Decreto Legislativo mantém isenção do imposto até 2024 de 46 segmentos da indústria e comércio do Distrito Federal. Economista critica concessões sem avaliação das políticas públicas
A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) publicou o decreto 2.366/22 que prorroga, por mais dois anos, os benefícios de isenção fiscal do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) – um imposto estadual/distrital – a 46 segmentos industriais e comerciais. A prorrogação prevista vai até 30 de abril de 2024. Entre as isenções fiscais e suas devidas prorrogações chamam a atenção as que autorizam a continuidade do ICMS incidente sobre as operações e prestações de serviço de transporte realizadas com ou sem o equipamento respiratório Elmo, partes e peças, utilizados no âmbito das medidas de prevenção ao contágio e de enfrentamento à pandemia causada pelo coronavírus (convênios ICMS nº 63/20 e 13/21). O curioso e até contraditório é que o governador Ibaneis Rocha (MDB) publicou recentes decretos liberando máscaras, circulação e para gestantes voltarem ao trabalho presencial. Ou seja, o GDF libera geral para a população e prorroga isenção fiscal para a indústria e comércio que faz enfretamento à pandemia de Covid-19. Para o professor do Departamento de Economia da UnB e colaborador do Mais Brasil News, José Luiz Oreiro, os incisos XLV e XLVI do Decreto Legislativo nº 2.366, da CLDF, que tratam sobre prorrogação de ICMS a empresas que atuam no âmbito da Covid-19, refletem uma contradição. “Qual o sentido de GDF conceder incentivo fiscal por conta da Covid se o próprio governo está retirando a obrigatoriedade do uso de máscaras, liberação para shows, entre outras flexibilizações? Realmente, não faz o menor sentido. Isso aí é fazer bondade com o dinheiro do contribuinte, é bondade para grupos específicos”, critica Oreiro. O decreto também concede isenção do ICMS incidente sobre operações com medicamento destinado ao tratamento dos portadores de Gripe A (H1N1). Setor de cultura Quem também criticou a prorrogação de isenção fiscal do ICMS foi o setor cultural. No pacote de medidas para enfrentamento à pandemia, ano passado, a CLDF aprovou a concessão do benefício para agentes da área de cultura. A Lei 6.886/21 foi aprovada e, posteriormente, foi sancionada pelo governador Ibaneis Rocha. A categoria e parlamentares da oposição se mobilizaram e, no último dia 28 de março, o GDF publicou a regulamentação por meio de decreto. No entanto, no mesmo dia, saiu edição extra do diário oficial adiando o benefício para março de 2023. Pela lei, os agentes do setor cultural do DF teriam isenção do pagamento do IPTU e do IPVA. Também prevê a redução da alíquota do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e beneficia 16 categorias, que incluem a cultura, o setor de eventos e beleza. Contudo, o Decreto Legislativo nº 2.366/22, em seu inciso XXX, concede até 2024, no âmbito do Distrito Federal, crédito do ICMS destinado pelos seus respectivos contribuintes a projetos culturais credenciados pelas Secretarias de Cultura. O GDF também está prorrogando o Convênio ICMS 106/2010, que autoriza os Estados e o Distrito Federal a isentarem do ICMS a comercialização de sanduíches denominados “Big Mac” efetuada durante o evento “McDia Feliz”; Veja outros segmentos do comércio e indústria do DF que tiveram a isenção do ICMS prorrogados pelos próximos dois anos: Área de saúde – as operações de entrada de mercadoria importada para a industrialização de componentes e derivados de sangue, nos casos que especifica; – a importação de bens destinados a ensino, pesquisa e serviços médico-hospitalares; – equipamentos e acessórios destinados às instituições que atendam aos portadores de deficiência física, auditiva, mental, visual e múltipla; – ICMS incidente sobre as saídas de veículos destinados a pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental ou autista; – importação, pela APAE, dos remédios especificados – importação de equipamento médico-hospitalar; – isenção do ICMS incidente sobre operações com preservativos; – sobre operações com equipamentos e insumos destinados à prestação de serviços de saúde; – nas importações de produtos imunobiológicos, medicamentos e inseticidas, destinados à vacinação e combate à dengue, malária e febre amarela, realizadas pela Fundação Nacional de Saúde; – operações com fármacos e medicamentos destinados a órgãos da administração pública direta federal, estadual e municipal; Educação – nas doações de mercadorias, por contribuintes do imposto, à Secretaria da Educação; – nas operações que destinem mercadorias ao Programa de Modernização e Consolidação da Infraestrutura Acadêmica das IFES e HUS; – importação de bens destinados a ensino e pesquisa; – importação efetuadas pelas fundações de apoio à Fundação Universidade de Brasília (UnB) – operações com ônibus, micro-ônibus e embarcações adquiridos para o Programa Caminho da Escola do MEC. – serviço de comunicação destinado a projetos educacionais na modalidade EaD concedidos pelas secretarias estaduais de educação; Outros segmentos da indústria e comércio – nas operações com equipamentos industriais e implementos agrícolas; – ICMS nas saídas de aeronaves, peças, acessórios e outras mercadorias que especifica; – importação do exterior de reprodutores e matrizes caprinas; – bens para integrar o ativo fixo das companhias estaduais de saneamento; – mercadorias decorrentes de doações efetuadas ao governo do estado para distribuição gratuita a pessoas necessitadas; – operações relativas à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa; – mercadorias doadas a órgãos e entidades da administração direta e indireta para distribuição às vítimas da seca; – automóveis de passageiros, para utilização como táxi; – importação do exterior, efetuada pela Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF) – ICMS devido nas saídas de biodíesel (B-100); – óleo díesel e biodíesel destinadas a empresa concessionária ou permissionária de transporte coletivo de passageiros por qualquer modal; – importação de máquinas, equipamentos, partes e acessórios destinados a empresa de radiodifusão e prestações de serviços de telecomunicações; – partes e peças da indústria aeronáutica, oficina reparadora ou de conserto e manutenção de aeronaves; – nas operações com areia, brita, tijolo e telha de barro. Avaliação das políticas é ideal Analisando o decreto legislativo com a prorrogação da isenção do ICMS de 46 segmentos do comércio e da indústria do DF, o economista José Luiz Oreiro explica que o governador Ibaneis Rocha está reproduzindo a praxi no Brasil que é fazer política industrial através de isenção de impostos, principalmente ICMS.
No entanto, Oreiro afirma que a efetividade e eficácia dessas isenções, muitas vezes são questionáveis visto que, no Brasil, não existe a prática de se avaliar as políticas públicas. “Então, antes de renovar qualquer isenção tributária, deveria ser apresentado um estudo sobre os resultados obtidos com a isenção concedida anteriormente para a população saber se valeu a pena ou não. Penso que deve haver uma discussão preliminar, portanto, anterior, que é a avaliação dessas ações de política pública”, avalia o economista. Oreiro diz não gostar da ideia de isenção tributária ad infinitum e sem uma análise de custo e benefício. Porque, segundo ele, isenção tributária significa que o Estado está abrindo mão de receitas que ele poderia usar para construir escolas, hospitais. “No caso do DF, fazer recapeamento asfáltico que, mesmo no Plano Piloto, está totalmente deteriorado”, analisa o professor de economia da UnB.
Apesar da pressão de parte da classe política para que o governo prorrogue o pagamento do auxílio emergencial, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltaram a afirmar que o Executivo é contra a proposta. Enquanto o mandatário alega não poder deixar que “medidas temporárias relacionadas com a crise se tornem compromissos permanentes de despesas”, o titular da equipe econômica ponderou que a continuidade do benefício significaria a redução de verbas para outras áreas, como saúde, educação e segurança pública. Contudo, o retorno da pandemia a um estágio mais severo faz com que o Palácio do Planalto não descarte de vez a retomada do auxílio. Diante da encruzilhada para salvar vidas e preservar a economia, Bolsonaro, enfim, reconheceu a importância das vacinas. Após meses questionando a eficácia dos imunizantes contra o novo coronavírus, o presidente, agora, admitiu que os produtos podem “dar mais conforto à população” e “segurança a todos”, além de fazer com “que a nossa economia não deixe de funcionar”. Guedes, por sua vez, aposta na eficácia das vacinas e no sucesso da aplicação dos imunizantes para não ser necessário o pagamento de novas parcelas do auxílio emergencial. As declarações de Bolsonaro e do ministro ocorreram ontem, durante um evento com investidores estrangeiros promovido pelo banco Credit Suisse. Mais controverso à volta do auxílio, o chefe do Executivo ponderou que o governo precisa estimular a economia com estratégias que envolvam, sobretudo, o respeito ao teto de gastos, norma que limita o crescimento da despesa pública à inflação do ano anterior. “No âmbito fiscal, manteremos firme compromisso com a regra do teto de despesas como âncora de sustentabilidade e credibilidade econômica. Nosso objetivo é passar da recuperação baseada no apoio ao consumo para um crescimento sustentado pelo dinamismo do setor privado”, frisou. “As projeções do mercado estimam que a taxa de inflação flutuará dentro da banda, com taxa de juros em nível competitivo e atraentes para novos investimentos.” Ante as críticas de que o governo atrasa a conclusão das privatizações de estatais, o que motivou a recente saída de Wilson Ferreira Junior da presidência da Eletrobras, o chefe do Planalto ressaltou que um dos focos do Executivo para este ano será acelerar os processos para “dar continuidade a medidas de aperfeiçoamento no ambiente de negócios”. Ele também aposta na inclusão do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na aprovação das reformas tributária e administrativa para recuperar a economia. “Queremos regulamentos mais simples e menos onerosos para destravar o imenso potencial do Brasil e facilitar o trabalho da iniciativa privada. A modernização da economia e o aprimoramento das políticas públicas passam pela incorporação das melhores práticas internacionais. Estamos no caminho para um 2021 de crescimento econômico projetado 3,5%”, frisou. “Meu governo entende os problemas estruturais pelos quais passa a indústria brasileira e mundial. Estamos empenhados em realizar mudanças nesse setor, com pensamento estratégico e redefinição de vínculos das cadeias produtivas globais.” Guedes adotou tom mais moderado sobre o auxílio, mas considera a extensão do benefício apenas para situações extremas, como no caso de o Brasil “falhar miseravelmente” com as vacinas. “Vamos observar a economia e a saúde, os dois andam juntos. E vamos esperar pelo melhor e que, com a vacinação em massa, as mortes estejam descendo”, disse. O ministro acrescentou: “Vamos observar. Caso o pior aconteça, se a doença volta, como compatibilizar uma coisa com a outra? Bom, temos o protocolo da crise aperfeiçoado agora. Se não for o caso (de retorno à normalidade), porque a vacinação não está andando ou porque as mortes continuam acima de mil, já existe o protocolo da crise”. Guedes afirmou que, se a prorrogação do benefício for necessária, poderia ser incluída na proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos a serem acionados no caso de descumprimento do teto de gastos. “Quer criar o auxílio de novo? Tem de ter muito cuidado. Se fizer isso, não pode ter aumento automático de verbas para educação e segurança pública, porque a prioridade passou a ser a guerra (contra a pandemia). Pega as guerras aí para ver se tinha aumento de salário, se tinha dinheiro para saúde e educação. Não tem, é dinheiro para a guerra. Aqui, é a mesma coisa. Se apertar o botão, vai ter que travar o resto todo”, pregou.
Para o economista José Luís Oreiro, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), é muito difícil que Bolsonaro não renove o estado de calamidade pública e estenda o auxílio emergencial. “Isso daria um desafogo. A realidade vai se impor. Sem algum tipo de renda provisória emergencial, que cubra alguns meses até que uma proporção significativa da população esteja vacinada, vai ser um caos social”, alertou. “Renovando o estado de calamidade pública até junho, o governo estaria desobrigado de cumprir regras fiscais e teria dinheiro para reimplantar o auxílio, mantendo o compromisso com o teto de gastos.”
O economista Roberto Ellery, também da UnB, acrescentou que o governo tem poucas saídas. “Ele precisa repensar programas sociais como um todo. Talvez, seja o caminho, mas tem de ver de onde vai sair o dinheiro”, afirmou. Média de mortesHoje, de acordo com números do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a média diária de mortes por Covid-19, no Brasil, é de 1.055, número que se aproxima do pico registrado em julho do ano passado, de 1.102. Além disso, o país tem uma média de 51.356 novas infecções por dia — desde o início de 2021, essa média tem sido superior a 50 mil, o que não aconteceu no ano passado.Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
Assim como o auxílio emergencial para a população mais vulnerável durante a crise provocada pela pandemia de Covid-19, o Benefício para a Manutenção de Emprego e Renda (Bem), destinado para as empresas reduzirem jornada e salários, acaba nesta quinta-feira (31). E, no meio de tanta incerteza para 2021, a falta de medidas como o Bem gera preocupação de empresários, porque vai ajudar a aumentar ainda mais o desemprego em 2021, considerando que muitas empresas tiveram queda de metade do faturamento e, portanto, não estão tendo receita suficiente para cobrir todas as despesas.
Criado pela Medida Provisória 935/2020, o Bem contribuiu para que cerca de 10 milhões de empregos fossem preservados neste ano, de acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que gosta de usar o bordão de que, em 2020, houve “redução zero de emprego no mercado formal”. O benefício, inclusive, ajudou nos dados positivos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) da pasta, na contramão dos números recordes de desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de mais de 14 milhões de pessoas neste fim de ano, porque inclui dados do mercado informal. Algumas estimativas apontam que esse número é bem maior, superando a casa de 20 milhões.
A situação das empresas, especialmente as do setor de serviços, é critica, sem a prorrogação do Bem. Elas não devem conseguir se recuperar totalmente do tombo da crise de 2020 ao longo do ano que vem, porque os efeitos positivos na economia da vacinação, ainda incerta no Brasil, só devem começar a partir do segundo semestre, pelo menos, de acordo com estimativas de analistas ouvidos pelo Correio. “O setor de serviços prestados às famílias é o que mais deverá demorar para voltar à normalidade”, destacou a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Recursos sobrandoEmpresários acreditam que haveria espaço para prorrogar o benefício e esse alerta foi dado várias vezes para o ministro Paulo Guedes, que poderia aproveitar melhor a sobra de recursos do Bem, segundo Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A previsão do governo para os gastos com o Bem foi de R$ 51,5 bilhões, mas, até ontem, R$ 33,5 bilhões foram pagos, conforme dados do Tesouro Nacional. Logo, há R$ 18 bilhões de recursos que poderiam ser utilizados na prorrogação do benefício, na avaliação de empresários que consideram demissões ou mesmo o fechamento de empresas, apesar de a MP obrigar as empresas que utilizaram o benefício a não demitirem os trabalhadores nos próximos 240 dias, caso tenha utilizado o auxílio durante o mesmo período. “Há mais de dois meses temos falado com o ministro sobre a necessidade de prorrogação do Bem para continuar dando um respiro para o setor, porque, durante o período do benefício, os empresários reduziram a jornada e salários daqueles funcionários que eram menos essenciais à operação. Agora, se não houver uma continuidade de alguma ajuda do governo, como não é possível demitir os dispensáveis, vamos ter que, para evitar uma falência, começar a demitir os trabalhadores essenciais”, explicou o presidente da Abrasel. Especialistas lembram que, como não há um programa de vacinação em massa bem elaborado, o setor de serviços, que é o que mais emprega e um dos que mais utilizou o Bem, não vai conseguir se recuperar no início de 2021 e, portanto, ainda continuará dependendo de ajuda do governo, como vem ocorrendo nos países desenvolvidos. “A prorrogação do Bem é fundamental para evitar a destruição do emprego formal. Todo mês de janeiro tem o período de ressaca no mercado de trabalho, porque muitos temporários são demitidos”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB). “O que chama a atenção é que o Brasil é o único país do mundo que escolhe não renovar os auxílios emergenciais enquanto os Estados Unidos e os países europeus estão dando continuidade aos pacotes fiscais”, comparou. “E, para piorar, ainda não sabemos quando vai começar a vacinação no Brasil. Temos um cenário de terra arrasada”, emendou. Dificuldades
De acordo com Solmucci, 400 mil empresas do setor aderiram ao Bem e relatam dificuldades em continuar as operações enquanto não houver um plano de vacinação em massa da população para que a economia recupere a normalidade e volte a crescer. Ele contou que neste fim de ano, a maioria essas empresas está com mais dificuldade para se equilibrarem, porque o governo obrigou o pagamento do 13º salário integralmente para os trabalhadores que tiveram redução de jornada e, para piorar, esse pagamento coincide justamente com o período em que os tributos diferidos começaram a serem pagos juntamente o com o fim do período de carência dos empréstimos obtidos durante a pandemia para o fluxo de caixa, como é o caso do Programa Nacional de Apoio às Microempresas (Pronampe), criado durante a pandemia, além dos reajustes de aluguel, que estão ocorrendo acima de 20%. “Estamos com 44% das empresas faturando menos da metade do que faturaram antes da pandemia. Não dá para absorver todas essas contas que estão acumulando. Uma em cada quatro empresas do setor não conseguiu pagar o 13º salário neste ano e o Ministério da Economia resolveu não usar os recursos do Bem para ajudar essas companhias”, lamentou Solmucci. Para ele, o governo foi ágil em criar a MP 935 para ajudar a preservar o emprego e a renda dos trabalhadores, mas não teve sensibilidade para entender a necessidade de uma prorrogação do benefício para evitar o aumento de falências e de desemprego a partir do ano que vem. Para Solmucci, além do aumento de falências a partir de janeiro, a judicialização contra as medidas impostas para evitar demissões por conta do Bem, deverá aumentar. Tito Bessa Junior, presidente da Associação Brasileira dos Lojistas de Satélites (Alos), contou que o Bem foi muito importante para o setor que responde por mais de 60% das lojas dos shoppings nacionais. Nós usamos bastante e isso foi um dos grandes benefícios que nos fez chegar vivo até aqui. A redução de jornada foi um oxigênio para o setor”, afirmou. Agora, o segmento ainda enfrenta um outro problema além do fim do programa: os shoppings querem cobrar 23% de reajuste no aluguel e até 13º. “Ninguém aguenta porque as vendas caíram 35% no ano. Muita gente vai quebrar assim”, alertou. Ele, inclusive, defendeu a necessidade de uma vacinação em massa para que o setor consiga voltar à normalidade. Uma proposta da Alos para ajudar na manutenção dos empregos é a redução dos horários de funcionamento dos shoppings. “Aí seria possível trabalhar com apenas um turno”, defendeu Bessa Jr.. Procurado, o Ministério da Economia confirmou o fim do Bem a partir de 1º de janeiro de 2021 e não comentou sobre os recursos previstos e não utilizados pelo programa. Na véspera, o ministro interino da pasta, Marcelo Guaranys, contou que o governo considera a adoção de algumas medidas emergenciais que foram positivas para a economia neste ano “caso for necessário”.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, não conseguiu fazer avançar no Congresso Nacional em 2020 a agenda de reformas fiscais para reequilibrar as contas públicas. Também as privatizações prometidas não evoluíram. As propostas de reforma administrativa e parte da tributária foram enviadas ao Legislativo, mas ainda não têm nem sequer relatórios apresentados. Guedes também não conseguiu criar o programa social que substituirá o Bolsa Família, com a unificação de benefícios sociais e protagonizou disputas públicas com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com o ministro do Desenvolvimento, Regional, Rogério Marinho. Por outro lado, a equipe econômica conseguiu reduzir parte do efeito negativo da pandemia de coronavírus na economia, liberando ajuda a empresas e trabalhadores. A avaliação é de especialistas ouvidos pelo UOL. Alguns dizem que Guedes ajudou o país, mas outros dizem que ele foi “incompetente”.
Guedes tem de dividir resultados com Maia Os especialistas também afirmam que pelo segundo ano consecutivo Guedes teve de dividir o protagonismo com Maia. O presidente da Câmara ajudou na elaboração ou na aprovação das propostas para enfrentar a pandemia. Exemplos são o pagamento do auxílio emergencial, a liberação de crédito para empresas, a renegociação de dívidas e o programa de redução de salários e de jornada de trabalho.
Enquanto a queda do PIB (Produto Interno Bruto) ultrapassará 10% em vários países – entre os exemplos estão Espanha e Itália -, no Brasil, a retração é estimada em 4,5%. Mesmo que a redução do PIB seja menor que a de outros países, será a maior queda da história da economia brasileira em um único ano, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Pessimismo com recuperação econômica
Mesmo que o governo e o Congresso tenham reduzido os danos econômicos em 2020, os especialistas estão pessimistas com a recuperação da economia em 2021, sobretudo no primeiro trimestre, sem o início da vacinação e com o fim do auxílio emergencial.
“Até a Argentina, que é um país quebrado, já tem uma vacina. A população brasileira e os empresários têm medo de uma segunda onda do coronavírus, mas o Brasil não tem perspectiva de um programa de vacinação. O setor de serviços, o maior da economia, está abalado pela crise do coronavírus e pode sofrer de novo se nada for feito. Nova quarentena, com restrição de mobilidade, vai quebrar várias empresas”
Margarida Gutierrez, economista e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Danos foram reduzidos, mas desafios continuam Margarida Gutierrez declarou que as críticas feitas ao ministro da Economia, de que ele só prometeu e não cumpriu nada, são exageradas, já que a pandemia afetou todo o país. Ela afirmou que o Brasil terá uma das menores quedas de PIB em relação aos demais países.
“Avaliar o Guedes é avaliar que o Brasil se sustentou bem durante a crise. Essa performance é melhor que a maioria dos países. Deve-se ao pacote fiscal e ao BC [Banco Central], que elevaram a liquidez e disponibilizaram quase R$ 3 trilhões. Somente o nosso pacote fiscal chega a R$ 620 bilhões, o equivalente a 8,5% do PIB. Sob esse ponto de vista, não podia ser melhor”. Margarida Gutierrez.
Apesar de considerar o resultado positivo no combate à pandemia, Margarida afirmou que o desequilíbrio das contas do governo é recorde, e 2021 será um ano de redução de gastos públicos. “O problema é como equacionar isso e dar sustentabilidade para a dívida pública. As demandas sociais são imensas. Vão exigir uma calibragem da política fiscal [gastos do governo], econômica e retirada de estímulos. Estamos muito atrasados na vacinação. Teremos um primeiro trimestre ruim”. Margarida Gutierrez
A economista afirmou que o país precisará manter algum estímulo fiscal ou auxílio para os pobres, mas precisará aprovar as reformas fiscais para manter alguma credibilidade e se recuperar. A manutenção de benefícios sociais sem nenhuma aprovação de propostas pelo Congresso afundará o país em uma recessão, avalia.
Ministro não soube lidar com pandemia, diz economista
O economista José Luís Oreiro, professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília), declarou que em 2020 chamou atenção o fato de Guedes “não ter a mais remota ideia do que fazer para lidar com a pandemia do coronavírus”.
Segundo Oreiro, Guedes errou ao declarar em março que o Brasil liquidaria o coronavírus com R$ 5 bilhões. Além disso, ao sinalizar um auxílio emergencial de R$ 200, Guedes mostrou que estava perdido.
“O ministro da Economia foi contra o auxílio emergencial. Queria um coronavoucher de R$ 200. O Congresso Nacional que votou a criação do auxílio de R$ 600, com o protagonismo do deputado Rodrigo Maia”. José Luís Oreiro.
“Economista incompetente”
“Guedes se mostrou incompetente. Também não tem a menor ideia do que fazer após a crise”. José Luis Oreiro.
O economista da UnB criticou a decisão de Guedes de tirar férias até janeiro enquanto o país está mergulhado em uma crise enorme. Ele afirmou que o governo e Guedes acreditam que em 1º de janeiro de 2021, como em um passe de mágica, a economia vai voltar a crescer e o vírus vai sumir.
“O cenário para 2021 é uma economia sem auxílio emergencial, com aumento dos casos de coronavírus e sem nenhuma perspectiva de início da vacinação. Vai ser a tempestade perfeita em janeiro, fevereiro e março. Estamos indo par ao caos. Torço para que em 2021 a gente tenha outro ministro da Economia”. José Luís Oreiro.
Ano de brigas com Maia e Marinho
O ministro da Economia também protagonizou diversas brigas com o Maia e Marinho ao longo de 2020. Em um deles, Guedes, afirmou, sem provas, de que havia boatos de que o presidente da Câmara fizera um acordo com a esquerda para não pautar as privatizações. Guedes também afirmou também que o debate sobre o tema está interditado. Maia rebateu dizendo que Guedes estava “desequilibrado”.
Em outro episódio, Guedes afirmou em audiência pública no Congresso que a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) financiava estudos para “ministro gastador” furar o teto de gastos, em referência a Marinho. O UOL obteve com exclusividade uma cópia do contrato que detalha o objetivo do estudo financiado pela Febraban e outras 10 entidades, citado por Guedes. A proposta prevê investimentos públicos e privados em obras de infraestrutura, mas não aponta estouro de gastos e apoia a “política liberal” do governo. Política liberal defende controle de gastos públicos.
O deficit primário não deve chegar aos R$ 831 bilhões projetados, porque R$ 34,8 bilhões estão represados em vários ministérios
Marina Barbosa
postado em 30/12/2020 06:00
(crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
O rombo das contas públicas brasileiras já está beirando os R$ 700 bilhões neste ano, por conta da pandemia de covid-19, que achatou as receitas e ampliou os gastos do governo. Porém, o deficit não deve chegar aos R$ 831,8 bilhões projetados pelo Ministério da Economia. O Tesouro Nacional explicou, ontem, que R$ 34,8 bilhões estão empoçados no governo.
O represamento ocorre quando os recursos são liberados para pagamento, mas não são gastos pelo governo. É um fenômeno que ocorre anualmente por conta das amarras orçamentárias, mas que atingiu um “elevado volume” neste ano, segundo o Tesouro. E, por isso, vai aliviar o rombo estimado para as contas públicas em 2020. “O empoçamento reduz o deficit porque é uma despesa que está na nossa conta, como parte da despesa primária, mas não é gasta dentro do exercício”, explicou o secretário substituto do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira.
Ele disse que ainda não há uma nova projeção para o rombo das contas públicas neste ano, mas afirmou que é possível que o empoçamento “continue nesse patamar ou fique um pouco mais alto”. Descontando os mais de R$ 30 bilhões da previsão de um deficit de R$ 831,8 bilhões, é possível, portanto, que o rombo das contas públicas não ultrapasse a marca dos R$ 800 bilhões.
Ainda assim, a situação é preocupante. Afinal, as contas públicas já estão no vermelho há 10 meses consecutivos. Em novembro, por exemplo, o buraco foi de R$ 18,2 bilhões, segundo dados apresentados, ontem, pelo Tesouro Nacional. O resultado veio melhor que as estimativas do mercado, mas fez o deficit primário do governo central chegar a R$ 699,1 bilhões no acumulado de janeiro a novembro. O resultado é 752,3% superior ao do mesmo período do ano passado, quando o deficit primário acumulado no ano foi de R$ 80,4 bilhões, e é o pior da série histórica.
O Tesouro Nacional explicou que estes dados “revelam a continuidade dos efeitos da crise da covid-19 sobre as contas públicas”. A pandemia diminuiu a receita do governo em 10%, seja por conta da desaceleração econômica que reduziu a arrecadação, seja porque o governo diferiu e cortou impostos na pandemia de covid-19. Por outro lado, as despesas públicas subiram 39,3%, já que o governo liberou mais de R$ 500 bilhões para os gastos emergenciais de combate ao novo coronavírus.
Por isso, o Tesouro reforçou que atacar a questão fiscal é prioridade em 2021 e voltou a dizer que “o espaço fiscal que o país dispõe para a implementação de novas medidas de enfrentamento aos impactos econômicos e sociais da pandemia é limitado”. A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia também reiterou, ontem, que todas as medidas econômicas adotadas durante a pandemia são transitórias e “se encerram sem exceção até o fim deste ano”. A pasta ainda rebateu as críticas sobre o término do auxílio emergencial, cujos últimos depósitos foram realizados ontem, dizendo que o fim do benefício “foi gradativo e amplamente anunciado”.
Prorrogação
Diante do recrudescimento da pandemia de covid-19 e da alta do desemprego, no entanto, muitos parlamentares e empresários têm pedido a prorrogação de medidas como o auxílio emergencial e os acordos de redução salarial e suspensão do contrato de trabalho. Ladeira disse, então, que só em uma “situação extrema” as metas fiscais seriam afrouxadas novamente, como ocorreu em 2020, quando o Orçamento de Guerra desobrigou o governo a cumprir a meta de resultado primário para fazer gastos emergenciais.
Por enquanto, reforçou o secretário, o governo trabalha com a possibilidade de que essas medidas terminem amanhã, junto com o estado de calamidade pública, e que, por isso, será preciso seguir a regra do jogo novamente em 2021. Isso significa que só cortando gastos ou aumentando a arrecadação o governo vai poder encaixar medidas como essa no Orçamento. “É um ano de mais restrição orçamentária”, frisou Ladeira, lembrando que, além de um deficit de quase R$ 800 bilhões, o Brasil vai acabar o ano com uma dívida superior a 90% do Produto Interno Bruto (PIB).
Dinheiro da pandemia parado
A maior parte dos R$ 34,8 bilhões que estão empoçados no governo federal deixou de ser gasta por pastas diretamente ligadas ao combate à pandemia de covid-19. Entre elas, a Saúde e a Cidadania. Segundo os dados apresentados, ontem, pelo Tesouro Nacional, só o Ministério da Cidadania, que é o responsável pelo pagamento do auxílio emergencial e do Bolsa Família, deixou de gastar R$ 8,3 bilhões dos recursos recebidos ao longo do ano. A Educação represou R$ 6 bilhões. E a Saúde, R$ 5,4 bilhões. Ainda há uma quantia significativa de recursos na Infraestrutura (R$ 2,4 bilhões), na Defesa (R$ 2,3 bilhões) e na Economia (R$ 2,3 bilhões).
O secretário substituto do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira, argumentou que é comum haver empoçamentos na Educação e na Saúde, uma vez que essas pastas têm grandes orçamentos e as amarras legais nem sempre permitem que todos esses recursos sejam empenhados a tempo. Já o caso da Cidadania se explica porque os recursos destinados ao auxílio emergencial pelo Orçamento de Guerra substituíram 95% dos pagamentos do Bolsa Família, fazendo com que o orçamento do benefício ficasse parado. “Como é despesa obrigatória, com controle de fluxo, esse limite não poderia ser remanejado”, explicou a pasta.
Secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco confirmou que “o excesso de vinculações e de rigidez do Orçamento dificulta a operacionalização da máquina pública, porque sobram recursos em algumas iniciativas e faltam para outras ações importantes”. Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto acrescentou que o Orçamento de Guerra pode ter ampliado esse movimento. “Como houve um possível superdimensionamento de alguns gastos, em razão da incerteza da crise, é possível que exista limite financeiro para o gasto, mas não haja demanda.”
O professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro disse, no entanto, que também pode haver “falta de competência técnica e de vontade política” nesta questão. “O empoçamento, na Saúde e na Cidadania, mostra que o governo não tem um plano para lidar com a pandemia de covid-19, pois os recursos poderiam ser usados, por exemplo, em campanhas de esclarecimento e testagem”, criticou.
Os especialistas também lembram que, apesar de o Tesouro Nacional não prever uma redução do represamento, é comum que, nesses últimos dias do ano, os ministérios corram para empenhar o máximo de recursos possíveis, para que possam ser usados como restos a pagar no ano seguinte, o que pode reduzir essa quantia. Se mantido em R$ 34,8 bilhões, no entanto, o empoçamento deste ano será o dobro do de 2019, quando foi de R$ 17,4 bilhões.
Ideia de se estabelecer um horizonte flexível para o próximo ano foi criticada por especialistas e pelo TCU, e acabou deixada de lado. Número e data, porém, ainda não foram confirmados pelo ministério, mas espera-se que saiam nos próximos dias
SKSimone KafruniRHRosana Hesselpostado em 12/12/2020 07:00
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
O governo decidiu propor uma meta fiscal fixa para 2021 e abandonar a ideia de meta flexível, proposta que estava sendo criticada por especialistas e pelo Tribunal de Contas da União (TCU) — que deu um parecer criticando a medida no fim de outubro. A mudança foi acatada na reunião da junta orçamentária, na quinta-feira, e a expectativa era de que o governo enviasse, ontem, ao Congresso uma meta de deficit primário de R$ 232,1 bilhões para 2021 nas contas do governo central, que inclui Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central. Contudo, o número da nova meta e a data ainda não foram confirmados pelo Ministério da Economia.https://e46ce1b2ec7493d5ad5a953128fa3bbe.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
O objetivo é criar um horizonte para o deficit primário próximo do que estava previsto no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Projeto de Lei Orçamentária Anual, ambos de 2021. No PLOA, a estimativa para o rombo nas contas do governo central estava em R$ 233,6 bilhões, o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). No PLDO, a estimativa era de R$ 149,6 bilhões, ou 1,84% do PIB. “Haverá um ajuste nesses números”, disse uma fonte do governo sem adiantar o valor.
O envio do documento com a nova meta deverá ser formalizado na semana que vem, segundo fontes da Economia. O relator da matéria é o senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO), que, segundo a assessoria do parlamentar, pretende apresentar seu parecer para os próximos dias.PUBLICIDADE
As contas públicas estão no vermelho desde 2014 porque as receitas não são suficientes para cobrir as despesas. Com isso, o governo vem registrando rombos consecutivos, aumentando o endividamento do país, que ser aproxima de 100% do PIB. Pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), até 2030, o governo ainda deverá apresentar deficit primário.
Neste ano, devido ao decreto de estado de calamidade, em virtude da pandemia de covid-19, e da aprovação do orçamento de guerra, a meta fiscal foi suspensa por conta dos gastos emergenciais. Inicialmente se propunha um deficit de até R$ 124,1 bilhões, mas a previsão da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, é de encerrar 2020 com um buraco de R$ 844 bilhões, o maior da história, nas contas do governo central.
Alerta do tribunal
Após a decisão do TCU, em outubro, de apontar que a falta de meta era um desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), especialistas em contas públicas vinham criticando a falta de um horizonte. Havia o consenso de que, se a equipe econômica insistisse na medida, o presidente Jair Bolsonaro cometeria crime de responsabilidade fiscal, e abriria o caminho para um processo de impeachment.
Em abril, quando o PLDO foi enviado ao Congresso com a meta flexível, o então secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, apoiou a medida, mas, hoje, critica que não esteja fixada. “Tínhamos que mandar o PLDO, em maio, e, naquela época, a projeção da receita ainda era muito maior. E, sem a projeção correta da receita de 2020, não tinha como projetar 2021. Agora, é diferente, porque se tem mais clareza do cenário de arrecadação. Assim, dá para fixar meta”, salientou Mansueto.
Segundo o ex-secretário, apesar da demora para acatar a decisão do TCU, técnicos da equipe econômica estavam caminhando nessa direção. “Quando fizeram a PLOA, em agosto, já tinham uma boa estimativa de deficit primário para 2021, por volta de 3% do PIB”, acrescentou.
Máquina pública sob ameaça de shutdown
A LDO é a lei que traça as linhas mestras do Orçamento e, por isso, precisa ser aprovada no ano anterior ao exercício para entrar em vigor. Sem ela, a máquina pública corre o risco de shutdown –– a paralisação de todo o Estado –– logo no primeiro dia de 2021, por falta de recursos. Sem a LDO, o governo fica a descoberto, pois não há a regra do duodécimo (1/12), prevista em lei para a liberação de recursos até a aprovação do Orçamento, de acordo com o economista José Roberto Afonso, um dos autores da LRF e professor do IDP.
Conforme determinação do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a LDO será apreciada pelo plenário das duas Casas no próximo dia 16. Aliás, a decisão do senador em marcar a votação da LDO direto no plenário foi resultado da indefinição dos líderes para compor a mesa da Comissão Mista de Orçamento, que não foi instaurada.
De acordo com o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), os líderes trabalham em um consenso para aprovar a medida sem passar pela CMO. “O PLDO é muito importante e é uma prioridade para o governo”, disse.
As incertezas sobre o tamanho do deficit, em 2021, persistem, principalmente sobre a manutenção do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas pela inflação do ano anterior — e a regulamentação dos gatilhos no caso de descumprimento, prevista pela PEC Emergencial, cujo relatório só deverá ser enviado no ano que vem.
O economista-chefe da Austin Ratings, Alex Agostini, calcula um deficit primário menor para 2021, mas não descarta um rombo maior. “Nossa estimativa é R$ 220 bilhões, porque o governo ainda tem a chance de fazer um bom programa de privatizações e concessões. Se não conseguir, o deficit vai ser maior, de R$ 300 bilhões”, estimou.
Na avaliação do professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro, diante das sucessivas crises pelas quais passou o país, a previsão de deficit não é um problema estrutural. “A economia vai encolher 5% este ano, mas sequer tinha se recuperado das crises anteriores. Então, ainda está entre 8% a 9% abaixo de 2013, considerando o período de recessão”, lembrou.
O grande desafio do governo será retomar o crescimento aos patamares de 2013 o mais rapidamente possível para aumentar a arrecadação e a reduzir o rombo das contas públicas, de acordo com Oreiro. “Sem a recessão e o coronavírus, o PIB, hoje, seria 5% a 6% mais alto, e o governo geraria superavit. Isso mostra que o problema fiscal não é estrutural, mas resultado da recessão e da pandemia, duas crises que se sobrepuseram”, esclareceu. Ele aposta na prorrogação do estado de calamidade porque “a realidade vai se impor”.
Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimentos, reconheceu que o mercado brasileiro está muito atrelado ao cenário internacional e, se não fosse isso, os efeitos da nova previsão de deficit fiscal para 2021 teriam tido um impacto maior na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). “Hoje, temos uma injeção de capital estrangeiro. Além disso, o mercado sente o reflexo da eficácia da vacina e do estímulo fiscal nos Estados Unidos”, disse.
A questão fiscal e o alto endividamento do país, aliados ao atraso na agenda reformista, poderiam ter impacto muito maior na Bolsa e no dólar. “Isso tudo pesa, mas o fluxo de capital estrangeiro está equilibrando os ânimos”, avaliou. (RH e SK)
A crise sanitária afetou uma economia que sequer havia recuperado os níveis de produção anteriores à recessão 2015/2016. Entre 2017 e 2019, o PIB per capita se manteve praticamente estagnado, com elevada capacidade ociosa da economia. Neste contexto, estímulos fiscais, mediante ampliação de despesas com forte efeito multiplicador, seriam a saída mais eficaz para a retomada do crescimento.
No entanto, foi adotado, desde a gestão Temer, teto de gastos que congela as despesas primárias da União por até vinte anos. Na prática, a regra determina redução das despesas como proporção do PIB até 2036. Com a crise, o setor privado se retrai, impactando a atividade econômica e a arrecadação, ao mesmo tempo em que o investimento público é reduzido em função da política de austeridade, criando um círculo vicioso. Entre 2014 e 2021, os investimentos na proposta orçamentária federal passaram de 1,2% para 0,3% do PIB.
Adicionando-se a esta conjuntura a crise sanitária e seus efeitos sobre a oferta e a demanda, o Brasil terá uma queda do PIB estimada em 5% para 2020. Em setembro, cerca de 40 milhões de pessoas estavam desempregas ou gostariam de trabalhar, mas não procuraram trabalho. A redução do PIB não será maior em função do auxílio emergencial, aprovado pelo Congresso Nacional. A redução/retirada do auxílio sem recuperação da renda do trabalho terá grande impacto sobre o desemprego e a pobreza.
Mesmo assim, o governo acena com o reforço da austeridade, que retirará 8% do PIB em despesas de 2020 para 2021.
A justificativa dos representantes do governo é o patamar da dívida pública. Ora, a ampliação da dívida é um fenômeno mundial, produto da combinação do aumento de gastos para enfrentamento da pandemia e queda da arrecadação em função da crise. Por exemplo, os países da Zona do Euro, em média, fecharão 2020 com dívida bruta superior a 100% do PIB, segundo projeções do FMI. Ainda assim, estão adotando estímulos fiscais e monetários vultosos com vistas à recuperação da economia.
Há alternativas viáveis ao teto de gastos, como a PEC 36/2020, apresentada por mais de 30 senadores, que autoriza, para 2021 e 2022, ampliação de gastos selecionados. A partir de 2023, aproximando o Brasil de regras modernas adotadas em diversos países, a PEC estabelece metas de gastos diferenciadas por área, combinando sustentabilidade fiscal e financiamento de despesas com elevados efeitos multiplicadores e redistributivos.
No caso brasileiro, a dívida é fundamentalmente denominada em moeda local, de forma que não há risco de default. Além disso, a combinação de juros baixos e valorização dos ativos do setor público (especialmente as reservas) suaviza a trajetória da dívida líquida. Em relação à alegação do mainstream da economia que a dívida bruta do governo geral pode alcançar 100% do PIB, vale lembrar que não há um limite a partir do qual a dívida se torna insustentável.
Além disso, mais de 20% da dívida bruta do governo geral se refere às operações compromissadas, títulos do Tesouro que a autoridade monetária utiliza para regular a liquidez da economia, adequando-a à taxa básica de juro. É fundamental aprovar o Projeto de Lei nº 3.877/2020, segundo o qual o Banco Central poderá acolher depósitos voluntários como alternativa às compromissadas.
O PL alinha o Brasil às práticas internacionais, além de corrigir grave distorção na contabilidade da dívida. Ainda que o passivo do setor público não se altere, a redução potencial da dívida bruta do governo geral, segregando política monetária e fiscal, enfraquece o argumento da austeridade, que defende a manutenção do teto de gasto em função do tamanho da dívida.
Além do equívoco do teto de gasto, o governo pretende votar o projeto de autonomia do Banco Central no Senado. É mais uma agenda que atentará contra a retomada da economia. Nos países desenvolvidos, após a crise de 2008, intensificou-se o papel da política monetária tanto por meio da redução das taxas de juros como por políticas não convencionais, como o quantitative easing – QE. Este consiste na criação de moeda por meio da mudança da composição e tamanho do balanço dos bancos centrais, com a compra de títulos públicos e privados de diversas maturidades. O resultado é a ampliação das condições de crédito e liquidez da economia.
Como diversos países em desenvolvimento já se encontram com taxas de juros muito baixas, as políticas de QE serão essenciais para a recuperação “pós-covid”. Neste cenário, a autonomia do Banco Central, perseguindo apenas uma meta de inflação e não a redução do desemprego, dificultará a coordenação entre estímulos fiscais e monetários para a retomada do crescimento.
Um banco central imune à soberania popular não é autônomo, pois corre forte risco de captura pelo mercado. No momento atual, mesmo em meio a pressões por aumento dos prêmios de risco nos títulos públicos, já se pode observar que o Banco Central não vem utilizando os instrumentos conferidos pela Emenda Constitucional nº 106/2020. Ela autoriza a autoridade monetária, durante o estado de calamidade, a adquirir títulos públicos no mercado secundário com vistas a achatar a curva de juros.
Isto é, o aumento das taxas nos títulos longos não resulta de uma relação entre déficit fiscal e juros, mas da inação da autoridade monetária. Com a autonomia, este quadro se agravará, reduzindo a possibilidade de combinação de políticas fiscais e monetárias que busquem o crescimento da economia.
A saída para a crise requer maior aderência das instituições públicas às necessidades da sociedade, e não o insulamento antidemocrático das políticas fiscal (teto) e monetária (autonomia), sujeitando-as às expectativas de mercado. Assim como fez durante a pandemia, é urgente que o Congresso Nacional assuma uma agenda que atenda às expectativas populares, criando as condições para a recuperação econômica, com geração de emprego e renda e financiamento a serviços públicos essenciais. Para tanto, não faltam condições financeiras. Basta vontade política.
*José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. **Rogério Carvalho é senador da República (PT-SE) e líder do partido no Senado.
Um dos aspectos do surrealismo fantástico da argumentação dos que defendem a volta a (sic) normalidade fiscal em 2021, com a manutenção do Teto de Gastos tal como definido na EC 95, é a hipótese implícita de que o Brasil voltará a normalidade na madrugada do dia 01 de janeiro de 2021. Dessa forma, a virada do ano fará com que os efeitos sanitários e econômicos da pandemia do novo coronavírus sejam automaticamente eliminados e assim poderemos voltar ao “business as usual”.
Como perguntar não ofende, então aqui vai a minha pergunta aos (sic) economistas ortodoxos: vocês já combinaram o jogo com o coronavírus ?
Em tempo: nos países desenvolvidos não só há o temor real de uma segunda onda da contágios, como o debate sobre política fiscal parte da premissa que serão necessários novos estímulos fiscais em 2021 para sustentar a recuperação do nível de atividade econômica após o tombo ocorrido em 2020.
Os economistas José Luis Oreiro e André Lara Resende. Foto: Live do Fórum Nacional e Direitos Já!
“A ideia de suprimir, de asfixiar a capacidade de investimento do Estado é o caminho mais curto para a paralisia completa da economia e é onde nós estamos, num completo atoleiro”, afirma o economista André Lara Resende
O “dogmatismo fiscalista” e a necessidade de promover investimentos públicos estiveram no centro do debate “Gestão Macro na Pandemia”, no sábado (15), promovido pelo Fórum Nacional INAE (Instituto Nacional de Altos Estudos) em parceria com o Direitos Já! Fórum pela Democracia.
O debate foi coordenado por Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e presidente do Fórum Nacional, com a participação dos economistas André Lara Resende, ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do BNDES, do economista José Luis Oreiro, professor da UnB e ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira, e do sociólogo Fernando Guimarães, coordenador do Fórum pela Democracia que reúne mais de 300 organizações da sociedade civil e lideranças de 16 partidos políticos.
Raul Velloso
“Nós queremos descobrir os caminhos para crescer mais. Esse é o nosso objetivo”, resumiu o economista Raul Velloso, durante sua apresentação. Citando o resultado do índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) do segundo trimestre em relação ao primeiro, divulgado na semana passada, que mostrou queda de 10,9%, Velloso lembrou que quando esse nível de queda apareceu nos Estados Unidos muita gente lhe dizia: “estamos com pena dos americanos”. “E eu dizia, calma, porque quando sair o nosso, nós temos é que ter pena é da gente”, contou.
Fernando Guimarães
“TETO DE GASTOS É INVIÁVEL”
Raul Velloso destacou as discussões que dominaram na mídia e em torno do governo sobre a “questão do cumprimento do teto dos gastos”.
Citando “uma declaração vigente nos mercados financeiros que coloca toda a ênfase no cumprimento desse teto como sendo algo que se não for cumprido vai ser o caos no país”, Velloso manifestou sua posição contrária à visão de que o não cumprimento do teto será o caos. “Não cumprir o teto, que é muito difícil de cumprir, vai significar que o país vai ser abalado por isso? Vai ter fuga de capitais? A inflação vai voltar? Não quero dizer que a gente não tenha de ter controle das contas, eu não sei é se faz sentido escandalizar do jeito que um grande grupo está fazendo no momento”.
Velloso lembrou que Paulo Guedes, ministro da Economia, no dia 13 de março, disse que “tinha R$ 5 bilhões para aniquilar a pandemia da Covid-19 e que eram suficientes”, e que no dia 13 de agosto já foram necessários mais de R$ 700 bilhões. “Por que não ‘furar o teto’ com mais R$ 20 bilhões para investimentos em infraestrutura?”, questiona Velloso. “É que Guedes fica sinalizando para o mercado – esse ente que muita gente não sabe direito o que é, mas que tem um peso muito importante no noticiário – que está ‘furando o teto’, ‘dando um jeitinho’. Guedes reclamou que o governo estava sinalizando negativamente com isso e que ele estava muito preocupado”, ironizou Velloso.
“Os investimentos estão tendendo a zero. É difícil entender essa briga pelo cumprimento do teto. Será que não precisa investir? Será que não tem um papel para o setor público desempenhar nessa área?”, questionou o economista. “Os investimentos estão desabando há muito tempo. Temos uma epidemia, a economia desabou, em seguida à sua eclosão. Em última instância, o que nós precisamos é crescer mais, empregar as pessoas, a discussão do teto reapareceu e é uma discussão que tem muito problema em si e não sei se é a coisa mais urgente neste momento, porque o investimento está pagando a conta quando ele poderia ser o motor principal da recuperação da economia nessa situação atípica, extraordinária, que nós estamos vivendo”, afirmou Raul Velloso.
LARA RESENDE: “EUROPA E EUA SEGUIRAM NOVO RECEITUÁRIO DE EXPANSÃO DA BASE MONETÁRIA APÓS A GRANDE CRISE DE 2008”
O economista André Lara Resende destacou que com a pandemia “nós temos uma crise inusitada, diferente das crises que são mais frequentes no capitalismo contemporâneo, que normalmente começam com uma crise financeira e que ameaçam a economia real. Essa crise, como ela teve origem como uma crise sanitária do coronavírus, ela paralisou a economia, o funcionamento da economia real, e com isso provocou uma grande queda do nível de atividade e recessão e ameaça se transformar numa crise financeira. A queda no nível de atividade da economia no segundo trimestre, como Raul mostrou, foi profunda, dramática, não apenas no Brasil, mas em todos os países afetados pelo vírus. É uma recessão, portanto, global e sincronizada. Permanece uma enorme incerteza sobre o desenvolvimento dessa crise, como é que vamos sair dela, especialmente, por causa das incertezas de questões médicas, sanitárias, sobre o vírus. Se haverá um tratamento, se haverá uma vacina, quando haverá, qual é a eficácia da vacina? Portanto, continuamos com um horizonte ainda mais incerto do que o normal em relação ao futuro”.
Segundo Lara Resende, “a reação de políticas públicas nas principais economias do mundo, na Europa, nos Estados Unidos e nas outras economias avançadas seguiu o novo receituário adotado após a grande crise financeira de 2008, a ideia de que é possível expandir a liquidez, basicamente através do que se chamou de afrouxamento monetário (Quantitative easing-QE), com expansão do passivo do Banco Central, que é simplesmente expansão monetária, aumento de liquidez, e redução da taxa básica de juros, que é controlada pelo Banco Central, que é o principal instrumento de política monetária dos bancos centrais hoje”.
“Essa visão de dogmatismo fiscalista, de que é preciso equilibrar as contas públicas sempre e em todas as condições, a curto prazo, para evitar que a relação dívida/PIB passe de um teto mágico, que inicialmente se imaginava perto de 70% do PIB foi colocado completamente de lado”
“O FED [Banco Central dos EUA] logo no primeiro mês da crise multiplicou por três o seu passivo monetário, ou seja, a base monetária, passou de perto de 10% do PIB para quase 30% do PIB americano, responsável, portanto, por 20% do PIB de expansão monetária”.
Segundo o economista, “essa visão de dogmatismo fiscalista, de que é preciso equilibrar as contas públicas sempre e em todas as condições, a curto prazo, para evitar que a relação dívida/PIB passe de um teto mágico, que inicialmente se imaginava perto de 70% do PIB”, foi “colocado completamente de lado”.
“O que impressiona nesse fiscalismo, nesse dogmatismo fiscal que foi dominante, foi hegemônico de certa forma no mundo todo, inclusive, nas instituições e no próprio Fundo Monetário Internacional, que passaram a defender essa visão, alguns dos macroeconomistas das instituições multilaterais e das principais universidades americanas”, foi a de que a “austeridade fiscal seria expansionista”. “Você contrai, você faz uma política fiscal contracionista, mas é compensado pela confiança do setor privado que então investe e você cresceria. Isso foi posto de lado nos últimos anos por alguns países desenvolvidos, como Estados Unidos, na Europa, na Inglaterra, e agora com a pandemia foi colocado completamente de lado”, afirma Lara Resende.
“Com o advento do coronavírus, todos os países do mundo expandiram dramaticamente, diante da recessão dramática, expandiram muito rapidamente suas políticas monetária e fiscal, ou seja, emitiram base, creditaram reservas bancárias”, ressaltou o economista. “Evidentemente incorreram em déficits fiscais extraordinários, porque houve uma queda brutal da arrecadação com a atividade econômica e foram obrigados a fazer gastos emergenciais, e não estamos nem falando ainda em gastos de recuperação da economia. São gastos emergenciais para reduzir de certa forma o grau de sofrimento, do desemprego e da questão da saúde pública”, ressaltou Lara Resende.
“No Brasil, ao contrário, como a política econômica estava baseada na ideia de que a pedra central era o dogma de reequilibrar as contas públicas, o Brasil se viu diante da dramática necessidade de gastos e queda da arrecadação do coronavírus, com uma contradição interna. A própria equipe econômica, o ministro Paulo Guedes, se viu, o que eu chamo claramaente um caso de dissonância cognitiva, porque, ‘olha, o objetivo é equilibrar as contas públicas, reconheço que isso é completamente impossível, não faz o menor sentido, então ele não sabe mais para onde ir, uma enorme contradição”.
“A ideia de que o governo está com dificuldade de financiar a dívida pública é parte do alarmismo promovido pelo sistema financeiro para impedir que o governo atue com a política monetária e fiscal, como deve atuar em um momento como esse”
“Essa discussão no Brasil, no mundo todo, portanto, o dogmatismo diante da crise, essa ortodoxia dogmática, cedeu a uma prática realista, da política. Curiosamente no Brasil, não! Há uma insistência, defendida – não apenas pelo governo, é curioso, mas pelas pessoas que teoricamente teriam posição fora do governo – mas que continua defendendo a ideia de que o governo não pode gastar, e o teto dos gastos é algo completamente inviável”.
“A ideia de que o governo está com dificuldade de financiar a dívida pública é parte do alarmismo promovido pelo sistema financeiro para impedir que o governo atue com a política monetária e fiscal, como deve atuar em um momento como esse”, afirmou o economista.
Segundo Resende, a relação dívida-PIB aparece como um indicador principal dos limites da atuação do Estado na economia.
“Essa nova restrição imposta, que eu chamo de dogmatismo fiscalista, substituiu o papel que a teoria quantitativa da moeda cumpriu durante todo o século 20”.
“Essa tese que não se sustenta, nem logicamente, e já foi desmoralizada empiricamente”, disse o economista, lembrando as reações das principais economias do mundo na Europa, Estados Unidos e outros países, após a crise de 2008 e agora durante a crise sanitária, foram a do chamado “afrouxamento monetário”, com expansão da liquidez, do passivo dos Bancos Centrais e redução da taxa básica de juros. “E, apesar disso, todos eles não tiveram inflação. Pelo contrário, continuaram perigosamente próximo da deflação”, completou.
“Ao contrário do que pretendem os economistas no seu afã de apresentar a economia como uma ciência exata, paralela à física. Essas regras, são regras políticas, são regras desenhadas para o melhor funcionamento da economia”, frisou Lara Resende sobre o teto dos gastos.
Segundo essas teorias, seguidas a ferro e fogo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, “a ação do estado deve ser sempre minimizada porque ela sempre provoca distorções. Esse liberalismo primário, que procura reduzir o estado ao mínimo, asfixiá-lo, de certa forma, idealmente, para que ele fosse eliminado”. “Uma perda total de realismo. Ela se tornou cada vez mais irrealista, mais inaplicável”, afirmou o economista.
“A única coisa que se discute é o equilíbrio fiscal”, afirma André Lara Resende. “A ideia de suprimir, de asfixiar a capacidade de investimento do Estado é o caminho mais curto para a paralisia completa da economia e é onde nós estamos, num completo atoleiro, onde estamos há várias décadas sem capacidade de sair, sobretudo na últimas década”.
“Essa visão de que o Estado só pode gastar mal, é uma visão suicida. Levarmos o investimento, em especial investimento público, a zero, sobretudo numa situação como essa, onde há recessão e desemprego, o resultado é um país que continua estagnado há quatro décadas”.
“Não é o sistema financeiro que deve definir política monetária e fiscal. Ele funciona sequestrando essas políticas com base em mitos aterrorizantes, apresentando fantasmas de que o mundo vai desabar se restrições criadas não forem respeitadas”, afirmou.
“Quem carrega a dívida brasileira são os próprios brasileiros. Você pode dizer que, ao aumentar a dívida pública, você cria, para o futuro, um problema de distribuição, porque onera os pagadores de impostos e beneficia quem carrega a dívida. Agora, desde que a dívida pública não seja explosiva, isso é perfeitamente equacionável e gerível, principalmente se for um período transitório. Desde que a economia volte a crescer, essa relação [dívida/PIB] se estabiliza”, afirma Lara Resende.
De acordo com o economista, o Banco Central poderia até mesmo financiar integralmente a dívida pública brasileira. “Que efeito tem isso? Nenhum, porque a dívida interna brasileira é carregada essencialmente pelo sistema financeiro, que se refinancia com o Banco Central. Então, o BC poderia dispensar essa intermediação e carregar ele a dívida pública inteira”, afirma.
Segundo Lara Resende, o BC carrega 20% a 25% do PIB em operações compromissadas que poderiam ser substituídas por depósitos remunerados a taxa básica na autoridade monetária. “A dívida pública cairia em 25% do PIB. Não mudou nada, a dívida do setor público consolidado, Tesouro mais Banco Central, continuaria a mesma, mas a dívida do Tesouro cairia, porque depósito remunerado do BC é passivo do BC, não do Tesouro”.
“O Brasil está paralisado nessa armadilha da renda média, ou como se queira chamar um país que há 40 anos praticamente não cresce. Enquanto a renda per capita brasileira é um pouco mais do que o dobro nos últimos 40 anos, a da China multiplicou por 20 vezes. Então, nós temos claramente alguma coisa que está errada na condução da nossa economia, da nossa política econômica”, alertou Lara Resende.
JOSÉ LUIS OREIRO: CORTE NO INVESTIMENTO PÚBLICO LEVOU À DEPRESSÃO ECONÔMICA
O economista e professor da Universidade de Brasília (UNB) José Luis Oreiro apontou que a irracionalidade na discussão fiscal começou em 2014, com a narrativa falsa de que o Brasil tinha uma trajetória insustentável nas contas públicas.
“Essa narrativa [do desequilíbrio fiscal estrutural] venceu como interpretação da causa das crises de 2014 a 2016”, que foi até o presente momento, até o ano de 2020, a maior recessão da economia brasileira desde o início da década de 80. Nós tivemos a mais lenta recuperação cíclica da história brasileira desde 1980”, disse.
“O que explica isto? Basicamente o que explica é o esmagamento do investimento. O investimento público tem um papel muito importante no crescimento de longo prazo”, destacou José Oreiro, acrescentando que o investimento público, “que teve uma redução em 2015, continuou caindo ao longo de 2016, 2017, 2018 e 2019 e, com uma consequência absolutamente previsível, culminou nessa estagnação econômica”.
“O Brasil sai da crise de 2014 a 2016, em que ele tem uma queda acumulada do PIB próximo de 7%, com um crescimento médio no período de 2017 a 2019 de 1% ao ano”.
Oreiro afirma que essa soma de fatores associada à pandemia levará o país a encerrar 2020 com o PIB de 12% a 14% abaixo do que o de 2013. “Ou seja, o Brasil está numa depressão. A gente tem que dizer o nome correto da situação brasileira, não é recessão, nós estamos numa depressão, porque são duas crises muito próximas temporalmente, a de 2014/2016 e a de 2020”.
“Nós temos que nos assegurar que o investimento público seja de qualidade, mas que é absolutamente necessário fazer investimento público, é. Não só como instrumento de política anticíclica, mas também como política de desenvolvimento econômico e de recuperação da infraestrutura brasileira, que se deteriorou muito nos últimos anos”, ressaltou o professor da UnB.
FERNANDO GUIMARÃES COORDENOU PROGRAMA ECONÔMICO LANÇADO PELO MOVIMENTO DIREITOS JÁ!
O coordenador do Direitos Já!, Fernando Guimarães, destacou, em sua apresentação, alguns pontos do documento divulgado pelo movimento que foi elaborado por uma ampla frente de economistas, indicados por vários partidos políticos, com propostas para saídas da crise.
“Surge uma pandemia no momento em que a economia já estava em colapso. nós apontamos que não tem essa dicotomia entre medidas para salvar vidas e salvar a economia”, frisou Fernando. “Buscamos a retomada do crescimento, apontamos para a importância de se conjugar o mercado interno com o crescimento na participação nossa global”. Entre as medidas, ele apontou a recuperação do emprego, a proteção do trabalho, o processo de reindutrialização e investimentos em ciência e tecnologia, entre outras propostas que constam do documento.
Fernando defendeu a prorrogação do programa de renda emergencial de R$ 600 até dezembro de 2020 e o papel do Estado na retomada do crescimento, fortalecendo os serviços públicos e o investimento público na saúde, saneamento, educação, “todos esses setores muito afetados pela própria pandemia”.
Defendeu também “a alteração permanente das regras fiscais, não apenas garantindo mais flexibilidade, mas tornando essas regras anticíclicas, para poder dar um tratamento privilegiado ao investimento público”.
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)