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Por José Luis Oreiro

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem (05/12/2023) dos dados do PIB referentes ao terceiro trimestre de 2023 (Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/38535-pib-varia-0-1-no-3-trimestre-de-2023). Segundo o IBGE o PIB brasileiro a preços de mercado apresentou uma elevação de 0,1% com respeito ao segundo trimestre, contrariando as expectativas dos analistas do mercado financeiro que previam uma queda de 0,2 % no terceiro trimestre na comparação com o trimestre anterior. Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior o PIB apresentou um crescimento de 2,0% e no acumulado em 12 meses um crescimento de 3,1% sem ajuste sazonal.

O governo comemorou o resultado, ressaltando que o mesmo se deve a boa condução da política econômica, embora o Ministro da Fazenda Fernando Haddad tenha feito a ressalva, em entrevista concedida a jornalistas em Berlim, que o Banco Central precisava continuar fazendo a sua parte, ou seja, continuar com o processo de redução da taxa de juros em 0,5 p.p a cada reunião do COPOM.

Creio que qualquer economista com um senso mínimo de honestidade intelectual concorda que os cenários que alguns analistas traçavam no final de 2022 para o governo Lula eram absolutamente estapafúrdios (sobre isso ver https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/11/5052854-economistas-desenvolvimentistas-rebatem-carta-de-arminio-malan-e-bacha.html), uma vez que projetavam um (sic) colapso da economia brasileira, com a taxa de câmbio sofrendo uma maxidesvalorização e a inflação disparando para níveis superiores a 10% a.a, caso o governo abandonasse, como abandonou com a PEC da Transição, o sacrossanto “Teto de Gastos”. Essa reliquia da alquimia e terraplanismo econômico foi substituído por um arcabouço fiscal de caráter infraconstitucional que, embora apresente sérios problemas de concepção (Sobre isso eu comentei no artigo https://ojs.sites.ufsc.br/index.php/revistanecat/article/view/6255), é muito mais flexível do que o teto de gastos, permitindo que a despesa primária da governo apresente um crescimento mínimo de 0,6% a.a no pior cenário possível em termos de crescimento das receitas do governo. Mesmo a possibilidade concreta do governo não ser capaz de cumprir a meta de déficit primário zero para 2024 não está tendo nenhum efeito desruptivo nos mercados financeiros e na inflação, com o dólar devendo fechar 2023 abaixo de R$5,00 e a inflação em torno de 4,5% a.a. Não foi dessa vez que a economia brasileira entrou num “buraco negro” ou virou a Argentina.

Feitas essas considerações, não devemos fechar os olhos para a realidade e achar que a economia brasileira está navegando bem de vento em popa. Conforme podemos verificar na Tabela I abaixo, quando comparamos o PIB do primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2023 com o mesmo período do ano anterior, observa-se uma nítida perda de fôlego da economia Brasileira. Com efeito, no primeiro trimestre de 2023 a economia brasileira cresceu 4,22% com relação ao mesmo período de 2022. No segundo trimestre o ritmo de crescimento caiu para 3,46%, ao passo que no terceiro trimestre o crescimento foi de apenas 1,95%. Em suma, ao longo de 2023, o ritmo de crescimento trimestral do PIB (na comparação com o mesmo período de 2022) caiu 53,79%.

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

O cenário fica ainda mais preocupante quando olhamos o comportamento do PIB da indústria de transformação e a formação bruta de capital fixo. Em todos os trimestres de 2023 o PIB da indústria de transformação caiu relativamente ao mesmo período do ano anterior, aprofundando assim o processo de desindustrialização da economia brasileira. Até o presente momento o discurso do governo em prol de uma “neo-industrialização” não se traduziu num plano estruturado com objetivos, metas e instrumentos capaz de alavancar de forma robusta e sustentada o crescimento da produção da indústria de transformação. Medidas pontuais não serão capazes de reverter o declínio da indústria brasileira, condenando o país a estagnação econômica no médio e longo prazo.

O comportamento da formação bruta de capital fixo é igualmente preocupante. Como sabemos a expansão da capacidade física de produção de bens e serviços é condição necessária para o crescimento sustentado do PIB com estabilidade da taxa de inflação. Embora a formação bruta de capital fixo tenha apresentado um crescimento de 1,44% no primeiro trimestre de 2023 na comparação com o mesmo período de 2022, nos trimestres seguintes a formação bruta de capital fixo apresentou uma contração de 1,77% e 6,76% na comparação com os respectivos trimestres de 2022. Esses dados devem acender um sinal de alerta para o governo de que sem um esforço grande de aumento do investimento público em obras de infraestrutura, o investimento do setor continuará patinando devido as externalidade negativas que a deterioração contínua da infraestrutura tem sobre os incentivos ao investimento do setor privado. A não ser no mundo fantástico de Paulo Guedes, o investimento público e o investimento privado são complementares e cabe ao governo a tarefa de realizar investimentos em infraestrutura, os quais não serão feitos, ao menos na magnitude necessária, pelo setor privado. Para tanto será necessário, a meu juízo, um tratamento a parte para os investimentos em infraestrutura no arcabouço fiscal de Fernando Haddad.

O único componente do PIB que apresentou um comportamento exuberante foram as exportações. Em todos os trimestres de 2023, as exportações apresentaram um crescimento expressivo com respeito ao mesmo período de 2022, sendo que nos dois últimos trimestres o crescimento foi em torno de 10%. Isso seria um motivo de comemoração caso esse crescimento estivesse associado a um crescimento robusto do PIB da indústria de transformação. Se assim fosse seria um sinal inequívoco de que a indústria brasileira de transformação está conquistando mercados externos, ou seja, está aumentando a sua competitividade nos mercados internacionais. Mas os dados mostram que esse não é o caso. O aumento exuberante das exportações está acompanhado pela queda do PIB da indústria de transformação, o que nos leva a conclusão de que esse comportamento das exportações deve-se ao aumento das exportações de bens primários. Sendo assim, a conclusão lógica inescapável é que o processo de reprimarização da pauta de exportações continua a todo o vapor, com a economia brasileira se afundando cada vez mais na condição de economia periférica, ou seja, de economia exportadora de bens primários e importadora de bens manufaturados.

Em suma, apesar da surpresa positiva de curto prazo, os dados do PIB brasileiro recém divulgados mostram uma desaceleração do ritmo crescimento e da continuidade do processo de regressão estrutural da economia brasileira (desindustrialização + reprimarização da pauta de exportações). O governo precisa apresentar urgentemente um plano de desenvolvimento produtivo da economia brasileira e executa-lo o mais rapidamente possível. Não faze-lo é brincar com a sorte e abrir uma janela para o retorno do bolsonarismo, provavelmente em outros trajes, nas eleições de 2026.