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Por José Luis Oreiro, Flavio Basilio e Gustavo Souza

Desde o colapso do sistema de Bretton Woods, a relação entre crescimento econômico e câmbio real era tida como um assunto secundário na agenda de política macroeconômica. Foram inúmeros os estudos que mostraram que o regime cambial era neutro para estimular a atividade econômica, tendo como artigo clássico Baxter e Stockman (1989). Da mesma forma, Ghosh e outros (2003) argumentaram que regimes de câmbio administrado possuem o mesmo resultado em termos de performance econômica, quando comparados aos regimes de câmbio flutuante, mostrando que a administração da taxa de câmbio simplesmente não é capaz de aumentar o crescimento econômico.

A literatura mais recente, que é aparentemente desconhecida pelos economistas liberais brasileiros, tem apontado noutra direção. Tendo como foco os países em desenvolvimento, Rodrik (2008) mostrou que câmbio administrado e desvalorizado é eficaz em estimular o crescimento econômico. No entanto, o autor foi além e mostrou, ainda, que câmbio apreciado reduz o crescimento. Nesse sentido, além de defender a não neutralidade do regime cambial, Rodrik demonstrou que países que sistematicamente mantêm uma taxa de câmbio desvalorizada crescem mais rapidamente, porque essa estratégia amplia a taxa de retorno do capital e aumenta a produtividade da economia por meio de estímulo aos setores tradables.

Seguindo essa mesma linha, Eichengreen e Gupta (2012) argumentam que a produtividade marginal do trabalho (e consequentemente o retorno do capital) tende a ser maior nas atividades exportadoras. Dessa forma a adoção de uma estratégia “export-led”, defendida pelos novo-desenvolvimentistas, aumenta a produtividade do trabalho na economia como um todo, desenvolve a indústria e permite maior desenvolvimento tecnológico com transbordamentos positivos para toda a economia em termos de crescimento econômico.

Câmbio desvalorizado amplia a taxa de retorno do capital e aumenta a produtividade da economia

Assim, fica evidente que a taxa de câmbio possui influência sobre investimento e, consequentemente, sobre o crescimento econômico, por diversos canais. Talvez, em decorrência desses inúmeros canais de influência, por vezes conflitantes, e devido à dificuldade em se estimar os efeitos do câmbio sobre as variáveis reais, que Pedro Cavalcante e Renato Fragelli, em recente artigo publicado no Valor, afirmaram que câmbio não afeta crescimento.

Na esteira dessa discussão, tendo como ponto de partida o modelo econométrico de Darby e outros (1999), publicado no prestigiado “Economic Journal”, estimamos um modelo econométrico a respeito dos determinantes do investimento na indústria de transformação e extrativa brasileira levando em consideração não apenas os tradicionais efeitos do custo do capital e do mark-up, mas também incorporando elementos relacionados às oportunidades empresariais (modelado a partir do Q de Tobin) e às incertezas das decisões de investimento, capturado por distintos indicadores de volatilidade cambial. Como variável dependente, utilizamos o investimento por trabalhador, por entendermos que este constitui a variável relevante do ponto de vista do crescimento do produto de longo-prazo.

Ademais, a análise foi baseada em seis modelos com dados em painel, para os 30 setores industriais do sistema de contas nacionais e para minimizar os problemas de endogeneidade, ponto citado por nossos nobres colegas e também discutido nas estimativas de Rodrik, utilizamos inúmeras variáveis de controle e testamos a robustez dos resultados. Ao escolhermos a estimação por painel, consideramos as heterogeneidades setoriais (experimento não realizado por Darby e outros, mas sugerido pelos autores), permitindo uma análise mais detalhada do problema.

 

Os resultados estimados sugerem que o nível do câmbio real não apenas produz efeitos reais sobre a indústria brasileira, mas também a sua volatilidade (efeito incerteza) provoca impactos adversos sobre as decisões de investimento. Deve-se salientar que esse resultado não é uma novidade. Dixit (1989) e Belke e Gros (1998) mostram que a volatilidade afeta as decisões de investimento, mesmo da ausência de agentes avessos ao risco. Mahmood e Ali (2011) e Bleaney e Greenaway (2001), por exemplo, mostram que a volatilidade da taxa de câmbio impacta negativamente as decisões de investimento devido ao aumento da incerteza, enquanto que Kogut e Chang (1996) encontram resultados consistentes sobre os efeitos da taxa real de câmbio sobre os planos de investimentos, mostrando que a taxa real de câmbio possui efeitos reais sobre a economia.

Ou seja, uma leitura mais atenta e menos viesada do nosso artigo mostra não apenas que a taxa de câmbio e a sua volatilidade afetam as decisões de investimento dos agentes econômicos, como também que esse resultado é amplamente corroborado na literatura econômica relevante. Argumentar que a evidência entre câmbio e crescimento é rala, senão inexistente, é desconsiderar importantes resultados científicos publicados em periódicos de referência internacional.

Sobre os possíveis problemas metodológicos reportados pelos nobres colegas, em particular os relacionados à endogeneidade, vale uma leitura mais detalhada, não apenas do nosso artigo, mas também, apenas como ponto de partida, dos trabalhos de Rodrik e Darby. Além disso, devemos deixar claro também que a variável estimada no nosso modelo foi investimento por trabalhador e não crescimento, como afirmado por Cavalcante e Fragelli, num aparente “cochilo lógico”.

José Luis Oreiro é professor do Instituto de Economia da UFRJ

Flavio Basilio e Gustavo Souza são doutores em Economia pela Universidade de Brasília.

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Referências

Baxter, M. e Stockman, A. (1989). Business Cycles and the Exchange Rate Regime: Some International Evidence. Journal of Monetary Economics. 23, pp. 377-400.

Bleaney, M. e D. Greenaway (2001). The Impact of Terms of Trade and Real Exchange Rate on Investment and Growth in Sub-Saharan Africa. Journal of Development Economics, 65, 491-500.

Darby, J. Hallet, A. Ireland, J. e Piscitelli, L. (1999). The impact of Exchange Rate Uncertainty on The Level of Investment. The Economic Journal, 109, C55-C67

Dixit, A. (1989). Entry and Exit Decisions under Uncertainty. Journal of Political Economy Vol. 97, No. 3, pp. 620-638

Eichengreen, Barry e Poonam, Gupta (2013), The Real Exchange Rate and Export Growth: Are Services Different? Policy Research WPS 6629, The World Bank.

Ghosh, A., A. Gulde, e Holger Wolf (2003). Exchange Rate Regimes: Choices and Consequences. Cambridge, MA: MIT Press

Kogut, Bruce, e Chang, Sea Jin. (1996). Platform Investments and Volatile Exchange Rates: Direct Investment in the U.S. by Japanese Electronic Companies. Review of Economics and Statistics, 78(2): 221-31.

Mahmood, I. e Ali, S.Z. (2011). Impact of Exchange Rate Volatility on Macroeconomic Performance of Pakistan. International Research Journal of Finance and Economics, 64. pp. 1450-2887

Rodrik, D. (2008). The Real Exchange Rate and Economic Growth. Brookings Papers on Economic Activity ,v.39, 2, pp.365-439.