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Dr. Arthur Laffer, Economist and professor at University of Southern California, with “Laffer Curve” on blackboard, Feb. 23, 1981. (AP Photo)

Um dos temas recorrentes em minhas postagens desde janeiro de 2019 tem sido mostrar como o Czar da Economia, Paulo Guedes, faz afirmações públicas que não tem nenhum embasamento empírico. Desde a célebre afirmação de que (sic) uma carga tributária superior a 20% é o quinto dos infernos, passando pela falta de transparência, para dizer o mínimo, com os dados que fundamentaram a proposta de Reforma da Previdência do Ministério da Economia, até a pérola de que com R$ 5 bilhões o Brasil poderia (sic) vencer o coronavírus. Numa situação normal – ou seja, caso o Brasil tivesse um Presidente da República interessado em governar o país ao invés de arrumar confusão com a China, os Ambientalistas, com a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Supremo Tribunal Federal, a Organização Mundial de Saúde, o Papa Francisco, enfim, com a totalidade do planeta Terra – Paulo Guedes já teria sido demitido do cargo que ocupa há muito tempo. Claro que a blindagem dada a ele pelo mercado financeiro ajuda a mantê-lo na cadeira que ocupa; mas convenhamos a função de defensor dos interesses do mercado financeiro e do capital internacional poderia ser feita de maneira mais competente e polida por outra pessoa que não o Paulo Guedes. Ele não caiu até agora porque é um ogro que nem seu chefe e também porque nenhuma pessoa civilizada, no seu juízo perfeito e com um mínimo de competência para comandar a equipe econômica do governo está disposta a sujar seu currículo trabalhando para o pior governante da história do Brasil, desde Dona Maria I, a Louca.

Mas hoje o Czar Guedes conseguiu se superar. Ao invés de se contentar a fazer o que sempre faz, que é apresentar teses estapafúrdias sem comprovação nos dados, o Ministro da Economia resolveu inovar. Para mostrar a necessidade de reduzir a carga tributária brasileira, Paulo Guedes criou um novo conceito de carga tributária, a saber: a soma da carga tributária propriamente dita com o déficit nominal do setor público. Essa pérola das finanças públicas, divulgada na apresentação “A reconstrução do estado” (notem “estado” com letra minúscula), seria supostamente baseada no Ranking de carga tributária da OCDE de 2017. No slide 8 dessa apresentação o Brasil aparece com uma carga tributária de 41,3%, igual a soma da carga tributária propriamente dita igual a 32,3% (total de impostos e contribuições/PIB) com o déficit nominal do setor público de 9% do PIB. Acontece que esse não é o conceito de carga tributária usada no relatório da OCDE que o ministro cita em sua apresentação.

Segue abaixo o slide usado na apresentação

 

Com efeito, no relatório “Revenue Statistics in Latin American and the Caribbean 2020-Brazil” está escrito que “Brazil´s tax-to-GDP ratio in 2018 (33,1%) was above the LAC average (23,1%). Mas esse não é o pior erro. Todos os demais países que aparecem na tabela acima tem a sua carga tributária definida da forma convencional, ou seja, pela razão entre a receita de impostos (e contribuições) e o PIB! Para piorar deliberadamente a posição do Brasil no ranking o Todo Poderoso Ministro da Economia que se gabou de ter lido Keynes no original três vezes (e pelo visto sem entender nada) adicionou o déficit nominal no cálculo da carga tributária brasileira mas se “esqueceu” de fazer o mesmo com os demais países da amostra.

Para que tenhamos uma ideia precisa da posição relativa do Brasil no que se refere a carga tributária podemos utilizar os dados fornecidos pela Instituição Fiscal Independente em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal de dezembro de 2018. Na seção 4 que trata da carga tributária no Brasil e nos países da OCDE, destaca-se a figura abaixo.

Essa figura mostra a evolução da carga tributaria dos países da OCDE entre 2009 e 2016 comparando com a evolução da carga tributária brasileira. Segundo a IFI “a média da carga tributária dos países da OCDE alcançou seu auge de 34,2% do PIB no ano de 2016, após crescer quase 2 pontos porcentuais (p.p.) do PIB em relação aos 32,3% de 2009. Esses crescimento se processou de maneira bastante generalizada entre os países. Entre 2009 e 2016, a carga tributária cresceu em 30 países e caiu em apenas cinco, sendo que o maior aumento foi de 7,9 p.p. do PIB na Grécia e as maiores quedas foram de 3,2 p.p. na Noruega e 4,3 p.p. na Irlanda“. Na comparação com o Brasil a IFI afirma que “A tendência mais geral de crescimento da carga nos países da OCDE destoa do padrão observado no Brasil. No ano de 2009, a carga tributária brasileira de 32,3% do PIB era idêntica à média dos países da OCDE. Deste então, a carga brasileira ficou estabilizada nos mesmos 32,3% do PIB em 2016, passando a se situar cerca de 2 p.p. do PIB abaixo da média dos países da OCDE“.

Ou seja, ao contrário do que ocorre no Universo Paralelo do Ministro da Economia Paulo Guedes, não só a Carga Tributária do Brasil tem permanecido estável nos últimos 10 anos, como ainda se encontra 2 p.p abaixo da média dos países da OCDE.

Mas porque Paulo Guedes cria esse conceito, digamos, exotérico de carga tributária? A resposta fica clara no slide 9 da apresentação do ministro. Ele cria esse novo conceito de carga tributária, exclusivo para o Brasil, inflando assim o número, para na sequencia dizer que é preciso aprovar as PECs fiscais (186, 187 e 188), bem como a reforma administrativa. Ou seja, Guedes atribui a alta carga tributária no Brasil ao (sic) excesso de gastos com os servidores públicos.

Essa é outra Fake News do Posto Ipiranga. No estudo da IFI que citamos acima, observamos outra figura que apresenta a relação entre a carga tributária e os gastos sociais como proporção do PIB.

Sobre a figura acima a IFI afirma que “um dos fatores que mais ajuda a explicar o tamanho da carga tributária no Brasil, a qual pode ser considerada
relativamente elevada para uma economia em desenvolvimento, é o volume de gastos sociais. Como se pode verificar no Gráfico 18, há uma correlação positiva (forte) entre as duas variáveis: gasto social e carga tributária. Ou seja, a elevada disparidade de cargas tributárias entre os países é explicada em grande medida pelos respectivos volumes de gastos sociais: aqueles com maiores gastos sociais como Dinamarca e França são os que possuem maiores cargas tributárias; e o contrário ocorre em países como Chile e México de menores níveis de gastos sociais e de cargas tributárias. Em média, o gasto social representa 62% da carga tributária dos países da OCDE e na maioria desses países (27 dos 35) se situa entre 50% e 70% da carga tributária. É interessante notar que a relação entre gastos sociais e carga tributária no Brasil possui uma boa aderência com aquela verificada nos países da OCDE: a estatística Brasileira se encontra muito próxima da linha pontilhada no Gráfico 18. A estimativa dos gastos sociais brasileiros é de 64% da sua carga tributária ou 20,7% do PIB, apenas um pouco abaixo da média dos países da OCDE de 21,1% do PIB despendidos em gastos sociais. Comparando-se apenas com os países Emergentes e economias em desenvolvimento que compõem a OCDE, o Brasil possui níveis de carga tributária e de gasto social muitos superiores do que México, Chile e Turquia, próximos aos da Polônia e inferiores aos da Hungria. Em resumo,
o Brasil possui um patamar de carga tributária relativamente elevada para uma economia em desenvolvimento e isto é  explicado em boa medida pelo tamanho dos seus gastos sociais“.

Em suma, a razão fundamental para a relativamente alta carga tributária no Brasil não é o gasto excessivo com funcionalismo público, mas o fato de que o Brasil possui um elevado gasto social como proporção do PIB na comparação com outros países. Se a opção é pela redução da carga tributária então a posição intelectualmente honesta (coisa difícil de se esperar de Paulo Guedes) é defender uma redução dos gastos sociais. Eu pessoalmente não tenho duvida que o pouco apreço que Paulo Guedes (coisa que ele já deixou transparecer em seus numerosos atos falhos) tem pelos mais pobres seja a razão de sua obsessão com a redução da carga tributária. Mas duvido que seja a vontade da esmagadora maioria da população brasileira. Guedes sabe que não tem como ganhar esse jogo, mas irá insistir até o fim para depois dizer que “não deixaram ele trabalhar”, imitando assim o “vitimismo” de seu (por ora) chefe.