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José Luis Oreiro*

Entre 1980 e 2014 a economia brasileira cresceu a um ritmo médio de 2,81% a.a, segundo dados do IPEADATA. A grande recessão, iniciada no segundo semestre de 2014, produziu uma queda acumulada de 8,3% do PIB até o último trimestre de 2016. Formalmente a economia brasileira sai da recessão no início de 2017, ano que apresentou um crescimento do PIB de 1,32%, valor 53% inferior a tendência de longo-prazo para o período 1980-2014. Em 2018 o crescimento foi de 1,31%, repetindo assim o desempenho de 2017, e ficando novamente abaixo da tendência de longo-prazo.

Os dados divulgados pelo IBGE em dezembro sobre o comportamento do PIB no terceiro trimestre do ano passado deram ensejo a um aumento (temporário) do otimismo entre os analistas econômicos não apenas sobre a performance da economia em 2019; como ainda alimentaram uma narrativa de que, em 2020, o crescimento da economia brasileira iria finalmente decolar, podendo se situar acima de 2,5%. Em artigo que publiquei no dia 03/12/2019 no jornal O Estado de São Paulo, chamei atenção para o fato de que o crescimento observado no terceiro trimestre do ano – de 0,6% na comparação com o período imediatamente anterior – havia sido puxado, pelo lado da oferta, pela agropecuária e pela indústria extrativa; e, pelo lado da demanda, as exportações haviam apresentado uma queda expressiva de 2,8% enquanto as importações apresentaram crescimento de 2,9%, sinalizando uma clara tendência de piora das contas externas brasileiras no médio-prazo. Argumentei que a estagnação da produção da indústria de transformação, fonte dos retornos crescentes de escala, absolutamente indispensáveis para a sustentabilidade do crescimento econômico no longo-prazo; combinada com a deterioração do saldo comercial e, consequentemente, com o aumento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, atualmente em torno de 3% do PIB, sinalizando um retorno do general restrição externa; tornaria insustentável qualquer aceleração mais forte do crescimento da economia brasileira no médio-prazo.

Os dados divulgados na primeira semana de fevereiro deste ano jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020. Com efeito, o IBGE divulgou que a produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, interrompendo assim o movimento de tímida recuperação da produção industrial ocorrido em 2017 e 2018. Dados divulgados pelo IPEA mostram que a formação bruta de capital fixo recuou 2,7% no quarto trimestre na comparação com o período imediatamente anterior. Face aos dados recentemente divulgados, os analistas do mercado financeiro já começaram a reduzir suas previsões de crescimento para 2020, as quais já se encontram bem abaixo de 2,5%, com algumas até mesmo abaixo de 2%. A esse quadro nada animador, deve-se somar a incerteza sobre os efeitos da epidemia de coronavírus sobre o crescimento da China (algumas análises projetam uma redução do crescimento da China para 4% em 2020, uma redução de 33% no ritmo de crescimento na comparação com 2019).

Nesse contexto é possível que a economia brasileira apresente um crescimento inferior a 1,5% em 2020, completando assim quatro anos de crescimento medíocre após o fim da grande recessão. Dessa forma, não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu uma redução da tendência de crescimento da economia brasileira. A questão relevante é saber qual o motivo.

Na minha visão a redução do potencial de crescimento de longo-prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada, em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da Presidente Dilma Rouseff. A crise de 2014-2016 piorou esse quadro pois (i) fez com que as empresas brasileiras suspendessem seus planos de ampliação e modernização da capacidade produtiva, o que aumentou a defasagem tecnológica da indústria brasileira; (ii) propiciou a adoção de uma agenda de consolidação fiscal baseada na contração do investimento público e das operações de crédito do BNDES, amplificando assim os efeitos da queda do investimento privado em 2014 sobre a demanda agregada; com efeitos negativos também no lado da oferta da economia em função dos efeitos de transbordamento positivos do investimento público sobre a rentabilidade das empresas do setor privado.

* Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq e Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da FGV-SP. E-mail: joreiro@unb.br.

Link: http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2020/02/18/revista-politica-democratica-jose-luis-oreiro-por-que-o-crescimento-da-economia-brasileira-nao-decola/