SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O regime de metas de inflação chegará em 2023 ao seu 25ª ano de vigência no Brasil, com uma “taxa de sucesso” de 70% e em meio ao debate sobre uma possível revisão de seus parâmetros.
O próprio Banco Central possui estudos para aprimoramento desse sistema, conforme afirmou o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, em entrevista recente, na qual não detalhou quais as possíveis mudanças.
O Brasil está entre os dez primeiros países que adotaram o sistema que prevê o uso de uma taxa básica de juros, por um banco central, como principal ferramenta para tentar garantir a estabilidade de preços e colocar a inflação em um determinado valor.
Praticamente todas as economias relevantes do planeta possuem uma meta para a inflação, que pode ser formal ou não, definida pelo governo ou por um órgão autônomo, a ser alcançada no ano calendário ou em prazos mais longos. A forma de medir a alta dos preços e a tolerância com alguns desvios também muda de acordo com o país.
O tema também ganhou destaque com as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à condução da política monetária pelo BC autônomo e com as preocupações do ministro Fernando Haddad (Fazenda) com o patamar elevado da taxa básica (Selic) no Brasil, o que deu início a uma discussão sobre os benefícios de se elevar ou não a meta atual.
Um dos responsáveis pela implantação do sistema de metas no Brasil em 1999, o presidente do conselho da Jive Investments, Luiz Fernando Figueiredo, afirma que esse regime era o que havia de mais moderno na época para substituir a política de câmbio fixo e se tornou uma tendência nos anos seguintes.
Ele também avalia que a regra se mostrou flexível para lidar com choques de inflação ao longo desses anos. Segundo Figueiredo, nenhum banco central está tentando neste momento, por exemplo, derrubar a inflação sem avaliar os custos em termos de crescimento econômico.
“Os bancos centrais, que cada vez mais usam o sistema de metas, fazem uma suavização [da redução da inflação] por conta da atividade econômica. Se você levar a ferro e fogo, pode gerar uma recessão com pouco benefício em termos de inflação”, afirma Figueiredo.
“Os outros países estão, na prática, subindo a meta de inflação, mas sem dizer isso. O Banco Central está mirando 3,25% para este ano e 3% para o ano que vem? Ele tem de dizer que sim, mas está com uma flexibilidade, olhando o que está acontecendo no mundo. O que o mundo está fazendo é suavizando, achando que isso é mais produtivo do que mudar a meta.”
José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília, avalia que o regime de metas no Brasil ainda segue parâmetros muito rígidos. Para ele, não há possibilidade, por exemplo, de adiar o cumprimento do objetivo em casos de choques que não são de demanda.
Oreiro considera necessário rever a meta atual e diz que a literatura econômica aponta uma taxa ótima de inflação entre 5% a 8% ao ano para países em desenvolvimento. Também avalia que ter um objetivo que não será alcançado pelo terceiro ano seguido não parece ser a melhor forma de o Banco Central ganhar credibilidade.
“Uma meta de 3,25% para o Brasil é irrealista. Vai exigir um sacrifício muito grande em termos de juros elevados e o prejuízo para a atividade econômica. Estamos vendo várias empresas com problemas de liquidez. O país está à beira de uma crise financeira de grandes proporções”, afirma.
Esse debate não é uma exclusividade brasileira. No artigo “É hora de revisitar a meta de inflação de 2%”, publicado em novembro do ano passado, o economista Olivier Blanchard (ex-FMI) afirma que a inflação nos EUA deve ceder dos atuais 6,4% para algo próximo de 3% neste ou no próximo ano.
A partir daí, haverá um debate sobre os custos de trazê-la para 2%, meta estabelecida pelo próprio Federal Reserve (banco central americano) para ser alcançada no “médio prazo”. Blanchard argumenta que o benefício de trazer a inflação de 4% para 2% é pequeno, diante dos custos em termos de redução da atividade e do emprego.
Atualmente, economias avançadas e alguns emergentes possuem metas de 2%. Na América Latina, o objetivo em geral é de 3%. No Brasil, a meta ficou em 4,5% de 2005 a 2018. Foi reduzida gradativamente nos anos seguintes. Atualmente está em 3,25%. Será de 3% a partir de 2024.
Os economistas Bráulio Borges e Ricardo Barboza, da FGV (Fundação Getulio Vargas), publicaram artigo no qual afirmam que não está claro que o alvo de 3% seja o mais adequado para a realidade atual da economia brasileira.
Eles defendem a elevação da meta para 4% a partir de 2024, destacando que o valor ainda seria inferior ao na maior parte do tempo desde 1999. Argumentam que a inflação média no Brasil de 1999 a 2022 foi de 6,4% ao ano e que a média das metas de 59 países em desenvolvimento foi de 4,5% no ano passado.
About the Author: José Luis Oreiro has a B.A degree in economics from the Federal University of Rio de Janeiro (1992), a master degree in Economics from the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (1996) and a PhD in the economics of industry and technology from Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). He is currently Associate Professor of the Department of Economics of the University of Brasilia, Level IB Researcher at National Council for Scientific and Technological Development (CPQq) and Associate Researcher at the Center for Studies of the New Developmentalism of Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. He was president of the Brazilian Keynesian Association (2013-2015). He was professor at Institute of Economics of the Federal University of Rio de Janeiro (2013-2017), the Department of Economics of the University of Brasilia (2008-2013) and the Federal University of Paraná (2003-2008), where he served as director of the Center for Economic Research (CEPEC), vice coordinator of the graduate program in economic development (2004-2008) and coordinator of the Economics & Technology Bulletin (2005-2007), of which he was the founder. He has experience in economics, with emphasis on macroeconomic dynamics, working mainly on the following topics: Capital accumulation, economic growth, monetary policy autonomy, interest rate and non-linear dynamics. He has published more than 100 articles in scientific journals in Brazil and abroad, for example, the Journal of Post Keynesian Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista Brasileira de Economia, Brazilian Review of Political Economy, Economia & Sociedade and Estudos Econômicos. According to the REPEC criteria he is among the 10% most productive researchers in economics in Brazil. It is organiser of the books “Agenda Brazil: Economic policies for growth with price stability” published by Monole in 2003, “financial system: An analysis of the Brazilian banking sector” published by Campus in 2007, “Monetary Policy, Central banks and inflation targeting: theory and Brazilian Experience “, published by FGV Editora in 2009 and” An Assessment of the Global Impact of Financial Crisis “published by Palgrave Macmillan in 2010. He is co-author of the book “Developmental Macroeconomics: New developmentalism as a growth strategy” published by Routledge in 2015 and author of the book “Macroeconomics of Development: A Keynesian Perspective” published by LTC in 2016. Won the Brazil Award in Economics (2017) in the book category
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Source: World Development Indicators. World Bank. Author´s own elaboration.
The figure above shows data about the share of high and medium technological intensity on total manufacturing for Brazil, China, Germany, Japan, South Korea and Spain in the period between 1996 and 2019.
The data clearly shows that share of high and medium tech manufacturing in China for 2019 (41%) is much lower than the levels observed in South Korea (64%), Germany (61%), Japan (57%) and also United States (47%). Moreover, the share of high and medium tech manufacturing sector in China, after reaching a peak of 44% in 2022, started a process of smooth decline, reaching a level of 41% in 2019, which is almost the same of Spain (40%) and just a little higher than the one observed in Brazil (34%).
When we add this information to the declining share of manufacturing industryin GDP of China (https://jlcoreiro.wordpress.com/2023/02/24/the-surprizing-deindustrialization-of-chinese-economy/), then we are compelled to conclude that China is losing its low tech industries to other East Asian countries that had lower unit labor costs, but it is not been able to substitute these industries for medium and high technological intensity industries, which would be expected if China was, so to speak, condemmened to catch-up with high income industrialized countries as South Korea, Germany and Japan.
These are further empirical evidences that China may be going into a process of premature deindustrialization that can result in a middle-income trap.
About the Author: José Luis Oreiro has a B.A degree in economics from the Federal University of Rio de Janeiro (1992), a master degree in Economics from the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (1996) and a PhD in the economics of industry and technology from Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000). He is currently Associate Professor of the Department of Economics of the University of Brasilia, Level IB Researcher at National Council for Scientific and Technological Development (CPQq) and Associate Researcher at the Center for Studies of the New Developmentalism of Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. He was president of the Brazilian Keynesian Association (2013-2015). He was professor at Institute of Economics of the Federal University of Rio de Janeiro (2013-2017), the Department of Economics of the University of Brasilia (2008-2013) and the Federal University of Paraná (2003-2008), where he served as director of the Center for Economic Research (CEPEC), vice coordinator of the graduate program in economic development (2004-2008) and coordinator of the Economics & Technology Bulletin (2005-2007), of which he was the founder. He has experience in economics, with emphasis on macroeconomic dynamics, working mainly on the following topics: Capital accumulation, economic growth, monetary policy autonomy, interest rate and non-linear dynamics. He has published more than 100 articles in scientific journals in Brazil and abroad, for example, the Journal of Post Keynesian Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista Brasileira de Economia, Brazilian Review of Political Economy, Economia & Sociedade and Estudos Econômicos. According to the REPEC criteria he is among the 10% most productive researchers in economics in Brazil. It is organiser of the books “Agenda Brazil: Economic policies for growth with price stability” published by Monole in 2003, “financial system: An analysis of the Brazilian banking sector” published by Campus in 2007, “Monetary Policy, Central banks and inflation targeting: theory and Brazilian Experience “, published by FGV Editora in 2009 and” An Assessment of the Global Impact of Financial Crisis “published by Palgrave Macmillan in 2010. He is co-author of the book “Developmental Macroeconomics: New developmentalism as a growth strategy” published by Routledge in 2015 and author of the book “Macroeconomics of Development: A Keynesian Perspective” published by LTC in 2016. Won the Brazil Award in Economics (2017) in the book category
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It is a basic proposition of both classical development theory and new-developmentalism that industrialization is the engine of economic growth at least the economy reaches the phase of a mature oeconomy when alll labor force is transferred from the subsistence sector to the modern sector (Lewis, 1954; Kaldor, 1967). Deindustrialization is a feature of mature economies when the continued rise in the level of per-capita income induced a change in the composition of consumption demand of households from manufacturing goods to sophisticated services, which are in general associated with the production of manufacturing goods. This, so to speak, “natural deindustrialization” (Rowthorn and Ramaswany, 1999) affected almost all high income economies since in the last 40 years witth different levels of maginude. High income economies of East Asia as Japan and South Korea managed to make the manufacturing share in GDP more or less constant from 1991 to 2019. In Europe Switzerland is almost one of the few cases that manufacturing share had have only a slighty reduction between 1991 and 2019. Spain, on the other hand, had a pronunced deindustrialization in this period: its manufacturing share in GDP falls from 16,26% in 1994 to 10,91% in 2014. Even Germany, usually considered to be the most powerful industrial economy of Europe, had experienced a medium size deindustrialization process. Indeed, its manufacturing share falled from 24,84% in 1991 to 19,55% in 2019.
Another type of deindustrialization is what is Rodrik (2016) defined as premature deindustrialization. This ocurrus when the manufacturing share in GDP starts to fall before the economy reached the Lewis point and still remains a dual or immature economy. Several factores can account for premature deindustrialization. New-developmentalism (Bresser-Pereira, Oreiro and Marconi, 2015) stressed the role of real exchange rate overvaluation due to Dutch-disease and short-term capital inflows induced by financial liberalization and high short-term interest rates required by the low liquidity premium of domestic currencies developing countries compared to US dollar or Euro. This factors seems to be very important to explain the premature deindustrialization of Latin-American Economies, mainly Argentina, Brazil and Colombia in the last 25 years.
China is today a mediun-income economy that experienced the longer and stronger phenomenon of growth acceleration in the last 40 years. According to both classical development economics and new-developmentalism its manufacturing share should be increasing or at least stable for a long period of time in order to allow China to reach the level of a mature economy. However, a brief look in Chinese data shows clearly that China started a process of premature deindustrialization since 2006 which was followed by a sharp decrease in the growth rate of per-capita GDP (See figure 1 below).
Source: World Development Indicators (World Bank). Author´s own elaboration. The left axis measures the manufacturing share and the right axis measures the GDP per-capita growth rate.
This is puzzle for development theory. Not only China did not reach the status of a high income economy, but also China did not had any of the causes of real exchange rate overvaluation stressed by new-developmentalist literature. China is a country that is poor in natural resources and had a lot of capital controls that allowed policy-makers to manage the real exchange rate.
This premature deindustrialization can be a first syntom that China can fall in a middle-income trap as many other countries before it. The Brazilian experience should be a clear warning for China. At the end of 1970´s Brazil had the most advanced manufacturing sector of the entire developing country and its manufacturing output was bigger than the combined manufacturing output of China, India and South Korea. Since then, Brazilian economy stagnated with a huge process of premature deindustrialization. The manufacturing share in Brazil in 2019 was lower than the level observed in 1947!
I have no explanation for what is going on in China. It is possible that, in the near future, the manufacturing share stabilizes in a lower although high level for high income countries. The other possibility is that this process of premature deindustrialization continues until GDP per-capita growth decline to a level that makes impossible for China to catch-up with high income countries. Future is not yet written.
References
Bresser-Pereira L.C., Oreiro J.L. and Marconi N. (2015), Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a Growth Strategy, London: Routledge.
Lewis W.A. (1954), “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”, The Manchester School, 22 (2), pp. 139-191.
Kaldor N. (1967), Strategic factors in economic development, Ithaca (NY): New York State School of Industrial and Labor Relations, Cornell University.
Rodrik D. (2016), “Premature Deindustrialization”, Journal of Economic Growth, 21 (1), pp. 1-33.
Rowthorn, Robert & Ramaswamy, Ramana. (1999), “Growth, Trade, and Deindustrialization”, IMF Staff Papers, n. 46 (2), DOI: 10.5089/9781451848021.001
Eu não assisti a entrevista de ontem com o Campos Neto no Roda Viva, mas alguns economistas com quem conversei hoje tiveram as seguintes impressões:
Economista 1 : Com respeito à entrevista do presidente do BCB, ontem, no Roda Viva. Começou nervoso, mas conseguiu defender relativamente a tese de autonomia da instituição, sempre usando o argumento teórico da credibilidade. Mas, não conseguiu em nenhum momento (tergiversou, deu voltas, mas não respondeu) por que o Brasil tem a mais alta taxa real de juros do mundo. Esse é o ponto central.
Economista 2: Na minha opinião ele não usou argumentos teóricos de credibilidade para defender somente a autonomia do Bacen. Ele se colocou por trás desses argumentos para encobrir sua insegurança. Trata-se de um mero tecnocrata, sem jogo de cintura político. Caberia como uma luva em uma assessoria técnica, não como presidente do BC.
Economista 3: Nervoso e inseguro (o papel na mão condena). Cresceu como vítima e defensor do tal SOCIAL do BC ao longo da entrevista!
Nas últimas semanas o debate sobre conjuntura econômica no Brasil finalmente saiu da mesmice sobre o sacrossanto “Teto de Gastos” (cuja missa de réquiem está marcada para o dia 31/08/2023) e passou para a autonomia do Banco Central do Brasil. A questão de fundo é o patamar elevado da taxa Selic, tanto em termos nominais como em termos reais, o que parece ser inconsistente com o cenário macroeconômico internacional caracterizado por inflação elevada nos países desenvolvidos, devido ao choque de oferta decorrente da política de covid zero na China e da guerra da Ucrânia, e taxas de juros reais ainda em campo negativo. O presidente Lula tem reiteradas vezes mostrado seu descontentamento com esse situação a qual, no seu julgamento, poderia comprometer a performance macroeconômica do seu governo. Caso a autonomia do Banco Central não tivesse sido aprovada em lei durante o governo Bolsonaro, o Presidente Lula teria a liberdade para nomear o presidente e a diretoria do Banco Central como ocorreu com todos os presidentes eleitos no Brasil desde a nova república desde Fernando Henrique Cardoso em 1995, passando por Lula em 2003, Dilma em 2011, Temer em 2016 e Bolsonaro em 2019. A aprovação da lei de autonomia do Banco Central se deu apenas após a elegibilidade do Presidente Lula em 25 de fevereiro de 2021. As circunstâncias apontam para uma lei feita sob medida para tirar poder do Presidente Lula se eleito fosse em 2022, fato que acabou ocorrendo.
Acontece que 11 em cada 10 economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro dirão que “a mulher de César é honesta mesmo que não pareça ser”, ou seja, que não existe nenhuma relação entre o ciclo político e as decisões sobre a taxa de juros, as quais são um problema eminentemente técnico.
Os economistas liberais gostam de propagar a ideia de que a economia é uma ciência dura (hard science) como a física. Dessa forma, pode-se dissimular as paixões e os interesses dos economistas, principalmente quando eles estão em posições nas quais a sua remuneração presente ou futura depende de serem capazes de não enxergar certos problemas. Aqui quero fazer uma ressalva. Eu não estou afirmando que eu como economista não tenha paixões ou interesses, mas apenas o fato inegável que minha situação financeira presente ou futura não é impactada pelas análises que faço como economista. Posso errar como qualquer mortal, mas meus erros, se e quando ocorrem, não são devidos a ignorância premeditada ou miopia consentida.
Mas vamos aos argumentos. Quais as razões que fundamentam a tese da “autonomia” do Banco Central, ou seja, a ideia de que a autoridade monetária tem que estar protegida contra a ameaça de demissão arbitrária na forma de mandatos fixos e não coincidentes (com o mandato do Presidente da República) para a diretoria dessa instituição?
A tese da autonomia ou independência do Banco Central tem sua origem nas décadas de 1980 e 1990 no bojo do debate entre regras versus comportamento discricionário da política monetária. A tese apresentada então era que se a autoridade monetária atuasse de forma discricionária, ou seja, escolhendo a melhor resposta em termos de juros e oferta de moeda ao estado da economia (inflação e desemprego) a cada momento, o resultado seria a criação de um “viés inflacionário”, ou seja, de uma inflação mais alta do que a inflação ótima do ponto de vista social (por simplicidade suposta ser igual a zero). No modelo utilizado para fundamentar esse resultado se supõe que (i) a existência de rigidez nominal e real faz com que a autoridade monetária tenha incentivo para criar surpresa inflacionária e (ii) o setor privado, no entanto, está ciente desses incentivos e incorporam as suas consequências inflacionárias no processo de fixação de preços e salários. Daqui se segue que no equilíbrio com expectativas racionais, as autoridades monetárias são incapazes de surpreender os agentes do setor privado, de forma que a inflação inesperada é igual a zero, e os salários reais e a taxa de desemprego são iguais aos seus níveis naturais de mercado. O único resultado é uma taxa de inflação mais alta do que a socialmente ótima (Franceze, 2004, p.106).
Para resolver esse problema a solução proposta foi a institucionalização de um Banco Central conservador, ou seja, com um grau de aversão a inflação maior do que o da sociedade como um todo, com relativa autonomia com relação aos políticos para conquistar credibilidade, entendida como o compromisso com uma taxa de inflação baixa e estável, de preferência próxima de zero.
Uma hipótese explicita desses modelos é que a autoridade monetária tem controle completo sobre a taxa de inflação, a qual é uma variável que está sob sua discrição. Nesse contexto, a inflação discricionária, ou seja, a taxa de inflação que maximiza a função objetivo do Banco Central é dada por:
Onde: A é o coeficiente de aversão a inflação na função objetivo do Banco Central (o qual mede o seu grau de conservadorismo), alpha mede a sensibilidade do emprego à surpresa inflacionária, N* é o emprego socialmente ótimo e Nn é o emprego natural, ou seja, aquele nível de emprego para o qual a surpresa inflacionária é igual a zero.
O argumento pró autonomia do Banco Central é que quanto menor for o coeficiente A menor será a taxa de inflação discricionária e, portanto, maior o bem-estar social. A política monetária é tida como neutra sobre o nível de emprego pois não é capaz de afetar nem a taxa de emprego socialmente ótima ou a taxa de emprego natural. A única função da política monetária é entregar uma taxa de inflação o mais baixo quanto possível e para tanto maior deve ser o seu conservadorismo, o qual só será crível por intermédio da autonomia do Banco Central.
O modelo apresentado tem, no entanto, uma série de limitações. A que mais salta aos olhos é hipótese de que o Banco Central tem controle absoluto sobre a taxa de inflação. Tal hipótese assume implicitamente que os preços e os salários nominais de toda a economia são fixados de maneira absolutamente coordenada pelo setor privado, o qual toma suas decisões de formação de preços e salários levando em conta apenas o comportamento do Banco Central. No mundo real os salários são fixados com graus variados de coordenação a depender das instituições que regulam as negociações salariais entre firmas e sindicatos. As firmas também fixam preços em intervalos distintos de tempo de maneira que podem surgir situações mais ou menos persistentes de desequilíbrio de preços relativos entre as empresas, as quais darão ensejo a aumentos de preço de maneira descoordenada.
Devemos ressaltar que no modelo que fundamenta a tese de autonomia do Banco Central não existe espaço para inflação causada por choques de oferta: a inflação é sempre e em todo lugar um problema monetário. Embora a teoria econômica tradicional tenha a muito tempo abandonado o monetarismo e a teoria quantitativa da moeda, o status teórico do problema inflacionário continua o mesmo. A inflação é o resultado de uma política monetária permissiva, voltada para a obtenção de uma taxa de emprego maior do que a que é compatível com o equilíbrio entre oferta e demanda em todos os mercados. Não há espaço para inflação de custos pois o equilíbrio de mercado garante que os agentes econômicos, sejam firmas ou sindicatos, estarão sempre satisfeitos com os preços que recebem de seus produtos ou serviços. A inflação só pode ter sua origem “fora” do setor privado, ou seja, no Banco Central e no governo.
Mas a crítica mais geral a tese de autonomia do Banco Central é que ela não é a única solução para o problema da inflação discricionária. Conforme podemos visualizar na equação acima qualquer política que reduza o valor de A, ou a sensibilidade da taxa de emprego a surpresa inflacionária ou diminua a diferença entre a taxa de emprego socialmente ótima e a taxa natural de emprego irão produzir o mesmo resultado (Franzese, 2004, p. 107).
Quando saímos do mundo fantástico da concorrência perfeita, a taxa de emprego de equilíbrio é aquela que equaliza o salário real que as firmas estão dispostas a pagar com o salário real que os sindicatos desejam obter nas negociações salariais com as firmas, dado o estado da economia e um conjunto de outras variáveis institucionais que afetam o poder de barganha relativo dos sindicatos na negociação coletiva como, por exemplo, o grau de sindicalização da força de trabalho, o percentual dos salários que é negociado coletivamente, o grau de centralização e coordenação das barganhas salariais (Carlin e Soskice, 2010, 2015). O desemprego atua como um mecanismo disciplinador dos sindicatos e das firmas, forçando esses agentes a entrarem num acordo a respeito do salário real prevalecente na economia.
Nesse contexto, um choque de oferta decorrente, por exemplo, do aumento do preço relativo da energia irá reduzir o salário real que as firmas estão dispostas a pagar, fazendo com que a taxa de emprego que compatibiliza as demandas salariais dos sindicatos com o que as firmas estão dispostas a pagar se reduza, aumentando assim a inflação discricionária, dado o grau de “autonomia do Banco Central”. O aumento da taxa de inflação não será um fenômeno temporário, mas irá durar enquanto persistir o preço relativo mais alto da energia.
O Banco Central poderá reduzir a inflação neste caso apenas se aumentar o seu grau de conservadorismo, ou seja, se reduzir o valor do coeficiente A na equação acima. Os defensores da tese de autonomia do Banco Central implicitamente assumem que não existe nenhuma relação entre o parâmetro A e os demais parâmetros da equação que determina a inflação discricionária, particularmente o emprego de equilíbrio. Nesse contexto, um aumento do grau de conservadorismo da política monetária não teria nenhum efeito sobre o lado real da economia, particularmente sobre o mercado de trabalho.
O problema é que existem boas razões para acreditarmos que isso não é verdade. A moderna teoria econômica ja identificou pelo menos dois canais pelos quais uma redução persistente da taxa de emprego pode levar a uma redução cumulativa da taxa de emprego de equilíbrio, fenômeno esse conhecido como efeito histerese. O primeiro canal é o efeito insider-outsider e o segundo e o problema de sucateamento do capital.
Efeito Insider/Outsider
Considere que os desempregados perdem o seu status de membros do sindicato após alguns períodos de desemprego. Dessa forma, eles se tornam “outsiders” sendo incapazes de influenciar nas decisões dos sindicatos.
Considere também que os sindicatos só se preocupam com o nível de emprego e de salário real dos seus filiados. Dessa forma, quando o desemprego aumenta e permanece elevado por um certo período de tempo; os sindicatos perdem filiados e passam a demandar salários mais altos para os membros remanescentes.
Uma queda da demanda agregada irá aumentar a taxa de desemprego. Esse aumento da taxa de desemprego irá diminuir o número de insiders, levando a um aumento do salário real desejado pelos sindicatos e, portanto, a uma queda da taxa de emprego de equilíbrio.
Capital Scrapping (“sucateamento de capital”)
Uma recessão prolongada leva as firmas a “sucatear” uma parte do seu estoque de capital á medida que os gastos de investimento não são suficientes para cobrir as necessidades de reposição devido a depreciação ou mesmo a obsolescência tecnológica.
Quando a economia se recupera, as elevadas taxas de utilização da capacidade produtiva fazem com que as firmas aumentem as suas margens de lucro, reduzindo assim o salário real que estão dispostas a pagar. Com isso, ocorre uma redução da taxa de emprego.
As questões levantadas acima apontam para a possibilidade de que um Banco Central excessivamente conservador possa agravar o problema inflacionário ao invés de resolve-lo. Se uma redução do valor do parâmetro A, ou seja, um aumento do grau de aversão do Banco Central a inflação, desencadear uma redução da taxa de emprego de equilíbrio pelos mecanismos expostos acima, então a taxa de inflação discricionária pode ficar constante ou até mesmo se elevar, agravando assim o quadro inflacionário.
O que deve ser feito então para reduzir a inflação discricionária? Uma alternativa seria a adoção de políticas de rendas que aumentassem a coordenação e a centralização das negociações salariais de forma a incentivar o setor privado a moderar as demandas por reajustes de preços e salários. Outra possibilidade, bastante pertinente no caso brasileiro, é reduzir a sensibilidade do emprego a surpresa inflacionária (o coeficiente alpha), diminuindo o grau de indexação de preços e salários a inflação passada. Para tanto, o governo brasileiro deveria proceder a uma reforma monetária (Sobre essa proposta ver Oreiro e Costa Santos, 2023), decretando por intermédio de lei complementar, o fim da indexação de todos os contratos assinados em território nacional.
Isso posto, não existe nada de sacrossanto na autonomia do Banco Central. Trata-se de um arranjo institucional para a condução da política monetária que tem efeitos dúbios sobre o problema que pretende resolver. Existem outras alternativas para o controle da inflação no Brasil que não passam pela manutenção da autonomia do Banco Central. Tal como o ocorrido com o Teto de Gastos, esse é um debate urgente e necessário para o Brasil.
Referências:
Carlin, W; Soskice, D. (2015). Macroeconomics: Institutions, Instability, and the Financial System. Oxford University Press: Oxford.
Carlin, W; Soskice, D. (2010). “Teaching Intermediate Macroeconomics using a 3-Equation Model” In: Fontana, G and Setterfield, M. (Eds.). Macroeconomic Theory and Macroeconomic Pedagogy. Palgrave Macmillan: London.
Franzese, R.J. (2004). “Institutional and Sectoral Interactions in Monetary Policy and Wage/Price-Bargaining” In: Hall, P; Soskice, D (orgs.). Varieties of Capitalism: the institutional foundations of comparatice advantage. Oxford University Press: Oxford.
Oreiro, J.L; Costa Santos, J.F. (2023). ” The unfinished stabilization ot the Real Plan: an analysis of the indexation of the Brazilian economy” In Ferrari-Filho, F and De Paula, L.F. (orgs.). Central Banks and Monetary Regimes in Emerging Countries. Edaward Elgar: Aldershot.
Onze entre cada dez economistas ligados direta ou indiretamente ao mercado financeiro atribuem o elevado patamar da taxa de juros selic observado no Brasil ao desequilíbrio fiscal do governo central (governo federal + Banco Central). Segundo o seu seu, por assim dizer, raciocínio, como o governo gasta mais do que arrecada então ele precisa pedir muito dinheiro emprestado no mercado, aumentando a demanda por crédito e, dada a baixa taxa de poupança existente no Brasil, produzindo uma elevada taxa de juros. A solução é reduzir a despesa primária do governo geral, cortando despesas desnecessárias e/ou ineficientes (quais?), para então conseguir reduzir a taxa de juros. Dessa forma, o desequilíbrio fiscal brasileiro teria sua origem no excesso de despesa primária do governo geral, razão pela qual o teto de gastos deveria ser mantido a forceps pela equipe econômica do novo governo Lula.
Na posse do novo presidente do BNDES Aloisio Mercadante, o Presidente Lula mais uma vez se pronunciou contra a decisão do Copom do Banco Central de manter a taxa selic em 13,75% a.a. Com uma inflação acumulada em 12 meses de 5,79% temos que a taxa real de juros (ex-post) é de 7,52% a.a, a mais elevada do mundo. O Presidente Lula afirmou hoje que “Não tem explicação para a taxa de juros a 13,5 [13,75]%. Faz anos que a gente briga pela taxa de juros no Brasil”.
Não existe efeito sem causa. Claro que existe uma explicação para o elevado patamar da taxa de juros no Brasil, mas essa explicação não é o desequilíbrio fiscal. Pelo contrário, o desequilíbrio fiscal é o resultado da política de juros adotada pelo Banco Central do Brasil nos últimos anos.
Vamos aos números. A Figura 1 abaixo mostra a evolução no acumulado em 12 meses do resultado primário do governo central e dos juros nominais que o governo central paga sobre o estoque de sua dívida. Observem que até março de 2020 (mês em que as primeiras medidas de distanciamento social são adotadas no Brasil) o governo central incorria num déficit primário em torno de 1,5% do PIB e pagava juros nominais ligeiramente superiores a 4% do PIB. Com os gastos primários realizados para o enfrentamento das consequências econômicas, sociais e sanitárias da pandemia do Covid-19, o déficit primário do setor público aumenta para quase 10% do PIB em dezembro de 2020, mas o pagamento de juros nominais cai para 3,5% do PIB nesse mês, continuando sua trajetória de queda até junho de 2021 quando chega a 2,93% do PIB. Observem, caros leitores, que um aumento espectacular nas despesas primárias do governo central (como % do PIB) foi obtido com uma redução da conta de juros nominais paga pelo governo central, ou seja, um resultado OPOSTO ao esperado com base na (sic) teoria econômica usada pelos analistas do mercado financeiro. Qual a razão disso? Muito simples: a taxa de juros não é o preço dos “fundos emprestáveis” mas o preço do dinheiro, o qual é fixado pelo Banco Central nas reuniões do Copom. Como o Banco Central reduziu a taxa de juros para 2% a.a ao longo do ano de 2022, o custo de carregamento da dívida pública (fortemente atrelado a selic devido as Letras Financeiras do Tesouro e as operações compromissadas) diminui em quase 25% entre março de 2020 e junho de 2021.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do autor.
Em março de 2021 o Banco Central do Brasil começou um ciclo de elevação da taxa de juros que levou a taxa selic a 13,75% a.a no final de 2022. Essa elevação da taxa selic fez com que os juros nominais passassem de 2,93% do PIB em junho de 2021 para 5,12% do PIB em dezembro de 2022, ficando acima do patamar observado no período anterior a pandemia. Nesse mesmo período, o resultado primário do governo geral passou de um déficit de 4,61% do PIB para um superávit 0,56% do PIB. Ou seja, uma melhoria do resultado primário de 5,17% do PIB foi seguido por um aumento da despesa com juros nominais de 2,19% do PIB. Parte significativa (42%) da melhoria do resultado primário foi dissipada em aumento das despesas com juros da dívida pública.
A figura 2 abaixo mostra o percentual do resultado nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) que pode ser atribuído a despesa com pagamento de juros da dívida pública.
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração do Autor.
O leitor pode verificar que a despesa con juros respondia por aproximadamente 80% do déficit nominal do governo geral (sem desvalorização cambial) até o início da pandemia do covid-19. Esse percentual cai para pouco mais de 20% até dezembro de 2020 devido ao aumento do déficit primário e a redução da despesa com juros. A partir de março de 2021, o percentual volta a aumentar ultrapassando 100% no início de 2022. Em dezembro do ano passado os gastos com o pagamento de juros respondiam por 112% do déficit nominal do governo geral.
Esses números não permitem outra interpretação de que o desequilíbrio fiscal no Brasil é de natureza financeira. Nesse contexto, reduzir as despesas primárias não é apenas uma crueldade do ponto de vista social, mas uma estupidez do ponto de vista econômico. O reequilíbrio das contas públicas no Brasil passa pela solução do problema da “despesa ausente” no debate público no Brasil, ou seja, o gasto excessivo com o pagamento de juros da dívida pública. Sua solução se encontra numa reforma monetária no Brasil e na institucionalidade do regime de metas de inflação, de maneira a permitir que a obtenção de uma taxa de inflação estável e razoável (algo como 4% a.a.) seja possível com uma taxa de juros estruturalmente mais baixa.
Golpe fracassado, vitória de Pacheco e agenda ambiental superam incertezas herdadas de Bolsonaro, afirma professor da UnB
Por Tiago Pereira, da RBA
Com Lula, Brasil deixou de ser “párea internacional” e começa a atrair investimentos estrangeiros
São Paulo – O dólar operou em baixa frente ao real nesta quinta-feira (2). Na mínima do dia, a moeda norte-americana chegou a R$ 4,94, menor patamar desde 10 de junho de 2022, quando atingiu R$ 4,98. No meio da tarde, a cotação atingiu R$ 5,04, redução de cerca de 0,3% sobre o dia anterior. Fontes do mercado financeiro atribuem essa desvalorização à decisão do Federal Reserve (FED, o banco central dos Estados Unidos), de reduzir o aperto monetário. Em um mês, no entanto, o dólar registrou queda de mais de 6,09% em relação à moeda brasileira. Portanto, a política monetária dos Estados Unidos, por si só, não explica o fenômeno.
Para o professor José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), as análises não devem desconsiderar fatores políticos. “É basicamente o resultado da percepção que presidente Lula está reunindo condições de governabilidade”, afirmou. “O comportamento do dólar nas últimas semanas reflete a derrota completa do bolsonarismo. Assim, parte da incerteza política é resolvida.
Como exemplo, ele cita a reação unificada das instituições para debelar a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro. Outro fator positivo foi a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à presidência do Senado. A derrota do bolsonarista Rogério Marinho (PL-RN) garante certa “tranquilidade” ao governo para conduzir pautas importantes ao país no Congresso Nacional.
Novo “normal”
De acordo com dados do Banco Central, o fluxo cambial de janeiro foi positivo em US$ 4,198 bilhões. Desse modo, a entrada de investimentos estrangeiros no país colaborou para a valorização do real frente ao dólar. “O aumento do investimento externo está relacionado com a posse de um governo que não é visto como um párea internacional. Houve uma clara mudança de atitude em relação à questão da preservação da Amazônia, por exemplo”, afirma Oreiro.
Ele ressalta que parte da apreciação do dólar durante a gestão Bolsonaro estava ligada à sua postura “negacionista” nas questões ambientais. Para o professor, a grande diferença é que o país voltou a ter um governo “normal”, segundo ele. Já o anterior produzia “crises” e “ruídos” em ritmo quase diário.
Cabe lembrar que, em março de 2020, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou o dólar poderia ultrapassar a casa dos R$ 5 se o governo “fizesse muita besteira”. Foi o que acabou ocorrendo, em praticamente todas as áreas, desde o negacionismo durante a pandemia ao estímulo à devastação ambiental. O próprio Guedes chegou a atacar parceiros importantes, como a França e a Argentina. “Agora a gente tem um ministro da Fazenda (Fernando Haddad) que é comedido nas suas afirmações, que não fica falando coisas sem pensar”, afirmou o professor.
Frutos
Ao contribuir para arrefecer todas essas incertezas, Oreiro diz que o governo “está colhendo os frutos”. E as próximas colheitas podem ser ainda melhores. Isso porque a queda do dólar frente ao real deve trazer alívio à inflação. Como resultado, eventual queda nos índices de inflação também contribuiria para a redução da taxa de juros. O dinheiro mais barato ampliaria o consumo e, por consequência, os investimentos, melhorando o cenário econômico como um todo.
“O que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros”, disse o economista da UnB
O economista José Luis Oreiro defendeu nesta quarta-feira (1) que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) inicie o ciclo de redução da taxa de juros da economia (Selic). O Copom realiza hoje a sua primeira reunião do ano e decide se manterá a Selic no atual patamar de 13,75%, ou se reajusta para baixo ou para cima a taxa.
Para Oreiro, “o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Copom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Se você olhar a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022 não vão se repetir”, afirmou o professor da UnB, em entrevista à Hora do Povo.
O economista também afirmou que o BC tem perseguido metas de inflação que não correspondem à realidade.
“O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado”, avaliou o economista.
Oreiro alertou, ainda, que o caso das Lojas Americanas pode ser apenas o começo de uma crise financeira no setor de varejo e que a taxa de juros mantida em níveis elevados pode agravar ainda mais este problema.
“O caso das Lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas”. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros”, defendeu Oreiro.
Leia, na sequência, a íntegra da declaração do economista José Luis Oreiro ao HP.
JURO REAL EXTRAORDINARIAMENTE ELEVADO
“Na minha opinião, o que o Banco Central deveria fazer na reunião de hoje do Cupom é iniciar o ciclo de redução da taxa de juros. Você tem aí uma taxa de juros real de mais de 6%. a previsão de inflação para esse ano está abaixo de 5,5%, com uma Selic de 13,75%, você tem aí uma taxa de juros real de mais de 7%. Isso é um juro extraordinariamente elevado, ainda mais considerando que os choques de oferta, que levaram a inflação a subir no primeiro semestre de 2022, não vão se repetir. Um exemplo, a gente está vendo o índice pluviométrico no Brasil está muito elevado, isso significa que os reservatórios das usinas hidrelétricas vão aumentar consideravelmente o seu nível num período de chuvas, que terminam agora em abril. Então, muito provavelmente a gente não vai ter que acionar as usinas térmicas. Nós vamos ter um período de tranquilidade nas tarifas de energia elétrica ao longo do ano de 2023. Isso já alivia a pressão da energia sobre a inflação”.
“Então, assim, embora a meta de inflação seja de 3,25 e com teto de um e meio, daria 4,75, portanto a inflação projetada para esse ano ainda esteja acima da meta, o problema é que a meta de inflação é irrealista. O Conselho Monetário Nacional já deveria ter se reunido e ajustado a meta de inflação para 4%. E aí, com o intervalo de variação estaria perfeitamente dentro do regime de metas. O problema é que as metas de inflação que foram definidas para 2021, 2022 e 2023 são irrealistas, devido à mudança no cenário internacional que afetou os preços dos alimentos e os preços dos combustíveis. O correto é você ajustar a meta de inflação para o nível mais realista e iniciar o processo de redução da taxa de juros, até porque existem sinais inquietantes de fragilidade financeira no setor privado.”
“O caso das lojas Americanas pode ser apenas a ponta do iceberg. É muito provável que várias empresas do setor varejista, inclusive, o de supermercados, estejam altamente alavancados e nesse contexto de taxa de juros muito alta só piora o problema. Ou seja, nós podemos ter ao longo do ano de 2023 uma série de pedidos de recuperação judicial de diversas redes de varejistas, devido ao alto grau de alavancagem das mesmas. Então, o Banco Central para evitar ou pelo menos atenuar esse problema de fragilidade financeira deveria iniciar imediatamente o ciclo de redução da taxa de juros. Se fosse eu o presidente do Banco Central reduziria hoje a Selic de 13,75% para 13%.”
Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro. Conselheiro da FIESP e Economista-chefe do Banco Master
"A família é base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez os valores que lhes guiam durante toda sua vida". (Beato João Paulo II)