Recentemente vi o filme “O Exorcista do Papa” na Netflix (https://www.primevideo.com/-/pt/detail/O-Exorcista-do-Papa/0K0TH02HMDXPVM8NQHWG407TQT) com Russell Crowe interpretando o papel do Padre Gabriele Amorth, exorcista do Vaticano desde 1986 até sua morte em 2016. O filme me levou a comprar o livro “O último exorcista: minha batalha contra Satanás” de autoria do próprio padre Gabriele.
Como católico praticante e razoavelmente instruído na Doutrina da Igreja sei que o mal existe e que é um mistério que a razão humana não é capaz de compreender. A Igreja chama de “misterium iniquitatis”, o mistério da iniquidade e atribui a um anjo caído – Lucífer – a origem do mal na criação a qual, por sair das mãos de Deus, é boa. Mas também sou um cientista – ainda que de uma soft science, a economia – e como tal só posso levar a realmente a sério as hipóteses cuja falsidade podem ser comprovadas por métodos empíricos. Digo isto para que fique claro que, ao contrário do afirmado recentemente por um cientista político razoavelmente famoso como controverso, não sou um “coroinha” ou “rato de sacristia”, na expressão do ex-governador Leonel Brizola. Nunca presenciei nada que não pudesse ser explicado por intermédio da razão e nem tenho o desejo ou a curiosidade de presenciar pois como fiel leigo não tenho poder de exorcizar o mal, como tem os sacerdotes da Igreja Católica Apostólica Romana quando tem a expressa permissão dos seus bispos diocesanos.
Isso posto, vamos ao livro. O primeiro ponto que me chamou atenção foi a figura do padre Gabriele. Apesar de sentir a vocação para o sacerdócio desde a infância, levou uma vida, por assim dizer, normal para o seu tempo. Lutou contra os nazistas na segunda guerra mundial, tendo sido condecorado por coragem em campo de batalha; concluiu os estudos superiores na área de direito e teve uma breve carreira política no Partido Democrata Cristão da Itália. Sua opção pelo sacerdócio ao invés do matrimonio não foi, nas suas palavras, uma opção teórica pois teve suas “aventuras” com mulheres. Em suma, Padre Gabriele tem claramente o perfil de uma pessoa equilibrada e bem resolvida com suas opções de vida e, por assim dizer, bem pé no chão, não afeito a crendices ou trejeitos de quem escolhe o sacerdócio para fugir do mundo e esconder sua orientação sexual.
O segundo ponto que me chamou a atenção é que ele não escolheu ser exorcista, ele simplesmente obedeceu uma ordem do vigário de Roma, Cardeal Ugo Poletti, que estava a procura de um ajudante para o exorcista oficial da diocese de Roma, o Padre Cândido Amantini. Isso ocorreu em 1986, quando Padre Gabriele tinha 61 anos.
Um terceiro ponto é que, salvo algumas situações extraordinárias, os rituais de exorcismo realizados por Padre Gabriele não tinham nada de espetacular como estamos acostumados a ver nos filmes sobre exorcistas. É verdade que os possuídos se debatem, xingam, espumam e uivam, mas todos esses fenômenos podem ser reflexos de algum distúrbio psíquico. Então como é possível diferenciar uma enfermidade psiquiátrica de uma possessão diabólica? Padre Gabriele afirma no seu livro que a única maneira é iniciar o rito do exorcismo. Se o, por assim dizer, paciente, tiver apenas uma doença psiquiátrica então o exorcismo não terá nenhum efeito sobre o paciente e este deverá ser encaminhado a um médico psiquiátrico que poderá cuidar do caso com os métodos científicos adequados. A imensa maioria dos exorcismos realizados pelo padre Gabriele serve apenas como triagem para uma consulta psiquiátrica. Mas existem casos, alguns mas não poucos, em que o paciente chegava ao padre Gabriele depois de ter passado por tratamento psiquiátrico o qual, ao invés de surtir um efeito positivo sobre a sanidade do paciente, apenas piorava os sintomas. Quando a ciência não é capaz de dar conta é porque a causa não é natural, mas espiritual. O remédio a ser administrado serão sessões semanais de exorcismo que poderão durar meses ou anos até a libertação final do paciente. Não existe uma fórmula mágica para expulsar os demônios, trata-se de uma longa batalha contra os espíritos do mal, e nem sempre o exorcista vence.
Um quarto ponto, muito interessante, é que padre Gabriele, tal como no filme “O Exorcista do Papa”, entende que a Igreja Católica cometeu um erro grave com a Santa Inquisição. Na sua visão a maioria das mulheres queimadas como bruxas na fogueira da inquisição eram apenas almas atormentadas pelos demônios, as quais, portanto, deveriam ser tratadas pela Igreja por intermédio de exorcismos, ao invés de serem queimadas na fogueira. Eu nunca tinha visto um padre católico expressar em público uma opinião tão forte e ao mesmo tempo tão sensata sobre o período sombrio da história da Igreja que foi dominado pelo Santo Ofício.
Por fim, Padre Gabriele afirma que satanás se infiltrou dentro da Igreja por intermédio dos padres que praticam a pedofilia contra as crianças, as quais eles deveriam ensinar o amor a Deus e proteger das ciladas do demônio. Essa parece ser a estratégia do diabo para destruir a Igreja, tirar a confiança dos fiéis nos sacerdotes e assim impedir que a graça de Deus, dispensada por intermédio dos sacramentos, principalmente a confissão e a eucaristia possam chegar as novas gerações de Cristãos. Essa ignominia está afastando um número cada vez maior de pessoas da Igreja de Cristo, criando uma verdadeira quinta coluna dentro da barca de Pedro. Cabe ao Papa e aos bispos de todo o mundo purgar a podridão do sacerdócio antes que seja tarde demais.
Por fim, deve-se ressaltar que o maior remédio contra o demônio é uma fé provada com obras na palavra de Cristo e uma devoção forte a sua mãe, Maria Santíssima. Segundo o Padre Gabriele nada humilha mais os demônios do que ser expulsos pela intercessão de uma criatura.