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Recentemente alguns aprendizes da economia mainstream criticaram meu post sobre o General Restrição Externa (https://jlcoreiro.wordpress.com/2019/11/19/o-general-restricao-externa-se-aquece-para-entrar-em-campo/) argumentando de que eu teria usado um caso particular do modelo de Thirwall, no qual a parte da equação de crescimento com restrição de balanço de pagamentos referente ao impacto da variação da taxa real de câmbio sobre a taxa de crescimento das exportações e das importações é excluída da forma final da “lei de Thirwall”. Em tais condições a taxa de crescimento compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos seria dada apenas pela razão entre as elasticidades renda das exportações e das importações multiplicada pela taxa de crescimento da renda do resto do mundo. Como países primário-exportadores como, por exemplo, o Brasil tem elasticidade renda das exportações baixa e elasticidade renda das importações alta, então a taxa de crescimento compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos seria inferior a taxa de crescimento da renda do resto do mundo. Nesse contexto, a restrição externa seria o grande entrave a aceleração do crescimento da economia brasileira nos próximos anos.

O problema com esse resultado, segundo os aprendizes em consideração, é que como o Brasil tem um regime de câmbio flutuante; então não seria correto desconsiderar o segundo termo da equação de Thirwall. Isso porque no caso em que a soma dos módulos das elasticidades preço das exportações e das importações for superior a um; então uma desvalorização da taxa real de câmbio irá estimular o crescimento das exportações e uma redução do crescimento das importações, produzindo assim um relaxamento da restrição externa. Dessa forma, continuam os aprendizes, meu raciocínio sobre a restrição externa estaria baseado implicitamente na hipótese de que o Brasil possui um regime de câmbio NOMINAL fixo.

Creio que os aprendizes de economista mainstream me proporcionaram uma oportunidade única de lhes dar uma aula, totalmente gratuita, sobre o modelo de Thirwall e sobre o meu próprio pensamento sobre o assunto em questão.

Então vamos aos erros na argumentação dos aprendizes.

1 – A parte que se refere a variação da taxa de câmbio real é suprimida do formato final do modelo de Thirwall porque ela se refere a taxa de variação da taxa real de câmbio, não ao nível da taxa real de câmbio. Ora numa trajetória de crescimento balanceado ou de steady-state (termo que eles supostamente devem entender) não é possível que a taxa de variação da taxa real de câmbio seja diferente de zero, do contrário a taxa real de câmbio irá para infinito ou para zero no longo-prazo. Em qualquer uma das duas situações a economia em questão chegaria de forma assintótica a um estado economicamente inviável. Portanto, se queremos falar de crescimento de longo-prazo (e é sobre isso o que trata o modelo de thirwall) temos que supor que a taxa de variação da taxa real de câmbio é igual a zero, ou seja, que a taxa real de câmbio possui algum valor de equilíbrio de longo-prazo. O Modelo de Thirwall deixa em aberto qual seria o nível de equilíbrio de longo-prazo da taxa real de câmbio. Esse assunto é tratado no livro “Developmental macroeconomics: new developmentalism as a growth strategy” que escrevi com o Bresser e o Nelson Marconi e que foi publicado pela Routledge em 2015. Sugiro a leitura.

2 – No curto e médio prazo, contudo, a taxa real de câmbio pode variar em função de (i) variação da taxa nominal de câmbio e (ii) diferencial entre a inflação doméstica e a internacional. Mas o efeito da variação da taxa real de câmbio sobre a taxa de crescimento das exportações e das importações – e, portanto, sobre o saldo da balança comercial – vai depender da soma dos módulos das elasticidades preço das exportações e das importações. Se a soma das elasticidades for menor do que um, então uma desvalorização da taxa real de câmbio irá reduzir a taxa de crescimento que é compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos, ou seja, a desvalorização cambial ira apertar a restrição externa, ao invés de afrouxa-la. Ora produtos primários tem baixa elasticidade preço de demanda, razão pela qual a assim chamada condição de Marhall-Lerner não é atendida para países primário exportadores. Diga-se de passagem essa foi a razão pela qual Prebish e Furtado sempre acharam que a desvalorização do câmbio não seria um instrumento de política econômica adequada para enfrentar a restrição externa, a qual exigia uma mudança estrutural na economia por intermédio da industrialização. Daqui se segue que a recente desvalorização da taxa nominal de câmbio no Brasil, caso se traduza em desvalorização do câmbio real – o que vai depender do comportamento da taxa de inflação – poderá apertar ao invés de afrouxar a restrição externa da economia brasileira. 

3 – As elasticidades renda das exportações e das importações podem ser afetadas pelo nível (não pela taxa de variação) da taxa real de câmbio. Mas esse é um resultado que pode ocorrer no longo prazo se e quando (i) a taxa real de câmbio permanecer por um período de tempo suficientemente longo num patamar competitivo e estável de forma a mudar as expectativas dos empresários a respeito do valor de longo prazo da taxa de câmbio e (ii) a estrutura produtiva da economia e a pauta de exportações passarem por um processo de mudança estrutural, aumentando a participação da indústria de transformação no valor adicionado e das exportações de manufaturados na pauta de exportações. Como se trata de um processo de mudança estrutural, segue-se que mesmo que a taxa real de câmbio fosse levada instantaneamente para o seu valor de equilíbrio de longo prazo (a taxa de câmbio de equilíbrio industrial, ver Oreiro e Martins, 2019) levará anos até que os resultados esperados apareçam em termos de afrouxamento da restrição externa. Esse ponto está adequadamente tratado no meu post https://jlcoreiro.wordpress.com/2019/08/07/o-novo-desenvolvimentismo-nao-e-apenas-o-cambio-competitivo/.

Em suma, minha argumentação não se baseia em supor um regime de câmbio nominal fixo. Parece que os aprendizes da economia mainstrean mais uma vez usaram o esquema de retórica sobejamente conhecido de construir um espantalho, para então ataca-lo. Coube-lhes o destino do Almirante Edward Vernon derrotado por Blas de Lezo na batalha de Cartagena de Indias. Citando o grande Blas de Lezo “Vinieran com la arrogância de siempre, fueram derrotados com los métodos de siempre”

Referências

Oreiro, J.L; Martins da Silva, K. (2019). A new developmentalist model of strutural change, economic growth and middle-income trap”. Working Paper 1920, Post Keynesian Economics Society.