Lara Resende cita como exemplo a aprovação do presidente Jair Bolsonaro, que atingiu 37% segundo a última pesquisa Datafolha, o mais alto nível em sua gestão. “O governo Bolsonaro está no auge do seu ponto de apoio desde a posse porque o gasto emergencial de R$ 600 teve efeito extraordinário”, afirma o economista.
– Foto: Silvia Zamboni/Valor
Embora o teto que limita os gastos do governo seja defendido como uma “posição racional” – “e de racionalidade não tem nada”, ele diz -, “é simplesmente uma defesa política de não dar mais força a esse governo.” O economista ressalta que essa “disputa política” é legítima, mas precisa ser compreendida como tal. “Ela não pode ser interpretada e discutida como se fosse com base em leis naturais e científicas da economia. Ela é falsa, é uma discussão política e assim que deve ser entendida.”
Lara Resende questiona o “dogmatismo fiscal”, a ideia de que independentemente da situação, é sempre preciso dar prioridade ao equacionamento das contas públicas. Segundo ele, por causa da pandemia, “no mundo, o dogmatismo fiscal cedeu a uma prática realista, mas curiosamente, no Brasil, não”.
Ele diz que há uma insistência, e não apenas do governo, de que o Estado não pode gastar. “O teto de gastos é algo completamente inviável. Foi uma restrição imposta em um momento que fazia sentido, mas hoje é inviável. As despesas obrigatórias continuam a crescer, e a principal delas continua sendo a previdência do setor público”, ele afirma, destacando que a reforma da Previdência do governo Bolsonaro recaiu sobretudo no INSS, ou seja, na previdência privada.
Segundo Lara Resende, com a pandemia, a equipe econômica do governo se viu em um caso de “dissonância cognitiva”, porque sua prioridade sempre foi defender o reequilíbrio das contas, mas precisou reconhecer que, neste momento, não fazia sentido.
Para Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e presidente do Fórum Nacional, a situação é “curiosa”, porque enquanto “a equipe econômica se esfacelou”, diz ele em referência às baixas recentes, a popularidade do presidente sobe.
Velloso afirma que o embate entre uma ala do governo que é a favor da expansão dos gastos e outra que prega o controle fiscal mais duro é uma questão que não está resolvida. “O presidente parece favorecer um lado, às vezes outro. Penso que isso terá de chegar a uma definição que dê mais consistência para a ação do governo, ou seja, um lado ganhar do outro.”
Na avaliação de Velloso, a discussão sobre o cumprimento ou não do teto de gastos deveria migrar para um debate sobre como equacionar os elevados déficits previdenciários do setor público, abrindo espaço para investimentos públicos que podem ajudar o Brasil a superar a crise econômica causada pela pandemia.
“O teto nasceu morto, porque ele é muito difícil de aplicar”, afirma. “Como despesas obrigatórias dependem, na maioria das vezes, até de mudanças constitucionais para serem ajustadas, o único jeito é ajustar as despesas discricionárias. Mas chega uma hora em que o investimento desaparece, acaba, e aí [o teto] vai ser discumprido de qualquer maneira.”
Lara Resende afirma que o Brasil tem necessidade de “gastos públicos bem feitos”, em infraestrutura, educação, saúde, segurança ou na revisão da matriz energética, por exemplo. Além disso, ele diz que o investimento público não compete com o capital privado, mas funciona como um “indutor”, um “motor de arranque” para a volta do aporte privado. No Brasil, porém, “asfixiamos a ação do Estado”, ele diz, e esse “é o caminho mais curto para a paralisia da economia, que é onde estamos”.
Lara Resende reforça que pode acontecer de o Estado gastar mal e isso não é aceitável, mas “a solução não é asfixiá-lo e eliminá-lo”. “O que precisamos é corrigir governança do Estado para que possa investir bem”, afirma. “Essa visão de que o Estado só pode gastar mal e, por isso, asfixiá-lo é uma visão suicida.”
O país precisa, segundo Lara Resende, de uma programação mais de longo prazo. “Não é uma ideia de planejamento, de uma economia de Estado, mas precisa de um programa com certa coerência, de uma gestão de governo com direcionamento do investimento público”, afirma. “É criar a noção de que o investimento público deve ser tratado com competência: qual o critério, como avaliar, organizar, propor e aprovar.”
Nesse sentido, ele diz que uma agência de investimentos públicos com certa autonomia e uma base técnica “é tão ou mais importante do que um Banco Central independente, que hoje em dia defende basicamente taxa de juros.”
O economista José Oreiro, da Universidade de Brasília e também presente no fórum, afirma que “o Brasil está em uma depressão”, já que passou por duas crises – de 2014/2016 e agora com a pandemia – muito próximas temporalmente. Segundo ele, a perspectiva é que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro encerre 2020 12% abaixo do registrado em 2013. “E a grande discussão do debate macroeconômico é se vai ou não cumprir o teto de gastos. Isso é surreal. Essa discussão de ajuste fiscal não está posta para 2021 em nenhum país do mundo, só no Brasil”, afirma.
Oreiro diz que a proposta não é acabar com o teto, mas flexibilizá-lo, retirando, por exemplo, o investimento público da regra fiscal. “Você pode colocar controle fiscal para o gasto com funcionário público, isso faz sentido.” No caso dos investimento públicos, porém, “o que tem que se assegurar é que ele seja de boa qualidade”, afirma.
Ele cita ainda texto dos economistas Bradford DeLong e Lawrence Summers sobre como opera a política fiscal em economias em recessão. “Em condições de recessão, em que a economia está operando perto do zero lower bound, com taxa de juros nominal muito próxima de zero, uma expansão fiscal poderia pagar a si mesma.”
Para Oreiro, se triunfar a ideia de que temos de voltar ao ajuste fiscal em 2021 “vai ser um catástrofe econômica”. “Do ponto de vista político, pode servir para derrubar Bolsonaro, só que isso pode colocar o país em chamas e causar um caos social de proporção colossal”, afirma.
Republicou isso em Iso Sendacz – Brasile comentado:
Ontem havíamos relatado o debate que o Candeeiro Expresso, do Sinal, realizou sobre a liberação de R$ 1,2 trilhão ao sistema financeiro. Lá, economistas explicaram a ineficácia da medida quanto aos fins que se propunha e mestres e doutores em Direito enfatizaram a questão política envolvida: trata-se de escolhas que privilegiam certos atores sociais, diferenciando que ganha com a injeção de liquidez de quem se beneficiou do auxílio emergencial a que o governo central tanto resistiu.
Nesta avaliação de José Luis Oreiro sobre a contribuição de Lara Resende, é a vez dos economistas retratarem o viés político da ação pública, desta vez enfocando o teto de gastos.
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Sobre o caráter político da ação pública assistimos – e resumimos – debate sobre a injeção de liquidez do primeiro dia da calamidade sanitária (http://isosendacz.org/2020/08/17/r-12-trilhao-liberado-para-quem/). Lá, os debatedores doutores em Direito foram também explícitos quanto ao caráter político da gestão da economia.
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