Quinta, 13 de Janeiro de 2011 05:46 | |||
Indústria brasileira corre o risco de se tornar “maquiladora” |
Escrito por Raul Jungmann |
José Luis Oreiro tem ascendência espanhola e não nega suas origens, travando com especial gosto o bom debate.
Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ e professor adjunto do departamento de economia da Universidade de Brasília, publicou diversas obras como “Agenda Brasil: políticas econômicas para uma agenda de crescimento e estabilidade de preços”, “Sistema Financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro” e “Política Monetária, Bancos Centrais e Metas de Inflação: teoria e experiência brasileira”. Oreiro é também colaborador habitual de publicações econômicas, tendo ainda diversos artigos publicados na grande imprensa sobre temas afins. Nessa conversa com o Portal sobre o governo Dilma, inflação e perspectivas globais, Oreiro destaca os baixos índices de poupança e investimento da economia brasileira como limites para a continuidade do crescimento. Para ele, enquanto o setor público continuar com poupança negativa, teremos avanços e recuos cíclicos. Mas o que chama mais a atenção, nessa conversa que tivemos via email, é a sua afirmação categórica que com mais dois ou três anos do atual câmbio supervalorizado, a indústria brasileira, ainda que não reduza seu tamanho , tornar-se-á uma “maquiladora”, isto é, uma montadora de componentes e tecnologia produzidos lá fora.
Qual sua previsão para o crescimento global em 2011, destacando a Europa, EUA, China e Japão? O mundo desenvolvido deve aumentar sua taxa de crescimento em 2011, mas ainda deverá crescer abaixo do potencial devido aos problemas na Europa e Japão. Os Estados Unidos deverão crescer algo como 2,5% em 2011 devido ao aumento das exportações (viabilizado pela depreciação do dólar induzido pela política de quantitative easing do Federal Reserve) e alguma recuperação dos gastos de consumo. A taxa de poupança pessoal nos EUA aumentou muito após 2008, passando de quase zero % em 2007 para 6% do PIB no primeiro semestre de 2010. Os últimos números, no entanto, indicam que a taxa de poupança não só parou de aumentar, como apresentou uma ligeira queda nos últimos meses, o que dá um certo impulso para os gastos de consumo. O crescimento será mais baixo e bastante assimétrico na Europa. Alemanha deverá apresentar a maior taxa de crescimento da área do Euro devido ao forte desempenho de suas exportações. Minha previsão é de um crescimento de 4% para a economia alemã. Os PIIGS deverão ter um crescimento bastante fraco devido à crise da dívida. Não podemos descartar a possibilidade que a Grécia ou a Irlanda abandonem o Euro. Nesse contexto,a área do Euro deve apresentar um crescimento em torno de 1,5%, bastante inferior ao dos Estados Unidos. Performance similar deverá ser observada no Japão. Isso posto, o mundo desenvolvido deverá ter uma expansão máxima de 1,8% no seu PIB. Os BRIC´s terão um desempenho bastante superior. China e India deverão ter um crescimento médio de 8%. A Russia deverá ter um crescimento de 5% e o Brasil de 4,5%. Isso significa que a economia mundial como um todo terá em torno de 3% no ano de 2011. Quando e por que, a economia global voltará a crescer de forma sustentada? Acredito que um crescimento sustentado da economia global só ocorrerá quando a China assumir seu novo papel na ordem econômica mundial. Isso exige que a China abandone o seu modelo de crescimento baseado na promoção de exportações e passe a puxar o crescimento de sua economia com base na demanda doméstica. E o Brasil? O Brasil irá observar uma forte desaceleração do seu crescimento com respeito ao ano de 2010. Embora o IBGE ainda não tenha divulgado os números do PIB para o ano passado, tudo indica que a economia brasileira cresceu um torno de 7,5% no ano de 2010. Esse número é insustentável a médio-prazo, dada a baixa taxa de investimento em capital fixo (em torno de 18% do PIB). As estimativas existentes sobre o crescimento do produto potencial indicam um crescimento máximo do PIB de 4 a 4,5% no longo-prazo. Como a capacidade ociosa gerada pela crise de 2008 foi esgotada em 2009 e 2010, o crescimento em 2011 deverá se desacelerar para algo com 4,5% em 2011, se for mantido o compromisso com a estabilidade da taxa de inflação. Abstraindo conjunturas , pilotagem etc. estão dadas as condições estruturais para o crescimento do Brasil, como diz Antonio Barros de Castro? Não estão dadas. O Brasil ainda padece de sérios problemas estruturais e institucionais que não foram resolvidos nos dois mandatos do presidente Lula. Em primeiro lugar, o Brasil investe uma parcela ridiculamente baixa do PIB. Para crescer a uma taxa de 5,5% a.a. como deseja o governo, sem pressões inflacionárias, o Brasil precisaria investir entre 23 a 25% do PIB ao invés dos atuais 18%. Em outros termos, o Brasil precisa aumentar sua taxa de investimento entre 5 a 7% do PIB para ter um crescimento robusto e sustentável de sua economia. Isso só será possível por intermédio de um aumento significativo do investimento público em infra-estrutura. Apesar de toda a retórica agressiva do PT contra o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o fato inegável é que a performance dos governos FHC e Lula em termos do investimento público é praticamente a mesma: em ambos os governos o investimento público foi um pouco maior do que 1% do PIB. Para um crescimento robusto e sustentável, o investimento público deveria se situar em torno de 4 a 5 % do PIB. Em segundo lugar, o Brasil voltou a apresentar déficits crescentes na conta de transações correntes do balanço de pagamentos. Em 2008 e 2009, o Brasil apresentou um déficit de 1,5% do PIB. As projeções para 2010 (o IBGE ainda não divulgou os dados de PIB) são de um déficit de 2,5%. Para 2011 o Banco Central do Brasil projeta um déficit de 3% do PIB, o que pode ser um número excessivamente otimista dada a tendência a apreciação da taxa real de câmbio. Com base num estudo que fiz em outubro do ano passado em conjunto com a professora Eliane Araujo e que foi publicado no jornal Valor Econômico (ver https://jlcoreiro.wordpress.com/2010/10/18/cambio-e-contas-externas-analise-e-perspectivas-valor-economico-18102010/) é possível que no final do mandato da Presidente Dilma, o déficit em conta corrente chegue à casa dos 7% do PIB … Esses números mostram que a situação das contas externas é claramente insustentável, de maneira que é possível a ocorrência de uma crise de balanço de pagamentos ainda no mandato da Presidente Dilma. O PT “histórico” era, e é, anticapitalista. Entretanto, Lula contou com apoio crescente do capital, sobretudo do grande capital. Noves fora a incorporação do “kit” tucano de gestão macroeconômica – metas de inflação, câmbio flexível e superávits -, a que mais atribuir esse sucesso? O crescimento econômico acelerou na era Lula. Nos dois mandatos do presidente FHC a economia brasileira cresceu a uma taxa média de 2,5% ao ano. Na era Lula o crescimento médio foi de 4% ao ano. Essa aceleração do crescimento permitiu uma forte expansão do emprego formal, o qual foi a razão principal para a queda dos índices de pobreza e da desigualdade social no Brasil. O bolsa família contribuiu com apenas 30% da queda do índice de desigualdade social. Nesse contexto a pergunta relevante a ser feita é: por que o crescimento da economia brasileira se acelerou na era Lula relativamente à era FHC? A resposta é que o contexto internacional durante os dois mandatos do presidente Lula permitiu um relaxamento da restrição externa ao crescimento, viabilizando assim a ocorrência de taxas maiores de crescimento do PIB sem a ocorrência de graves desequilíbrios na conta de transações correntes do Balanço de Pagamentos. Na era Lula observou-se um aumento sem precedentes no preço das commodities (soja, minério de ferro, etc) o que viabilizou um aumento expressivo das exportações a partir de 2004. Esse aumento das exportações não só criou renda pelo mecanismo tradicional do multiplicador do comércio externo, como ainda permitiu um forte crescimento das importações de máquinas e equipamentos para a modernização da indústria, viabilizando, num primeiro momento, um aumento da taxa de investimento. Por outro lado, a liquidez internacional abundante gerada pela política monetária expansionista do FED de Greesnpan permitiu uma rápida queda do prêmio de risco país para todos os países emergentes o que, combinado com a manutenção das políticas de geração de superávits primários expressivos, herdada de FHC II, levou a uma rápida redução do risco Brasil, permitindo assim que o Banco Central reduzisse a taxa de juros SELIC sem promover uma fuga de capitais do Brasil e/ou uma mega desvalorização do câmbio. O único mérito próprio do governo Lula, a meu ver, foi a política de valorização do salário mínimo. Graças ao aumento real do salário mínimo, os gastos de consumo no Brasil puderam experimentar uma forte expansão, o que contribuiu em muito para a aceleração do crescimento da economia brasileira. Que papel o BNDES e fundos de pensão tiveram nisso tudo? O BNDES desempenhou um papel fundamental na aceleração do crescimento da economia brasileira ao proporcionar funding de longo-prazo para os novos projetos de investimento realizados a partir de 2004. A economia brasileira, devido a uma série de problemas herdados do período de alta inflação, os quais não foram resolvidos nem por FHC e nem por Lula, carece de fontes privadas de funding de longo-prazo. O setor bancário concentra-se no financiamento dos gastos de consumo das famílias (e no capital de giro das empresas a taxas exorbitantes) e o mercado de capitais é quase inexistente. Daqui se segue que o funding de longo-prazo é quase que inteiramente fornecido pela acumulação interna de lucros e pelo BNDES. Se o governo não tivesse feito um forte aporte de recursos a essa instituição por parte do Tesouro Nacional, certamente que o investimento não teria aumentado no governo Lula e o crescimento da economia brasileira teria sido muito menor. Temos hoje um nó que, para muitos, ata a questão fiscal, a política monetária e o câmbio. Ou seja: se não se fizer um ajuste fiscal (de quanto?), será impossível baixar juros e vamos continuar atraindo dólares abundantes lá fora. Qual a saída? O governo Dilma tá no rumo certo? O ajuste fiscal é condição necessária, mas não suficiente para a queda da taxa de juros. Conforme argumentei em artigo publicado recentemente no Valor Econômico em co-autoria com o Prof. Luiz Fernando de Paula da UERJ (ver em https://jlcoreiro.wordpress.com/2010/10/05/por-que-a-taxa-de-juros-e-tao-alta-valor-economico-05102010/) os juros no Brasil são tão altos em função da conexão espúria entre o mercado monetário e o mercado de dívida pública devido à presença de títulos públicos indexados a própria taxa básica de juros, as assim chamadas Letras Financeiras do Tesouro. Esses títulos são uma herança do passado de alta inflação no Brasil, tendo perdido totalmente a sua funcionalidade para a condução da política monetária. Em função da existência desses títulos, a taxa de juros que o BCB usa no dia a dia pra regular a liquidez do sistema bancário, a Selic, tem que ser a mesma taxa que remunera os títulos da dívida pública. Dessa forma, a dívida publica contamina a política monetária impondo um patamar mínimo abaixo do qual a taxa de juros não pode cair sob pena de comprometer a rolagem da dívida pública. Infelizmente não se observa na equipe econômica da presidente Dilma nenhuma discussão a respeito da relação entre a composição da dívida pública (e não apenas o seu tamanho) e a taxa real de juros no Brasil. O ajuste fiscal é necessário, a meu ver, para reduzir a taxa de juros de longo-prazo (se e quando as LFT´s forem extintas) e abrir espaço no orçamento para aumentar o investimento público. Atualmente a poupança pública no Brasil é negativa. Precisamos aumentar a poupança pública para cerca de 5% do PIB se quisermos aumentar o investimento público de forma significativa. Isso significa que o ajuste fiscal requerido é um aumento do superávit primário dos atuais 2,5% do PIB para algo como 7% do PIB. Um ajuste fiscal desse tamanho exige um aumento de impostos, dada a rigidez constitucional para se cortar gastos de consumo e de custeio. Dessa forma, acho indispensável a recriação da CPMF, a qual geraria, de imediato, algo com 1,5% do PIB de receita a mais para o governo. Mudando de assunto, existe uma mudança estrutural na pauta de exportações brasileiras que nos levará inexoravelmente a desindustrialização? Por que ? Quero deixar bem claro que o Brasil vivencia um processo de desindustrialização desde 1988. A desindustrialização é definida como uma situação na qual a participação do valor adicionado da indústria no PIB se reduz ao longo do tempo. Definida dessa forma, o Brasil passou por duas ondas de desindustrialização. A primeira, entre 1988 e 1998, quando a participação do VA da indústria no PIB caiu de cerca de 30% para 17%. Após o fim da desastrada gestão de Gustavo Franco no BCB e o fim do câmbio sobre-valorizado, a participação do VA na indústria no PIB volta a se recuperar, atingindo perto de 23% do PIB em 2005. Desde então se observa uma nova redução da participação do VA da indústria no PIB, o qual se situa atualmente em torno de 19%. Portanto, a questão não é se teremos ou não desindustrialização, mas sim se o processo irá se aprofundar ou não. Se o câmbio sobre-valorizado persistir por mais dois ou tres anos, a indústria brasileira deverá se tornar uma grande maquiladora: a produção industrial poderá até ser grande m termos físicos, mas a geração de valor adicionado será baixa, pois a maior parte dos materiais será importada do exterior. Qual o papel da emergência das economias da China e da Índia no mundo e vis a vis os espaços do Brasil, e seus mercados? Graças à emergência da China e daIndia, a economia mundial não entrou em colapso em 2008 após a falência do Lehman Brothers. Para o Brasil a emergência da China foi positiva, num primeiro momento, devido ao efeito do crescimento chinês sobre os preços das commodities. O problema é que a China agora está tomando mercados do Brasil para produtos manufaturados, contribuindo assim para o nosso processo de desindustrialização. O Brasil corre o risco de repetir com a China o mesmo padrão de especialização que teve com a Inglaterra no século XIX: exportador de produtos primários e importador de produtos manufaturados. As taxas e poupança e investimento seguem baixas no Brasil. Por que? E o que fazer para reverter isso? A taxa de poupança no Brasil é baixa fundamentalmente porque a poupança pública é negativa. A poupança privada doméstica mantém-se relativamente estável ao longo do tempo, aumentando nos momentos em que o câmbio está desvalorizado e diminuindo nos momentos em que o câmbio está valorizado. Assim se quisermos aumentar a taxa de poupança no Brasil temos que aumentar significativamente a poupança pública e desvalorizar de forma permanente a taxa de câmbio para estimular a poupança privada. O investimento no Brasil é baixo por duas razões. Em primeiro lugar, o investimento público é baixo. Deve-se ressaltar que o investimento privado e o investimento público são, em larga medida, complementares de forma que se o Estado investir pouco em infra-estrutura. O setor privado terá poucos incentivos para investir na ampliação e modernização da capacidade produtiva. Em segundo lugar, o investimento no Brasil é baixo devido à combinação juros altos-câmbio baixo. Dessa forma, a taxa de retorno dos investimentos privados é baixa, o que limita o volume de investimento realizado pelo setor privado. Para reverter esse quadro precisamos, portanto, de um forte ajuste fiscal, que permita um aumento da poupança pública e do investimento público; e uma mudança na política cambial, que permita a obtenção de uma taxa de câmbio competitiva a médio prazo. |