Para Gala, é preciso mais que IOF para ajudar rentabilidade do exportador

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    De São Paulo
    22/10/2009
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Davilym Dourado/valor
Foto Destaque
Paulo Gala, da FGV-SP: “mania-Brasil” traz muitos recursos para o país

Valor: A indústria foi o setor que mais sofreu com a crise, com diminuição do crédito e do comércio. Com a recuperação mundial, a melhora desses fatores pode compensar a taxa de câmbio valorizada?

Paulo Gala: São dois efeitos distintos. O primeiro é que o desaquecimento da economia mundial atrapalhou demais o setor industrial e isso não foi privilégio da indústria brasileira, mas um fenômeno mundial diante da crise. Outro efeito, no entanto, é a valorização da taxa de câmbio, este sim um problema específico nosso, que é mais um agravante para os resultados negativos da indústria. A valorização do real foi acelerada pela enorme onda de fluxos financeiros que chegam ao país.

Valor: A elevação do IOF pode provocar depreciação cambial num prazo mais longo?

Gala: É uma medida correta, especialmente porque sinaliza que o governo não vai assistir passivamente a apreciação do real. O aumento do IOF, mais que qualquer coisa, passa uma mensagem de que o governo pode intervir novamente no futuro. Esse tipo de medida, no entanto, pode até mudar um pouco o cenário, mas tenho dúvidas se isoladamente pode alterar o câmbio no médio prazo. Há uma euforia muito grande quanto ao Brasil, uma espécie de “mania Brasil” que traz uma enorme quantidade de recursos para cá. Num primeiro momento, há um susto do mercado, mas que estabiliza em pouco tempo. Se o governo não fizer nada, o ciclo que está se formando neste momento pode ser ainda maior que aquele que existia no pré-crise, entre 2007 e 2008, com câmbio se valorizando e trazendo déficit na conta corrente.

Valor: Para onde vão os fluxos de capitais que vêm do exterior?

Gala: Predominantemente para nossa conta de capitais. Nosso mercado financeiro é muito pequeno em comparação ao resto do mundo. Temos pouca oferta de ativos e uma demanda muito maior; assim, mesmo que o fluxo seja relativamente pequeno na comparação com o resto do mundo, ele afeta muito os preços de nossos ativos. Além, é claro, da situação privilegiada pela qual o Brasil está passando, atraindo parte da liquidez que se forma após a crise.

Valor: O diferencial de juros ainda influi na conta do investidor externo?

Gala: O diferencial já foi mais importante na atração de recursos, mas nossa taxa de juros é ainda muito alta, especialmente quando analisamos outros indicadores de risco do país, que não sinalizam um prêmio de juros tão maior. Hoje, o grande risco está no fluxo para a Bolsa, não necessariamente para renda fixa. A Bolsa tem mais a ver com o crescimento das empresas e do país, portanto, quando as perspectivas são boas – como são neste momento -, ela atrai capital.

Valor: Há risco de formação de bolhas na Bovespa?

Gala: Acho que não, especialmente porque não houve um descolamento muito forte nos preços dos ativos, o que caracterizaria a formação de uma bolha. O que vemos é uma grande euforia, que produziu uma subida muito rápida após uma derrubada injustificada no fim do ano passado. Mas também não adianta o mercado dizer que não há risco nenhum de bolha. O IOF de apenas 2%, que não desincentiva o investimento de longo prazo na Bolsa, fez as ações caírem quase 3% no primeiro dia. Não é sinal de que existiam aplicações especulativas? É possível sim que uma bolha se forme no futuro, mas o governo precisa ficar atento.

Valor: O déficit em conta corrente vem aumentando e deve alcançar 2% do PIB em 2010. Esse endividamento crescente com o exterior é sustentável?

Gala: Câmbio apreciado é a coisa mais poderosa para gerar déficits em transações correntes. A moeda apreciada aumenta importações, o turismo de brasileiros no exterior e incentiva a remessa de lucros das empresas. No horizonte de médio e longo prazo, o único grande risco para o desenvolvimento do país é o aumento desse déficit. A meu ver, o dólar iria atingir R$ 1,50 ainda neste ano, não fosse o IOF, que atenua um pouco esse movimento. Ainda assim, não interfere na trajetória de mergulho da cotação. Com PIB crescendo a 5% nos próximos anos e uma taxa de câmbio valorizada como essa, o déficit em conta corrente pode chegar tranquilamente a 4% do PIB. E isso é muito alto, diga-se.

Valor: Uma economia que aumenta gastos públicos, consumo das famílias e investimentos pode fazer isso sem poupança externa?

Gala: Essa conta não fecha, realmente. Só dá para entrar num modelo de crescimento sustentável com ajuste fiscal. Se expandir consumo, investimento e importação, quem tem de abrir espaço para evitar déficit corrente são os gastos do governo. Sou pessimista em relação a capacidade do governo de controlar o câmbio, o fluxo é tão grande que o governo precisaria tomar uma atitude drástica para evitar a apreciação da moeda. O que seria ideal é um forte ajuste fiscal combinado com medidas mais radicais para evitar apreciação do real. Isso está completamente descartado em 2010, até porque ainda vivemos num mundo de “gasto público keynesiano”.

Valor: O aumento dos gastos do governo tem sido apontado pelo mercado, e pelo próprio BC, como um dos fatores de aquecimento inflacionário para 2010. Existe excesso de gastos?

Gala: Como política anticíclica está perfeito. Já estávamos numa trajetória de gasto público elevado antes da crise, o que ajudou a economia neste momento. Não vejo problema inflacionário com esse patamar de gastos para 2010, o ajuste deverá ser feito no próximo governo, até porque não há essa sangria toda que o mercado vê na política fiscal, temos uma folga. Estamos num mundo que qualquer país daria graças à Deus para estar.

Valor: O mercado já precifica um aumento na taxa de juros em 2010. Esta é a política correta de combate a uma eventual inflação de preços?

Gala: Não estou convencido da necessidade disso, a inflação está controlada para este e para o próximo ano. As previsões do mercado são problemáticas, a curva de juros futuros já está muito puxada para cima, não tem muita lógica nisso. Também não vejo aceleração de preços na economia mundial, que deve passar por uma recessão em “L”, especialmente nos Estados Unidos e nos países europeus. Há, sim, uma recuperação forte nos emergentes, mas nada que possa desencadear um aumento de preços que afete os índices internos. No Brasil, tivemos uma queda muito acelerada da capacidade ociosa e mesmo as elevações de demanda estão longe do potencial. A onda de investimentos no imediato pré-crise, entre junho e agosto do ano passado, vai maturar entre o fim deste ano e o começo do próximo. Vamos então colher os frutos daquele aumento de estoque da capacidade instalada.

Valor: Como fica a composição da pauta exportadora brasileira num cenário de câmbio valorizado?

Gala: O primeiro semestre de 2009 foi horrível. Houve “primarização” total da pauta exportadora, num movimento violento, mas atípico. Nossos parceiros tradicionais fecharam as portas e os chineses continuaram comprando. Para a China, exportamos basicamente commodities, então acaba sendo natural. Dos desafios de longo prazo, esse é o maior. O desenvolvimento só vem com produção de bens de alto valor agregado, não ocorre com bens primários. O câmbio apreciado reduz os investimentos, a inovação, e a exportação de bens de alto valor agregado. Tem, por outro lado, o argumento de que o câmbio baixo barateia as máquinas e equipamentos importados, mas a redução do lucro é maior. Assim, não adianta nada comprar máquinas se a expectativa de lucro é negativa. Este é o ponto nevrálgico do câmbio brasileiro: a rentabilidade do exportador.