Tags

,

O economista Carlos Von Doellinger, presidente do IPEA, apresentou uma polêmica proposta de choque fiscal em artigo publicado no Valor Econômico da ultima terça-feira. Segundo o economista o Brasil precisa de um choque fiscal na forma de três “d´s”: desindexação, desvinculação e desobrigação dos gastos públicos para recuperar a eficácia da gestão fiscal e aumentar os investimentos públicos. Ainda de acordo com o economista, a estratégia de consolidação fiscal em curso na economia brasileira seria ineficaz por seu gradualismo, sendo que a experiência brasileira mostraria que as estratégias historicamente bem sucedidas para lidar com problemas persistentes como, por exemplo, a alta inflação foram sempre estratégias baseadas em algum tipo de choque.

O primeiro equivoco da argumentação de Von Doellinger pode ser encontrado no exercício aritmético feito para justificar a terapia de choque. Com efeito, enquanto o crescimento das despesas obrigatórias é calculado em termos nominais, o que inclui o efeito da inflação sobre as mesmas; o crescimento das receitas tributárias é calculado apenas em termos reais, ou seja, excluindo o computo da inflação sobre a base de arrecadação tributária. Dessa forma, a soma do crescimento das despesas obrigatórias devido a indexação à inflação passada e ao crescimento vegetativo fica entre 7,5% a 9% a.a; ao passo que o crescimento das receitas acompanharia o crescimento do PIB real, situando-se numa faixa compreendida entre 2,0 a 2,5% do PIB. O erro elementar desse exercício é que a receita tributária acompanha o crescimento do PIB nominal, o qual é a soma do crescimento do PIB real com a taxa de variação do deflator implícito do PIB. Com base em dados publicamente disponíveis no IPEADATA (série Produto interno bruto (PIB) a preços de mercado – deflator implícito: variação anual) podemos constatar que a média da taxa de variação anual do deflator implícito do PIB no período 1998-2018 foi de 7,62%. Supondo que essa taxa de variação irá se manter no médio e longo-prazo; então o crescimento nominal do PIB no longo-prazo pode ser estimado entre 9,62% e 11,12% a.a, mais do que suficiente para compensar – com folga – o crescimento da despesa obrigatória devido a indexação e ao crescimento vegetativo.

Outro equívoco se encontra na analogia feita por Von Doellinger com a estratégia gradualista de combate a inflação adotada nos anos 1960. Com efeito a estratégia desinflacionaria gradualista adotada pelo PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo – durante o início do período militar foi muito bem sucedida. Com efeito, enquanto a inflação média no período 1964-1967 foi de 45,5% e o crescimento médio do PIB real foi de “míseros” 4,2% a.a; no período 1968-1973 a inflação se reduziu para uma média de 19,1% a.a, ao passo que o crescimento se acelera para um ritmo chinês de 11,1% a.a. Isso está bem longe de ser um fracasso. O PAEG foi desenhado a partir da premissa de que a magnitude da contração monetária e fiscal requerida para reduzir rapidamente a inflação provocaria uma grave recessão, o que não era politicamente recomendável. Isso refletia  o consenso existente então no Brasil de que as “crises de estabilização” não eram necessárias para o alcance da estabilidade de preços.

Outro equivoco está em atribuir ao ajuste fiscal feito no período anterior ao Plano Real o êxito no processo de estabilização do nível de preços pós 1994. Com efeito, o Setor Público consolidado apresentou uma expressiva deterioração da sua posição fiscal no período 1995-1998 na comparação com o período 1991-1994. De fato, o resultado primário do setor público caiu de 2,9% do PIB na média do período 1991-1994 para -0,2% do PIB no período 1995-1998; ao passo que o déficit nominal aumentou de 0,4% do PIB no primeiro período para 5,1% do PIB no segundo período.

Em suma, os argumentos apresentados pelo Presidente do IPEA nem de longe corroboram sua conclusão de que “a opção pelo penoso ajuste gradualista é a permanência da estagnação econômica ou mesmo a volta da recessão”.