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José Luis Oreiro[1]

Daniel Mourada Costa Teixeira[2]

Helder Lara Ferreira Filho[3]

O funcionamento da economia envolve a extração de recursos naturais, sob a forma de matéria-prima e energia, a serem consumidos pela sociedade, e o lançamento de rejeitos ao meio ambiente, que os neutralizará por meio de mecanismos próprios dos ecossistemas. Durante a maior parte da história, essa relação com o meio ambiente obedeceu à sua capacidade de suporte. Contudo, o processo de desenvolvimento econômico, da maneira que conhecemos desde o início da Revolução Industrial, ou seja, um processo de mudança estrutural na direção de setores e atividades econômicas com maior valor adicionado per-capita, tem causado desequilíbrios substanciais e crescentes em termos ambientais, colocando em risco o funcionamento da economia, bem como o bem-estar e a sobrevivência da humanidade. Por isso, na grande maioria dos países, a agenda atual de desenvolvimento econômico converge com a ambiental, justamente para dar sustentabilidade a esse processo.

A adoção de tecnologias limpas – ao invés daquelas intensivas em carbono – pode fazer com que o desenvolvimento econômico seja acompanhado de uma degradação ambiental constante ou, até mesmo, decrescente. Esse processo é possível somente como resultado de uma mudança estrutural ecológica na direção de atividades e setores da economia que utilizem essas tecnologias e sejam ambientalmente mais eficientes. Nesse contexto, a literatura de complexidade econômica argumenta que a ampliação contínua da sofisticação produtiva é uma condição essencial para desencadear essa mudança, pois reflete a capacidade da economia em gerar e absorver novas tecnologias, com melhores técnicas e capacidades. De fato, há evidências empíricas robustas de que o aumento da complexidade econômica leva a melhor performance ambiental. Isso se daria, dentre outras razões, por conta do uso mais eficiente de energia e menor geração de determinados poluentes. Ainda vale destacar que, em decorrência dos ganhos de produtividade e eficiência, juntamente com os efeitos de transbordamento dos segmentos, com maior nível tecnológico e mais ambientalmente eficiente, para os demais; a mudança estrutural ecológica é capaz de fomentar a aceleração do desenvolvimento econômico nessa transição. Em outras palavras, não existe trade-off de longo-prazo entre desenvolvimento e conservação ambiental.

Contudo, o investimento na geração e adoção de tecnologias limpas não ocorre espontaneamente na quantidade necessária para desencadear a mudança estrutural ambientalmente requerida por conta da elevada incerteza inerente a esse tipo de investimento em atividades de natureza altamente experimental, a qual desestimula o espírito animal do setor privado. Somado a isso, há diversas falhas de mercado que impedem os investidores de capturarem os retornos que poderiam ser gerados: externalidades tecnológicas positivas na forma de aprendizado coletivo, desenvolvimento de habilidades ou efeitos de aglomeração; dificuldade no estabelecimento do preço do carbono, resultando em um custo privado da emissão de carbono bem inferior ao seu custo social; e a natureza de bem público global da redução de carbono, encorajando o surgimento de free-riders.

A solução para essa questão passa pela institucionalização de um mecanismo de interação entre os setores privado e público, além de um mix política fiscal, industrial, comercial e regulatória que, não só induzam os agentes privados a internalizar os benefícios sociais e os custos de investimentos em tecnologias sustentáveis em suas atividades; como também permita ao Estado liderar, por intermédio de seus investimentos, a mudança estrutural ecológica naqueles setores e atividades nos quais a incerteza dificulte ou impossibilite o investimento privado. Devido às diversas demandas geradas pelas metas de redução de emissões e progresso tecnológico, somadas à diversidade de mecanismos envolvidos nas falhas de mercados apontadas, é recomendado que essas políticas sejam formuladas e coordenadas dentro de uma ampla estratégia nacional de desenvolvimento verde.

Nesse contexto, o Estado tem o papel de prover informações para os demais agentes, identificando oportunidades de diversificação setorial da economia que contribuam para as metas de sustentabilidade ambiental, como as emissões de carbono. Também deve antecipar as tendências tecnológicas de longo prazo, fomentar a consolidação de mercados para novos produtos e prover os incentivos necessários para que a economia se beneficie da mudança estrutural em curso, possibilitando que surjam firmas nacionais pioneiras nos setores ambientalmente sustentáveis. Vale ressaltar que essas empresas podem adquirir vantagens competitivas à nível internacional, decorrentes do pioneirismo, ampliando seus mercados, dominando tecnologias de fronteira, aumentando a escala de produção e ditando novas tendências de mercado.

Por outro lado, uma aproximação excessiva entre os formuladores de política e os empresários pode aumentar os riscos de corrupção e de processos de rent-seeking. Sendo assim, deve-se estabelecer estruturas de governança para que isso seja evitado, como a criação e fortalecimento de conselhos, fóruns de coordenação entre os setores público e privado, agências de desenvolvimento, organizações sem fins lucrativos e instituições de representação que facilitem a troca de conhecimento entre os atores. Nessas instâncias seriam implementados os mecanismos de transparência e accountability das políticas públicas. Também devem ser criados protocolos que reconheçam eventuais erros de execução e revisem a política adequadamente e de forma periódica. Por fim, é recomendável que essa estratégia nacional, no caso Brasileiro, possua um alto status na agenda do governo de turno, devendo ser gerida pelo vice-presidente, ministério ou agência com alta capacidade de articulação política e ascendência sobre os demais membros do governo.

Como se pode perceber, gerar desenvolvimento econômico em bases ambientalmente sustentáveis não é uma tarefa simples. A crescente divergência de renda per-capita a nível internacional verificada nos últimos 200 anos (a assim chamada “grande divergência”) mostra que o desenvolvimento econômico é privilégio de poucos países. No século XXI, no qual a preocupação ambiental é cada vez mais urgente, o Estado não pode se furtar de pensar nesses termos para que o Brasil tenha alguma chance de se tornar um país de renda alta, ambientalmente sustentável e socialmente inclusivo.


[1] Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.

[2] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília.

[3] Doutorando em Economia pela Universidade de Brasília.