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Gostei do artigo do Samuel Pessoa na FSP no ultimo domingo. Não que eu concorde com ele, mas ao menos se trata de um economista do mainstream economics que trata de forma intelectualmente honesta os seus adversários (não inimigos) ideológicos. Ao invés de afirmar de maneira desonesta e prepotente que a evidência entre câmbio e crescimento é (sic) “rala ou inexistente”, como fazem os expoentes do mainstream que se colocam na posição de São Tomás de Aquino da economia, ele afirma que a mesma é pouco robusta (Curioso observar que alguns puxa-sacos do mainstream, talvez no afã de aparecer, me acusam de afirmar que a relação entre câmbio e crescimento está definida !!!! Ora bolas, eu apenas critiquei os que afirmavam que ela era inexistente). Trata-se de uma notável mudança da posição do mainstream. Finalmente, nós heterodoxos saímos da posição de estúpidos e representantes do obscurantismo para a posição de pares no debate econômico. Samuel Pessoa recoloca o debate entre câmbio e crescimento no nível de um debate sério entre economistas sérios, ao invés de um debate entre os donos da verdade e um bando de ignorantes que teimam em não enxergar a luz da verdadeira fé.

Vou reproduzir aqui os mesmos argumentos que mandei para ele por e-mail. By the way, convido aos leitores a participar da seção especial sobre “câmbio, indústria e crescimento” que se realizará no VII Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira, a qual contará com a participação, já confirmada, de Samuel Pessoa.

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Mensagem enviada em 24/03/2014

Bom dia Samuel,
Tenho acompanhado seus artigos na FSP sobre indústria, crescimento e câmbio. Eu pretendo nos próximos dias escrever um artigo – provavelmente para o meu blog – com comentários mais aprofundados sobre os mesmos, mas no espírito do fair play vou fazer alguns aqui de forma mais rápida.
Começando com o artigo de ontem. Francamente não entendi como a evidência empírica por você citada sobre a relação câmbio e crescimento pose ser pouco robusta. Num universo de 47 trabalhos (tem 13 trabalhos que você menciona na amostra principal de 60 mas que você não os inclui no detalhamento no parágrafo seguinte), 35 afirmam que o câmbio afeta o crescimento. Isso representa 77,44% da evidência disponível !!!! Mesmo que você inclua o universo de 60 trabalhos (o que inclui os 13 trabalhos que não sem contra, nem a favor, muito pelo contrário) teríamos 58,33% da evidência disponível favorável a hipótese de que câmbio e crescimento estão correlacionados !!!! Isso não me parece prova de evidência pouco robusta.
Quanto a inclusão da variável poupança, veja que aqueles como eu e o Bresser que defendemos um câmbio desvalorizado para estimular o crescimento, defendemos também, por tabela, uma poupança mais elevada. É que para nós a desvalorização cambial irá resultar num aumento da poupança privada. São dois os mecanismos possíveis. O primeiro é devido ao “véu corporativo”. A desvalorização cambial irá aumentar a margem de lucro e, portanto, a poupança das empresas domésticas. Como a poupança das empresas e a poupança das famílias é complementar, haverá um aumento da poupança doméstica. Em segundo lugar, e de forma complementar a hipótese do “véu corporativo”, a desvalorização cambial irá produzir uma redistribuição de renda dos salários para os lucros. Como a propensão a poupar a partir dos salários é menor do que a propensão a poupar a partir dos lucros, a poupança agregada doméstica irá aumentar pari passu.
Você diria que a mudança na distribuição requerida pela desvalorização cambial é politicamente inviável. Eu discordo parcialmente de você. Tudo depende do tamanho da mudança na distribuição (particularmente eu acho que o efeito sobre o wage share será pequeno) e sobre o grau de consciência que a sociedade tem sobre os efeitos do não ajustamento cambial. Nesse quesito eu não acho que a sociedade brasileira prefere de forma absolutamente consciente e racional um câmbio mais valorizado, eu acho que ela fez essa escolha sem levar totalmente em conta os efeitos de uma taxa de câmbio artificialmente valorizada sobre o crescimento e o bem-estar social a longo-prazo (ou seja é um problema de dissonância cognitiva em larga escala, ajudada é claro por economistas como você que dizem que isso não é importante). Se minha interpretação estiver correta tudo se resume a um trabalho de convencimento da sociedade, dos políticos e dos trabalhadores de que se trata de algo absolutamente necessário para o Brasil se tornar um país rico num futuro previsível.
Um comentário muito rápido sobre indústria. Em qualquer matriz de insumo-produto de qualquer mais minimamente industrializado você observa que os efeitos de encadeamento pra frente e pra trás na indústria são maiores do que na agricultura ou serviços. Isso significa que um aumento da produção industrial tem um impacto muito maior sobre o PIB do que na agricultura ou nos serviços. Acho que isso já desmonta a sua tese de que a indústria não tem nada de especial.
Um forte abraço
José Luis Oreiro