O crescente consenso na sociedade brasileira de que o BCB possui uma parcela expressiva da culpa pelo tombo do nível de atividade econômica observado no ultimo trimestre de 2008 tem produzido um clima de verdadeiro desespero entre os membros da ortodoxia. Isso porque a gestão da política monetária é a sua ultima linha de defesa contra a ofensiva desenvolvimentista, iniciada após a queda o ministro Antonio Palocci, e que ganhou ímpeto com a erupção da crise econômica internacional sobre o Brasil. Soma-se a esses fatores o fato de que os dois pré-candidatos a presidência da República mais bem posicionados para o pleito de 2010, Dilma Rouseff e José Serra, são desenvolvimentistas convictos, os quais deverão dar muito pouco espaço, se algum, a expoentes da ortodoxia na equipe econômica do próximo governo.

 

Esta semana fui informado por intermédio de um estudante da graduação em economia da UFRJ que o Sr. Alexandre Schwartsman teria postado no seu blog uma crítica bastante deselegante ao meu post https://jlcoreiro.wordpress.com/2009/04/10/explicando-pela-n-esima-vez-porque-o-bcb-poderia-ter-mimimizado-a-queda-do-pib. Resolvi então verificar o conteúdo da crítica e visitei o seu blog. Fiquei então surpreendido pela grosseria, arrogância e falta de educação com a qual ele se dirige a mim e a outros economistas heterodoxos como o João Sicsú, o Yoshiaki Nakano e o Paulo Gala. É um festival de impropérios como “jumento puro sangue”, “vou pega-lo na anpec e ele vai sentar de lado”, e etc. Acreditava eu, na minha tola ingenuidade, que esse tipo de vocabulário só se usasse em estabelecimentos de “baixo meretrício” (nada contra as profissionais que, por desespero gerado pela semi-estagnação da economia brasileira nos últimos 25 anos, são obrigadas a vender seu corpo para sobreviver), e não por profissionais respeitados, ainda mais com doutorado em economia. É uma lástima.

 

Além dos impropérios acima referidos, pude constatar que desde janeiro do corrente ano o Senhor Alexandre Schwartsman vem prometendo a minha degola a sua “legião de admiradores” cada vez que algum artigo meu sai no Valor Econômico. No entanto, este senhor pode ser considerado um notório exemplo de um dos comportamentos mais execráveis na política, qual seja: “promete, mas não cumpre”. Com efeito, até o presente momento, este senhor não entregou o que prometera aos seus fãs: não há nenhuma linha sequer de crítica aos meus artigos publicados no Valor Econômico (ou seja, minha cabeça continua em cima do meu pescoço …). Como diria o adágio popular, “quem cala consente”, logo imagino que este senhor tenha se convencido intelectualmente da validade de minha argumentação. Nesse caso, acredito que a coisa mais honesta a fazer seria comunicar isso ao seu “fã clube”.

 

Tendo em vista esses pontos – acrescidos da evidente perda de reputação profissional que este senhor teve recentemente ao ser um dos poucos economistas (?) a defender, de maneira enfática, diria eu quase messiânica, que o Banco Central do Brasil deveria ter elevado a taxa básica de juros nas reuniões de outubro e dezembro de 2008 do COPOM para evitar a (sic) “explosão inflacionária” causada pelo repasse cambial – minha primeira reação foi ignorar esse senhor. No entanto, apesar da evidente falta de qualificação humana e profissional deste senhor, a sua crítica ao meu post trata, ainda que de forma superficial e, em geral, equivocada, de um tema importante em Economia Monetária, a saber: a relação entre moeda e produto.

 

Desde David Hume uma pergunta de fundamental importância em economia monetária é a seguinte: quais os efeitos da moeda no sistema econômico? Um aumento da quantidade de moeda teria efeito apenas sobre o nível geral de preços (como estabelece a Teoria Quantitativa da Moeda) ou poderia afetar também as quantidades produzidas? Essas questões envolvem considerações de natureza teórica e empírica. Do ponto de vista teórico, pelo menos para os adeptos da teoria neoclássica, o fundamental é explicar as razões da existência de rigidez nominal, a qual permite que mudanças na oferta de moeda tenham impacto (pelo menos à curto prazo) sobre o nível de atividade econômica, e não apenas sobre os preços.  Não irei tratar dessas questões aqui. O que nos interessa é a questão empírica, qual seja: como testar a hipótese de neutralidade (ou não-neutralidade) da moeda.

 

Conforme salienta Walsh (2001, p.14), o estudo clássico de Milton Friedman e Ana Schwartz (1963) intitulado “A Monetary History of the United States” ainda representa a evidência empírica mais influente a respeito da hipótese de não-neutralidade da moeda no curto-prazo. O estudo de Friedman e Schwartz (seriam eles habitantes da dimensão Z?) é baseado na obtenção de evidências empíricas a respeito da antecedência temporal de variações da oferta de moeda com respeito às variações do nível de produção. Para contornar o problema de “endogenidade” da política monetária, ou seja, o fato incontestável de que o Federal Reserve e o sistema bancário respondem a mudanças no ambiente econômico, Friedman e Schwartz desenvolveram a metodologia do “experimento natural”. Essa metodologia consiste em analisar de forma detalhada e exaustiva (ou seja, um trabalho de “historiador da política monetária”) as atas e os documentos produzidos pelo Federal Reserve com vistas a detectar os momentos nos quais ocorreram “mudanças autônomas” na política monetária, ou seja, mudanças na oferta de moeda (ou na taxa básica de juros) que não poderiam ser explicadas a partir dos desenvolvimentos anteriores do sistema econômico.  

 

Deve-se ressaltar que a definição de “mudanças puramente exógenas” da política monetária era absolutamente imprescindível para a tese fundamental de Friedman e Schwartz, qual seja: que as flutuações observadas no PIB americano eram resultado da “instabilidade da oferta de moeda”, ao invés de ser causada pela “instabilidade da demanda de moeda”, tal como era defendido pelos economistas Keynesianos. Dessa forma, a recomendação de política econômica era bastante clara: o governo deveria adotar uma regra de crescimento constante para a oferta de moeda

 

Um outro resultado importante obtido pelo estudo de Friedman e Schwartz é que os efeitos dos “choques monetários” sobre o produto real se dão após um intervalo longo e variável de tempo. É aqui que se insere o debate sobre a responsabilidade do BCB no agravamento da crise (by the way, temos que agradecer ao Ministro Meirelles e a toda a diretoria do COPOM não ter dado ouvidos ao Sr. Alexandre Schwartsman, do contrário, a queda do nível de atividade teria sido maior ainda). Os defensores do BCB argumentam que “as evidências empíricas” disponíveis mostram que mudanças na política monetária só têm efeito sobre o produto após um intervalo longo (e variável) de tempo. Dessa forma, mesmo que o BCB tivesse reduzido a taxa de juros nas reuniões de outubro e dezembro, isso de nada teria ajudado a impedir a queda do nível de atividade. O meu comentário crítico a essa posição foi que as evidências empíricas que os defensores do BCB se baseiam referem-se a “mudanças exógenas” na política monetária (ou seja, aquelas construídas com base no “experimento natural” de Friedman e Schwartz ou com base em modelos VAR, os quais iremos mencionar logo a seguir), e não a reação “endógena” da política monetária a uma mudança no ambiente econômico. Não há evidência empírica robusta a respeito dos efeitos e do timing de mudanças endógenas na política monetária sobre o produto real. Dessa forma, os defensores do BCB não podem se basear nos “fatos estilizados” da política monetária para rebater os críticos da política monetária. Trata-se de um evidente non sequitur.

 

No que se refere a questão dos efeitos de mudanças exógenas e endógenas da política monetária,  Wash (certamente mais um habitante da dimensão Z) afirma que:

 

The consensus from the empirical literature on the short-run effects of Money is that exogenous monetary policy shocks produce hump-shaped movements in real economic activity. The peak effects occur after a lag of several quarters (as much as two or three years in some of the estimates) and then die out (…)

There is less consensus, however, on the effects, not of policy shocks, but of the role played by the systematic feedback responses of monetary policy” (2001, p.39).

 

Uma outra forma de analisar os efeitos da política monetária sobre a atividade econômica, a qual não envolve o “experimento natural”, é por intermédio de Vetores Auto-regressivos (VARs) com um amplo número de variáveis macroeconômicas, identificadas ou não. No VAR, todas as variáveis são consideradas endógenas (embora uma especificação ou outra possa considerar uma variável “mais endógena” com a outra, a partir de testes Granger, por exemplo). A partir de um VAR, é utilizada uma função impulso-resposta, que traça o efeito de um choque de um período de inovação nos valores correntes e futuros das variáveis endógenas contempladas pelo VAR. Assim, por exemplo, o timing da resposta da atividade econômica à taxa de juros usualmente contemplada nos estudos empíricos é o de um choque exógeno a variável taxa de juros e à observação do que acontece com a variável atividade econômica, ambas variáveis endógenas; o choque que provoca a análise, entretanto, representa desenvolvimentos exógenos ao sistema. Não representa a resposta da atividade econômica a um movimento deliberado da taxa de juros por ação da política monetária e não pode, portanto, ter seus resultados com relação à defasagem da ação de juros sendo extrapolados para o caso em que os juros têm seu movimento determinado por decisão da política monetária.

 

O VAR utilizado com freqüência nos estudos empíricos associa choques de política com inovações serialmente não correlacionadas, os “impulsos” das funções impulso-resposta. O que o VAR identifica é, assim, os efeitos dos choques de política monetária que não são relacionados aos próprios desenvolvimentos da economia. Como está no próprio Walsh :

 

At best the VAR approach identifies only the effects of monetary policy shocks, shifts in policy unrelated to the endogenous response of policy to developments in the economy. Yet most, if not all, o f what one thinks in terms of policy and policy design represents the endogenous response of policy to the economy, and “most variation in monetary policy instruments is accounted for by responses of policy to the state of the economy, not by random disturbances to policy” (Sims 1998). So it’s unfortunate that a primary empirical tool – VAR analysis used to asses the impact of monetary policy is uninformative about the role played by policy rules”.

 

Mas essas particularidades do tratamento econométrico de como se chega ao período de defasagem, cristalizado pela literatura empírica da relação juros-produto, o Sr. Alexandre Schwartsman não trata. Não o culpamos. Na econometria é comum ser defrontado com o problema de variável omitida. Na especificação mental de Alexandre Schwartsman, onde se declara “um não especialista em econometria”, deveria ser adicionada mais uma variável explicativa, a de “não sou um especialista em economia”. Aí então, sem o viés de variável omitida, talvez o enunciado “Schwartsman é um bom economista” seja estatisticamente significante e válido, e não uma mentira que se compra apenas porque o enunciado é, no fim, apenas um viés de omissão de variável importante.

 

Referências Bibliográficas:

 

Friedman, M; Schwartz, A (1963). A Monetary History of the United States, 1867-1960. Princeton University Press: Princeton.

Walsh, C.E (2001). Monetary Theory and Policy. MIT Press: Cambridge (Mass.)