Por Guilherme Jonas Costa da Silva (Professor Adjunto do IE-UFU)
Link: http://www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs-2.4.8/index.php/cdes/article/view/14
O Prof. Jose Luís Oreiro é um economista dos mais talentosos e produtivos da sua geração. Eu tive prazer de conhecê-lo na Universidade Federal do Paraná, como professor de macroeconomia e orientador da minha dissertação de mestrado. Na oportunidade, eu tive contato com algumas das teorias organizadas nesse livro e suas contribuições para esse debate, que foram fruto do trabalho desenvolvido em parceria com vários co-autores, alunos e professores.
O livro escrito pelo Prof. Jose Luís Oreiro apresenta o debate em torno da macroeconomia do desenvolvimento numa perspectiva pós-keynesiana, que é um dos mais férteis da atualidade. Em particular, o livro organiza o debate e apresenta o estado da arte, fundamental para aqueles que desejam aprender um pouco mais da teoria pós-keynesiana do crescimento.
Como afirma o Professor Fernando Cardim no preâmbulo, o livro é “uma peça fundamental na consolidação de um novo paradigma, já que permite a divulgação dos resultados já obtidos de forma consistente, para que futuros pesquisadores entendam a coerência do programa de pesquisa e seus interesses dentro deste”.
Esse livro é particularmente interessante porque o autor vai além manual, já que mostra à teoria e sua aplicação às economias em desenvolvimento, com especial atenção a economia brasileira.
As principais contribuições do livro estão relacionadas à discussão sobre a relação entre ciclo e tendência de longo prazo e o papel do regime ideal de política macroeconômica para o crescimento econômico. Para os pós-keynesianos, a política macroeconômica desempenha um papel importante na determinação da tendência de crescimento das economias capitalistas no longo prazo, em função do fenômeno da “dependência de trajetória”.
A teoria keynesiana afirma que o crescimento é induzido pelas condições de demanda prevalecentes na economia, já que as flutuações cíclicas e a tendência de longo prazo são afetadas pelas condições de demanda prevalecentes na economia.
Essa questão é central, já que a macroeconomia do desenvolvimento é o esforço no sentido de integrar a nível teórico o “ciclo e a tendência”, com objetivo de:
“analisar o impacto da condução da política macroeconômica e, mais especificamente, do regime de política macroeconômica sobre a trajetória de crescimento de longo prazo das economias desenvolvidas e em desenvolvimento.” (Oreiro, 2016, p. 14)
Assim, nota-se que as políticas monetária, fiscal, cambial e salarial, na perspectiva pós-keynesiana, afetam sobremaneira o crescimento do produto de uma economia, o que torna inaceitável a divisão tradicional da macroeconomia entre “curto prazo”, no qual as questões relacionadas à demanda agregada são relevantes, e “longo prazo”, onde essas questões não possuem relevância alguma.” (Dutt e Ros, 2007, p.97 apud Oreiro, 2016, p142)
Essa proposta pós-keynesiana contraria os argumentos de alguns ortodoxos, já que estes defendem, principalmente, a necessidade de adotar políticas do “lado da oferta da economia” com vistas a estimular o dinamismo da produtividade total dos fatores de produção. Evidentemente, os economistas da tradição keynesiana não compram essa ideia, porque acreditam que o longo prazo é apenas uma sucessão de curtos prazos.
O argumento pós-keynesiano diz que a adoção de um modelo export-led exige:
“a implantação de um regime de politica macroeconômica capaz de conciliar a obtenção de uma taxa de inflação relativamente baixa e estável, com uma taxa real de câmbio competitiva e estável ao longo do tempo, uma taxa real de juros inferior à taxa de retorno do capital, um déficit público como proporção do PIB próximo a zero e um crescimento dos salários reais próximo ao ritmo de crescimento da produtividade”. (Oreiro, 2016, p. 143)
Nesse contexto,
“a expansão acelerada da demanda agregada num contexto de juros reais baixos e estáveis induz os empresários a realizar grandes investimentos na ampliação e modernização da capacidade produtiva, permitindo assim que a oferta agregada se ajuste ao ritmo de expansão da demanda agregada, o que contribui para manter a inflação sob controle.” (Oreiro, 2016, p. 143)
No fundo, o desenvolvimento desigual prevalecente entre os países capitalistas desenvolvidos e em desenvolvimento, é a questão central explorada no livro, que pode ser superada através da compreensão do regime de política macroeconômica ideal, já que esse torna possível melhorar o nível de renda das nações de desenvolvimento médio.
Em economias abertas às exportações são o motor do crescimento econômico de longo prazo, uma vez que o investimento e progresso técnico se ajustam ao crescimento esperado da demanda. A população e a forca de trabalho não são um problema, uma vez que a escassez de forca de trabalho pode ser sanada, principalmente, por intermédio da imigração de trabalhadores de países estrangeiros. Com efeito, a taxa de crescimento das exportações é a variável exógena por excelência, de modo que, para a teoria pós-keynesiana, o crescimento de longo prazo deve ser puxado pelas exportações. Assim, as diferenças nos níveis de renda per capita entre os países refletem as diferenças no dinamismo exportador.
O dinamismo do setor exportador esta relacionado a dois fatores: o grau de especialização produtiva e o conteúdo tecnológico das exportações. O primeiro depende criticamente da taxa real de câmbio, já que uma taxa mais apreciada do que a taxa de câmbio industrial, o processo de desindustrialização pode acontecer, reduzindo a elasticidade-renda das exportações. O segundo fator depende do hiato tecnológico, que afeta fortemente a elasticidade renda das exportações.
Os policy makers devem assegurar que não haja um descolamento entre a taxa de câmbio real de equilíbrio industrial e a taxa de câmbio de equilíbrio em conta corrente, o que tornará esta última mais apreciada do que a primeira, fenômeno conhecido como doença holandesa. Dessa forma, a taxa de câmbio real irá se apreciar, dando origem a uma mudança estrutural perversa na economia, com a desindustrialização e a reprimarização da pauta exportadora, comprometendo a razão das elasticidades-renda das exportações e importações, tal como definidas pela “Lei de Thirlwall”. Assim, a restrição ao crescimento de longo prazo tem sua origem nessa tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio.
Para os pós-keynesianos, um regime de política macroeconômica ideal pode ser sintetizado da seguinte forma:
- No que se refere à politica fiscal, o seu papel deve ser limitado a compatibilizar a manutenção da relação Dívida/PIB com a estabilização do nível de atividade econômica;
- A política salarial deve ser compatível com a estabilidade da distribuição funcional da renda no longo prazo. Com efeito, a taxa de crescimento salarial não deve ser diferente da taxa de crescimento da produtividade do trabalho ao longo do tempo;
- O regime de crescimento do tipo export-led depende criticamente da capacidade da política cambial de gerar uma taxa real de câmbio competitiva a médio e longo prazos. Para tanto, esta deve evitar que a ampliação dos fluxos de capitais externos imponha uma tendência à apreciação da taxa real de cambio, pode comprometer a competividade das exportações e iniciar (ou aprofundar) o processo de desindustrialização;
- O papel da política monetária será manter a estabilidade da taxa de inflação e a suavização das flutuações da taxa de crescimento em torno da meta de crescimento de longo prazo, mantendo uma taxa real de juros relativamente baixa na comparação internacional.
A condução da política econômica conforme preconizado pela teoria pós-keynesiana, pode conduzir o país a uma trajetória sustentável de crescimento no longo prazo. Assim, deve-se evitar que os ciclos políticos interfiram no rumo desejado para o regime ideal de politica econômica.
Mais uma grande contribuição do livro, raramente encontrada em manuais, é a aplicação da teoria a realidade de uma economia. O debate em torno dos regimes de política macroeconômica no Brasil é apresentado de uma forma muito didática, desde o tripé macroeconômico até a nova matriz macroeconômica do governo Dilma Rousseff, destacando sempre os erros e acertos de cada regime para que o leitor acompanhe o raciocínio proposto, que mostra a factibilidade do modelo export-led de crescimento. Assim, esse livro também será muito útil nas disciplinas de economia brasileira contemporânea, porque são verdadeiras aulas de economia brasileira.
O tripé macroeconômico, amplamente conhecido, prevalecente de 1999 a 2005 era constituído de uma metas de inflação, manutenção de superávit primário e flutuação relativamente livre da taxa de câmbio, teve como principal objetivo a estabilidade da taxa de inflação. O crescimento econômico no período em questão não agradou, quando comparado ao período anterior, resultado das taxas de juros elevadas e da redução da taxa de investimento.
Ciente disso, o governo brasileiro, em 2006, flexibilizou esse tripé com a redução do superávit, a eliminação das metas de inflação declinantes e o acúmulo de reservas internacionais. Na época, a taxa de câmbio passou a ser administrada por intermédio das reservas internacionais e o governo implantou a politica de reajuste do salário mínimo.
Conforme Thirlwall (2005), uma política de crescimento conduzida pelos gastos não é sustentável, já que aumentam no médio prazo os problemas relacionados ao balanço de pagamentos. No curto prazo, concordo que o crescimento econômico melhorou bastante, quase dobrando no período 2006 a 2008 quando comparado ao período de 1999-2005.
Nesse contexto, torna-se evidente o descolamento das políticas monetária, fiscal, salarial e cambial tornaram os objetivos de aceleração do crescimento, controle da inflação e estabilidade da taxa de câmbio inconsistentes entre si. A manutenção de taxas de juros elevadas contribuiu para a apreciação da taxa real de câmbio, que contribuiu para o controle da inflação no período, mas comprometeu o saldo comercial e a conta de transações correntes.
Em 2008, com o aprofundamento da crise financeira internacional, a economia brasileira implementou um modelo de desenvolvimento voltado para dentro, com a redução dos impostos e ampliação os gastos, a forte expansão do credito bancário e o aumento do salario mínimo. O governo brasileiro apostava que essas politicas estimulariam os investimentos por parte dos empresários, permitindo um aumento simultâneo da capacidade produtiva e da produtividade do trabalho. A ideia era possibilitar um elevado crescimento do produto e dos salários, com a inflação controlada. Entretanto, segundo o autor:
“Esse regime gerou um trade off entre competitividade externa e estabilidade da inflação. Assim, esse regime pode ser caracterizado como “desenvolvimento inconsistente”. (Oreiro, 2016, p.198).
No final de 2011 e início de 2012, o país teve a oportunidade de resolver o dilema. Nesse momento, a economia brasileira implantou a chamada “nova matriz macroeconômica”, que iniciou um longo ciclo de redução da taxa básica de juros e a desvalorização gradual da taxa de câmbio. Contudo, a nova matriz não logrou êxito por dois motivos: i) a desvalorização não foi suficientemente forte para eliminar a sobrevalorização da taxa de câmbio real; e ii) a taxa de real de juros permanecia em patamares elevados. (Oreiro, 2016, p.199-200).
Do exposto, a analise apresentada no livro demonstrou que os regimes de política econômica prevalecentes no Brasil pós metas de inflação não foram compatíveis com o regime de crescimento do tipo export-led, o que comprometeu o potencial de crescimento da economia brasileira na maior parte do período em consideração. Assim, o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff se inicia com um processo estagnação, um forte desequilíbrio fiscal e grandes desafios para a condução da politica economia.
Na minha opinião, este livro será considerado rapidamente uma referência para as disciplinas de macroeconomia do desenvolvimento e economia brasileira contemporânea, pelo pioneirismo na organização do debate, bem como pelas diversas contribuições e aplicações apresentadas, que apontam os caminhos já trilhados pelos economistas e os debates que devem ser enfrentados nos próximos anos.
Professor Guilherme Jonas Costa da Silva
Universidade Federal de Uberlândia