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José Luis Oreiro

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Um novo modelo macroeconômico: uma proposta para o(a) Próximo(a) Presidente da República

04 sábado out 2014

Posted by jlcoreiro in Debate macroeconômico, Eleições 2014, Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, Opinião

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proposta para os pré-candidatos a Presidencia da República

Em artigos que publiquei ao longo dos últimos anos na grande imprensa, defendi a tese de que o debate sobre a permanência ou não do “tripé macroeconômico” herdado do segundo mandato de FHC é irrelevante, pois os objetivos para os quais o dito tripé foi desenhado – estabilização/redução da taxa de inflação e da relação dívida pública/PIB – foram obtidos e consolidados nos últimos 10 anos.

O tripé, contudo, não foi desenhado para viabilizar as condições macroeconômicas necessárias para o crescimento sustentado da economia brasileira. Em particular, o tripé se mostrou compatível com a obtenção de uma poupança pública negligenciável ou negativa, com a deterioração crescente da competitividade externa da economia brasileira em função da apreciação crônica da taxa real de câmbio e com a manutenção da taxa de inflação acima de 5% a.a na média do período 2003-2012. A combinação entre poupança pública baixa ou negativa, câmbio apreciado e inflação superior a média internacional resultaram numa taxa de investimento em torno de 18% nos últimos anos, valor esse compatível com um crescimento não-inflacionário do PIB abaixo de 3% a.a.

O desafio agora consiste em desenhar um novo modelo que seja capaz de assegurar uma taxa de crescimento robusta e sustentável do PIB e o crescimento dos salários reais a um nível aproximadamente igual ao da produtividade do trabalho. O “tripé”, vivo ou morto, não foi desenhado para este fim; e o governo da Presidente Dilma Rouseff não apresentou nenhuma proposta consistente para um novo modelo. Com efeito, a política econômica do governo Dilma parece ser conduzida de forma amadora e casuística, com medidas de política sendo implementadas ao sabor dos acontecimentos, sem estarem inseridas no bojo de um regime macroeconômico claro e consistente. Uma verdadeira “biruta de aeroporto”.

Alguns defensores mais radicais do tripé poderão argumentar que tudo o que a política macroeconômica pode fazer é garantir a estabilidade da taxa de inflação e a solvência das contas públicas. Para garantir um crescimento robusto no longo-prazo seria necessário adotar políticas do “lado da oferta da economia” com vistas a estimular o dinamismo da “produtividade total dos fatores de produção”. Nesse contexto, seria necessário criar um “choque de eficiência” na economia brasileira, o que demandaria uma abertura comercial irrestrita, com a redução unilateral de alíquotas de importação. Os efeitos deletérios dessa política sobre a indústria brasileira são considerados de segunda ou terceira ordem, pois a indústria é, segundo essa visão, um setor como qualquer outro.

Economistas Keynesianos como eu não compram esse argumento uma vez que para nós o longo-prazo é apenas uma sucessão de curtos-prazos, de maneira que a condução da política macroeconômica afeta, para o bem ou para o mal, o desempenho da economia a longo-prazo.

Sendo assim, qual seria a alternativa ao tripé? Minha proposta é que o(a) próximo(a) Presidente da República defina um novo regime macroeconômico, o qual deve assegurar a obtenção simultânea dos seguintes objetivos: crescimento robusto do PIB, taxa real de câmbio competitiva, taxa de inflação baixa e estável, equilíbrio das finanças públicas e crescimento dos salários reais em linha com a produtividade do trabalho. Para obter esses objetivos, o novo regime deverá reformatar a política fiscal, a política monetária, a política cambial e a política salarial.

A política fiscal deve ser pautada não mais pela meta de superávit primário, mas pela meta de superávit em conta-corrente do governo. O saldo em conta-corrente do governo é definido como sendo a diferença entre a arrecadação do governo e os gastos correntes do governo, o que inclui o pagamento de juros sobre a dívida pública, mas exclui os gastos com investimento. Grosso modo é o equivalente a “poupança do governo”. No Brasil atual o saldo em conta-corrente do governo é negativo em torno de 1,0% do PIB (resultado de um superávit primário aproximadamente igual a 2% do PIB, investimento próximo de 2% do PIB e juros aproximadamente iguais a 5,0% do PIB). Isso dá uma “poupança negativa” de 1,0% do PIB, o que explica, em parte, o nível baixo do investimento público.

Para acelerar a taxa de crescimento do PIB é fundamental que o governo aumente os investimentos públicos na área de infraestrutura, o que demanda um aumento considerável da poupança pública. Dessa forma, sugerimos a adoção de metas crescentes ao longo do tempo para o superávit em conta-corrente do governo. A título de exemplo o governo poderia adotar uma meta de superávit em conta corrente de 0,5% do PIB em 2015 e aumentar gradualmente a mesma em 0,5% do PIB até alcançar 5% do PIB em 2025. Para que essa estratégia seja factível será necessária a introdução de um limite ao ritmo de crescimento dos gastos de consumo e de custeio do governo. Mais especificamente, para que o superávit em conta corrente do governo aumente a um ritmo igual a 0,5% do PIB por ano é necessário que os gastos correntes do governo aumentem a uma taxa igual a taxa de crescimento do PIB menos 0,5% ao ano. Considerando que, nas condições atuais da economia brasileira, o crescimento potencial do PIB é aproximadamente iguala 2,5% ao ano, então a taxa máxima de crescimento dos gastos de consumo de governo será de 1,5% a.a.

Deve-se ressaltar que esse processo de aumento progressivo da meta de superávit em conta-corrente não implica necessariamente numa contração fiscal caso o mesmo venha acompanhado de um aumento proporcional do investimento público. Nesse caso, o governo estará mudando apenas a composição do gasto público (menos consumo e mais investimento), não a sua magnitude.

Na política monetária o governo deve abandonar o regime de metas de inflação e substituí-lo por um regime de “mandato duplo” a exemplo do FED nos Estados Unidos. Nesse caso, a política monetária terá como objetivo, fixado pelo governo, a obtenção da mais alta taxa de crescimento possível para o PIB que seja compatível com a obtenção de uma taxa baixa e estável de inflação (em torno de 4% a.a) num horizonte temporal de três anos. Para evitar que a política monetária seja influenciada pelo ciclo político-eleitoral, a mudança do regime monetário deve ser acompanhada pela concessão formal (ou seja, em lei) de autonomia operacional para o Banco Central.

A obtenção de uma taxa robusta e sustentável de crescimento do PIB depende da manutenção da taxa real de câmbio num nível estável e competitivo a médio e longo-prazo. Para tanto, o Banco Central deverá administrar a taxa de câmbio nominal de tal maneira a manter o câmbio real em linha com o seu valor de equilíbrio industrial (a respeito do conceito e da mensuração da taxa de câmbio de equilíbrio industrial ver Marconi, N. 2012. The industrial equilibrium exchange rate in 2000: an estimation. Revista de Economia Política, Vol. 32, N.4).

A administração da taxa de câmbio deverá ser feita por intermédio da adoção de um sistema de bandas cambiais deslizantes, no qual o teto e o piso da banda sejam gradualmente desvalorizados ao longo do tempo de forma a obter uma taxa de câmbio competitiva a médio-prazo. Esse sistema irá viabilizar um ajuste gradual da taxa de câmbio, evitando assim o expediente das maxidesvalorizações tão comuns durante o período do Regime Militar. Esse novo regime cambial deverá ser acompanhado pela introdução de controles a entrada ou saída de capitais do país. Dessa forma, haverá uma significativa redução do grau de abertura financeira na economia brasileira, permitindo que o Banco Central controle juros e câmbio simultaneamente, contornando assim os problemas envolvidos no teorema da impossibilidade de Mundell.

Por fim, a política salarial deverá ter como meta a obtenção de uma taxa de crescimento dos salários nominais um ritmo aproximadamente igual a meta de inflação de médio-prazo e o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Uma forma de se obter esse resultado será por intermédio da introdução de uma Tax Income Policy, na qual o governo cobraria um imposto extraordinário sobre o lucro das empresas que concederem aumentos salariais acima do patamar dado pela meta de inflação e pelo crescimento da produtividade do trabalho.

Um reforço importante na política salarial será a mudança na política de reajuste do salário mínimo (a qual pode ser realizada a partir de 2015). Sugerimos que o salário mínimo seja reajustado a uma taxa igual a meta de inflação acrescida de 2% a.a, valor esse que podemos considerar como uma estimativa razoável a respeito do crescimento médio da produtividade do trabalho na economia brasileira no longo-prazo. O objetivo da política salarial será fazer com que o custo unitário do trabalho em termos nominais aumente a uma taxa aproximadamente igual a meta de inflação, o que será um importante reforço no controle da taxa de inflação e na obtenção de uma taxa de câmbio competitiva a médio e longo-prazo.

Deve-se ressaltar que essa política, de forma alguma, implica em “arrocho salarial” haja vista que ela é compatível com o crescimento do salário real a uma taxa aproximadamente igual ao ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Trata-se da única política salarial que é sustentável no longo-prazo. Qualquer outra coisa é puro e simples populismo.

O Grande debate macroeconômico da indústria (O Estado de São Paulo, 01/06/2014)

14 sábado jun 2014

Posted by jlcoreiro in Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, Mídia, Opinião

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Crítica ao governo Dilma Rouseff, proposta para os pré-candidatos a Presidencia da República

A redução da participação da indústria de transformação no PIB brasileiro de cerca de 19% para 13% entre a primeira metade da década passada e 2013 foi descrita por Renato Corona, do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, como “uma brutal desindustrialização que está destruindo um patrimônio construído pelo povo brasileiro”.

Corona foi um dos debatedores na terça-feira, 27/5/14, segundo e último dia do Seminário Indústria e Desenvolvimento Produtivo do Brasil, uma promoção conjunta da Escola de Economia de São Paulo (EESP) e do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ambos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O evento discutiu as várias mazelas que prejudicam a indústria brasileira, passando por temas como política industrial, inovação e comércio exterior. Mas talvez o debate mais emblemático, por ilustrar a distância entre as visões de mundo que embasam diferentes diagnósticos sobre a indústria, foi o dedicado à macroeconomia e ao câmbio.

De um lado, os economistas Luiz Carlos Bresser-Pereira, da EESP, e José Luis Oreiro, da UFRJ, apresentaram planos ambiciosos sobre como resgatar a indústria e o crescimento econômico. As receitas de cada um têm importantes diferenças, mas partilham uma visão extremamente crítica do “tripé” macroeconômico implantado em 1999, composto por superávits primários elevados, câmbio flutuante e metas inflação.

Do outro lado, o economista Samuel Pessôa, do Ibre e da gestora Reliance, um defensor do tripé macroeconômico, argumentou que, com a baixa poupança brasileira, o País está fadado a ter uma indústria mais rala do que o desejado por desenvolvimentistas como Bresser-Pereira e Oreiro.

Para Pessôa, a baixa poupança deriva da escolha da sociedade brasileira, por meio do sistema democrático, de montar um pesado Estado de bem-estar social numa economia de renda média. Não é algo politicamente passível de mudança, portanto (a não ser que o eleitorado mude de opinião), e o Brasil deveria se adaptar a uma estrutura econômica com participação relativamente menor da indústria (o que não significa desindustrialização radical) e à convivência com déficits externos.

Bresser, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney, considera que os problemas industrias brasileiros derivam da “doença holandesa” (valorização da moeda que afeta grandes produtores de matérias-primas) e do “populismo cambial”, a tentativa de controlar a inflação com câmbio valorizado.

Ele distingue a taxa de câmbio de “equilíbrio industrial”, que viabiliza as empresas industriais competentes”, e a de “equilíbrio corrente”, que viabiliza as exportações de commodities. Bresser preconiza um imposto sobre exportações de matérias-primas que neutralize a doença holandesa e leve o câmbio a um nível que, neste caso particular, passa a ser tanto o do equilíbrio corrente quanto o do equilíbrio industrial.

Oreiro, por sua vez, defende um aumento gradual, porém muito forte, da poupança pública. Assim, o que ele chama de “superávit em conta corrente do governo” (saldo fiscal incluindo juros mas excluindo investimentos) deveria subir de 0,5% para 5% do PIB entre 2015 e 2025. Para tanto, ele sugere a redução de gastos de custeio e consumo do governo, e o aumento da tributação da atividade mineradora.

Além disso, o economista da UFRJ propõe a adoção de um regime de bandas cambiais flutuantes, com um ajuste gradual (no sentido da desvalorização real) em dois a três anos, amparado por controles temporários da saída de capitais. Na política monetária, sua receita combina metas de inflação de médio prazo (três anos) com redução gradual do intervalo de tolerância.

Finalmente, Oreiro prega a “moderação salarial”, com uma regra de reajuste do salário mínimo de centro da meta de inflação mais 2% ao ano, e uma taxação adicional a empresas que concederem aumentos de salário acima da norma negociada com os sindicatos e o governo.

Diante de propostas tão amplas e radicais de mudanças, Pessôa soou como alguém que insiste em demarcar limites. Para ele, países de baixa poupança como o Brasil só podem suprir seus excessos de absorção com importações líquidas de bens comercializáveis internacionalmente. Com a supercompetitividade brasileira em matérias-primas, todo o ajuste entre absorção e produção recai sobre a importação líquida de manufaturados.

Assim, salvo mudanças sócio-políticas profundas, o Brasil está fadado a ser deficitário em produtos industrializados, com o consequente inchaço dos serviços, e superavitário em commodities.

A baixa poupança, por sua vez, deriva de “escolhas sociais” como o amplo sistema de seguridade social, que diminui o risco e, portanto, a propensão a poupar das famílias, além de onerar o Estado. Por sua vez, o fato de que boa parte dos benefícios previdenciários acompanha (ou até supera) os ganhos reais dos trabalhadores na ativa neutraliza parcialmente o mecanismo keynesiano que faz a poupança aumentar com a aceleração do crescimento econômico. Onde isso não ocorre, como na China, a despoupança dos aposentados é menor que a poupança dos trabalhadores na ativa (por causa do aumento constante dos salários reais), o que tem um efeito positivo sobre a poupança das famílias.

No mesmo painel de Bresser-Pereira, Oreiro e Pessôa, o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, mostrou as dificuldades e dilemas para se obter “espaço fiscal” para as demandas competitivas da sociedade por recursos públicos. Ele indicou, porém, que as políticas distributivas de caráter social têm a preferência na disputa por esses recursos, quando comparadas com os pleitos por política industrial. A indústria, para Barbosa, deveria ser atendida por um câmbio efetivamente mais flutuante – o que depende, claro, de que o combate à inflação prescinda da valorização do real.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast na terça-feira, 27/5/14.

A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro

04 sexta-feira abr 2014

Posted by jlcoreiro in Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, Opinião

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proposta para os pré-candidatos a Presidencia da República

A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro*

José Luís Oreiro**

  1. O Fracasso da Nova Matriz Macroeconômica.

No final do ano de 2012, o secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, afirmara em entrevista para o jornal Valor Econômico (“Transição para a nova matriz macroeconômica, afetou o PIB”, Valor Econômico, 17/12/2012) que o governo brasileiro havia adotado uma “nova matriz macroeconômica” caracterizada pela combinação entre juros baixos, câmbio competitivo e política fiscal “amigável” ao investimento público. Essa nova matriz macroeconômica deveria levar a um aumento considerável do ritmo de crescimento do investimento ao longo do ano de 2013, de maneira a permitir a aceleração do crescimento da economia brasileira.

Essas expectativas, contudo, não se concretizaram. Embora a economia brasileira tenha, de fato, acelerado o seu crescimento com respeito ao ano de 2012 (2,28% em 2013 contra 1,03% em 2012); o valor registrado em 2013 foi muito inferior a média do período Lula (4,05% na média do período 2003-2010). Além disso, a partir de meados de 2013 o Banco Central do Brasil iniciou um novo ciclo de elevação da taxa de juros fazendo com que a taxa Selic voltasse ao mesmo nível prevalecente no início do governo Dilma Rouseff (10,75% a.a.). Por fim, a desvalorização da taxa nominal de câmbio ocorrida nos últimos dois anos aparentemente não foi capaz de recuperar a competitividade da indústria brasileira, cuja produção física se encontra estagnada a 36 meses.

Esses resultados têm levado alguns analistas a afirmar que a mudança na combinação câmbio-juros para um patamar mais condizente com aquele observado no resto do mundo é irrelevante para o crescimento da economia brasileira no longo-prazo. Segundo essa linha de interpretação, o real obstáculo a aceleração do crescimento não estaria na esfera macroeconômica, mas se daria a nível microeconômico. Nesse contexto, o problema real seria o baixo crescimento da produtividade dos recursos econômicos (trabalho e capital), resultado de uma série de ineficiências tanto do setor privado – devido ao grau reduzido de exposição da economia a concorrência internacional – como do governo – devido a ineficiência da máquina administrativa e a política de concessão de subsídios públicos via BNDES para algumas empresas do setor privado. A solução passaria, portanto, por um choque de abertura comercial – com uma redução unilateral e não-negociada das alíquotas de importação – combinada com um (sic) “choque de gestão” no setor público e uma redução – se não a extinção pura e simples – da política de subsídio ao investimento privado por meio do BNDES.

Não irei aqui entrar em detalhes pormenorizados a respeito do porque essa linha de interpretação é incorreta. Quero apenas salientar que no período compreendido entre o terceiro trimestre de 2003 e o segundo trimestre de 2012, o coeficiente de penetração das importações na indústria de transformação no Brasil dobrou de tamanho, indicando com isso um movimento expressivo de substituição de produção doméstica por importações. Esses dados são claramente incompatíveis com a tese de que a economia brasileira se encontra pouco exposta a concorrência internacional; pelo contrário, o problema parece ser justamente excesso de exposição ….

O baixo crescimento da economia brasileira nos últimos anos é o resultado de um nível baixo de investimento (público e privado) em expansão da capacidade produtiva e em infra-estrutura. Nos últimos anos a taxa de investimento, ou seja, a razão entre o gasto realizado na compra de máquinas, equipamentos e instalações e o PIB, tem flutuado em torno de 19%. Para que o Brasil possa crescer de forma sustentada, sem pressões inflacionárias, a um ritmo de 5% a.a é necessário que a taxa de investimento seja de, pelo menos, 24% do PIB. Daqui concluímos que a taxa de investimento precisa aumentar 26,31% para que seja possível alcançar essa meta de crescimento.

O investimento privado responde a estímulos pecuniários. Se o setor privado está investindo pouco no Brasil é porque a taxa esperada de retorno dos projetos de investimento é baixa. E isso decorre da combinação entre câmbio apreciado e juros elevados.

Em matéria publicada no jornal Valor Econômico em 14/09/2012 (“câmbio não gerou recessão na indústria”) o então Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que “o empresário não investe porque o governo pediu nem porque a taxa de juros está baixa. O empresário investe se tiver demanda”. A afirmação de Barbosa é parcialmente correta, pois, de fato, se não houver demanda, o empresário não vai investir na ampliação da capacidade produtiva. Mas o que o Secretário se esqueceu de mencionar é que não basta ter demanda, é necessário também que os empresários tenham acesso a essa demanda. E o acesso a demanda – tanto interna como externa – é mediado pela taxa de câmbio. Em outros termos, uma taxa de câmbio competitiva é fundamental para que o empresário nacional possa atender a demanda, tanto dos consumidores domésticos, como dos consumidores do resto do mundo.

Uma taxa de câmbio valorizada elimina essa possibilidade, uma vez que torna os preços dos produtos brasileiros muito caros e, portanto, pouco competitivos, tanto no mercado doméstico, como no mercado internacional. Essa é a razão principal da estagnação da produção industrial no Brasil desde o final de 2010, apesar de todos os esforços realizados pelo governo brasileiro no sentido de criar demanda para a indústria nacional. Esforço realizado em vão, pois a demanda criada pela política econômica do governo vazou para o exterior, beneficiando a indústria de outros países como China e Alemanha.

Mas alguém poderia dizer que a taxa de câmbio se desvalorizou nos últimos anos e isso não teve efeito sobre a competitividade da indústria ou sobre a taxa de investimento. Com efeito, a taxa de câmbio dólar-real passou de R$ 1,65 no dia 03/01/2011 (primeiro dia útil do mandato da Presidente Dilma) para R$ 2,35 no dia 18/03/2014 (no momento que escrevo este artigo). Trata-se de uma desvalorização de 42% em pouco mais de três anos.

  1. Por que a desvalorização cambial não estimulou o investimento?

Durante o governo da Presidente Dilma houve uma desvalorização bastante significativa da taxa de câmbio, a qual foi, sem sombra de dúvida, um dos fatores responsáveis pela manutenção da taxa de inflação em patamares sistematicamente superiores ao centro da meta de inflação (4,5% a.a). Mas não foi o real que se desvalorizou frente ao dólar, e sim o dólar que se desvalorizou frente a todas as moedas do mundo, inclusive o real. Dessa forma, a taxa de câmbio entre o Real e as moedas de nossos demais parceiros comerciais se desvalorizou muito menos do que a taxa de câmbio dólar-real. Com efeito, dados do IPEADATA mostram que entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013 a taxa real efetiva de câmbio (uma medida do valor da moeda brasileira em comparação com as moedas dos 16 principais parceiros comerciais do Brasil) acumulou uma desvalorização de 33,64%, um número alto, mas inferior ao observado na taxa de câmbio dólar-real.

O problema é que essa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio não foi suficientemente grande para eliminar a sobre-valorização da taxa de câmbio que se processou na economia brasileira ao longo de toda a década passada. Com efeito, na comparação com junho de 2004 a taxa real efetiva de câmbio se encontrava sobre-valorizada em 23,85% em dezembro de 2013. Isso significa que para voltar ao valor prevalecente em meados de 2004, a taxa de câmbio real-dólar deveria ser aproximadamente igual a R$ 2,90.

O outro fator que limita a expansão do investimento é a elevada taxa real de juros prevalecente no Brasil. A taxa Selic representa a taxa de retorno da aplicação financeira livre de risco na Brasil, uma vez que ela é a taxa que remunera as assim chamadas letras financeiras do tesouro, as quais são um tipo de título de dívida emitido pelo governo federal que tem liquidez diária. No momento em que escrevo este artigo a taxa Selic se encontra em 10,75% a.a. Supondo uma expectativa de inflação para os próximos 12 meses de 6%, então a taxa real de juros da aplicação financeira livre de risco na economia brasileira é igual a 4,48% a.a. Em poucos lugares do mundo uma aplicação livre de risco gera uma taxa de retorno tão alta. O efeito disso sobre a decisão de investimento é perverso. Como a taxa de juros das aplicações livre de risco é muito alta, os empresários só estarão dispostos a realizar aqueles projetos de investimento cuja taxa de retorno supere a taxa de juros livre de risco por uma elevada margem (essa margem é o que se conhece como prêmio de risco). O problema é que numa economia que se defronta com uma forte sobre-valorização cambial e que possui sérias deficiências de infra-estrutura – problemas esses que se somam a incerteza oriunda da política macroeconômica que se comporta como uma “biruta de aeroporto” – poucos são os projetos de investimento cuja taxa de retorno supera, por uma margem suficientemente grande para se tornar atrativa para os empresários, a taxa de juros livre de risco.

A argumentação que conduzi até aqui aponta para o fato de que a permanência de uma taxa de câmbio valorizada e uma taxa de juros elevada atua no sentido de desestimular o investimento, o que termina por condenar a economia brasileira a uma taxa de crescimento medíocre. Nas próximas seções iremos discutir as razões da existência dessa armadilha câmbio-juros e o que podemos fazer para desmonta-la.

  1. As razões da Armadilha Câmbio-Juros.

Na primeira parte deste ensaio argumentei a respeito da persistência do desequilíbrio macroeconômico brasileiro, na forma de uma armadilha ou “equilíbrio ruim” de juros altos e câmbio valorizado. Argumentei também que a persistência desse desequilíbrio é a causa fundamental do desempenho medíocre da economia brasileira desde 2011. Na segunda parte deste ensaio irei tratar das razões da persistência da armadilha câmbio-juros, uma vez que o entendimento dessas razões é de importância fundamental para a formulação de uma política econômica que consiga desatar, de uma vez pra sempre, esse nó que impede o desenvolvimento do Brasil.

Vamos começar com a questão dos juros. A temática da taxa de juros desperta no Brasil paixões similares as que se observam num jogo de futebol. Podemos identificar claramente dois times na disputa, os “Falcões”, que desejam que o BCB eleve a taxa de juros em qualquer circunstância e os “Pombos” que gritam pela redução da taxa de juros, igualmente em qualquer circunstância. Ai de quem tentar se posicionar nesse debate de forma menos “apaixonada”, procurando usar a razão, o bom-senso, a prudência e a teoria econômica para formar sua opinião a respeito de qual deve ser o curso desejado da política monetária. Quem assim o fizer corre o risco de ser mandado para a fogueira, sem direito a apelação, por ambos os times do campeonato da Selic.

Por que a taxa de juros no Brasil é tão alta? A literatura relevante sobre o tema no Brasil aponta as seguintes causas:

(i) Elevado grau de inércia inflacionária, devido à permanência de mecanismos formais de indexação de preços após o Plano Real.  Quanto maior o grau de inércia inflacionária maior é a dosagem de juros requerida para fazer com que a inflação convirja para a meta definida pelo Conselho Monetário Nacional. Essa inércia foi aumentada durante o governo da Presidente Dilma Rouseff por intermédio da institucionalização da regra de reajuste do salário mínimo, a qual atrela mecanicamente os reajustes do salário mínimo a inflação do ano anterior, acrescida da variação do PIB observada dois anos antes.

(ii) Baixa eficácia da política monetária devido à existência de uma parcela considerável de títulos da dívida pública que são indexados à taxa básica de juros, as assim chamadas Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). A existência das LFTs reduz a eficácia da política monetária, aumentando assim a dosagem de juros que é necessária para que a inflação convirja com respeito à meta definida pelo CMN. Isso ocorre por dois motivos. Em primeiro lugar, as LFTs reduzem a eficácia do canal de juros na transmissão da política monetária ao distorcer a formação da estrutura a termo da taxa de juros. Por terem remuneração diária e elevada liquidez, as LFTs geram incentivos para que os agentes mantenham parte significativa de sua riqueza financeira no curto prazo, o que diminui o fluxo de recursos disponíveis para financiar projetos de investimento de longo prazo, cuja remuneração não estaria muito acima daquela oferecida pelas LFTs. Em segundo lugar, as LFTs restringem a eficácia do canal dos preços dos ativos na transmissão da política monetária. Elevações na taxa de juros fazem com que o preço dos títulos pré-fixados diminua. Essa diminuição implica em perdas de capital para seus detentores e, portanto, em redução de sua riqueza financeira, o que tende a diminuir o consumo. As LFTs, ao contrário, têm seu preço aumentado como decorrência de uma elevação da taxa de juros, de forma que esses títulos não sinalizariam corretamente para as famílias a direção desejada pela política monetária.

(iii) Mix inadequado entre a política monetária e fiscal, uma vez que a política fiscal no Brasil (ao menos desde 2008) tem sido francamente expansionista em função do crescimento dos gastos primários do governo a uma taxa superior a do crescimento do PIB, o que obriga a política monetária a ser contracionista para evitar um crescimento excessivo da demanda agregada doméstica, a qual impediria a obtenção da meta de inflação.

(iv) Rigidez excessiva do regime de metas de inflação brasileiro, o qual se baseou na sistemática de metas declinantes de inflação (até 2005) e na convergência da inflação para a meta ao longo do ano calendário (até 2010). A imposição de metas declinantes obrigava o BCB a manter a economia em estado de permanente semi-estagnação para forçar assim uma elevação do hiato do produto, a qual permitiria uma queda gradual da inflação ao longo do tempo. A convergência para a meta ao longo do ano calendário reduzia o espaço de manobra para o BCB acomodar choques de oferta, obrigando a autoridade monetária a elevar os juros mesmo face à pressões inflacionárias vindas do lado da oferta da economia.

(v) Fragilidade financeira do Estado Brasileiro devido ao reduzido prazo de maturidade da dívida pública, a qual vence num prazo médio inferior a 40 meses. Os elevados pagamentos de juros e amortizações da dívida pública aumentam o poder de barganha dos demandantes de títulos, os quais podem exigir prêmios de juros mais altos por parte do Tesouro. Em função da indexação da dívida pela Selic, a política monetária é contaminada pela dívida pública, fazendo com que a taxa de juros que o Tesouro Nacional paga pelos títulos da dívida pública determine a taxa de juros usada no dia a dia pelo BCB para a regulação da liquidez da economia no mercado inter-bancário.

Nos últimos anos avançamos apenas em apenas duas frentes, quais sejam, a flexibilização do regime de metas de inflação e a redução da parcela da dívida pública indexada a Selic. Graças a isso, a taxa real de juros foi reduzida de aproximadamente 10% a.a em 2006 para algo como 5-6% a.a no início de 2014. Contudo, em outras frentes recuamos como, por exemplo, na questão da inércia inflacionária. O salário mínimo é agora formalmente indexado pela inflação passada. O aumento do grau de indexação formal da economia brasileira atua na direção contrária a queda da taxa de juros.

Outra frente na qual recuamos foi o mix de política macroeconômica. Desde 2008 a política fiscal tem sido francamente expansionista, o que reduz o espaço de manobra para o BCB reduzir a taxa de juros sem comprometer a estabilidade da taxa de inflação. A meta de superávit primário não só foi reduzida – o que, por si só, já indica uma política fiscal expansionista – como ainda parece ser cada vez mais importante para a sua obtenção o uso de esquemas heterodoxos de “contabilidade criativa”. O uso de tais recursos mostra que a expansão fiscal é ainda maior do que a registrada nos números oficiais do governo, tornando mais difícil para o BCB manter a inflação na meta ao mesmo tempo em que tenta alcançar patamares mais baixos de taxa de juros.

A fragilidade financeira do Estado Brasileiro continua inalterada em função da incapacidade que o Tesouro tem demonstrado em alongar o prazo de vencimento da dívida pública, assim como eliminar a participação, ainda expressiva,das letras financeiras do tesouro na composição da dívida pública federal.

Agora vamos voltar nossa atenção para a questão do câmbio valorizado. Entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2012 a taxa real efetiva de câmbio da economia brasileira sofreu uma valorização de 37,32%. No mesmo período, a participação da indústria de transformação no PIB caiu de 18,01% para 14,59%. Os dados indicam de forma inexorável a ocorrência de um processo de desindustrialização da economia brasileira, causada, entre outros fatores, pela sobrevalorização da taxa real de câmbio.

Embora os efeitos negativos da apreciação cambial sobre a indústria de transformação sejam relativamente consensuais entre os economistas, subsiste um debate sobre o que pode ser feito para lidar com o problema. Nesse contexto, podemos identificar claramente três posições distintas. Um primeiro grupo de economistas, mais ligado a ortodoxia liberal, muito próxima ao PSDB, acredita que a sobrevalorização cambial é um problema estrutural derivado da implementação, de jure, do Estado do Bem-Estar Social pela Constituição de 1988 e, de facto, pelo governo do PT desde 2003. As políticas de redistribuição de renda atuariam no sentido de produzir uma expansão dos gastos públicos, limitando assim os graus de liberdade do Setor Público para aumentar o superávit primário como proporção do PIB. Dessa forma, não seria possível operacionalizar a contração fiscal requerida para a desvalorização da taxa real de câmbio. Como a Sociedade brasileira teria feito uma escolha bem clara pelo Estado do Bem-Estar Social com a eleição de Lula e, posteriormente, Dilma; segue-se que a sobrevalorização cambial é irreversível e, por conseguinte, o país está condenado à desindustrialização.

Um segundo grupo de economistas, fortemente ligado à equipe econômica do governo do PT, acredita que a valorização da taxa real de câmbio está relacionada com as transformações ocorridas na economia mundial, em particular a ascensão da China ao status de grande potência econômica. A demanda aparentemente insaciável da China por matérias-primas e commodities teria gerado uma elevação dos preços dos bens primários exportados pelo Brasil, atuando assim no sentido de produzir uma melhoria significativa dos termos de troca da economia brasileira. Essa melhoria teria resultado numa forte apreciação da taxa real de câmbio. Dado que a mudança na configuração mundial de poder econômico é um fato irreversível, a apreciação da taxa real de câmbio seria um fenômeno de caráter permanente, sobre o qual a política econômica pouco pode fazer a respeito. Nesse contexto, a desindustrialização tem que ser enfrentada, não pela mudança na política cambial, a qual seria inócua sobre a dinâmica do câmbio real, mas pela volta ao protecionismo comercial prevalecente durante a vigência do modelo de industrialização por substituição de importações.

Por fim, os economistas ligados ao “novo-desenvolvimentismo” – entre os quais eu me incluo – acreditam que a valorização da taxa real de câmbio nos últimos anos foi decorrência, fundamentalmente, da adoção do “populismo cambial”, uma vez que a sobrevalorização da taxa real de câmbio produz um aumento temporário do salário real. O aumento do salário real nos últimos anos – embora insustentável a longo-prazo, pois não decorre do aumento de produtividade do trabalho, mas apenas da sobrevalorização do câmbio – tem se mostrado politicamente eficaz no sentido de garantir ao Partido dos Trabalhadores a vitória nos pleitos eleitorais. Nesse contexto, a desindustrialização tem que ser enfrentada, não pelo retorno do modelo protecionista dos anos 1970, mas pela mudança na política cambial.

Uma análise dos dados da economia brasileira no período em consideração nos permite descartar, de imediato, a posição defendida pela ortodoxia liberal tucana. Com efeito, no período que estamos analisando (2003-2012), enquanto a taxa real de câmbio apresentava uma apreciação de 37,42%, o superávit primário do setor público (%PIB) permaneceu praticamente estável, aumentando míseros 2,14%. Daqui se segue que a política fiscal não pode ser culpada pela sobrevalorização do câmbio.

O mesmo não pode ser dito a respeito dos termos de troca, os quais apresentaram uma valorização de 37,43% no período, guardando uma correlação de -0,6127 com a taxa real de câmbio.

Isso não quer dizer, contudo, que a tendência à valorização dos termos de troca imponha uma tendência inexorável à sobrevalorização cambial. Isso por que, ao decompor o período 2003-2012 em dois subperíodos, a saber, 2003-2008 e 2009-2012; verifica-se que a correlação entre câmbio real e termos de troca caiu de forma abrupta após a erupção da crise econômica mundial de 2008. Com efeito, no período 2003-2008 a correlação entre câmbio real e termos de troca era igual a -0,698; ao passo que no período 2009-2012 a correlação caiu para -0,3323, ou seja, menos da metade do que o observado no período anterior. Essa queda do coeficiente de correlação explica porque, após a crise de 2008, o aumento espetacular dos termos de troca da economia brasileira não resultou numa apreciação muito maior da taxa real de câmbio do que a que efetivamente observada.

Por que a correlação entre câmbio e termos de troca caiu após a crise de 2008? A explicação é que, desde então, o governo e o BCB tem adotado um piso implícito para a taxa de câmbio, atuando de forma coordenada para evitar que o câmbio caia abaixo de certo nível crítico (índice 80 na série de câmbio real efetivo). Para tanto, o governo e o BCB tem usado vários instrumentos como, por exemplo, os controles de capitais e a política de incremento das reservas internacionais.

Mas se o governo e o BCB são capazes de impedir que o câmbio real se aprecie abaixo de um certo nível crítico, então eles também seriam capazes de produzir uma desvalorização administrada da taxa de câmbio, caso estivessem dispostos a faze-lo. Daqui se segue que o câmbio sobrevalorizado é resultado de uma decisão do governo, ou seja, é o resultado do populismo cambial do governo do PT. Não interessa ao governo desvalorizar o câmbio, pois isso traria prejuízos eleitorais.

  1. Um Novo Regime de Política Macroeconômica.

Na seção anterior apresentei as razões da existência de uma armadilha juros altos-câmbio valorizado. Essa armadilha decorre da combinação perversa entre populismo cambial, persistência dos mecanismos formais e informais de indexação de preços e salários, baixa eficácia da política monetária devido a existência de uma fração significativa da dívida pública que é indexada a taxa de juros, crescimento dos gastos de consumo e de custeio do governo a um ritmo superior ao PIB nominal, o que gera uma poupança do setor público negligenciável ou negativa.

O desmonte dessa armadilha não é, contudo, compatível com a manutenção do tripé macroeconômico herdado do período do Presidente Fernando Henrique Cardoso. É importante ressaltar, no entanto, que o tripé macroeconômico, constituído pela combinação entre meta de superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação foi muito bem sucedido no que se refere a alcançar os objetivos para os quais foi pensado. O tripé foi desenhado em 1999 para alcançar três objetivos, a saber: estabilizar/reduzir a relação dívida pública/PIB, garantir a estabilidade da taxa de inflação e permitir que a política monetária fosse conduzida com vistas ao atendimento de objetivos domésticos, ao invés de ser desenhada em função das necessidades de ajuste do balanço de pagamentos. Esses três objetivos foram cumpridos e, sob esse ponto de vista, o tripé foi muito bem sucedido.

O tripé, contudo, não foi desenhado para viabilizar as condições macroeconômicas necessárias para o crescimento sustentado da economia brasileira; muito menos, para desmontar a armadilha câmbio-juros. Em particular, o tripé se mostrou compatível com a obtenção de uma poupança pública negligenciável ou negativa, com a deterioração crescente da competitividade externa da economia brasileira em função da apreciação crônica da taxa real de câmbio, com a manutenção da taxa real de juros em patamares elevados simultaneamente a obtenção de uma taxa de inflação superior a 5% a.a na média do período 2003-2012. A combinação entre poupança pública baixa ou negativa, câmbio apreciado, juro real elevado e inflação superior a média internacional resultaram numa taxa de investimento em torno de 18% nos últimos anos, valor esse compatível com um crescimento não-inflacionário do PIB abaixo de 3% a.a.

Alguns defensores mais radicais do tripé poderão argumentar que tudo o que a política macroeconômica pode fazer é garantir a estabilidade da taxa de inflação e a solvência das contas públicas. Para garantir um crescimento robusto no longo-prazo seria necessário adotar políticas do “lado da oferta da economia” com vistas a estimular o dinamismo da “produtividade total dos fatores de produção”. Nesse contexto, seria necessário criar um “choque de eficiência” na economia brasileira, o que demandaria uma abertura comercial irrestrita, com a redução unilateral de alíquotas de importação. Os efeitos deletérios dessa política sobre a indústria brasileira são considerados de segunda ou terceira ordem, pois a indústria é, segundo essa visão, um setor como qualquer outro.

Economistas Keynesianos como eu não compram esse argumento uma vez que para nós o longo-prazo é apenas uma sucessão de curtos-prazos, de maneira que a condução da política macroeconômica afeta, para o bem ou para o mal, o desempenho da economia a longo-prazo.

Sendo assim, qual seria a alternativa ao tripé? Minha proposta é que o próximo Presidente da República adote um regime macroeconômico baseado na obtenção de metas de superávit em conta-corrente do governo, câmbio administrado, extinção da parcela “selicada” da dívida pública, desindexação da economia e “moderação salarial”.

A política fiscal seria baseada na obtenção de uma meta de superávit em conta-corrente do governo (igual a soma entre superávit primário e gastos de investimento menos o pagamento de juros da dívida), de maneira que o governo brasileiro finalmente abandonaria a postura fiscal Ponzi que possui a décadas, adotando a assim chamada “regra de ouro” da política fiscal, qual seja: “só te endividarás para financiar investimento”. Dessa forma, a política fiscal seria conduzida com vistas a gerar poupança pública positiva, fazendo com que eventuais déficits sejam resultado do excesso de investimento sobre poupança pública. Está claro que a transição para esse regime não pode ser imediata, mas deve ser feita gradualmente na forma de metas de superávit em conta-corrente crescentes ao longo de um período de 4 a 5 anos.

A título de exemplo o governo poderia adotar uma meta de superávit em conta corrente de 0,5% do PIB em 2015 e aumentar gradualmente a mesma em 0,5% do PIB até alcançar 5% do PIB em 2025. Para que essa estratégia seja factível será necessária a introdução de um limite ao ritmo de crescimento dos gastos de consumo e de custeio do governo. Mais especificamente, para que o superávit em conta corrente do governo aumente a um ritmo igual a 0,5% do PIB por ano é necessário que os gastos correntes do governo aumentem a uma taxa igual a taxa de crescimento do PIB menos 0,5% ao ano. Considerando que, nas condições atuais da economia brasileira, o crescimento potencial do PIB é aproximadamente iguala 3,5% ao ano, então a taxa máxima de crescimento dos gastos de consumo de governo será de 3% a.a.

A administração da taxa de câmbio deverá ser feita por intermédio da adoção de um sistema de bandas cambiais deslizantes, no qual o teto e o piso da banda sejam gradualmente desvalorizados ao longo do tempo de forma a obter uma taxa de câmbio competitiva a médio-prazo. Esse sistema irá viabilizar um ajuste gradual da taxa de câmbio, ao invés de uma desvalorização súbita do câmbio. A implantação desse sistema irá requerer a adoção de controles temporários à saída de capitais do país, para impedir que a expectativa de desvalorização cambial leve a uma desvalorização abrupta da taxa de câmbio.

A estabilidade da inflação a médio-prazo será obtida pela combinação entre a austeridade gerada pelo novo regime fiscal e pela política salarial. Esta deverá ter como meta a obtenção de uma taxa de crescimento dos salários nominais à um ritmo aproximadamente igual a meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional e o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Uma forma de se obter esse resultado será por intermédio da introdução de uma Tax Income Policy, na qual o governo cobraria um imposto extraordinário sobre o lucro das empresas que concederem aumentos salariais acima do patamar dado pela meta de inflação e pelo crescimento da produtividade do trabalho.

Um reforço importante na política salarial será a mudança na política de reajuste do salário mínimo(a qual pode ser realizada a partir de 2015). Sugerimos que o salário mínimo seja reajustado a uma taxa igual a meta de inflação acrescida de 2% a.a, valor esse que podemos considerar como uma estimativa a respeito do crescimento médio da produtividade do trabalho na economia brasileira no longo-prazo. O objetivo da política salarial será fazer com que o custo unitário do trabalho em termos nominais aumente a uma taxa aproximadamente igual a meta de inflação, o que será um importante reforço no controle da taxa de inflação e na obtenção de uma taxa de câmbio competitiva a médio e longo-prazo. Deve-se ressaltar que essa política, de forma alguma, implica em “arrocho salarial” haja vista que ela é compatível com o crescimento do salário real a uma taxa aproximadamente igual ao ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Trata-se da única política salarial que é sustentável no longo-prazo. Qualquer outra coisa é puro e simples populismo.

Voltemos, agora, nossa atenção para o problema dos juros. A redução da taxa básica de juros exige a extinção das Letras Financeiras do Tesouro (LFT´s) no bojo do ajuste fiscal engendrado pela adoção de um regime de metas de superávit em conta-corrente do governo, o que irá, finalmente, reduzir a fragilidade financeira do Estado Brasileiro. Com efeito, conforme vimos na seção anterior, uma razão fundamental para a persistência de um juro real tão elevado deve-se ao fato de que nosso país é, provavelmente, o único lugar do mundo onde o mercado monetário e o mercado de dívida pública estão umbilicalmente conectados por intermédio das LFT´s, a “jabuticaba” brasileira,as quais respondem por aproximadamente 20% da dívida mobiliária federal.

A existência desses títulos faz com que a mesma taxa de juros que a autoridade monetária utiliza para colocar a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional seja a mesma taxa de juros que o Tesouro Nacional paga por uma fração considerável da dívida pública. Dessa forma, a taxa Selic é obrigada a cumprir duas funções dentro do sistema financeiro brasileiro: ela é a taxa de juros que regula os empréstimos no mercado inter-bancário, ao mesmo tempo que ela é a taxa pela qual o Tesouro Nacional consegue rolar uma parte significativa da dívida pública. Como a mesma taxa de juros precisa desempenhar duas funções, segue-se que a função de instrumento de política monetária acaba sendo contaminada pela função de rolagem da dívida pública federal, uma vez que o Banco Central não tem como fixar um valor da Selic para as operações no mercado inter-bancário e outro valor da Selic para as operações de rolagem da dívida pública.

Nesse contexto, a fragilidade das contas públicas brasileiras acaba por fazer com que a taxa juros requerida pelo mercado para a rolagem da dívida pública seja “excessivamente alta”, o que acaba se transmitindo, por arbitragem, para as operações normais de política monetária. Deve-se ressaltar que a tão propalada melhoria da situação fiscal do Estado Brasileiro após a implantação do tripé macroeconômico, após a adoção de expressivos superávits primários, é mais mito que fato. Com efeito, não só o setor público consolidado continua gerando expressivos déficits nominais (na casa de 3% a.a. em 2008 e 2009), como ainda os encargos financeiros da dívida pública (juros e amortizações) superam em cerca de cinco vezes o montante de superávit primário gerado a cada ano. Dessa forma, o Estado Brasileiro ainda possui uma postura financeira Ponzi, o que eleva o risco de financiamento do Tesouro, aumentando enormemente o poder de mercado dos compradores de títulos, os quais podem exigir taxas de juros mais altas para a colocação dos papéis do governo.

5 – Considerações Finais.

Em resumo, o desmonte da armadilha juros-câmbio, essencial para a retomada do crescimento econômico a taxas robustas, exige a adoção de um novo regime macroeconômico, que se distancia tanto do tripé macroeconômico herdado do período FHC como da (sic) nova matriz macroeconômica do governo da Presidente Dilma.

O novo modelo macroeconômico aqui proposto deverá ser capaz de assegurar a obtenção simultânea dos seguintes objetivos: crescimento robusto do PIB, câmbio competitivo, taxa de inflação baixa e estável, taxa real de juros compatível com o padrão internacional, equilíbrio das finanças públicas e crescimento dos salários reais em linha com a produtividade do trabalho. Para obter esses objetivos propomos a adoção de um “quadripé macroeconômico” composto por uma política fiscal baseada na obtenção de metas de superávit em conta-corrente do governo; regime de câmbio administrado baseado num sistema de bandas cambiais deslizantes com vistas a obtenção de uma taxa real de câmbio competitiva a médio e longo-prazo; política monetária baseada num regime flexível de metas de inflação, onde a extinção da parcela “selicada” permitirá o fim do contágio entre a política monetária e a política fiscal; e uma política salarial capaz de induzir o crescimento dos salários reais em linha com a produtividade do trabalho.

* Este artigo foi produzido à pedido da liderança do PPS com o intuito de embasar as discussões a respeito da elaboração do programa econômico do candidato da aliança PSB-Rede-PPS à Presidência da República. As opiniões aqui expressas são em caráter pessoal, não representando a posição político-ideológica das instituições as quais o autor é ligado por razões profissionais e/ou acadêmicas.

** Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador Nível IB do CNPq e líder do grupo de pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento” cadastrado no CNPq. E-mail: jose.oreiro@ie.ufrj.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.com.br. Blog: www.jlcoreiro.wordpress.com.

Inflação reprimida e metas realistas de inflação

27 quinta-feira mar 2014

Posted by jlcoreiro in Uncategorized

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novo-desenvolvimentismo, política monetária, proposta para os pré-candidatos a Presidencia da República, Regime de Metas de Inflação

No artigo de Mário Mesquita no Valor Econômico de hoje constata-se a existência de uma inflação reprimida da ordem de 1,2% por conta dos controles sobre os preços administrados (gasolina e eletricidade). Se este número estiver correto, a convergência da inflação ao centro da meta (4,5% a.a.) ao longo do ano calendário é politicamente inviável caso o governo decida abandonar o controle de preços a partir de 2015. Atualmente a inflação corrente roda perto de 6,0% a.a em termos anualizados – o que está em linha com as expectativas de inflação para o ano de 2014 – de forma que existe um desvio de quase 1,5 p.p com respeito a meta de inflação. No cenário mais plausível  de correção gradual da inflação reprimida – num horizonte, por exemplo, de três anos – teríamos que acrescentar em 2015 mais 0,4 p.p ao IPCA. Grosso modo isso significa que a baseline inflation de 2015 – aquela que prevaleceria sem uma dosagem adicional de aperto monetário – seria de 6,4% a.a, não só perigosamente próxima do teto da meta de inflação, como ainda distante quase 2 p.p com respeito ao centro da meta. Nessas condições a manutenção tanto do centro da meta de inflação em 4,5% a.a como do prazo oficial de convergência com relação a meta em um ano (calendário) simplesmente não é crível. Isso porque a obtenção do centro da meta de inflação exigiria uma elevação tão grande da taxa de juros e, consequentemente, um aumento bastante expressivo da taxa de desemprego, que nenhum Presidente da República eleito pelo voto do povo estaria em condições de realizar.

Nesse contexto, seria muito mais realista e funcional do ponto de vista da credibilidade da autoridade monetária que o próximo Presidente da República fizesse, via Conselho Monetário Nacional, uma mudança na formatação institucional do Regime de Metas de Inflação brasileiro adequando-o a esta realidade. Mais especificamente proponho que o governo adote uma meta de inflação de médio-prazo (3 anos) que passaria a guiar as decisões do COPOM a respeito da meta da taxa básica de juros. Essa meta de inflação de médio-prazo seria inicialmente mais elevada do que o centro da meta de inflação que temos atualmente, mas seria levemente declinante ao longo do tempo, de maneira a convergir para uma meta de inflação de longo-prazo mais baixa do que a prevalecente hoje.  Implícito na ideia de meta de inflação de médio-prazo está a ideia de que a convergência a meta não se dará mais ao longo do ano calendário mas ao longo de um prazo de convergência de três anos.

Um elemento adicional, mas bastante importante na minha proposta, é a redução gradual do intervalo de tolerância da inflação, dos atuais 2 p.p para 1 p.p no longo-prazo. Dessa forma, a nova formatação institucional do RMI brasileiro permitiria se aliar a flexibilidade necessária para se produzir uma queda gradual da taxa de inflação, sem grande perda em termos de crescimento do produto, com a credibilidade requerida para a eficácia da política monetária.

Isso posto, uma proposta concreta de nova formatação institucional para o RMI pode ser visualizada na tabela abaixo.

2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
Meta 5,00% 5,00% 5,00% 4,50% 4,50% 4,50% 4% 4% 4%
Teto 6,5% 6,25% 6,00% 5,5% 5,5% 5,5% 5% 5% 5%

Conforme visualizamos na tabela acima, a meta de inflação de médio-prazo inicial seria de 5% a.a para o período 2015-2017, um número mais elevado do que o centro atual da meta de inflação, mas significativamente mais baixo do que a inflação corrente. Na fase inicial de introdução do novo arranjo institucional teríamos uma redução gradual do intervalo de tolerância da inflação. Este cairia dos atuais 2 p.p para 1,5 p.p em 2015, 1,24 p.p em 2016, alcançando 1 p.p em 2017, estabilizando-se a partir dai nesse patamar.

A partir de 2018 a meta de inflação de médio-prazo iniciaria uma trajetória levemente decrescente passando para 4,5% a.a no período (2018-2020), para alcançar 4% a.a no período (2021-2023). Nessa proposta, a meta de inflação de longo-prazo seria de 4% a.a, mas nada impede que se planeje a obtenção de uma meta de inflação ainda mais baixa a partir de 2023.

Esse novo arranjo institucional do RMI brasileiro daria espaço não só para a acomodação da inflação reprimida como ainda permitiria um ajuste gradual da taxa de câmbio em direção a um nível mais competitivo a médio e longo-prazo; sem prejuízo em termos da credibilidade da condução da política monetária.

Coloco essa proposta a disposição dos pré-candidatos a Presidência da República

 

 

Um novo modelo macroeconômico: uma proposta para o debate

17 domingo fev 2013

Posted by jlcoreiro in Macroeconomia estruturalista do desenvolvimento, Opinião

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Novo modelo macroeconômico, novo-desenvolvimentismo, proposta para os pré-candidatos a Presidencia da República

Em artigo publicado recentemente no Valor Econômico defendi a tese de que o debate sobre a permanência ou não do “tripé macroeconômico” herdado do segundo mandato de FHC é irrelevante, pois os objetivos para os quais o dito tripé foi desenhado – estabilização/redução da taxa de inflação e da relação dívida pública/PIB – foram obtidos e consolidados nos últimos 10 anos. O desafio agora consiste em desenhar um novo modelo que seja capaz de assegurar uma taxa de crescimento robusta e sustentável do PIB e o crescimento dos salários reais a um nível aproximadamente igual ao da produtividade do trabalho. O “tripé”,vivo ou morto, não foi desenhado para este fim; e o governo da Presidente Dilma Rouseff ainda não apresentou nenhuma proposta consistente para um novo modelo. Com efeito, a política econômica do governo parece ser conduzida de forma amadora e casuística, com medidas de política sendo implementadas ao sabor dos acontecimentos, sem estarem inseridas no bojo de um regime macroeconômico claro e consistente.

Um modelo macroeconômico consistente deve assegurar a obtenção simultânea dos seguintes objetivos: crescimento robusto do PIB, taxa real de câmbio competitiva, taxa de inflação baixa e estável, equilíbrio das finanças públicas e crescimento dos salários reais em linha com a produtividade do trabalho. Para obter esses objetivos propomos a adoção de um “quadripé” macroeconômico composto pela política fiscal, monetária, cambial e salarial.

A política fiscal deve ser pautada não mais pela meta de superávit primário, mas pela meta de superávit em conta-corrente do governo. O saldo em conta-corrente do governo é definido como sendo a diferença entre a arrecadação do governo e os gastos correntes do governo, o que inclui o pagamento de juros sobre a dívida pública, mas exclui os gastos com investimento. Grosso modo é o equivalente a “poupança do governo”. No Brasil atual o saldo em conta-corrente do governo é negativo em torno de 1,0% do PIB (resultado de um superávit primário aproximadamente igual a 2% do PIB, investimento próximo de 2% do PIB e juros aproximadamente iguais a 5,0% do PIB). Isso dá uma “poupança negativa” de 1,0% do PIB, o que explica, em parte, o nível baixo do investimento público.

Para acelerar a taxa de crescimento do PIB é fundamental que o governo aumente os investimentos públicos na área de infraestrutura, o que demanda um aumento considerável da poupança pública. Dessa forma, sugerimos a adoção de metas crescentes de superávit em conta-corrente do governo. A título de exemplo o governo poderia adotar uma meta de superávit em conta corrente de 0,5% do PIB em 2015 e aumentar gradualmente a mesma em 0,5% do PIB até alcançar 5% do PIB em 2025. Para que essa estratégia seja factível será necessária a introdução de um limite ao ritmo de crescimento dos gastos de consumo e de custeio do governo. Mais especificamente, para que o superávit em conta corrente do governo aumente a um ritmo igual a 0,5% do PIB por ano é necessário que os gastos correntes do governo aumentem a uma taxa igual a taxa de crescimento do PIB menos 0,5% ao ano. Considerando que, nas condições atuais da economia brasileira, o crescimento potencial do PIB é aproximadamente iguala 3,5% ao ano, então a taxa máxima de crescimento dos gastos de consumo de governo será de 3% a.a.

Deve-se ressaltar que esse processo de aumento progressivo da meta de superávit em conta-corrente não implica necessariamente numa contração fiscal caso o mesmo venha acompanhado de um aumento proporcional do investimento público. Nesse caso, o governo estará mudando apenas a composição do gasto público (menos consumo e mais investimento), não a sua magnitude.

Na política monetária o governo deve abandonar de vez o regime de metas de inflação e substituí-lo por um regime de “mandato duplo” a exemplo do FED nos Estados Unidos. Nesse caso, a política monetária terá como objetivo, fixado pelo governo, a obtenção de uma taxa robusta de crescimento do PIB e uma taxa de inflação baixa e estável (em torno de 4% a.a) Para evitar que a política monetária seja influenciada pelo ciclo político-eleitoral, a mudança do regime monetário deve ser acompanhada pela concessão formal (ou seja, em lei) de autonomia operacional para o Banco Central.

A obtenção de uma taxa robusta e sustentável de crescimento do PIB depende da manutenção da taxa real de câmbio num nível estável e competitivo a médio e longo-prazo. Para tanto, o Banco Central deverá administrar a taxa de câmbio nominal de tal maneira a manter o câmbio real em linha com o seu valor de equilíbrio industrial (a respeito do conceito e da mensuração da taxa de câmbio de equilíbrio industrial ver Marconi, N. 2012. The industrial equilibrium exchange rate in 2000: an estimation. Revista de Economia Política, Vol. 32, N.4). Para tanto, o Banco Central, além das políticas tradicionais de compra e venda de moeda estrangeira, deverá ter total autonomia para introduzir controles a entrada ou saída de capitais do país. Dessa forma, haverá uma significativa redução do grau de abertura financeira na economia brasileira, permitindo assim que a autoridade monetária controle juros e câmbio simultaneamente, contornando assim os problemas envolvidos no teorema da impossibilidade de Mundell.

Por fim, a política salarial deverá ter como meta a obtenção de uma taxa de crescimento dos salários nominais um ritmo aproximadamente igual a meta de inflação (a mesma tida como “alvo” da política monetária) e o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho.  Uma forma de se obter esse resultado será por intermédio da introdução de uma Tax Income Policy, na qual o governo cobraria um imposto extraordinário sobre o lucro das empresas que concederem aumentos salariais acima do patamar dado pela meta de inflação e pelo crescimento da produtividade do trabalho. Um reforço importante na política salarial será a mudança na política de reajuste do salário mínimo (a qual pode ser realizada a partir de 2015). Sugerimos que o salário mínimo seja reajustado a uma taxa igual a meta de inflação acrescida de 2% a.a, valor esse que podemos considerar como uma estimativa a respeito do crescimento médio da produtividade do trabalho na economia brasileira no longo-prazo. O objetivo da política salarial será fazer com que o custo unitário do trabalho em termos nominais aumente a uma taxa aproximadamente igual a meta de inflação, o que será um importante reforço no controle da taxa de inflação e na obtenção de uma taxa de câmbio competitiva a médio e longo-prazo. Deve-se ressaltar que essa política, de forma alguma, implica em “arrocho salarial” haja vista que ela é compatível com o crescimento do salário real a uma taxa aproximadamente igual ao ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Trata-se da única política salarial que é sustentável no longo-prazo. Qualquer outra coisa é puro e simples populismo.

 

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Paulo Gala

Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master

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