Não a PEC 65/2023 : O Banco Central é uma Instituição típica de Estado, não uma empresa

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Por José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

A competente jornalista Maria Clara do Prado escreveu na sua coluna de quinta-feira, dia 07 de março (ver https://valor.globo.com/opiniao/coluna/pec-poe-em-xeque-vinculo-entre-bc-e-tn.ghtml), no Valor Econômico uma série de críticas pertinentes e preocupantes sobre a PEC 65/2023 cujo objetivo é dar autonomia financeira para o Banco Central do Brasil, o qual deixaria de fazer parte do governo em sentido amplo para ser uma empresa pública. A justificativa apresentada pelo presidente do Banco Central é que isso permitiria melhorar os salários dos funcionários da instituição que estariam muito defasados com relação aos que podem ser obtidos no sistema financeiro privado. No entanto o centro da proposta, como apontado no artigo da colunista do Valor, consiste “no uso de receitas de senhoriagem para o financiamento de suas despesas (do BC). Entende-se aqui por senhoriagem o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros. A apuração é realizada aplicando-se uma medida de taxa de juros nominal sobre o valor da base monetária”

Como a própria colunista apontou trata-se de uma redação confusa, para dizer o mínimo. A definição está INCORRETA. Para entender isso é necessário retomar alguns conceitos básicos de economia monetária. Para começar: o que é moeda? A moeda é definida como a unidade de conta do sistema de contratos (a vista e a termo) e o instrumento utilizado para a liquidação dos mesmos no seu vencimento. A moeda não surge, portanto, como a propriedade emergente da interação dinâmica entre os agentes econômicos privados (como Paulo Guedes afirmou recentemente em mais um das suas vídeo entrevistas nas quais destila toda sua ignorância de história econômica e economia monetária) mas é uma criação do Estado. Como disse Keynes no seu Tratado sobre a Moeda (1930), o qual antecedeu a Teoria Geral (1936), é o Estado que define qual o padrão que será utilizado como unidade de conta nos contratos, o instrumento que será utilizado para liquidar os mesmos no seu vencimento e, não menos importante, o Estado é a garantia de que os contratos não podem ser descumpridos. Em outras palavras, a moeda é uma criatura do Estado (Lerner, 1947).

A moeda é criada pelo Estado por intermédio do Banco Central, ao menos desde o momento em que as economias capitalistas abandonaram o sistema de moeda-mercadoria, no qual o instrumento utilizado para a liquidação de contratos eram moedas de ouro e prata cunhadas pelo Estado, em prol do sistema de moeda fiduciária, no qual o meio de pagamento é constituído de notas de papel cujo valor intrínseco é zero. A senhoriagem nada mais é da que a diferença entre o valor de face das notas de papel (digamos uma nota de 200 reais) e o custo de produção da mesma pela Casa da Moeda (alguns míseros centavos). Essa diferença entre o valor de face e o custo de produção das cédulas é apropriada pelo Estado pois o mesmo dispõe do monopólio legal de emissão de moeda.

Ao contrário do senso-comum a moeda não é criada pela Casa da Moeda, a qual é apenas uma indústria gráfica, responsável entre outras coisas por emitir os passaportes de cidadãos brasileiros que viajam para o exterior. A moeda é criada quando o Banco Central adquire ativos, seja moeda estrangeira para aumentar as reservas internacionais, seja títulos públicos que estão na carteira dos bancos comerciais. A compra desses ativos é, por assim dizer, financiada com um crédito na conta de reservas bancárias que os bancos comerciais tem no Banco Central (Ver Carvalho et al, 2000, capítulos 1 e 6).

Aliás os bancos comerciais só podem fazer pagamentos entre si por intermédio da transferência de reservas das suas contas no Banco Central, eles não podem pagar com os passivos que eles mesmo criam, que são os depósitos a vista (Lavoie, 2022, capítulo 4). Para deixar mais claro, se ao final do dia o Banco X tem uma posição líquida negativa ( diferença entre depósitos e saques) com o banco Y então o Banco X terá que transferir para o Banco Y o valor correspondente da sua conta de reservas no Banco Central. Ao final de cada dia o Sistema Especial de Liquidação e Custódia do BC calcula a posição líquida de cada banco e exige que as posições sejam zeradas. Caso algum banco tenha uma posição líquida negativa superior ao montante de suas reservas no Banco Central, então deverá tomar emprestado reservas com outros bancos comerciais ou com o proprio Banco Central. Esse é o chamado mercado interbancário onde os bancos tomam reservas emprestadas entre si ou com o Banco Central. A taxa de juros desses empréstimos é a Selic, cujo valor é periodicamente fixado pelo Conselho de Política Monetária do Banco Central. Como o Banco Central atua como market-maker no mercado interbancário fixando o valor da taxa de juros dos empréstimos entre bancos, segue-se que ele deve estar disposto a ofertar todas as reservas que os bancos demandarem a taxa Selic. A quantidade de moeda torna-se então uma variável endógena, ou seja, ela é o resultado, ao invés da causa, do crescimento da renda nominal. Friedman e o monetarismo estão mortos.

Até o presente momento não falamos sobre as cédulas de papel. O leitor deve ter observado que as transações ocorridas no mercado interbancário são puramente digitais, ou melhor, apenas um registro contábil de débitos e créditos, no qual o Banco Central desempenha um duplo papel de casa de compensações e de emprestador de última instância.

Apesar da evolução das operações de pagamento digital (cartão de débito e PIX) muitos pagamentos ainda são feitos em cédulas de papel. Isso significa que, todos os dias, o sistema bancário recebe depósitos em papel moeda e o público realiza retiradas de papel moeda de suas contas de depósitos a vista. Para que esse sistema possa funcionar diariamente os bancos precisam ter em caixa cédulas de papel que, na verdade, são uma parte das reservas que eles possuem no banco central. Assim quando a demanda por cédulas de papel aumenta o Banco Central ordena a Casa da Moeda para imprimir mais cédulas de papel, as quais são distribuídas ao sistema bancário conforme a necessidade de cada instituição bancária.

Feitos esses esclarecimentos conceituais, voltemos a análise da PEC. O texto da PEC confunde receita de senhoriagem com os juros que o Banco Central recebe sobre os títulos públicos que ele comprou com a emissão de base monetária. A senhoriagem refere-se, como vimos, a diferença entre o valor de face das cédulas de papel e seu custo de produção. Dada a ampliação dos pagamentos por meio digital a quantidade de cédulas de papel em circulação está caindo, de maneira que essa receita é desprezível. A receita que importa é a receita com a carteira de títulos públicos possuída pelo Banco Central, e é aqui que mora o detalhe escabroso da proposta da PEC.

O Banco Central do Brasil é proibido por lei a emitir títulos para financiar suas operações normais de política monetária. Caso o Banco Central esgote toda a sua carteira de títulos com operações compromissadas então o Tesouro Nacional será obrigado a fazer um aporte de capital no Banco Central na forma de títulos públicos, aumentando o capital próprio do banco no lado do passsivo, e a carteira livre do Banco Central no lado do ativo. Isso não ocorre, contudo, quando o Banco Central dispõe na sua carteira de títulos livres, ou seja, títulos que não estão sendo utilizados nas operações compromissadas, as quais consistem na venda de títulos públicos que estão na carteira do banco central com um compromisso de recompra em alguma data futura (a qual varia de 1 a 28 dias). Nessas operações o Banco Central irá recomprar os títulos que vendeu a um preço que é aproximadamente igual ao valor da selic durante o prazo da operação. Tudo se passa como se o sistema bancário estive fazendo um empréstimo de curto-prazo para o Banco Central, pagando a selic proporcional ao período do empréstimo.

Via de regra esse tipo de operação gera um resultado líquido zero para o Banco Central porque ele vai pagar para os bancos comerciais a mesma taxa de juros que recebe do Tesouro Nacional. O lucro auferido pelo banco central vem de duas fontes. A primeira é dos juros recebidos pela sua carteira livre. Tratam-se de títulos públicos na posse do Banco Central que não estão sendo utilizados nas operações compromissadas. Se a carteira livre for de, digamos, 300 bilhões de reais e a Selic média ao longo de 2024 for de 10% então o Banco Central se apropria de uma receita de 30 bilhões de reais. A segunda fonte é o ganho de capital que o Banco Central aufere pela valorização das reservas internacionais em termos da moeda corrente do país. No governo Bolsonaro o real se desvalorizou cerca de 30% com respeito ao dólar. Como as reservas internacionais do Brasil são de aproximadamente 350 bilhões de dólares, temos uma receita de 105 bilhões de dólares, ou seja, algo como 525 bilhões de reais ao câmbio de hoje.

Pois bem, o leitor já deve ter percebido a cretinice a proposta de emenda constitucional. Essas receitas do Banco Central derivam-se exclusivamente de seu papel como Instituição de Estado, responsável pela administração do sistema de meios de pagamento, criação de moeda e custodiante das reservas internacionais do Brasil. A PEC quer tornar uma instituição típica de Estado numa empresa pública para distribuir os seus, por assim dizer, lucros para os funcionários do Banco Central. Acontece que esse dinheiro pertence ao Estado Brasileiro e como tal tem sido devolvido, até recentemente, ao Tesouro Nacional para o abatimento da dívida pública. Sem esse instrumento, o Brasil vai criar a sua versão do Euro, ou seja, teremos uma moeda sem um Estado para garantir a confiabilidade na mesma. Receio que o resultado disso será o enriquecimento de alguns, com prejuízo para o restante da sociedade brasileira, pois será necessária um aumento da carga tributária para substituir essa receita que o Banco Central, até recentemente, transferia a cada seis meses para o Tesouro Nacional (no governo Bolsonaro foi criada uma conta de resultados no Banco Central no qual os superávits de um ano são usados para financiar eventuais déficits em outros anos, de maneira a evitar que o Tesouro Nacional tenha que fazer um aporte de capital para o Banco Central na forma de títulos públicos toda a vez que o Banco Central tem prejuízo).

Eu não discordo de que os salários dos funcionários do Banco Central estejam defasados, aliás o funcionalismo público federal acumula uma perda de mais de 30%, boa parte da mesma gerada no governo Bolsonaro que não corrigiu os salários dos servidores públicos pela inflação passada (a famosa granada do Guedes no bolso dos servidores públicos). Mas isso não se resolve com essa PEC, mas com a reestruturação do plano de carreira e de salários dos servidores do Banco Central. Coisa que alías não precisa de uma PEC para ser implementada, basta um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional.

Em suma, essa PEC soa como “algo podre no reino na Dinamarca”.

Referências

Carvalho, F.C; et al (2000). Economia Monetária e Financeira: Teoria e Prática. Editora Campus: Rio de Janeiro.

Lavoie, M. (2022). Post-Keynesian Economics: New Foundations. Edward Elgar: Cheltenham.

Lerner, A. (1947). “Money as a Creature of State”. The American Economic Review Vol. 37, No. 2, Papers and Proceedings of the Fifty-ninth Annual Meeting of the American Economic Association (May, 1947) , pp. 312-317 

Keynes, J.M. (1930). A Treatise on Money. Harcourt Brace and Company: Nova Yorque.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Programa da Disciplina “Leituras de Desenvolvimento Econômico” (Tópicos Especiais em Economia Política) do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade de Brasília

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Caros leitores,

Tenho observado uma grande lacuna na formação dos alunos do curso de pós-graduação em economia, não só na Universidade de Brasília como também em outros programas de pós-graduação, no que diz respeito ao conhecimento dos artigos e livros seminais da Economia do Desenvolvimento Econômico. A maioria dos discentes nunca teve contato com os textos originais dos fundadores da disciplina de Desenvolvimento Econômico como Rostow, Lewis, Rosenstein-Rodan, Hirschman, Polanyi, Gershenskron, Prebisch, entre outros. Isso sem contar autores mais recentes como Amsden e Reinert que atualizaram a Teoria do Desenvolvimento Econômico para o contexto atual da globalização e da experiência bem sucedida dos Estados Desenvolvimentistas do Leste da Ásia.

No final do ano passado reuni um grupo de alunos da pós-graduação em economia da UnB para dar início a um grupo de estudos sobre o tema, mas infelizmente a ideia não foi adiante por falta de tempo de ambas as parte.

Dessa forma, decidi ofertar no primeiro semestre de 2024 uma disciplina extra na pós-graduação em economia da Universidade de Brasília para tratar dessa temática. Como não havia prazo hábil para criar uma nova disciplina, a solução de curto-prazo foi ofertar o conteúdo da disciplina de “leituras em desenvolvimento econômico” com o nome de “Tópicos Especiais em Desenvolvimento Econômico”, a qual já constava na lista de disciplinas optativas do programa de pós-graduação.

Aqueles e aquelas que desejarem se inscrever na disciplina como alunos regulares ou especiais, o programa do curso podem ser obtido em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=63. Caso algum aluno do programa de pós-graduação em economia da UnB tenha feito essa disciplina, mas com outro conteúdo, eu já pedi para a secretaria do programa de pós-graduação a matrícula numa disciplina com código diferente.

Em tempo, a disciplina extra que irei ofertar (além da disciplina de Macroeconomia 1 na área de Economia Política, Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, vejam https://jlcoreiro.wordpress.com/2024/02/27/programa-de-macroeconomia-1-da-area-de-economia-politica-desenvolvimento-e-meio-ambiente-do-programa-de-pos-graduacao-em-economia-da-universidade-de-brasilia/) será aulas às quartas-feiras no horário de 18 as 20 horas na sala 06/10 da FACE/UnB.

Sejam bem vindo(a)s.

José Luis Oreiro

Dados do PIB divulgados pelo IBGE mostram crescimento mediano, de má qualidade e não-sustentável

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José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e do Programa de Doutorado em Integração Econômica da Universidade do País Basco, Pesquisador Nível I do CNPq, Conselheiro do CORECON-DF, Membro da Post-Keynesian Economics Society, Coordenador da área de pesquisa de Macroeconomia Desenvolvimentista da European Association for Evolutionary Political Economy (EAEPE) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.

O IBGE acabou de divulgar os dados do PIB no acumulado do ano de 2023 (Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/39303-pib-cresce-2-9-em-2023-e-fecha-o-ano-em-r-10-9-trilhoes ) A economia brasileira apresentou um crescimento de 2,9% no acumulado de 2023 e de 0,0% na comparação entre o quarto trimestre de 2023 com o terceiro trimestre. Trata-se de um crescimento mediano do PIB, compatível com um crescimento de apenas 2,2% do PIB per capita, um nível bom mas insuficiente para o Brasil fazer o catching-up com relação as economias de alta renda.

Do lado da demanda, observamos que o crescimento foi puxado pelo consumo das famílias o que apresentou um crescimento de 3,1% em 2023. A decepção veio da formação bruta de capital fixo, que apresentou uma queda 3% em quatro trimestres. Com isso da taxa de investimento da economia brasileira recuou de 17,8% do PIB em 2022 para 16,5% do PIB em 2023. Esse comportamento da taxa de investimento deve acender um sinal de alerta para a equipe econômica do governo no que se refere a sustentabilidade da atual trajetória de crescimento. Isso porque o crescimento com estabilidade de preços só é possível se a demanda agregada e a capacidade produtiva estiverem crescendo em linha uma com a outra.

O problema é que a redução da taxa de investimento entre 2022 e 2023 fez com que a taxa de crescimento do PIB compatível com a estabilidade de preços se reduzisse de 2,43% para 2,0% [cálculos do autor]. Dessa forma, um crescimento de 2,9% do PIB em 2023 não é sustentável a médio prazo pois irá levar a um aumento da pressão inflacionária, produzindo um fim prematuro do atual ciclo de queda da taxa Selic. Nesse contexto, a equipe econômica deveria pensar em algum tipo de flexibilização do atual arcabouço fiscal de maneira a permitir um incremento considerável do investimento em infraestrutura do governo central ao longo de 2024. Para que a economia brasileira possa crescer de forma sustentada a, pelo menos, 3% a.a a taxa de investimento precisa ser aumentada para 20% do PIB.

Do lado da oferta, a indústria cresceu abaixo do PIB, apresentando um crescimento de 1,6% ao longo do ano de 2023. No entanto, quando desagregamos os dados de crescimento da indústria verifica-se que o mesmo foi puxado pela indústria extrativa (petróleo e gás natural e de minério de ferro) que apresentou um crescimento de 8,7% e pela indústria de serviços de utilidade pública como Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos que apresentou um crescimento de 6,5%. A indústria de transformação, que é o setor mais intensivo em tecnologia e em máquinas e equipamentos, com maior encadeamento para frente e para trás na matriz produtiva apresentou uma queda de 1,3% causado principalmente pela queda na fabricação de: produtos químicos; máquinas e equipamentos; metalurgia; indústria automotiva; ou seja, pela queda dos produção dos bens manufaturados mais intensivos em tecnologia.

Sendo assim, o processo de desindustrialização prematura da economia brasileira continua de vento em popa, apesar de todo o discurso da equipe econômica sobre uma neo-industrialização da economia brasileira. Os dados de 2023 nos mostram que no que se refere a mudança estrutural da economia brasileira na direção de uma economia mais sofisticada e baseada no conhecimento, ao invés da produção e exportação de produtos primários (minério de ferro, soja e carne), o governo demonstrou até agora mais boas intenções do que resultados práticos.

O destaque do PIB do lado da oferta foi a agropecuária que apresentou um crescimento de 15,1% ao longo do ano de 2023 puxado pelo crescimento da produção de soja (27,1%) e milho (19,0%), que alcançaram níveis recordes na série histórica. Deve-se ressaltar que a produção de soja é destinada quase que inteiramente para a exportação, contribuindo muito pouco para o abastecimento do mercado interno e, portanto, para a redução do custo de vida do povo brasileiro. Já algumas lavouras que tem uma maior importância para o abastecimento do mercado doméstico registraram queda na estimativa de produção anual, como, por exemplo, trigo (-22,8%), laranja (-7,4%) e arroz (-3,5%).

Os dados do PIB pelo lado da oferta mostram um crescimento estruturalmente ruim. O Brasil continua na sua trajetória de se tornar – se é que já não se tornou – um grande fazendão cercado de serviços de baixa intensidade tecnológica e baixa capacitação profissional por todos os lados. Essa é o caldo de cultura perfeito para um eventual retorno do Bolsonarismo ao poder, talvez em outros trajes, nas eleições de 2026. O governo precisa empreender uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico e dar menos importância para querelas insignificantes sobre o resultado primário de 2024 antes que seja tarde demais.

Programa de Macroeconomia 1 da Área de Economia Política, Desenvolvimento e Meio Ambiente do Programa de Pós-Graduação em economia da Universidade de Brasília

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Caros leitores,

Como faço habitualmente desde 2019, no primeiro semestre de 2024 irei lecionar a disciplina de Macroeconomia 1 da área de Economia Política, Desenvolvimento e Meio Ambiente do programa de pós graduação em economia da Universidade de Brasília [ a lista de oferta de 2024.1 pode ser vista em https://ppgeco.unb.br/lista-de-oferta/)

Este ano estou fazendo uma reestruturação completa da disciplina com base no recente manual publicado pelo meu amigo Peter Skott, membro do grupo de pesquisa macroeconomia estruturalista do desenvolvimento (Ver https://sdmrg.com.br/researchers/14), intitulado Structuralist and Behavioral Macroeconomics (https://www.amazon.com/Structuralist-Behavioral-Macroeconomics-Peter-Skott-ebook/dp/B0CCJY175N)

As aulas terão início no dia 19 de março e serão realizadas as terças-feiras no horário de 16 às 20 horas na sala 06/23 da FACE/UnB. O programa da disciplina pode ser baixado gratuitamente em http://www.joseluisoreiro.com.br/ver_cursos_graduacao.php?curso=62.

A disciplina está aberta para a participação de alunos especiais (https://saa.unb.br/pos-graduacao/aluno-especial-posgrad). Aqueles que morarem no Distrito Federal (o curso só está disponível na modalidade presencial) e tiverem interesse em cursar a disciplina devem entrar em contato com a secretaria da pós-graduação em economia da UnB para saber quais os procedimentos de inscrição. Via de regra a matrícula de alunos especiais é feita na primeira semana de aulas da pós-graduação.

Como as aulas do meu curso vão começar na terça-feira dia 19 de março, aqueles que forem se inscrever como alunos especiais podem assistir a primeira aula mesmo que a sua inscrição ainda não tenha sido processada.

Sejam bem vindo(a)s todos e todas

José Luis Oreiro

Stages of Economic Development and Tokyo Consensus: A Critical Review of Koo´s Pursued Economy (2022)

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Stages of Economic Development and Tokyo Consensus: A Critical Review of Koo´s Pursued Economy (2022)

José Luis Oreiro

Associate Professor at Economic Department of University of Brasilia and of the Graduate Program in Economic Integration of the University of Basque Country (Bilbao-Spain), Level I Researcher at National Council for Scientific and Technological Development and Coordinator of the Structuralist Development Macroeconomics Research Group

At the beginning of 2024 I have been dedicating, among other activities, to reading the book “Pursued economy: understanding and overcoming the challeging new realities for advanced economies” authored by Richar Koo (https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Koo), currently chief economist at the Nomura Research Institute in the city of Tokyo, Japan.

The aim of the book is to analyze the problem of the secular stagnation of high-income economies (Japan, Western Europe and the United States) in the last 30 years, resulting from the bursting of the Japanese real estate bubble in 1991 and the international financial crisis in 2008. This theme had already been addressed in his 2008 book entitled “The holy grail of macroeconomics: lesson ́s from Japan ́s great recession” where the author presented the concept of “balance sheet recession”. In his new book, Koo extends the analysis made in the 2008 book by incorporating a theory of the stages of economic development, largely based on Lewis (1954) and Rostow (1960), to his macroeconomic framework based on Keynes (1936) and Minsky (1982), as well as some ideas from the theory of functional finance (although none of these influences are acknowledged by the author).

But let’s get to the point. The idea of a balance sheet recession is quite simple. During the expansion phase of a speculative bubble, firms and/or households are increasing their degree of leverage by borrowing to buy assets whose spot market price increases cumulatively due to the combination of bank credit expansion and short-term inelasticity of the supply of these assets. In general, the object of the speculative bubble is real assets such as real estate (commercial and residential), whose elasticity of supply is low in the short term. As long as demand for real estate grows faster than supply, prices will rise, fueling the bubble and, in this way, the leverage of private sector players. The increase in the price of real estate in the spot market will stimulate the production of new units, thereby increasing gross fixed capital formation due to increased residential investment. The increase in investment stimulates the creation of income and employment, causing the economy to enter a period of accelerated growth, as we can see in the Spanish case presented in figure 1 below.

Source: World Bank Economic Indicators. Author’s elaboration.

When the bubble bursts, as occurred in Spain and other high-income economies after the bankruptcy of Lehman Brothers on September 15, 2008, asset prices suffer a sudden and violent fall, thus reducing the net worth of companies and households, thus increasing their degree of indebtedness. In this context the private sector, in Koo’s words, will change its behaviour, instead of seeking profit maximization, private sector decision-makers will pursue debt minimization, thus reducing investment and consumption spending. The fall in private sector spending will lead to a contraction in the level of output and employment, which will be cushioned by the government’s countercyclical policy. In this way, the private sector as a whole will be able to move from a deficit financial position to a financial surplus position, which will allow it to gradually reduce its leverage. The necessary counterpart to this process, however, is an increase in the government’s financial deficit (G-T) and/or an increase in the deficit of the rest of the world with the economy under consideration.

In the Spanish case, as we can see in the figure below, extracted from Koo (2022, p. 37), the private sector went from a deficit position of approximately 9% of GDP in 2007 to a surplus position of almost 11% of GDP in 2013. This colossal reversal in the financial position of the private sector was followed by a deterioration in the financial position of the central government, which went from a surplus of almost 3% of GDP in 2007 to a deficit close to 12% of GDP in 2010. Even more striking was the reversal in Spain’s current account balance, which went from a deficit of 9% of GDP in 2007 to a surplus of 3% of GDP in 2013.

Figure 2 Financial Surplus or Deficit by sector in Spain as % GDP (1996-2021).

Private sector consumer and investment demand will remain weak for the period of time needed to fully realize its deleveraging process. In this period, the traditional monetary policy, i.e., the reduction of the interest rate, will have zero or negligible effect on consumption and investment spending, i.e., the private sector will maintain its surplus position even with very low interest rate levels. In other words, in a balance sheet recession monetary policy is ineffective. Economic activity can only be stimulated through fiscal expansion or through an increase in net exports. In the case of Spain, the formidable reversal of the current account balance from a deficit of 9% of GDP in 2007 to a surplus of 2% of GDP in 2013 proved to be of fundamental importance for Spain to resume economic growth in the period 2014-2019, although at a pace clearly lower than that observed in the period (1996-2007) [ See Figure 1].

The point made by Koo in his new book is that the balance sheet recession is the symptom of a deeper problem hitting high-income economies. It is an exhaustion of lucrative investment opportunities in the expansion and modernization of the capital stock of the private sector – notably in the manufacturing sector – due to the reduction in the profit squeeze caused by increased international competition in the markets for manufactured goods due to the rise of developing economies in East Asia.  notably China. This depletion of investment opportunities is the cause of the secular stagnation of high-income economies after the 2008 international financial crisis, since under these conditions the private sector becomes a net saver, unwilling to increase its spending even in a situation where interest rates are close to zero.

In chapter 3 of his book, Koo develops his theory of the stages of economic development to present the genesis of the problem of secular stagnation of high-income economies. According to Koo, economic development is a three-stage process. In the first stage, which Rostow (1960) called take-off, the country undergoes a process of structural change induced by the investments required for its industrialization. At this stage there is a large reserve of labour in the subsistence sector, usually in agriculture, which is gradually transferred to urban centres where it will be employed in the modern or capitalist sectors, whether in the manufacturing industry or in services. This structural excess of labour force means that real wages remain stable while local entrepreneurs introduce the technologies already existing in the most advanced economies to offer domestic consumers products like those imported, but cheaper, due to lower wages and/or the existence of high import tariffs.

Industrialization during this phase can be driven by both import substitution (the case of Latin America) and export promotion (the case of East Asia). Historically, the export promotion model has been shown to be more efficient than the import substitution model in maintaining the pace of capital accumulation and allowing industrializing economies to reach the so-called “Lewis’s point,” where the entire labour force has been transferred to the modern sector of the economy.

Once Lewis’s point is reached, the economy enters a new phase of economic development, which Rostow (1960) called the “age of mass consumption,” a phase in which the engine of economic growth is no longer investment for export or import substitution, but consumption. This is possible because once the Lewis point is reached, the continuation of capital accumulation will now result in a rise in real wages, given the inelasticity of the labour supply. The continuous rise in real wages has two effects. On the demand side, the increase in the standard of living of the working classes will allow an increase in consumer demand, stimulating companies to invest in expanding their productive capacity (investment accelerator effect). On the supply side, rising labor costs will spur firms to develop new technologies that allow them to increase labor productivity in ways that defend their profit margins from steady wage growth. In this context, companies will invest in the modernization of their production capacity to be able to produce the same goods more efficiently. Rising consumer incomes will also lead to a diversification of consumption, creating a demand for new products. In this way, companies will also increase their investments in research and development with the aim of creating new products that stimulate consumers’ desire to purchase different goods. This stage of the economic development process corresponds to the “Golden Years” of capitalism (1950-1975) [See Marglin and Schor, 1990, chapter 1] in which high-income economies enjoyed accelerated economic growth, low unemployment, rising real wages, and reduced social inequalities. During this phase of the economic development process, even workers with little formal education can find good jobs in the manufacturing industry and thus enjoy a materially comfortable standard of living.

The third phase of economic development is a result of globalization. As more and more countries are integrated into the international flow of trade and investment, firms in high-income countries realize that they can achieve a higher rate of return by moving some of their manufacturing activities to countries where wages are lower. In this way, high-income economies are once again faced with an elastic supply of labour because their companies can invest abroad to sell to their markets, rather than produce locally. In this context, the opportunities for profitable investment in high-income economies are dramatically reduced, leading to a fall in the investment rate. In addition, increased international competition will generate a demand for restraint in wage growth in high-income countries. Historically, this containment occurred in the early 1980s when, through a combination of contractionary fiscal and monetary policies, the unemployment rate in high-income countries increased dramatically relative to the trend observed in the post-World War II period. High unemployment has led to the weakening of trade unions and labour market reforms aimed at “flexibilization”. The result of this process has been a stagnation of real wages in high-income countries for a period of more than thirty years, together with an increase in levels of social inequality.

The reduction in lucrative investment opportunities has been accompanied by a reduction in the investment rate and growth in consumer spending, as well as an intense process of deindustrialization of high-income economies. At this stage of the economic development process, high-income economies are faced with a chronic problem of insufficient effective demand, which is initially solved by the process of financial liberalization (initiated in the mid-1970s in the United States and in the 1980s in European countries and Japan), which allows the emergence and spread of speculative bubbles. These bubbles have the effect of stimulating, albeit temporarily and artificially, private sector consumer spending and investment, thus making it possible to maintain a certain level of economic growth.

Dialectically, however, the maintenance, albeit at lower levels, of the growth of the high-income economies accelerates the growth of the countries of East Asia, which are still in the first phase of the economic development process and, therefore, are making extensive investments in the manufacturing sector with a view to exporting to the high-income countries. While high-income economies were being “hunted” by the developing economies of East Asia, they continued to provide the means to make their predators stronger over time.

In chapter 5 of his book, Koo presents his proposal for high-income countries to address the problems that afflict them in this third phase of economic development. His proposal can be understood as a proposal for a new political and economic consensus, which in the absence of any other name I will call the Tokyo Consensus, as a counterpoint, albeit partial to the Washington Consensus.

At the end of chapter 5, Koo writes that “Political parties must adjust their stances to remain relevant in the new environment. Conservatives will have to drop their insistence on balanced budgets when the private sector is a net saver, and progressives will have to abandon their focus on organized labour and their opposition to to supply-side reforms if they hope to attract investments. Making the labour market more flexible also means a better social safety net will have to be provided for workers who might need it” (2022, p.226).

In short, Koo advocates a compromise solution between conservatives (liberals) and progressives (Keynesian developmentalists) to restore economic prosperity to high-income countries and prevent the rise of far-right parties.

What does this commitment consist of? On the one hand, Koo argues, it makes no sense to insist on fiscal austerity policies in countries where the private sector as a whole (businesses and households) is a net saver. In these circumstances, the government must necessarily be the agent that incurs a financial deficit, otherwise the economy will enter a spiral of contraction in the level of income and employment, which will make it impossible for the government to adjust its accounts. In addition, periods in which interest rates are exceptionally low are times when the cost of carrying public debt is also very low, so that the fiscal imbalance does not have major consequences. Last but not least, the government, by spending on infrastructure or research and development of new technologies, will be contributing positively to the increase of the rate of profit in high-income economies, which should stimulate private investment and the repositioning of these economies in an international scenario characterized by greater competition in both trade and capital flows. Fiscal policy must therefore return to its role as a stabilizer of the level of aggregate demand.

The other side of the compromise is the adoption of a microeconomic agenda of deregulation, tax cuts, and increased spending on education. This last element does not present major problems for the progressive agenda, except for the fact that Koo considers that increasing spending on education should be seen as the only possible alternative, in the context of this phase of development, for workers to be able to defend their standard of living in a context of stagnant wages and job insecurity. Koo argues that increased regulation of labor markets and the power of trade unions, a traditional slogan of progressive parties, will only reinforce the trend toward shrinking lucrative investment opportunities in high-income countries, accentuating rather than solving problems related to stagnant wages and worsening income distribution. At this stage of the economic development process, workers in high-income countries need to acquire skills that will enable them to take up jobs in “knowledge-based” sectors, which require higher levels of formal education.

The reduction of taxes, notably inheritance taxes, is aimed, in Koo’s view, to reduce inefficiency in the allocation of resources in high-income societies because a lot of time, effort and money are dedicated to tax evasion instead of making investments in technological innovation.

Deregulation is the point least developed by Koo. On this, he only argues that it is necessary for the government to encourage the emergence of innovative entrepreneurs, and excessive regulation can prevent or hinder this.

After reading the first five chapters of Hoo’s book, I was left with the distinct impression that the author, after all, is proposing to sacrifice economic orthodoxy to save liberalism. Economic orthodoxy argues strongly for governments to maintain balanced budgets to ensure macroeconomic stability, without which growth would not be possible. Koo says that’s a lot of nonsense. There is nothing wrong with running fiscal deficits in a context where the private sector as a whole is in surplus, even more so at the current stage of development in high-income economies where there is a chronic shortage of investment opportunities for the private sector. Under these conditions, government spending does not crowd-out private investment, but it can even stimulate it. Nor does it make sense to worry about the increase in public debt, since it is only the necessary counterpart to the deleveraging of the private sector. However, it is necessary to preserve and increase the rate of profit in high-income countries. This requires a program of microeconomic reforms such as flexibilization of labour markets, deregulation, and the reduction of the tax burden.  The focus of the economic policy of governments in high-income countries should therefore be on economic growth, not on reducing social inequalities (Koo, 2022, pp.198-199). In fact, the author defends the thesis that the statistics of social inequality in high-income countries should be interpreted more carefully, as they reflect more the emergence of successful innovative entrepreneurs (wealth creation) rather than the plundering of existing wealth by the more favoured classes, as is common in predominantly agricultural societies.

I don’t particularly agree with Koo’s idea. While the United States has successful innovative entrepreneurs on the list of the country’s wealthiest people, one should not underestimate the fact that most extremely wealthy individuals are a long way from being Schumpeterian entrepreneurs. The super-rich are a heterogeneous class of individuals made up of heirs, financial market agents, lobbyists, landowners and real estate owners, rentiers, and… some innovative entrepreneurs like Elon Musk, Bill Gates, Bezos etc. The immense fortune these individuals have amassed cannot be attributed to their innovation efforts alone, or for the most part.

Moreover, as Robert Skidelsky and Edward Skidelsky argue in their book “How Much Is Enough? Money and the good life” (2012), the relationship between happiness and the accumulation of material goods is non-linear: An increase in the material standard of living is associated with an increase in happiness up to a certain level of income, after which it becomes innocuous. Elon Musk has a lot more money than he would be able to spend by the end of his life if he retired today. Clearly, it is not material well-being that motivates him to continue running his business, but the sense of power and uniqueness that his position in the social pyramid gives him. I don’t see why that kind of motivation should be rewarded with a fortune of hundreds of billions of dollars. Finally, as Koo himself writes in his book, the United States government was responsible for most of the investment in research and development of new technologies in the period between 1953 and 1979 (Koo, 2022, p.212).

In short, I have some agreement and some disagreement with the Tokyo consensus. In any case, this is a significant step forward with respect to the Washington consensus.

References

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 28.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: Understanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Willey: West Sussex.

Marglin, S; Schor, J.B. (1990). The Golden Age of Capitalism: Reinterpreting the Post War Experience. Clarendon Press: Oxford.

Minsky, H.(. (1982). Can “It” happen aggain? Essays on Instability and Finance. M.E. Sharpe: Armonk.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge University Press: Cambridge.

Skidelsky, R. Skidelsky, E. (2012). How Much is enough? Money and Good Life. Other Books.

Os Estágios do Desenvolvimento Econômico e o Consenso de Tóquio: uma leitura de “Pursued Economy” de Richard Koo

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No início de 2024 tenho me dedicado, entre outras atividades, a leitura do livro “Pursued economy: understanding and overcoming the challeging new realities for advanced economies” de autoria de Richar Koo (https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Koo), atualmente economista chefe da Nomura Research Institute na cidade de Tóquio, Japão.

O objetivo do livro é analisar o problema da estagnação secular das economias de alta renda (Japão, Europa Ocidental e Estados Unidos) nos últimos 30 anos, resultante do estouro da bolha imobiliária japonesa em 1991 e da crise financeira internacional em 2008. Essa temática já havia sido abordada em seu livro de 2008 intitulado “The holy graal of macroeconomics: lesson´s from Japan´s great recession” onde o autor apresentou o conceito de “recessão de balanço”. Em seu novo livro, Koo estende a análise feita no livro de 2008 incorporando uma teoria dos estágios do desenvolvimento econômico, largamente baseada em Lewis (1954) e Rostow (1960), ao seu arcabouço macroeconômico baseado em Keynes (1936) e Minsky (1982), bem como em algumas ideias da teoria das finanças funcionais [embora nenhuma dessas influências seja reconhecida pelo autor, que peca por achar que está inventando teorias que já foram inventadas].

Mas vamos ao ponto. A ideia de recessão de balanço é bastante simples. Durante a fase de expansão de uma bolha especulativa, as empresas e/ou as famílias estão aumentando o seu grau de alavancagem, tomando empréstimos para comprar ativos cujo preço no mercado a vista aumenta de forma cumulativa devido a combinação entre expansão do crédito bancário e inelasticidade de curto prazo da oferta desses ativos. Em geral, o objeto da bolha especulativa são ativos reais como imóveis (comerciais e residenciais), cuja elasticidade da oferta é baixa no curto prazo. Enquanto a demanda por imóveis crescer mais rapidamente do que a oferta, os preços irão subir, alimentando a bolha e, dessa forma, a alavancagem dos agentes do setor privado. O aumento do preço dos imóveis no mercado a vista irá estimular a produção de novas unidades, aumentando assim a formação bruta de capital fixo devido ao aumento do investimento residencial. O aumento do investimento estimula a criação de renda e de emprego, fazendo com que a economia entre num período de crescimento acelerado, como podemos visualizar no caso Espanhol apresentado na figura 1 abaixo.

Fonte: World Bank Economic Indicators. Elaboração do autor.

Quando a bolha estoura, como ocorreu na Espanha e outras economias de alta renda após a falência do Lehman Brothers em 15 de setembro de 2008, os preços dos ativos sofrem uma queda súbita e violenta, reduzindo assim o patrimônio líquido das empresas e das famílias, aumentando assim o seu grau de endividamento. Nesse contexto o setor privado, nas palavras de Koo, irá mudar o seu comportamento, ao invés de buscar a maximização de lucros, os tomadores de decisão do setor privado irão perseguir a minimização de dívidas, reduzindo assim os gastos com investimento e consumo. A queda dos gastos do setor privado dará origem a uma contração do nível de produção e de emprego, a qual será amortecida pela política anticíclica do governo. Dessa forma, o setor privado como um todo será capaz de passar de uma posição financeira deficitária para uma posição financeira superavitária, o que permitirá ao mesmo reduzir gradualmente a sua alavancagem. A contrapartida necessária desse processo, contudo, é o aumento do déficit financeiro do governo (G-T) e/ou um aumento do déficit do resto do mundo com a economia em consideração.

No caso espanhol, como verificamos na figura abaixo, extraída de Koo (2022, p. 37), o setor privado passou de uma posição deficitária de aproximadamente 9% do PIB em 2007 para quase 11% do PIB em 2013. Essa reversão colossal na posição financeira do setor privado foi seguida por uma deterioração da posição financeira do governo central, o qual passou de um superávit de quase 3% do PIB em 2007 para um déficit próximo de 12% do PIB em 2010. Ainda mais impressionante foi a reversão ocorrida no saldo em conta-corrente da Espanha, que passou de um déficit de 9% do PIB em 2007 para um superávit de 3% do PIB em 2013.

Figura 2 Superávit ou Déficit Financeiro por setor na Espanha como % PIB (1996-2021).

A demanda de consumo e investimento do setor privado continuará fraca pelo período de tempo necessário para a completa realização do seu processo de desalavancagem. Nesse período a política monetária tradicional, ou seja, a redução da taxa de juros terá efeito nulo ou negligenciável sobre os gastos de consumo e investimento, ou seja, o setor privado manterá a sua posição superavitária mesmo com níveis muito baixos de taxa de juros. Em outros termos, numa recessão de balanço a política monetária é ineficaz. A atividade econômica só pode ser estimulada por intermédio de uma expansão fiscal ou por intermédio de um aumento das exportações líquidas. No caso espanhol, a formidável reversão do saldo em conta-corrente de um déficit de 9% do PIB em 2007 para um superávit de 2% do PIB em 2013 se mostrou de importância fundamental para a Espanha retomar o crescimento econômico no período 2014-2019, embora num ritmo claramente inferior ao observado no período (1996-2007) [ Ver figura 1].

O ponto levantado por Koo em seu novo livro é que a recessão de balanços é o sintoma de um problema mais profundo que atinge as economias de alta renda. Trata-se de um esgotamento das oportunidades lucrativas de investimento na ampliação e modernização do estoque de capital do setor privado – notadamente no setor manufatureiro – devido a redução da taxa de lucro sobre tais investimentos (profit squeeze), causada pelo aumento da concorrência internacional nos mercados de produtos manufaturados devida a ascensão das economias em desenvolvimento no leste da Ásia, notadamente a China. Esse esgotamento das oportunidades de investimento é a causa da estagnação secular das economias de renda alta após a crise financeira internacional de 2008, uma vez que, nessas condições, o setor privado torna-se um poupador líquido, mostrando-se indisposto a aumentar seus gastos mesmo numa situação em que as taxas de juros estão próximas de zero.

No capítulo 3 de seu livro, Koo desenvolve a sua teoria dos estágios de desenvolvimento econômico, para apresentar a gênese do problema de estagnação secular das economias de alta renda. Segundo Koo o desenvolvimento econômico é um processo que possui três estágios. O primeiro estágio, a qual Rostow (1960) denominava de decolagem, o país passa por um processo de mudança estrutural induzida pelos investimento requeridos para a sua industrialização. Nesse estágio existe uma grande reserva de mão de obra no setor de subsistência, geralmente na agricultura, a qual é gradativamente transferida para os centros urbanos onde será empregada nos setores modernos ou capitalistas, seja na indústria de transformação ou nos serviços. Esse excesso estrutural de força de trabalho faz com que os salários reais permaneçam estáveis enquanto os empresários locais introduzem as tecnologias já existentes nas economias mais avançadas para oferecer para os consumidores domésticos produtos similares aos importados, porém mais baratos, devido aos salários mais baixos e/ou a existência de elevadas tarifas de importação.

A industrialização durante essa fase pode ser impulsionada tanto pela substituição de importações (o caso da América Latina) como pela promoção de exportação (o caso do leste da Ásia). Historicamente o modelo de promoção de exportações se mostrou mais eficiente do que o modelo de substituição de importações em manter o ritmo de acumulação de capital e permitir que as economias em processo de industrialização alcançassem o assim chamado “ponto de Lewis”, onde toda a força de trabalho foi transferida para o setor moderno da economia.

Uma vez alcançado o ponto de Lewis, a economia entra numa nova fase de desenvolvimento econômico, a qual Rostow (1960) chamava de “era do consumo de massas”, uma fase em que o motor do crescimento econômico deixa de ser o investimento para exportação ou para a substituição de importações e passa a ser o consumo. Isso é possível porque uma vez alcançado o ponto de Lewis, a continuidade da acumulação de capital irá agora resultar numa elevação do salário real, dada a inelasticidade da oferta de mão-de-obra. A elevação continua do salário real tem dois efeitos. Do lado da demanda o aumento do padrão de vida das classes trabalhadoras irá permitir um aumento da demanda de consumo, estimulando as empresas a investir na ampliação da sua capacidade produtiva (efeito acelerador do investimento). Do lado da oferta, a elevação do custo da mão-de-obra irá estimular as empresas a desenvolver novas tecnologias que permitam o aumento da produtividade do trabalho de maneira a defender suas margens de lucro do crescimento constante dos salários. Nesse contexto, as empresas irão investir na modernização da sua capacidade produtiva para conseguir produzir os mesmos bens de forma mais eficiente. O aumento da renda dos consumidores também levará a uma diversificação do consumo, criando uma demanda por novos produtos. Dessa forma, as empresas também irão aumentar seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento com o objetivo de criar novos produtos que estimulem o desejo dos consumidores em adquirir bens diferentes. Esse estágio do processo de desenvolvimento econômico corresponde aos “Anos Dourados” do capitalismo (1950-1975) no qual as economias de alta renda desfrutaram de crescimento econômico acelerado, desemprego baixo, aumento do salário real e redução das desigualdades sociais. Durante essa fase do processo de desenvolvimento econômico, mesmo trabalhadores com pouco nível de educação formal conseguem encontrar bons empregos na indústria de transformação e assim desfrutar de um padrão de vida materialmente confortável.

A terceira fase do desenvolvimento econômico é decorrência da globalização. A medida que um número cada vez maior de países é integrado ao fluxo internacional de comércio e de investimento, as empresas dos países de alta renda percebem que podem obter uma taxa de retorno mais alta transferindo parte de suas atividades manufatureiras para países onde os salários são mais baixos. Dessa forma, as economias de renda alta voltam a se defrontar com uma oferta elástica de mão-de-obra pois as suas empresas podem investir no exterior para vender para seus mercados, ao invés de produzir localmente. Nesse contexto, as oportunidades de investimento lucrativo nas economias de alta renda são dramaticamente reduzidas, levando a uma queda da taxa de investimento. Além disso, o aumento da concorrência internacional irá gerar uma demanda por contenção ao crescimento dos salários nos países de renda alta. Historicamente, essa contenção ocorreu no início da década de 1980 quando por intermédio de uma combinação de políticas fiscal e monetária contracionistas, a taxa de desemprego nos países de renda alta aumentou dramaticamente com respeito a tendência observada no período pós segunda guerra mundial. O desemprego elevado levou ao enfraquecimento dos sindicatos e a realização de reformas no mercado de trabalho visando a sua “flexibilização”. O resultado desse processo foi uma estagnação do salário real nos países de renda alta por um período de mais de trinta anos, em conjunto com um aumento dos níveis de desigualdade social.

A redução das oportunidades lucrativas de investimento veio acompanhada de uma redução da taxa de investimento e do crescimento dos gastos de consumo, além de um intenso processo de desindustrialização das economias de renda alta. Nessa fase do processo de desenvolvimento econômico as economias de renda alta passam a se defrontar com um problema crônico de insuficiência de demanda efetiva, o qual é inicialmente resolvido pelo processo liberalização financeira (iniciado em meados dos anos 1970 nos Estados Unidos e na década de 1980 nos países europeus e no Japão) o qual permite o surgimento e propagação de bolhas especulativas. Essas bolhas tem o efeito de estimular, ainda que de forma temporária e artificial, os gastos de consumo e investimento do setor privado, viabilizando assim a manutenção de um certo nível de crescimento econômico.

Dialeticamente, contudo, a manutenção, ainda que em níveis mais baixos, do crescimento das economias de renda alta acelera o crescimento dos países do leste da Ásia, que estão ainda na primeira fase do processo de desenvolvimento econômico e, portanto, estão realizado amplos investimentos no setor manufatureiro com vistas a exportação para os países de renda alta. Embora as economias de renda alta estivessem, na verdade, sendo “caçadas” pelas economias em desenvolvimento do leste da Ásia, elas continuaram fornecendo os meios para tornar seus predadores mais fortes ao longo do tempo.

No capítulo 5 do seu livro, Koo apresenta a sua proposta para os países de renda alta enfrentarem os problemas que os afligem nessa terceira fase do desenvolvimento econômico. Sua proposta pode ser entendida como uma proposta para um novo consenso político e econômico, o qual na ausência de outro nome irei denominar de Consenso de Tóquio, como contra-ponto, ainda que parcial, ao Consenso de Washington.

No final do capítulo 5 Koo escreve que “Political parties must adjust their stances to remain relevant in the new environment. Consservatives will have to drop their insistence on balanced budgets when the private sector is a net saver, and progressives will have to abandon their focus on organized labor and their opposition to to supply-side reforms if they hope to attract investments. Making the labor market more flexible also means a better social safety net will have to be provided for workers who might need it” (2022, p.226).

Em suma, Koo defende uma solução de compromisso entre conservadores (liberais) e progressistas (desenvolvimentistas keynesianos) para restaurar a prosperidade econômica dos países de renda alta e evitar a ascensão dos partidos de extrema-direita.

Em que consiste esse compromisso? De um lado, argumenta Koo, não faz sentido insistir nas políticas de austeridade fiscal em países nos quais o setor privado como um todo (empresas e famílias) é um poupador líquido. Nessas circunstâncias o governo deve necessariamente ser o agente que incorre num déficit financeiro, do contrário a economia irá entrar numa espiral de contração do nível de renda e emprego, o qual irá inviabilizar a tentativa do governo de ajustar suas contas. Além disso, períodos nos quais as taxas de juros são excepcionalmente baixas são momentos em que o custo de carregamento da dívida pública também é muito baixo de maneira que o desequilíbrio fiscal não possui maiores consequências. Por fim, mas não menos importante, o governo ao realizar gastos de investimento em infraestrutura ou na pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias estará colaborando positivamente para o aumento da taxa de lucro nas economias de renda alta, o que deverá estimular o investimento privado e o reposicionamento dessas economias num cenário internacional caracterizado por uma maior concorrência tanto no comércio como nos fluxos de capitais. A política fiscal deve, portanto, retornar ao seu papel de estabilizador do nível de demanda agregada.

O outro lado do compromisso consiste na adoção de uma agenda microeconômica de desregulação, redução de impostos e aumento dos gastos com educação. Esse último elemento não apresenta maiores problemas para a agenda progressista, exceto pelo fato de que Koo considera que o aumento dos gastos com educação deve ser visto como a única alternativa possível, no contexto dessa fase do desenvolvimento, para os trabalhadores conseguirem defender seu padrão de vida num contexto de salários estagnados e precarização dos postos de trabalho. Koo argumenta que o aumento da regulação nos mercados de trabalho e do poder dos sindicatos, uma bandeira tradicional dos partidos progressistas, irá apenas reforçar a tendência a redução das oportunidades lucrativas de investimento nos países de renda alta, acentuando, ao invés de resolver, os problemas relacionados a estagnação dos salários e piora da distribuição de renda. Nessa fase do processo de desenvolvimento econômico os trabalhadores dos países de renda alta precisam adquirir habilidades que lhes permitam ocupar postos de trabalho nos setores “baseados em conhecimento”, os quais exigem níveis mais elevados de educação formal.

A redução de impostos, notadamente os impostos sobre heranças, tem por objetivo na visão de Koo, reduzir a ineficiência na alocação de recursos nas sociedades de alta renda pois muito tempo, esforço e dinheiro são dedicados a evasão tributária ao invés da realização de investimentos em inovação tecnológica.

A desregulação é o ponto menos desenvolvido por Koo. Sobre isso ele apenas argumenta que é necessário que o governo estimule o surgimento de empresários inovadores e uma regulamentação excessiva pode impedir ou dificultar isso.

Após a leitura dos cinco primeiros capítulos do livro de Hoo fiquei com a nítida impressão de que o autor, no final das contas, está propondo sacrificar a ortodoxia econômica para salvar o liberalismo. A ortodoxia econômica defende com unhas e dentes a necessidade dos governos manterem orçamentos equilibrados para garantir a estabilidade macroeconômica, sem a qual não seria possível o crescimento. Koo diz que isso é uma grande bobagem. Não há nada de errado em ter déficits fiscais num contexto em que o setor privado como um todo é superavitário, ainda mais no estágio atual de desenvolvimento das economias de renda alta onde existe uma escassez crônica de oportunidades de investimento para o setor privado. Nessas condições o gasto do governo não desloca (crowd-out) o investimento privado, mas pode até mesmo estimulá-lo. Também não faz sentido se preocupar com o aumento do endividamento público, uma vez que ele é apenas a contrapartida necessária da desalavancagem do setor privado. No entanto, é necessário preservar e aumentar a taxa de lucro nos países de renda alta. Isso exige um programa de reformas microeconômicas como a flexibilização dos mercados de trabalho, a desregulamentação e a redução da carga tributária. O foco da política econômica dos governos dos países de renda alta deverá ser, portanto, o crescimento econômico não a redução das desigualdades sociais (Koo, 2022, pp.198-199). Aliás o autor defende a tese de que as estatísticas de desigualdade social nos países de renda alta devem ser interpretadas com mais cuidado, pois elas refletem mais o surgimento de empresários inovadores bem sucedidos (criação de riqueza) ao invés da pilhagem da riqueza existente por parte das classes mais favorecidas, como é comum em sociedades predominantemente agrícolas.

Eu particularmente não concordo com essa ideia de Koo. Embora os Estados Unidos possuam empresários inovadores bem sucedidos na lista das maiores fortunas desse país, não se deve subestimar o fato de que a maior parte dos indivíduos extremamente ricos está bem longe de passar pelo figurino de empresário Schumpeteriano. Os super-ricos são uma classe heterogênea de indivíduos composta por herdeiros, agentes do mercado financeiro, lobistas, proprietários de terra e imóveis, rentistas e … alguns empresários inovadores como Elon Musk, Bill Gates, Bezos etc. A imensa fortuna que esses indivíduos acumularam não pode ser atribuída apenas, ou na sua maior parte, aos seus esforços de inovação.

Além disso, como argumentam Robert Skidelsky e Edward Skidesky em seu livro “O quanto é suficiente? O amor pelo dinheiro e a defesa da boa vida” (2017), a relação entre felicidade e acumulo de bens materiais é não-linear: Um aumento do padrão material de vida está associado a um aumento da felicidade até um certo nível de renda, após o qual torna-se inócuo. Elon Musk tem muito mais dinheiro do que seria capaz de gastar até o final da sua vida caso se aposentasse hoje. Claramente não é o bem-estar material que o motiva a continuar administrando seus negócios, mas a sensação de poder e de singulariedade que sua posição na piramide social lhe proporcionam. Não vejo porque esse tipo de motivação deva ser recompensado com uma fortuna de centenas de bilhões de dólares. Por fim, como o próprio Koo escreve em seu livro, o governo dos Estados Unidos foi o responsável pela maior parte do investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias no período compreendido entre 1953 e 1979 (Koo, 2022, p.212).

Em suma, tenho algumas concordâncias e outras discordâncias com relação ao consenso de Tóquio. De qualquer forma, trata-se de um avanço significativo com respeito ao consenso de Washington.

Referências

Lewis, A. (1954). “Economic Development with Unlimeted Supplies of Labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, Vol. 28.

Keynes, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Cambridge University Press: Cambridge.

Koo, R. (2022). Pursued Economy: Understanding and overcoming the challenging new realities for advanced economies. Willey: West Sussex.

Minsky, H.(. (1982). Can “It” happen aggain? Essays on Instability and Finance. M.E. Sharpe: Armonk.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge University Press: Cambridge.

Skidelsky, R. Skidelsky, E. (2017). Quanto é suficiente? o amor pelo dinheiro e a defesa da boa vida. Civilização Brasileira: São Paulo.


Números da economia mostram acertos do governo Federal, e o desafio é manter o ritmo em 2024 (Site A Vírgula, 15/02/2023)

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O Brasil deve fechar o ano fiscal com uma inflação na casa de 4,7%, taxa de desemprego próxima de 7% e crescimento econômico em 3%

Uma grande surpresa para parte dos analistas, a economia sob o terceiro governo Lula e com Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda encerrou o primeiro ano de mandato com mais a comemorar do que lamentar.

As principais taxas macroeconômicas mostraram que a política fiscal mais ampliada, com gastos maiores, investimentos em infraestrutura e pagamentos de precatórios, por exemplo – o que ao cabo aumentou o déficit público em 2023 – não prejudicou o país.

O Brasil deve fechar o ano fiscal com uma inflação na casa de 4,7%, taxa de desemprego próxima de 7% e crescimento econômico em 3%. Para o economista Ricardo Machado Ruiz, doutor em Economia pela The New School for Social Research e professor da UFMG, o que aconteceu no Brasil é chamado no mundo econômico de “soft landing”.

“Soft landing” – ou “aterrissagem suave” em português – é a tarefa difícil, muitas vezes inatingível, de reduzir a inflação após um aperto na política monetária, sem desencadear uma recessão. Para combater a inflação, as autoridades aumentam as taxas de juros, tornando o crédito mais caro.

“Conseguimos o feito raro de aliar queda da inflação com crescimento da economia, ainda que de forma lenta, mas real. Para 2024, por exemplo, a projeção da inflação é de 3,5%. Ninguém previu isso na passagem de 2022 para 2023. Foi um ano de surpresas em todos os sentidos. Tanto na política como na economia. Mantivemos os empregos e aumentamos o poder de compra da população sem realizar gastos fiscais elevados. Inclusive com o déficit público dentro do que foi planejado antes de Lula assumir”, avaliou o economista.

Alguns fatores externos explicam o sucesso inicial: a grande onda inflacionária que assolou o mundo entre 2020 e 2022 começou a perder força em 2023, ainda que de forma tênue. Os Estados Unidos pararam de aumentar sua taxa básica de juros e no Brasil, de forma tímida, iniciou-se a queda de juros por parte do Banco Central. Há aqui um princípio de fim da pressão monetária que segurava os investimentos no país.

Outro ponto de destaque do governo Lula III é o superavit da balança comercial. Em 2023, o Brasil vendeu US$ 339,673 bilhões para o exterior, alta de 1,7% em relação a 2022. As compras do exterior somaram US$ 240,835 bilhões, recuo de 11,7% na mesma comparação. Apenas em dezembro a balança comercial registrou superávit de US$ 9,36 bilhões.

“Tudo isso foi muito surpreendente se analisarmos como o governo começou pressionado. Dessa forma, em um primeiro momento, vimos o governo Lula remontando uma série de políticas públicas que foram implantadas por ele: Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, reorganização de ministérios como saúde e transporte; enfim. Temos um primeiro semestre com essas três dimensões: tentativa de golpe; negociação com forças que perderam a eleição em 2022; e reorganização da máquina pública como um todo. Após a estabilização inicial, a partir do segundo trimestre, mesmo sob pressão do Congresso Nacional, o governo consegue resultados econômicos surpreendentes”, avaliou Ruiz.

José Luís da Costa Oreiro, doutor em Economia da Industria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília avalia que, agora, o grande desafio do governo Lula é manter o ritmo inicial.

De acordo com o economista, uma série de fatores presentes em 2023 não estarão em 2024. “Um dos exemplos é o agronegócio. Ano passado o aumento da produção agropecuária ficou em 20% diante de condições climáticas muito favoráveis. Este ano tivemos o El Niño e tanto a produção de grãos como de carne serão afetadas por ele. Esse desempenho altamente favorável não se repetirá”, afirmou Oreiro.

O outro ponto de observação para 2024 é que não haverá uma expansão fiscal do mesmo tamanho da ocorrida em 2023. Com a aprovação do Arcabouço Fiscal e a pretensão de déficit zero, o espaço para aumento do gasto público, principalmente em investimento, é bem menor.

Da mesma forma, avalia José Luís da Costa Oreiro, os ganhos com a redução da inflação já foram esgotados. “Tivemos uma queda significativa de 2022 para 2023, de mais de 3%, e ela levou a um aumento do salário real, mas isso não vai acontecer na mesma magnitude em 2024. Mesmo com projeções de analistas para uma inflação de 3,5%, acredito que deva ficar em 4% ou mais, não sendo muito mais baixa do que o último ano, o que não vai aumentar muito o poder de consumo das pessoas”.

Outro fator inibidor do crescimento econômico do país é a atual política de taxa de juros do Banco Central, como analisou Arlindo Vilaschi, professor de Economia na Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Economia.

“Qualquer análise sobre a economia neste terceiro governo Lula deve ser ponderada pelo fato de que os graus de liberdade dos governos dentro da política monetária, seja ele de esquerda ou de direita, tendem a zero. O Banco Central tem uma postura reacionária não condizente com a realidade da população brasileira sob a justificativa de um controle prévio da inflação.

Pra Vilaschi, mesmo em queda há vários meses, a política de juros praticada no Brasil tem duas facetas: um patamar de juros básicos muito elevados e, por outro lado, há spreads bancários intactos.

Os spreads bancários referem-se à diferença entre a taxa de juros que os bancos cobram aos clientes para empréstimos e a taxa de juros que pagam aos depositantes.

“Desta forma, a política monetária onera demais o governo se ela pratica uma taxa de juros muito elevada. Diante deste quadro geral, o que aconteceu no primeiro ano foi uma boa gestão do governo nessas pequenas brechas que ele tem para tocar a economia. Foi muito importante recuperar o Bolsa Família, que é o que gera um efeito de demanda interna alavancando pequenas e médias empresas. Daqui para frente o desafio é seguir explorando essas brechas para gerar mais empregos e renda”, avaliou Vilaschi.

Articulista de A Vírgula, Rodrigo Medeiros ponderou que em um ritmo de crescimento menor, é grande o desafio de manter empregos e qualifica-los. 

“Ainda assim, muitos comemoram a taxa de desemprego de 7,6% no trimestre encerrado em outubro de 2023, segundo divulgou o IBGE. A taxa composta de subutilização laboral ficou em 17,6% para o respectivo trimestre, sendo que a taxa de informalidade foi de 39,1% para a população ocupada. A taxa de subutilização caiu desde 2021, porém a informalidade se manteve estavelmente alta. O nosso mercado laboral é estruturalmente precário, um ambiente de incubação de extremismos”, escreveu para A Vírgula

Breve resenha do livro “Spain and the Independence of the United States: an intrincic Gift”

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Terminei de ler o magnifico livro de Thomas Chavez “”Spain and the Independence of the United States”. A tese central do livro é que se Espanha nao tivesse declarado guerra ao Reino Unido em 1779 – após tres anos de meticulosa preparação militar em conjunto com um apoio escondido mas amplo aos rebeldes das treze colonias – os EUA e a França teriam sido derrotados pelo Reino Unido e os EUA continuariam ainda por décadas colonia da Grã-Bretanha. Foi a marinha da Espanha que fez os ingleses perderem a superioridade naval e a intervenção espanhola tornou uma guerra localizada num conflito global em varios teatros de operação: América Central, Vale do rio Mississipi, Golfo do México, Caribe, Mediterrâneo e atlântico norte. Embora as tropas espanholas nao tenham atuado no teatro de operações das 13 colonias, elas lutaram contra os ingleses em varios lugares drenando homens e recursos que os ingleses poderiam ter usado para acabar com a rebelião de suas colonias. Se os EUA é líder do mundo livre, sua liberdade foi um presente dado pela Espanha (até porque os Estados Unidos, pasmem, nunca pagou para a Espanha os empréstimos feitos a partir de todo o Império Espanhol na América Latina … boas instituições kkkkkk). Claro que Espanha atuou em prol dos seus interesses estratégicos. O Reino Unido era a maior ameaça ao Imperio Espanhol na América. Neutralizar essa ameaça, fazendo com que a Inglaterra perdesse seu Império na América do Norte era prioridade máxima do Reinado de Carlos III, o grande (Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_III_de_Espanha.) Ele viveu para ver seus planos se realizarem.

Reindustrialização como alavanca para a retomada do desenvolvimento econômico no Brasil (Revista Economistas, Ano XIV, N. 50, 22/12/2023)

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Link: https://online.flippingbook.com/view/115126805/

José Luis Oreiro*

O desenvolvimento econômico é definido como um processo de mudança estrutural com incorporação de progresso técnico no qual o valor adicionado por-trabalhador aumenta de forma cumulativa ao longo do tempo, permitindo um aumento dos salários reais e do padrão de vida da população, o qual envolve, entre outros elementos, uma redução secular da jornada de trabalho, permitindo assim que a classe trabalhadora possa dedicar uma parcela maior de tempo para atividades extraeconômicas (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2015). A mudança estrutural é definida como a transferência de mão-de-obra de setores com menor valor adicionado por trabalhador para setores com maior valor adicionado por trabalhador. Historicamente esse processo de mudança estrutural esteve associado com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB e no emprego total das economias capitalistas. A incorporação de progresso técnico, por sua vez, exige o investimento em novas máquinas e equipamentos, os quais incorporam as novas tecnologias decorrentes do avanço da fronteira tecnológica resultante dos investimentos públicos e privados em Pesquisa e Desenvolvimento (Mazzucato, 2014). Também é necessário que ocorra um aumento contínuo, do número médio de anos de escolaridade da população, notadamente da parcela da população com mais de 25 anos (Ros, 2013, capítulo 1).

Numa amostra com 87 países para o período 1970-2008, Ros (2013) mostra que, considerando apenas os determinantes próximos do crescimento (Maddison, 1988), a taxa de crescimento do capital por trabalhador apresenta a maior influência (positiva) sistemática sobre o crescimento do valor adicionado por trabalhador, sendo a principal variável explicativa para a alta performance dos países de crescimento elevado da amostra. O nível inicial de educação (1970) e a taxa de progresso da educação, ou seja, a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos, embora possuam coeficientes positivos e estatisticamente significativos, nas equações de regressão, tem uma contribuição significativamente menor para o crescimento do valor adicionado per-capita. Contudo, quando se substitui a taxa de crescimento do capital por trabalhador e a taxa de crescimento do número médio de anos de estudo da população com mais de 25 anos pela taxa de crescimento da participação do emprego industrial no emprego total no período 1970-2008 chega-se à conclusão de que a taxa de crescimento do emprego industrial é a variável que isoladamente tem a maior influência sistemática sobre a taxa de crescimento do valor adicionado per-capita. Em outras palavras, a indústria de transformação é o motor do crescimento de longo-prazo (Thirlwall, 2013, pp. 43-53).

Entre 1999 e 2008 o Brasil experimentou um processo de aceleração do crescimento do PIB real o qual passou de 2,19% a.a em 1999 para 4,81% a.a, ambos os valores calculados pela média móvel de 5 anos. Durante esse mesmo período, a participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes, na média móvel de 5 anos, passa de 14,91% em 1999 para 16,97% em 2008. A partir da crise financeira internacional de 2008, contudo, se inicia um processo de desaceleração do crescimento da economia brasileira, o qual irá se aprofundar a partir de 2014, quando exibe um valor de 3,38% na média móvel de 5 anos, chegando a -0,64% a.a em 2018. Esse movimento foi acompanhado de um intenso processo de desindustrialização da economia brasileira, no qual a participação da indústria de transformação a preços correntes cai de 16,97% em 2008 para 12,28% em 2018, ambos os valores calculados com base na média móvel de 5 anos (Ver figura 1). De 2019 a 2022 observa-se uma recuperação parcial do crescimento real do PIB brasileiro, o qual atinge a marca de 1,52% a.a na média móvel de 5 anos em 2022, valor 30% inferior ao verificado em 1999. A participação da indústria de transformação no PIB se estabilizou em torno de 12%, valor 19,51% mais baixo do que o verificado em 1999.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Quando calculamos a correlação entre as séries de participação da indústria de transformação no PIB a preços correntes e taxa real de crescimento do PIB real para o período 1999-2022 verificamos que o valor encontrado é de 0.82, o que caracteriza a existência de uma forte correlação positiva entre as séries. Como a participação da indústria de transformação reflete a estrutura e composição da produção, sendo assim uma variável de natureza estrutural, podemos considerar a mesma como variável independente num exercício de regressão linear simples entre as duas séries em consideração. Os resultados dessa regressão podem ser visualizados na figura 2 abaixo.

Tanto o cálculo da correlação entre as duas séries de tempo como o exercício de regressão deixam pouca margem para a dúvida de que a desaceleração do crescimento da economia brasileira nos últimos 15 anos tem na desindustrialização uma de suas principais causas. Resta saber quais as causas desse processo de mudança estrutural.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

Com a eleição de Luis Inacio Lula da Silva em 30 de outubro de 2022 o debate sobre o processo de desindustrialização da economia brasileira foi finalmente desinterditado. Após anos a fio de discussões jurássicas sobre o sacrossanto “Teto de Gastos”, o novo governo aparenta estar disposto a retomar a agenda de desenvolvimento econômico e encarar de frente o fato, hoje indiscutível, de que o Brasil vivenciou, no período 1991-2019, conforme tabela abaixo, o mais intenso processo de desindustrialização no mundo, maior inclusive do que a verificada pela economia da Argentina.

Tabela I: Participação da Indústria de Transformação no PIB, Países Selecionados (1991-2019)

Continente/País19912019Var (%)
América do Sul21,3712,46-8,91
Argentina24,3813,50-10,88
Brasíl21,8310,33-11,50
Colombia17,9013,54-4,36
Europa 18,9115,33-3,58
Alemanha24,8419,55-5,29
Dinamarca14,6413,40-1,24
Espanha(*)16,2610,91-5,35
Itália19,0914,88-4,21
Suiça19,7417,92-1,82
Leste da Ásia 24,3222,64-1,69
Coréia do Sul25,1825,220,04
Japão (**)23,4620,05-3,41

Fonte: Banco Mundial. Elaboração do Autor. (*) A partir de 1995; (**) A partir de 1994.

Os dados apresentados na tabela I acima nos permitem tirar algumas conclusões. A primeira é que a desindustrialização, embora seja um fenômeno comum aos países da amostra, não é algo inevitável. Com efeito, a participação da indústria do PIB da Coréia do Sul manteve-se estável no período analisado, ao passo que países de renda alta como a Dinamarca e a Suíça apresentaram uma pequena queda da participação da indústria no PIB. Em segundo lugar, as grandes economias da América do Sul não só passaram por um processo de desindustrialização mais intenso do que o observado nos países europeus, como ainda reduziram a sua participação da indústria no PIB a um patamar inferior ao verificado nos países da Europa e do Leste Asiático, os quais tem uma renda per-capita muito mais alta do que as economias da América do Sul. Em suma, a desindustrialização da América do Sul é um fenômeno diferente da desindustrialização observada nos países de renda alta.

Para que possamos entender a natureza da diferença entre os dois processos, temos inicialmente que retomar a discussão feita no início deste artigo sobre a natureza do processo de desenvolvimento econômico. Vimos que o desenvolvimento econômico tem como um de seus determinantes a mudança estrutural, ou seja, a transferência de mão de obra dos setores com menor valor adicionado por-trabalhador para os setores de maior valor adicionado por-trabalhador. Trata-se do que é denominado de “sofisticação produtiva” na literatura novo-desenvolvimentista ou “complexidade econômica” por Hidalgo e Hausmann (2009). Nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico, aquilo de Rostow (1960) denominou de “decolagem”, ocorre uma grande transferência de mão-de-obra da agricultura para a indústria. É a fase da “Revolução Industrial” na qual a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego aumentam de forma contínua, proporcionando uma “aceleração do crescimento” do PIB per-capita. Todos os países de renda alta passaram, em algum momento, por esse processo.

A partir de certo nível de renda per-capita, contudo, ocorre uma diversificação crescente da demanda de consumo das famílias, as quais passam a demandar uma quantidade cada vez maior de serviços, muitos dos quais são direta ou indiretamente ligados a indústria. Nesse contexto, a participação da indústria de transformação no PIB e no emprego irá começar um processo de declínio “natural”, o qual pode ser retardado por “políticas neo-mercantilistas” que visem ampliar as exportações de produtos manufaturados para compensar a queda relativa da demanda doméstica. Essas políticas parecem ter sido bem-sucedidas nos casos da Dinamarca e Suíça, países de renda alta da Europa que tiveram uma redução modesta ou pequena da participação da indústria de transformação no PIB.

Esse não foi o caso dos países da América do Sul, notadamente o Brasil, os quais se desindustrializaram antes de se tornarem países de renda alta ou de terem se tornado economias maduras (Kaldor, 1967), ou seja, economias nas quais a mão-de-obra já foi totalmente transferida do setor tradicional ou de subsistência para o setor moderno ou capitalista. Trata-se daquilo que Rodrik (2016) denominou de desindustrialização prematura. Com base na análise da estrutura do mercado de trabalho do Brasil e na avaliação da qualidade do emprego feita por Oreiro et al (2023) pode-se claramente perceber que o Brasil está muito longe de ter ultrapassado o ponto de Lewis (1954) no qual toda a mão-de-obra já foi transferida para o setor moderno da economia, de forma que a desindustrialização brasileira é de natureza precoce.

Ao contrário da desindustrialização natural, fenômeno associado a mudança na composição da demanda de consumo nos países de renda alta, a desindustrialização precoce está associada com a adoção de políticas econômicas neoliberais associadas ao consenso de Washington a partir da década de 1990.

Com efeito, as economias da América do Sul adotaram políticas de liberalização comercial e financeira a partir dos anos 1990 com a redução generalizada das alíquotas de importação, abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos, sobrevalorização cambial como instrumento básico de controle da inflação, redução da participação do Estado na economia por intermédio da privatização de empresas estatais e redução do financiamento estatal para o investimento em infraestrutura e atualização tecnológica do parque industrial.

No caso Brasileiro, Oreiro, Manarin e Gala (2020) avaliam os determinantes da redução da participação da indústria de transformação no PIB para o período 1998-2017. A partir de um modelo econométrico no qual a participação da indústria de transformação no PIB está determinada pela competitividade preço (taxa real de câmbio) e competitividade extra preço (hiato tecnológico), os autores mostram que cerca de 40% da desindustrialização verificada na economia brasileira deve-se a sobrevalorização da taxa de câmbio e 60% devem-se ao aumento da distância da indústria brasileira com respeito a fronteira tecnológica.

Não existe nada de natural ou inevitável num processo de desindustrialização que resultou de câmbio sobrevalorizado e aumento do hiato tecnológico. O desafio para a reindustrialização do Brasil passa pela adoção de políticas corretas que neutralizem essas causas. Dessa forma, se faz necessário uma mudança no regime de política macroeconômica no Brasil que permita a obtenção de uma taxa real de câmbio estável, competitiva e sustentável no médio de longo-prazo (Frenkel, 2014). Esse novo regime de política macroeconômica deve envolver a introdução de controles a entrada de capitais estrangeiros, imposto de exportação de commodities e desindexação da economia (Oreiro e Costa Santos, 2023) para permitir a obtenção da meta de inflação definida pelo conselho monetário nacional com níveis mais baixos de taxa de juros.

A redução do hiato tecnológico exige a adoção de políticas industriais seletivas baseadas no princípio da reciprocidade (Amsden, 2004, p. 38), ou seja, os incentivos dados as empresas industriais para aumentarem a sua capacitação tecnológica tem que estar atrelados a obtenção de padrões de desempenho monitoráveis, por natureza redistributivos e concentrados nos resultados, principalmente em termos de aumento das exportações e conquista de mercados externos.

Referências

Amsden. A (2004). A Ascenção do Resto: os desafios ao ocidente de economias com industrialização tardia. São Paulo: Editora Unesp.

Bresser-Pereira, L.C; Oreiro, J.L; Marconi, N. (2015). Developmental Macroeconomics: new-developmentalism as a growth strategy. Londres: Routledge

Frenkel, R. (2014). “How to manage a sustainable and stable competitive real exchange” In: Bresser-Pereira, L.C; Kregel, J; Burlamaqui, L. (Eds). Financial Stability and Growth: Perspectives of Financial Regulation and New-Developmentalism. Londres: Routledge Hidalgo, C. A.; Hausmann, R. (2009). The building blocks of economic Complexity. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106(26), 10570–10575.

Lewis, W. A. (1954). “Economic development with unlimited supplies of labour”. The Manchester School of Economic and Social Studies, 28: 139-91


Oreiro, J. L. C.
; Santos, J. F. C. (2023).” The Unfinished Stabilization of the Real Plan”. In: Fernando Ferrari Filho; Luiz Fernando de Paula. (Org.). Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Economies. 1ed.Chentenham: Edward Elgar, v. 1, p. 61-81.


Oreiro, J. L. C.
Gabriel, L. F. ; Damato, S. ; Silva, K. M. (2023). LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION. Panoeconomicus, v. 70, p. 601-625,

Oreiro, J. L., Manarin, L. L., Gala, P. (2022). Deindustrialization, economic complexity, and exchange rate overvaluation: the case of Brazil (1998-2017). PSL Quarterly Review, 73(295), 313–341

Mazzucato, M. (2014). O Estado Empreendor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo. Editora Schwarcz.

Rodrik, D. (2016). “Premature Deindustrialization”. Journal of Economic Growth, Vol.21, Issue 1, pp. 1-33.

Ros, J. (2013). Rethinking Econonomic Development, Growth and Institutions. Oxford: Oxford University Press.

Rostow, W.W (1960). The Stages of Economic Growth. Cambridge. Cambridge University Press.

Thirwall, A.P (2013). Economic Growth in an open Developing Economy. Edward Elgar: Cheltenham

 

2023: O Ano da Graça de Fernando Haddad

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O ano era 2018. Eleições Presidenciais. A besta do apocalipse, aquele quem não devemos dizer o nome, o filho do cão liderava as pesquisas para a presidência da República. A candidatura de Ciro Gomes, a qual eu inicialmente apoiava por ser mais próxima do projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (https://epoca.globo.com/economia/noticia/2018/02/quem-sao-os-conselheiros-economicos-dos-pre-candidatos-presidencia.html), que Bresser-Pereira e eu trabalhavamos a quase uma década, não decolava. Eu inclusive havia sido foco do, por assim dizer, “fogo amigo” de membros do inner core da campanha de Ciro Gomes que plantaram na Folha de São Paulo, por intermédio da Jornalista Daniela Lima, a mentira descabida de que eu estava me encontrando na surdina com banqueiros para discutir os projetos de Ciro Gomes para um mandato presidencial (https://www.facebook.com/jose.oreiro.3/posts/pfbid0UAQnnC23meGuQoespbRtgoALKD2UrRjxPnp5haZ9KpEcoGESuEgG6jA3JjMmHjHwl). Fui oposição ao governo Dilma Rousseff desde o início pois já previa o seu desastre, não por pedaladas fiscais (que coisa ridícula), mas pela sua incapacidade de administrar uma crise clássica sobre a distribuição de renda, que desembocou num “esmagamento de lucros” e no colapso da acumulação de capital (turbinada pelos efeitos da operação lava-jato comandada por aquela amostra da (sic) sapiência sulista, Sérgio Moro) no segundo semestre de 2014 (sobre isso ver https://www.scielo.br/j/ea/a/SxFbPNLxcStN6BKL7JTjtcT/). A única alternativa civilizada e honrada que me restava era votar no meu colega professor universitário Fernando Haddad.

Eu não conhecia o Haddad pessoalmente em 2018. Tudo o que sabia dele era que fora professor da USP, mas tinha se transferido (argh) pro Insper, comandado pelo ultra-liberal-ex-marxista Marcos Lisboa, ex-orientado da Maria da Conceição Tavares (argh), que era casado uma única vez com a mesma mulher e que era Cristão Ortodoxo. Como me disse certa vez meu colega e atual chefe de departamento na UnB, Roberto Ellery (sory chefe por te entregar), Haddad tinha cara de rico e professor da USP, tudo o contrário para se pleitear a Presidência da República (a não ser quando voce se chama Fernando Henrique Cardoso, tem lindos cabelos brancos, fala françês fluentemente e, por puro acaso da história, faz o único plano de estabilização da inflação da história do Brasil que funciona, o Plano Real).

Um belo dia antes do primeiro turno das eleições presidenciais, Joaquim Andrade, decano do departamento de economia da UnB, liga para o meu celular e pede, todo constrangido, se eu poderia assinar um manifesto em apoio a candidatura de Fernando Haddad para a presidência da República. Depois de hesitar por 0,00000000000 milésimo de segundo (Uma eternidade, como podem ver) eu declarei meu apoio incondicional e irrestrito ao professor da USP. Fiz sem esperar nada em troca a não ser a vitória da civilização contra a barbárie. Eu e outras centenas de economistas assinamos um manifesto em prol de Fernando Haddad para a Presidência da República (https://pt.org.br/economistas-lancam-manifesto-pro-haddad-premio-nobel-assina/). Infelizmente perdemos, e o mal absoluto governou o Brasil por 4 tenebrosos anos. Confesso que foi a única vez na minha vida que pensei em renunciar a cidadania brasileira e ir trabalhar na Espanha como professor da Universidade do País Basco em Bilbao (Da qual agora sou professor visitante: https://www.ehu.eus/es/web/doktoregoa/doctorado-integracion-economica/profesorado?p_cod_idioma=es&p_cod_proceso=doctorate&p_nav=605&p_cod_propuesta=1972&p_redirect=dameProfesorAjeno&p_idp=740329&p_dpa=740329). As negociações avançaram bastante, mas no final as questões familiares me fizeram ficar no Brasil a despeito do que ocorreu nas eleições de 2018.

Não é necessário falar aqui do governo do Coiso, pois me dediquei com afinco, neste espaço, não sem risco de ordem pessoal, a criticar ao mesmo e a seu gênio do mal, o por assim dizer, economista Paulo Guedes, Czar da Economia durante os tempos obscuros (um, entre muitos exemplos, pode ser encontrado em https://www.ihu.unisinos.br/categorias/597197-a-embromacao-de-paulo-guedes-artigo-de-jose-luis-oreiro).

Pela Graça de Deus Todo Poderoso Luis Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente da República Federativa do Brasil no segundo turno das eleições de 2022. Fui convidado para fazer parte do governo de transição na equipe do Planejamento comandada pela minha colega e co-autora da UFRJ Esther Dweck (https://corecondf.org.br/conselheiros-do-corecon-df-fazem-parte-do-governo-de-transicao/?doing_wp_cron=1702865054.7510869503021240234375). Por questão de sigilo contratualmente acordado não posso expor os documentos a que tive acesso do governo do Coiso com as barbaridades que Paulo Guedes planejava contra o povo pobre e humilde do Brasil caso a besta do apocalipse tivesse sido reeleita. Mas asseguro que foi pela Misericórdia de Deus que nos livramos do imprestável.

Todo esse longo intróito foi para contextualizar o leitor sobre como Fernando Haddad, a quem eu havia conhecido em carne e osso em 2019 no Insper, assumiu o cargo de Ministro da Fazenda. Durante o governo de transição se especulou sobre quem seria o Ministro da Fazenda de Lula. Um jornal basco, de forma irresponsável, chegou a noticiar o meu nome como possível ministro da fazenda numa entrevista que eu dei antes do segundo turno das eleições quando em encontrava em Bilbao para uma banca de Tese de Doutorado na Universidade do País Basco (https://jlcoreiro.wordpress.com/category/el-correo-espanol/). Apesar de eu ter desmentido essa possibilidade durante a entrevista, o fato é que a mesma foi usada pelos meus inimigos dentro e fora do PT para queimar meu nome para qualquer cargo possível no futuro governo Lula III. Paciência, o Senhor deu o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor.

Após várias especulações, nenhuma delas fundadas, O Presidente Lula anuncia Fernando Haddad como o novo Ministro da Fazenda, algo que eu na entrevista para o jornal Basco já havia antecipado como inevitável. E ai o mercado financeiro teve uma TPM. Disseram que Haddad não era economista (Como se Antonio Palocci não fosse médico), ressuscitaram um sincericidio do Haddad dizendo que ele só havia estudado dois meses de economia (https://www.reuters.com/article/fact-check-haddad-economia-idUSL6N32Z0C3/), que o Haddad era comunista e iria transformar o Brasil numa Venezuela (https://www.youtube.com/watch?v=9aHLFNYfj0w).

Ataques de Bolsominions raivosos não são de espantar ninguem, mas eis que os auto-proclamados pais do Plano Real, Edmar Bacha, Arminio Fraga e Pérsia Arida em carta aberta ao Presidente Eleito Luis Inacio Lula da Silva datada de 17 de novembro de 2022 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/11/vai-cair-a-bolsa-aumentar-o-dolar-paciencia.shtml) criticaram as declarações de irresponsabilidade fiscal do novo governo ao afirmar que iria revogar o sacrosanto “Teto de Gastos” – essa relíquia da alquimia e do terraplanismo econômico que só foi adotada no Brasil e ainda mais como norma constitucional. Para os país do Plano Real a revogação do Teto de Gastos iria conduzir o Brasil a um “buraco negro fiscal” (obs: isso não existe em nenhum livro texto sério de economia) e faria com que o país virasse uma espécie de Venezuela, como era o desejo dos Bolsonaristas raivosos acampados em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, marchando que nem uns idiotas barrigudos e fisicamente despreparados e cantando hino nacional para pneu de caminhão. Eu e um conjunto de outros economistas Keynesianos e Desenvolvimentistas, sob a liderança intelectual do professor e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira fizemos uma contra-carta (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/11/18/carta-aberta-ao-presidente-lula/), refutando um a um os argumentos dos pais do Plano Real (By the way, passado mais de um ano, acertamos em cheio nossas previsões).

O novo governo assume a Presidência da República em 01/01/2023 sob a desconfiança generalizada do mercado financeiro a respeito da competência e seriedade de Fernando Haddad. Os eventos de 08 de janeiro dão uma trégua para o novo governo, mas a PEC da transição havia liquidado em definitivo a herança maldita de Michel Temer, o Teto de Gastos. Faltava algo para por no lugar. Haddad e sua equipe de não-economistas desenham um arcabouço fiscal que combinava uma regra de gastos com uma regra de resultado primário e (talvez) uma regra de dívida pública. Eu imediatamente me pronunciei contra o arcabouço afirmando que a ideia tinha um erro genético pois implicava num sistema sobre-determinado, ou seja, mais equações do que incógnitas (https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/6255). Falei com o Ministro por Whatsapp. Ele me assegurou que a variável de ajuste seria a arrecadação do governo e que o Ministério da Fazenda havia mapeado várias fontes de renúncia fiscal – muitas deles questionáveis do ponto de vista juridico – que poderiam render aos cofres públicos mais de 200 bilhões de reais de arrecadação sem que fosse necessário aumentar a carga tributária de jure. Como direito tributário não é minha praia, dei ao Ministro meu voto de confiança e não mais tratei do assunto por intermédio da imprensa, fazendo voluntariamente um voto de silêncio em favor do governo.

Os resultados do PIB do primeiro e do segundo trimestre de 2023 vieram bem acima do esperado do mercado financeiro. A inflação apresentou sinais consistentes de queda e o Ultra-Mega-Conservador Banco Central do Brasil, contra meus próprios prognósticos, começa um processo de redução lenta, gradual e segura da taxa de juros selic a partir de meados de 2023. Outra vitória do estilo conciliador de Fernando Haddad.

No segundo semestre de 2023 o Ministério da Fazenda se dedica a duas agendas cruciais para o país. A primeira, aprovar a reforma tributária dos impostos indiretos, extensamente discutida mas nunca implementada, nos últimos 40 anos. Para isso o Ministro da Fazenda escalou a maior autoridade brasileira no assunto, Bernard Appy. A segunda foi começar a cobrar impostos sobre o andar de cima, colocando na mesa a discussão sobre a tributação dos fundos de investimento off-shore e fundos específicos. A discussão posta em setembro de 2023 gerou uma reação dos endinheirados do Brasil que usando os seus think-thank regiamente pagos conseguiram a proeza de publicar na Folha de São Paulo um artigo que dizia que a população brasileira deveria se ajoelhar em agradecimento aos super-ricos pelas miganhas que eles permitiam cair de suas mesas. Essa afronta a decência, ao bom senso e a ciência econômica por rebatida veementemente por mim e por meu velho companheiro de armas Luiz Fernando de Paula em artigo publicado no site GNN (https://jornalggn.com.br/politica-fiscal/ser-rico-nao-e-pecado-mas-tem-que-pagar-imposto/). Ao que tudo indica nossa contra-ofensiva contra os endinheirados foi um êxito pois nunca mais nenhum deles se atreveu a retomar o assunto.

Eis que chegamos ao final de 2023. Haddad insiste em algo que ele sabe muito bem que não vai conseguir obter, a meta de resultado primário zero para 2024 (https://horadopovo.com.br/o-compromisso-do-haddad-nao-pode-ser-com-o-erro-diz-oreiro-sobre-meta-de-deficit-zero/). Disse isso em alto e bom som para o público e para ele em privado. Ele tem seu ponto. Sabe que as convenções do mercado financeiro são difíceis de serem mudadas, ainda quando estão erradas. Não se trata de conseguir uma meta de resultado primário zero em 2024 – todos sabemos que é impossível – mas passar o recado que o governo está comprometido com isso para não gerar turbulência desnecessária no mercado financeiro. Eu entendo a posição mas sou ferrenhamente partidário da ideia de que o melhor desinfetante é a luz do sol: o governo deve sempre e em todo o momento ser claro e transparente nas suas ações e intenções, reconhecendo os erros quando for necessário.

Eis que na última sexta-feira, diz 15 de dezembro, a câmara dos deputados aprova em dois turnos a PEC da reforma tributária que deverá seguir para promulgação presidencial antes do Natal. O homem que era visto como uma escolha muito ruim para o ministério da Fazenda de Lula 3 consegue aprovar a maior reforma constitucional – e a única que terá efeito positivo inquestionável sobre o desenvolvimento econômico do Brasil nos próximos 10 a 20 anos – da história do Brasil desde 1988. Um golaço de placa para quem era tido como perna de pau. Eu nunca o reputei dessa forma, embora não poucas vezes tenha discordado dele. Só me resta reconhecer a sua vitória. Ave César!