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Novo arcabouço fiscal tem a capacidade de reduzir até 3 pontos percentuais a Selic, jogando a batata quente da redução no colo de Roberto Campos Neto.

Fagundes Schandert e Paula Cristina10/03/23 – 05h20 – Atualizado em 10/03/23 – 09h29
A terceira lei de Newton, conhecida como lei da ação e reação, determina que, para toda força de ação que é aplicada a um corpo, surge uma força de reação em um corpo diferente. Isso funciona na física, mas também nas relações humanas. A manutenção da Selic no patamar dos 13,75% tem sido a pedra no sapato do governo Lula. Mas para que ela mude é preciso que o governo também empregue alguma ação para instar o Banco Central a reagir. O argumento de Roberto Campos Neto, presidente do BC, é que faltam sustentação sólida de comprometimento fiscal. O mercado, por sua vez, fala em uma queda de 3 pontos percentuais ainda este ano caso seja posta em vigor a nova âncora.
Mas como a paciência é uma das virtudes humanas mais valorizadas, Campos Neto precisará provar a sua nos próximos dias e, do alto da autoridade monetária que representa, deverá buscar o equilíbrio necessário para manter a calma e suportar a pressão que virá para baixar os juros. Na outra ponta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o agora apoio da ministra do Planejamento, Simone Tebet, vai tentar convencer o mercado de que o novo arcabouço fiscal será suficiente para garantir a estabilidade da dívida pública no futuro, sem provocar inflação.
Haddad já fez suas apostas e disse ter desenhado a âncora fiscal ideal para atender as demandas de investimento do presidente Lula e ainda assim perseguir de modo permanente o superávit fiscal. Com a dívida atual (R$ 5,7 trilhões) 3 pontos representam uma redução de R$ 173 bilhões ao ano em juros da dívida.

A alternativa ao teto de gastos foi uma das primeiras demandas de Lula para a equipe econômica e, segundo o próprio Haddad, os esforços começaram no governo de transição. Agora, com o projeto desenhado, o ministro afirma que ainda falta bater alguns números com outros integrantes da equipe econômica. A expectativa de assessores próximos ao ministro é que o texto final seja apresentado antes da próxima reunião do Copom, dias 21 e 22 deste mês.
E com este prazo, Haddad precisa preparar terreno porque sabe que precisará do apoio do Congresso Nacional na jornada. “Vai envolver uma Lei complementar a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Neste momento estamos com o desenho fechado, vamos apresentar para a área econômica, levar ao presidente Lula e encaminhar ao Congresso”, afirmou o ministro. A lei complementar regulamenta assuntos específicos quando expressamente determinado na Constituição. Diferentemente das leis ordinárias, que exigem maioria simples para sua aprovação, as leis complementares exigem aprovação de dois terços dos deputados e senadores — a única diferença em relação a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é que a votaçnao acontece em um turno nas duas Casas em vez de dois turnos. Dentro da Câmara, o presidente Arthur Lira tem mandado sinais para o Palácio do Planalto. Na quarta-feira (8) garantiu que Lula ainda não possui a base que pensa ter no Legislativo. E sobre o arcabouço, disse que o tema só avançará se for, nas palavras dele, “prudente e responsável”. Esse recado vem depois de Lula ter dito que a nova âncora fiscal seria desenhada no Executivo, contrariando o interesse da Câmara e do Senado de dividirem sua paternidade.

VISÃO DO MERCADO A expectativa dos agentes econômicos é de que uma âncora ideal seria capaz de reduzir a Selic nos tais 3 pontos. Os especialistas em contas públicas costumam lembrar que antes da aprovação da PEC da Transição, no final de 2022, que acabou com o teto de gastos, as projeções mostravam a Selic em torno de 10% no final de 2023. “Essa diferença de cerca de 3 pontos percentuais é o prêmio pelo risco fiscal”, afirmou o economista da XP Tiago Sbardelotto, que também foi analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional entre 2014 e 2021. Sbardelotto avalia que a proposta de arcabouço que está discutida, de uma correção da despesa com base no PIB per capita, produz um ajuste fiscal de médio prazo. “Não vemos a dívida se estabilizando nos próximos dez anos. Ela só deve se estabilizar na metade da próxima década”, disse. O economista argumenta que a ideia parte de um princípio de crescimento anual de 1% a 1,5% do PIB. “Só uma boa reforma tributária garantiria esse PIB potencial. Mas aumento do salário mínimo acima da inflação e o reajuste do funcionalismo como já foi sinalizado, não cabem nessa regra.”
Das experiências internacionais, Sbardelotto considera que as regras fiscais estão ficando mais flexíveis, mas consideram o controle de despesas, como na Suécia. “No passado, eram regras mais simples: superávit primário, superávit nominal, regra de ouro, mas levaram para um aumento da carga tributária”, disse. O economista cita que as regras que permitem flexibilidade também estabelecem limites. “Há gatilhos automáticos para cortes de despesas e, em momentos de recessão, permitem aumentar temporariamente os investimentos de curto prazo”, afirmou.
DEVER DE CASA Na avaliação do CEO da Azimut Brasil Wealth Management, Wilson Barcellos, uma regra fiscal que considere o controle das despesas irá trazer mais tranqüilidade para o mercado voltar a investir no crescimento do País. “É só fazer o dever de casa e trazer tranqüilidade para os juros recuarem”, disse. Segundo Barcelllos, essa briga do governo com o Banco Central não serve para nada. “Na próxima reunião do Copom, o mercado pode ficar em dúvida, se os juros vão mudar por causa da inflação ou por pressão do governo. Isso gera incertezas para os agentes de investimentos”, disse.
Para o economista José Luis da Costa Oreiro, que atuou na equipe de transição do atual governo, o teto de gastos foi um erro da gestão Michel Temer (2016-2018) e engessou o Orçamento. “O governo não precisa reinventar a roda. É só pegar a regra da União Europeia e trazer, o mundo todo vai aceitar”, disse. Para ele, a melhor solução é uma regra que torne o Orçamento mais flexível. “Um resultado primário mais estruturado, que permita flexibilidade por razões cíclicas”, afirmou

Foto: José Luis Oreiro
Já na visão do economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, a regra com base no crescimento do PIB per capita é interessante. “O teto sufocava o gasto público. Não era razoável. Temos de encontrar o meio do caminho, com prioridade para saúde, educação e previdência”, afirmou. “O grande abacaxi é a meta da inflação do BC. Com a atual será difícil cortar a Selic. Depois da regra fiscal, haverá mais espaço para esse corte”, afirmou.
REFORMA TRIBUTÁRIA Como sinalizado pelos analistas, a âncora precisa ser acompanhada de outras medidas, e aqui entramos em outro ruído de comunicação entre Executivo e Legislativo: a Reforma Tributária. O projeto tem andado a passos de tartaruga na Câmara e já incomoda o governo — que, na verdade, ainda não tem base para aprovar nada. Na quarta-feira (8) o primeiro encontro do Grupo de Trabalho que discute o tema na Câmara teve a presença do secretário especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Ele reforçou que a posição do governo é manter o mínimo de desonerações e exceções possível, com uma alíquota do IVA girando em torno de 25%. “Quanto mais exceção tiver, maior tem que ser a alíquota para outros setores, e aí é uma decisão política.” Ele cobrou celeridade do grupo condicionando a aprovação ao melhor desempenho da economia e redução da Selic.
À DINHEIRO, o coordenador do Grupo de Trabalho, Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmou que essas questões serão tratadas no tempo necessários e servem para mitigar os medos que envolvem uma alteração tão grande nas regras. “Todos estão com receio que a mudança seja brusca. Mas não será, e mesmo depois de aprovada haverá ao menos seis anos de transição”, disse. Talvez ele precise ler sobre outra lei de Newton, a primeira, àquela que trata sobre a inércia.