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Degradação ambiental, doença holandesa, novo-desenvolvimentismo, reprimarização da pauta de exportações
Uma das principais proposições do novo-desenvolvimentismo é que a existência de recursos naturais abundantes num determinado país gera uma estrutura produtiva desequilibrada, nos termos do economista Argentino Marcelo Diamand (1979), ou seja, uma estrutura produtiva na qual o custo unitário de produção de bens primários é não só inferior ao custo internacional de produção desses bens, como também menor do que o custo unitário de produção dos bens manufaturados. Dessa forma, o preço de oferta dos bens primários (aquele que embute a taxa normal de lucro na economia doméstica) deve ser menor do que o preço de oferta dos bens manufaturados, isto é, Pp < Pm (1). Em economias nas quais a estrutura produtiva é equilibrada, por seu turno, os custos unitários de produção de bens primários e dos bens manufaturados são aproximadamente iguais entre si, pois os níveis da produtividade do trabalho em ambos os setores de atividade econômica são similares. Nesse contexto, o preço de oferta dos bens primários produzidos em tais economias é aproximadamente igual ao preço de oferta dos bens manufaturados, ou seja, P*p = P*m. (2)
Os bens primários são, via de regra, bens homogêneos transacionados em mercados internacionais competitivos de forma que deve prevalecer a lei do preço único: o preço dos bens primários produzidos domesticamente deve ser igual ao preço em moeda doméstica dos bens primários produzidos no resto do mundo medido, ou seja: Pp = E.P*p (3).
Temos, então, as seguintes relações:
Pp < Pm (1)
P*p = P*m. (2)
Pp = E.P*p (3)
Substituindo (2) em (3) e a resultante em (1) temos que
Pm > E P*m (4)
Na expressão (4) observamos que ao nível de taxa de câmbio que equaliza os preços doméstico e internacional dos bens primários, o preço de oferta dos bens manufaturados domésticos será superior ao preço em moeda doméstica dos bens manufaturados produzidos no resto do mundo. Daqui se segue que enquanto os bens primários são competitivos nos mercados internacionais, os bens manufaturados não são. Para que os bens manufaturados pudessem ser competitivos nos mercados internacionais seria necessário que a taxa de câmbio fosse suficientemente alta (depreciada) para equalizar os preços doméstico e internacional dos bens manufaturados. A taxa de câmbio para a qual taxa equalização ocorre é a taxa de câmbio de equilíbrio industrial (Ei).
Temos então que: Ei = Pm/P*m.
Deve-se ressaltar que num regime de câmbio livremente flutuante não há nenhuma razão para se esperar que a taxa de câmbio assuma o valor requerido para tornar competitivas as exportações dos produtos manufaturados. A taxa de câmbio deverá flutuar em torno de um nível que equaliza os preços doméstico e internacional dos bens primários, a qual será um nível de taxa de câmbio sobrevalorizada do ponto de vista da produção e exportação da produtos manufaturados. Como resultado dessa sobrevalorização a participação dos produtos manufaturados na pauta de exportações irá se reduzir gradativamente, ao mesmo tempo em que a produção doméstica de produtos manufaturados será substituída por importações. A doença holandesa irá resultar, portanto, em reprimarização da pauta de exportações e desindustrialização prematura da economia doméstica.
Essa é a parte conhecida e amplamente difundida na literatura econômica e nos debates em torno da condução da política cambial em países como o Brasil. Mas essa é apenas a parte conhecida da doença holandesa. A parte desconhecida ou ignorada é o impacto da doença holandesa sobre o meio ambiente.
A produção de bens primários como, por exemplo, soja e carne é intensiva em terra, mas extremamente rentável no Brasil porque a terra é abundante. O contínuo aumento da produção e exportação de soja e carne exige uma ocupação cada vez maior de terras utilizadas para esse tipo de produção, levando assim a fronteira agrícola para os limites da floresta amazônica. Os produtores na fronteira agrícola não têm outra opção a não ser derrubar a floresta para ocupar novos espaços para a produção de soja e carne. Essa ocupação se dá, em geral, por intermédio de queimadas e desmatamento ilegal, o que tem um efeito claro e negativo sobre as emissões de CO2, contribuindo assim para o fenômeno das mudanças climáticas associadas ao aumento da temperatura média do planeta. Dessa forma, a doença holandesa resulta, de um lado, em reprimarização e desindustrialização prematura da economia brasileira e, de outro, em degradação ambiental, com efeitos de externalidade negativos sobre todo o planeta.
O que fazer para eliminar a doença holandesa? A solução simplista, que é aparentemente a única considerada pelos críticos do novo-desenvolvimentismo, seria a adoção de um regime de câmbio administrado no qual a autoridade monetária esteja disposta a utilizar os instrumentos necessários (redução da taxa de juros, introdução de controles a entrada de capitais, etc) para produzir uma desvalorização da taxa de câmbio até o nível compatível com o equilíbrio industrial. Mas a desvalorização cambial, por si mesma, não elimina o problema da doença holandesa, pois a rentabilidade da produção e exportação de bens primários será ainda maior a um nível da taxa de câmbio que torna a produção e exportação de bens manufaturados competitivas a nível internacional. O resultado de médio e longo-prazo dessa política será redirecionar o investimento doméstico da produção de bens manufaturados para a produção de bens primários, agravando os problemas de reprimarização da pauta de exportações e desindustrialização prematura, como também o processo de destruição da floresta amazônica.
Para que a doença holandesa seja eliminada é necessário, portanto, a introdução de um imposto de exportações de bens primários. Nesse caso, o preço de oferta doméstico de bens primários será dado por:
P´p = (1+t)Pp (5)
Nessas condições, a lei do preço único implica que:
P´p = (1+t)Pp= E. P*p (6)
A alíquota do imposto de exportação deve ser suficientemente alta para que: P´p > Pm. Nesse caso, a aplicação da lei do preço único fará com que Pm < E P*m, ou seja, a produção e exportação de produtos manufaturados será competitiva ao nível de taxa de câmbio que equaliza os preços doméstico e internacional dos produtos primários. Nessas condições a lucratividade do investimento industrial será, ao menos, equivalente a lucratividade do investimento na ampliação da produção e exportação de bens primários, reduzindo assim o incentivo econômico para a degradação ambiental.
Referências
Diamand, M. (1972). “La estructura productiva desequilibrada Argentina y el tipo de cambio”. Desarrollo Económico, 12(45), pp. 1-24.