Com mais uma troca de comando na Petrobras e tentativa de criação de CPI, governo busca acelerar privatização e retomar discurso lavajatista com finalidades eleitoreiras.
“O governo tem maioria no conselho da Petrobras. Ao que tudo indica, pela lei das estatais o novo presidente não poderia exercer o cargo. Ele não tem experiência prévia no setor. A lei das estatais exige uma experiência de 10 anos. Não é o caso dele, mas o governo tem maioria e agora emplacou o presidente. Agora vamos ver se ele vai mudar a política de preços da Petrobras ou se será mais um da longa lista de ex-presidentes da Petrobras do governo Bolsonaro”, disse ao Portal Vermelho o professor de Economia da UnB, José Luis Oreiro.
Na opinião do coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), William Nosaki, com a mudança no comando da empresa, o governo está tentando ganhar tempo para resolver o problema da carestia dos combustíveis. “Como acionista majoritário, o governo resolveu adotar a estratégia de fazer uma cortina de fumaça sobre o problema da política de preços da Petrobras. De um lado há o mercado querendo a manutenção da PPI e de outro, os consumidores e o eleitorado exigindo respostas para a inflação dos combustíveis. Diante destas contradições, ele optou por estressar a governança da Petrobras. O governo não se comporta como acionista majoritário e, sim, como se fosse um dos acionistas minoritários e que estivesse em disputa com outros acionistas minoritários. É completamente nonsense”, comentou Nosaki, em entrevista ao Portal Vermelho.
CPI da Petrobras
Para o coordenador técnico do Ineep, a tentativa de conseguir adesões para uma CPI da Petrobras também é mais uma tentativa de criar uma cortina de fumaça que ofusque o fato de que o executivo pratica uma política de preços que não tem coragem de alterar. “A CPI não tem sentido. É uma iniciativa da base do governo para investigar uma política de preços que é decidida e praticada pelo próprio governo”, disse Nosaki, advertindo que, na realidade, o governo tem interesses na CPI.
Aumento será de 7% para a gasolina e 9,5% para o diesel. Caminhoneiros ameaçam greve e Bolsonaro promete “uma ajuda”, que é vista como “piada” por representante da categoria
Eram 10h20 da manhã quando Romão Edson, 42, saía de um posto de gasolina na região central de São Paulo. “Não enchi o tanque, não”, respondeu, ao ser perguntado pela reportagem. “Coloquei só o básico para sobreviver”. O motorista de aplicativo levava no rosto o sinal do cansaço. Estava trabalhando desde as 16h do dia anterior, sem parar. Na carteira, o sinal da crise. “Em um dia bom, eu faço 450 reais com as corridas. Mas disso, eu tiro 150 reais para a gasolina”. Descontando ainda o que gasta com a manutenção do carro, sobra pouco no final do mês. Por isso, enquanto abastecia, assistia a uma aula online pelo celular, de um curso para formação técnica em enfermagem. “Não compensa mais ser motorista de aplicativo”, diz ele, que atua há três anos na área. “Estou estudando para mudar de profissão”.
A realidade de Romão Edson é a mesma que a de milhões de brasileiros que estão sentindo na pele e no bolso o avanço da inflação. Nesta segunda-feira, a Petrobras anunciou um novo reajuste nos preços da gasolina e do diesel: 7% e 9,5%, respectivamente, valendo já a partir desta terça-feira. O último aumento da gasolina havia ocorrido no dia 8 de outubro, e do diesel, no dia 27 de setembro. Desde o início do mês, o gás de cozinha ultrapassa o valor de 100 reais o botijão em 19 estados, e o custo do litro da gasolina já supera os 7 reais em boa parte do país,. Na sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já havia afirmado que o combustível subiria de novo. “Nós sabemos que, aumentando o preço do petróleo lá fora e o dólar aqui dentro, o reajuste em poucos dias ou semanas, tem que ser cumprido na ponta da linha pela Petrobras”, afirmou ele, em entrevista coletiva com o ministro da Economia Paulo Guedes.
Diante dessa alta nos preços, caminhoneiros, que em 2018 realizaram uma grande greve em todo o país, agora ameaçam parar novamente. “Se o Governo não der nenhum sinal para nós até dia 31 de outubro, no dia 1 de novembro, a categoria vai cruzar os braços”, promete Wallace Landim, conhecido como Chorão, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava). “A situação que a gente está passando hoje é pior que a de 2018″, diz ele. “As leis que conquistamos não estão sendo cumpridas, como o preço mínimo do frete. Não há fiscalização pela ANP”, diz. O piso do frete, uma da principais conquistas da greve de 2018, tem sua constitucionalidade questionada até hoje e não é cumprido pelas empresas. “Mas sem dúvida, a situação pior hoje é a do combustível. O valor do frete não acompanha”, afirma Chorão.
Na semana passada, Bolsonaro havia tentado sinalizar à categoria. Em um evento em Pernambuco, afirmou que “em torno de 750.000 caminhoneiros receberão uma ajuda para compensar o aumento do diesel”. Mas não especificou de quanto seria o auxílio e nem como ele seria financiado. Por isso, a categoria não vê como um sinal. “Ele não deixou claro, não foi oficializado”, afirma Chorão. “Mas se for essa proposta que ele está querendo colocar para todos, a gente entende que são os 400 reais [do auxílio emergencial]. Se for isso, os caminhoneiros não querem esmola. Eu vi como uma piada”.
“Custo Bolsonaro”
José Luis Oreiro, professor do departamento de economia da Universidade de Brasília (UNB), explica que a alta dos preços se dá pela combinação de dois fatores: o aumento do valor do petróleo no mercado internacional, e a alta do dólar. “Fundamentalmente, a redução da produção de petróleo da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], juntamente com a retomada da atividade econômica nos Estados Unidos e China agora no primeiro semestre de 2021, elevaram o preço do barril de petróleo para mais de 80 dólares”, explica. “Isso atrelado ao que chamamos de custo Bolsonaro, reforçado pelo completo isolamento do Brasil devido à política ambiental desastrosa do Governo, e as frequentes crises políticas que o presidente causa, geram o aumento das incertezas e levam à fuga de capital”, diz. “Se não fosse essa péssima imagem que o Brasil tem no exterior, certamente o dólar estaria abaixo de 5 reais”.
Todos esses fatores nacionais e internacionais vão parar no preço final. “Quando chega o valor com aumento, temos que repassar para o consumidor, não tem outro jeito”, afirma Ana Paula Nardine, proprietária de uma rede de cinco postos em São Paulo. “E sabemos que esse valor ainda não se estabilizou. Pode subir ainda mais”, diz. O entregador Antônio Marcos de Sena Santos, 37, diz que ainda faz entregas com a moto “porque é melhor que fazer nada”, mas o combustível tem pesado cada vez mais na conta. “Muita gente deixou de fazer entrega porque não está compensando mais”, diz.
Oreiro explica que além dos fatores econômicos externos está a redução da capacidade de refino da Petrobras. Graças a uma política de enxugamento das refinarias, iniciada em 2017, hoje o Brasil exporta mais petróleo bruto e importa mais gasolina. “A nossa dependência da gasolina importada já foi menor”, ele explica. “Porque antes a Petrobras maximizava as refinarias. Agora, como temos que importar mais gasolina, a Petrobras mantém a paridade com o preço internacional”.
ICMS
Com a pressão exercida especialmente pelos caminhoneiros que ameaçam nova greve, e na tentativa de reverter os impactos dos aumentos dos preços em sua popularidade, Bolsonaro recorreu ao seu aliado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). E conseguiu uma vitória. Na semana passada, a Câmara aprovou projeto de lei que altera as regras de cobrança do ICMS. O imposto estadual incide sobre a gasolina e tem sido apontado erroneamente pelo Governo federal como a principal causa do aumento dos preços. A proposta, que seguirá para aprovação no Senado, muda a forma do cálculo do imposto.
Hoje, o ICMS é calculado pela média dos últimos 15 dias do preço do combustível nas distribuidoras. Se aprovada no Senado, a proposta faz com que o cálculo seja pela média dos últimos dois anos. “Como essa média é bem mais baixa, é evidente que o preço final para o consumidor vai ser mais baixo”, explica Oreiro. A conta, no entanto, não é tão simples. Hoje, o ICMS representa uma parte muito importante da arrecadação dos estados, podendo chegar a até 30% dos impostos arrecadados.
O economista explica que, se o cálculo do ICMS mudar, será preciso arrecadar em outra frente. “Hoje há diversos estados com problemas fiscais, como o Rio de Janeiro, por exemplo. Se tirar a arrecadação de impostos desses estados, vai ter que haver uma compensação pela União, e, no final das contas, o consumidor vai ter que pagar mais em forma de impostos”, diz. “Sem contar que assim, o Governo estará subsidiando o consumo de combustíveis fósseis, o que vai totalmente na contramão do que está sendo feito no mundo inteiro”.
Sabendo que o Senado também é favorável à mudança, governadores se articulam. No final da semana, representantes do Fórum Nacional de Governadores se reuniram por videoconferência com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para tratar do assunto. “É consenso entre os governadores e o presidente do Senado que a alteração no preço dos combustíveis não pode ser colocada como por conta do ICMS”, afirmou Wellington Dias, governador do Piauí e coordenador do Fórum Nacional de Governadores. “Sempre tivemos o ICMS na mesma alíquota, há vários anos, não teve alteração”. De acordo com ele, ficou acertado convocar a Petrobras para conversar e montar um grupo de trabalho com uma representação dos estados, com um governador de cada região.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) chegou a dizer que o alto custo do combustível é culpa da “incompetência do Governo”. Em sua conta no Twitter, o governador tucano ainda disse que o Governo federal “fala muito e faz pouco. A cutucada de Doria rendeu uma reposta de Lira, que rebateu dizendo que que trata-se de uma questão de “sensibilidade social”, e culpou o preço do barril de petróleo. “O barril quase triplicou. Em um momento de retomada econômica, todo o incentivo é bem vindo. Não seria o caso de pensar no cidadão e não nos cofres do Estado?”, respondeu o presidente da Câmara, também no Twitter.
Seja como for, as negociações sobre o ICMS ainda devem colocar sobre a mesa a reforma tributária, de acordo com Dias. “Essa agenda deve acontecer já na próxima semana”, afirmou. “Se tiver que ter uma alternativa intermediária, estamos abertos ao diálogo, e ainda, a garantia de que vamos nos voltar com prioridade para o projeto da reforma tributária”.
Disparada do preço do barril do petróleo no mercado internacional pressiona Petrobras e leva seu maior acionista, a União, a cogitar a autorização de aumento na gasolina. Defasagem já atinge 25% do valor cobrado nos postos.
O consumidor pode preparar o bolso para um novo aumento na gasolina. Com o petróleo em ritmo de alta, acima de US$ 120 o barril, o governo já admite que não conseguirá barrar o reajuste.
O preço do combustível no país não acompanha, em tempo real, a alta do mercado externo e a Petrobras está impedida de repassá-lo automaticamente, a não ser que tenha autorização de seu maior acionista, a União.
E, por isso, a companhia voltou a bater na mesma tecla nesta semana. Conforme cálculos feitos por economistas a pedido do Correio, a defasagem na gasolina oscila entre 20% e 25%.
Mal assumiu o cargo, a nova presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, levantou a bandeira para que o reajuste dos combustíveis seja obrigatório quando o barril do petróleo ultrapassar os US$ 100.
A unidade do petróleo leve (WTI), negociado na Bolsa de Nova York, fechou ontem cotada a US$ 106,55. Já o do tipo Brent, mais pesado e negociado em Londres, encerrou o dia a US$ 121,80.
A resistência do governo, no entanto, é quanto ao impacto desse aumento na inflação, que fechou 2011 em 6,5%, no teto da meta estipulada para o ano. A estratégia de redução da taxa básica de juros (Selic), hoje em 10,5%, pode ser comprometida se a inflação ultrapassar o limite em 2012.
Os combustíveis estão entre os itens que mais pesam no cálculo dos índices de preços. “Qualquer alta na gasolina impacta diretamente na inflação”, afirmou o especialista em energia e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires. Ele estima que a defasagem do preço da gasolina nos postos gire entre 20% a 23%.
Mas é difícil encontrar entre os economistas quem aposte numa possível mudança na política de afrouxamento monetário por conta da pressão dos combustíveis.
“Não acredito que o Banco Central interrompa os cortes nos juros neste semestre, mesmo se os preços da gasolina subirem”, observou o professor de economia da Universidade de Brasília José Luis Oreiro. Nos seus cálculos, a diferença de preço atual e o que deveria ser praticado está entre 20% e 25%.
O último reajuste realizado pela Petrobras ocorreu em novembro de 2011 e só incidiu sobre o combustível que sai da refinaria. O aumento foi de 10% na gasolina e de 2% no óleo diesel. Mas, segundo a estatal, o impacto dele foi absorvido pelos distribuidores em função da redução da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide).
O aumento da gasolina deverá voltar à discussão na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, na semana que vem. Anteontem, a diretoria da instituição foi alertada de que há poucos instrumentos para o governo evitar o aumento.
Para o professor do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Edmar de Almeida, o governo está ficando acuado e, mais cedo ou mais tarde, será obrigado a reajustar os combustíveis.
“Os preços aqui já estão abaixo do mercado internacional. A Petrobras não tem muita margem de manobra e precisa se manter bem para continuar fazendo investimentos”, observou.
Oriente
Em nota, a Petrobras informou que não há cronograma para reajustes na gasolina. “A Companhia acompanha constantemente a variação do preço internacional do petróleo, que flutua de acordo com diversas variáveis. Essas questões são circunstanciais e não determinam um novo patamar nos preços praticados internacionalmente”, divulgou a empresa. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, negou que o governo tenha a intenção de reajustar o preço da gasolina.
O petróleo tem oscilado fortemente graças ao aumento da tensão no Oriente Médio devido à ameaça de Israel bombardear o Irã, terceiro maior produtor mundial de petróleo.
Também contribuíram para a alta as sanções comerciais previstas para junho. Os mais pessimistas, como o economista Nouriel Roubini, já projetam o barril a US$ 150. Mas Oreiro não vê razões para o preço ficar acima dos US$ 100.
“O mercado está especulando muito. A economia internacional está em crise e, portanto, não há demanda reprimida”, disse. Para ele, o pior cenário virá apenas a guerra contra o Irã estourar.
Absolvição na CVM
Por falta de precedente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, e seus antecessores José Sergio Gabrielli e João Pinheiro Nogueira Batista.
Os executivos eram acusados de investir, sem autorização, recursos da estatal no mercado futuro de dólar e de ingerência direta na gestão de fundos da carteira BB Milênio 6, da qual a companhia era a cotista única.
Fonte: Correio Braziliense, Por Rosana Hessel e Cristiane Bonfanti
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)