecimento de água, por exemplo, são reajustados com base em índices como o IPCA e o IGP-M. E o financiamento público brasileiro é essencialmente via títulos de curto prazo e indexados. “Embora o plano tenha conseguido reduzir as taxas de inflação no Brasil para níveis moderados nos primeiros anos após sua implementação, a inflação média de longo prazo mostrou uma notável resistência a cair abaixo de 5% ao ano, devido à manutenção da indexação de preços para períodos superiores a um ano”, dizem os autores. Eles analisaram o comportamento de quatro índices (IPCA preços livres, IPCA cheio, IGP-M e IPA), controlados por diversas variáveis explicativas, como a taxa de câmbio efetiva, o hiato do produto (medida para a ociosidade da economia), o IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central), a taxa de juros real de curto prazo e a expectativa de inflação no boletim Focus.
“Os resultados obtidos mostram que todos os índices de inflação possuem efeito inercial significativo”, afirmam os autores. “Ainda não desarmamos instituições que faziam sentido durante o período de inflação alta, mas que não fazem mais hoje. Esses mecanismos precisam ser desmontados para que o Brasil consiga ter uma inflação baixa. O coeficiente inflacionário para um período grande está acima de 0,3, é muito maior do que o 0,10, 0,15 estimado em outros estudos”, aponta Oreiro. Os autores testaram também a evolução da inércia ao longo do tempo para os índices brasileiros e para o American Consumer Price Index (CPI), medida para a inflação ao consumidor nos Estados Unidos. Os quatro índices de inflação brasileiros sempre apresentam um nível superior ao da economia americana, observa o estudo. “Depois do Plano Real, o coeficiente de inércia inflacionária caiu, mas permaneceu significativamente acima do caso de controle, que é os EUA”, diz Oreiro.
Os autores testaram também a evolução da inércia ao longo do tempo para os índices brasileiros e para o American Consumer Price Index (CPI), medida para a inflação ao consumidor nos Estados Unidos. Os quatro índices de inflação brasileiros sempre apresentam um nível superior ao da economia americana, observa o estudo. “Depois do Plano Real, o coeficiente de inércia inflacionária caiu, mas permaneceu significativamente acima do caso de controle, que é os EUA”, diz Oreiro. O aumento do efeito inercial em determinados períodos não significa exatamente um aumento no grau de indexação da economia, dizem os autores, mas o grau ainda elevado de indexação implica uma rigidez na redução do efeito inercial. “Dificulta muito o controle da inflação por meio da política monetária, uma vez que exige taxas de juros de curto prazo muito altas para manter a inflação em níveis moderados”, afirmam.
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)