Por Helder Lara Ferreira Filho (UnB) e José Luis Oreiro (UnB)
Nos últimos meses, mesmo antes da pandemia com o novo “coronavírus”, tem ocorrido grande discussão sobre como deveria ser conduzida a política fiscal brasileira nos próximos anos e, mais especificamente sobre temas como a sustentabilidade da dívida, a composição do ajuste fiscal (se apenas pelo lado das despesas públicas ou por um conjunto de medidas tanto no lado das despesas e como no lado das receitas) e se haveria espaço – ou se seria necessário – para realizar algum estímulo fiscal para impulsionar a atividade econômica.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que passamos por uma grande recessão entre 2015 e 2016, com quedas do PIB de 3,55% e 3,28%, respectivamente. Nesse período, como havia crescimento negativo do PIB e os juros subiram para controlar a inflação, a dívida bruta como proporção do PIB aumentou fortemente (de cerca de 50% em 2013 para pouco mais de 70% do PIB em 2016). Neste contexto, a trajetória da dívida pública foi considerada insustentável por grande parte dos agentes e dos analistas econômicos. Para eles, seria necessário o controle das despesas públicas, que cresciam sistematicamente a taxas superiores ao PIB. Naquele momento, foi aprovado um teto de gastos que estabelecia que as despesas primárias da União não poderiam crescer acima da inflação por um período de 10 anos (prorrogáveis por mais 10 anos).
Defensores do teto afirmam, desde sua implementação, que ele explicitaria as disputas pelo orçamento, tornando possíveis reformas em gastos obrigatórios (tal qual a reforma da previdência) para assim preservar os gastos discricionários (entre eles, os investimentos públicos). Ademais, com o controle das contas públicas, a confiança dos agentes econômicos seria restaurada, abrindo espaço para que o investimento e o consumo privados liderassem a retomada do crescimento econômico. Trata-se da tese da contração fiscal expansionista.
Mas essas expectativas não foram confirmadas. Como antecipado por Ferreira Filho e Fraga (2016), baseado na experiência de outros países emergentes com limites para a expansão de despesas, os investimentos foram cortados drasticamente (com uma previsão, antes da pandemia, de um volume de apenas 19 bilhões de reais em 2020, o menor valor da série histórica), enquanto o restante do orçamento tem sido penalizado (como ciência, tecnologia e inovação, por exemplo).
Além disso, ao contrário do esperado, a recuperação tem sido, no mínimo, tímida, uma vez que entre 2017-2019 ocorreram taxas de crescimento da ordem, basicamente, de 1% ao ano (1,32%, 1,32% e 1,14%, na sequência). Ainda, nos primeiros meses de 2020, os dados de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br) para os últimos 12 meses apontavam para uma desaceleração do crescimento do produto. De fato, ao final de 2019, o Brasil sequer tinha alcançado o nível do PIB de 2013. Somente isso já apontaria para a lentidão da recuperação econômica – o que é confirmado pelo fato da inflação observada ter ficado abaixo da meta definida pelo COPOM nesses três anos (2017-2019), não obstante a queda acentuada na taxa de juros Selic, a expressiva desvalorização cambial, a persistência de déficits primários e os diversos choques de adversos de oferta ocorridos.
Diante desse quadro, mesmo antes da pandemia, já se fazia necessário um impulso fiscal para acelerar o crescimento econômico. Porém, isto não é algo consensual entre os economistas, pois há aqueles que acreditam não ser necessário o impulso fiscal, ao passo que outros pensam ser imprescindível algum tipo de estímulo fiscal. O primeiro grupo cita não haver espaço fiscal para qualquer expansão das despesas e que o teto precisa ser respeitado. O curioso nessa narrativa é que, para defender seu ponto de vista, citam que a taxa de juros estaria baixa por conta da melhor política fiscal e da melhora das condições fiscais no país nos últimos anos – e não pela falta absoluta de demanda ou pela pequena inflação salarial. Ao mesmo tempo, afirmam que as condições fiscais do país estariam a tal ponto deterioradas que tornaria impossível uma expansão fiscal.
O que os fatos têm a nos dizer sobre essas narrativas? Primeiramente devemos destacar que as contrações fiscais são, em geral, contracionistas; como demonstra, dentre outros estudos, Alesina et al. (2019), onde se observa que o corte de despesas seriam menos contracionistas do que elevação de tributos (apesar de alguns estudos sobre emergentes, como o Brasil, indicarem não haver tanta diferença), mas ainda assim contracionistas. Isso não significa, obviamente, que não se deva fazer uma contração fiscal em determinadas situações e circunstâncias, apesar dos efeitos adversos sobre o nível de atividade econômica.
O mais importante nesse debate é a questão dos multiplicadores fiscais. Para o grupo que não vê necessidade/utilidade de um impulso fiscal, o multiplicador seria menor do que 1 para as despesas do governo. Esse argumento se baseia, principalmente, em estudos que indicam que o multiplicador seria reduzido numa situação em que há uma percepção geral por parte dos agentes econômicos de não sustentabilidade da dívida pública e também em momentos do ciclo econômico em que o país já se encontra operando com um nível de produção acima do potencial.
Ocorre que, antes da pandemia: (i) a dívida não estava em trajetória insustentável (Pires, 2019), uma vez que a dinâmica da dívida depende, basicamente, da taxa real de juros, do crescimento econômico e do superávit primário (além da receita de senhoriagem), sendo que essas variáveis estavam apontando para a estabilização e a redução da dívida pública, inclusive no cenário projetado pela Secretaria do Tesouro Nacional; (ii) tampouco havia uma percepção de descontrole fiscal – dados os comportamentos do Credit Default Swap (CDS) e das taxas de juros implícitas nos títulos do governo que mostravam que ambas se reduziam de forma sistemática; (iii) e, por fim o hiato do produto estava estimado entre -4% e -7% do PIB, ou seja, a economia estava operando com uma grande ociosidade dos fatores de produção.
Segue-se que não estávamos, antes da pandemia, na situação descrita pelos economistas contrários ao impulso fiscal. Portanto, há determinadas despesas que podem ter multiplicadores maiores do que 1, como é o caso dos investimentos públicos, ou despesas com programas sociais, tal como o Bolsa-Família, dentre outras despesas. Inclusive, há estudos que apontam para multiplicadores significativamente superiores a 1 quando o país se encontra com um hiato do produto negativo, tal como era o caso da economia brasileira à época. Sendo assim, manter a política fiscal restritiva (teto de gastos com variação nula, em termos reais, e meta de superávit primário sem considerar o ciclo econômico) se mostra um contrassenso. Ao contrário, com algum impulso fiscal, não só o bem-estar das pessoas seria aumentado (com a queda do desemprego e o aumento da renda), mas o próprio resultado primário seria incrementada, com o aumento de receitas provenientes da aceleração da atividade econômica, estes dois fatores contribuindo para uma dinâmica mais saudável da dívida pública.
Já com a pandemia, o cenário mudou em alguns aspectos, mas nenhum deles altera a necessidade de um impulso fiscal para que a economia acelere seu crescimento. De fato, com uma queda do PIB estimada por volta de 5,5% em 2020, o hiato do produto – anteriormente entre -4% a -7% do PIB – vai se ampliar fortemente. Além disso, embora a dívida bruta vá aumentar sensivelmente por conta das medidas adotadas para mitigar efeitos econômicos adversos advindos do novo “coronavírus”, isto também vai acontecer com a maioria dos países do mundo, o que não muda a posição relativa do Brasil nessa matéria e, portanto, a percepção de risco dos agentes econômicos. Ademais, dado o choque econômico provocado pela pandemia, as taxas de juros de curto e de longo-prazo em todas as economias caíram ainda mais, o que também ocorreu no Brasil, o que contribuirá para uma dinâmica da dívida bruta menos explosiva. Já a dívida líquida, com a desvalorização do real frente ao dólar, tem até se reduzido.
Todavia, uma das variáveis fundamentais para a dinâmica da dívida pública é o crescimento econômico, de forma que é premente fechar o hiato do produto rapidamente por conta de possíveis efeitos de histerese. Com efeito, Cerra e Saxena (2017) apontam, em recente estudo, que, na média, as recessões provocam perdas permanentes do nível de produto, contrariamente ao pensamento que se tratam apenas de reduções temporárias em que o PIB retomaria sua tendência de longo prazo com alguma defasagem. No Brasil, particularmente, a situação parece ainda pior, conforme se vê no Gráfico 1, abaixo.
No Brasil, não somente o nível do produto se reduz em crises, como sua taxa de crescimento também. Por exemplo, entre 1961 e 1980, o crescimento o médio foi de 7,3% a.a.; após um período recessivo, entre 1983 e 1989, passou a 4,5% a.a.; após novo período recessivo, a taxa cai para 3,2% a.a. entre 1992 e 2014; depois de outro período recessivo, cai para 1,2% a.a. entre 2017 e 2019. Fora isso, considerando a estimativa de 2020 (-5,5%), a taxa de crescimento médio anual seria de -1,5% a.a. entre 2015 e 2020. Mantida a tendência entre 1980 e 2014, cerca de 2,58% a.a., em 2019, teríamos um PIB 17,3% maior do que o observado; e já levando em consideração a queda estimada de 2020, teríamos um PIB 28% maior do que o realizado se o crescimento fosse o da tendência 1980-2014, conforme se visualiza no Gráfico 1. Logo, segue-se que uma resposta adequada a recessões se mostra ainda mais relevante no Brasil. Novamente, com a pandemia, teremos um grande choque no produto, retornando ao nível de PIB de 2010, com potenciais efeitos duradouros, se não forem tomadas as medidas necessárias.
Em resumo: mesmo no cenário pós-pandemia, o impulso fiscal continua extremamente necessário, talvez até mais do que antes. Para tal, entretanto, será imperativo alterar o teto de gastos tal qual ele foi idealizado. Na verdade, como a ponta a Instituição Fiscal Independente (IFI), a mudança do teto seria inevitável de qualquer maneira em 2022 (Couri, 2020), sendo que em 2021, para o cumprimento do teto, seriam precisos novos cortes em investimentos públicos, por exemplo, e logo após um choque adverso fortíssimo, algo pouco aconselhável. Portanto, já que é dada a mudança no teto de gastos, é saudável que isto seja feito de forma organizada para que despesas de melhor qualidade sejam priorizadas, com maiores multiplicadores no curto prazo e que aumentam a produtividade no longo prazo.
Sendo assim, faremos aqui uma proposição para um Novo Teto de Gastos, com variação anual positiva (em termos reais). Em primeiro lugar, ele seria revisado por um período menor, de 4 em 4 anos, podendo ser aproveitadas as janelas do Plano Plurianual (PPA) para que isso seja feito. Com isso, a cada 4 anos poderiam ser reavaliadas as condições fiscais do país em cada final de ciclo do PPA. Nesta primeira versão do Novo Teto de Gastos, a referência seria de 2019, mesmo sabendo que 2020 já está em andamento. Assim, na prática, o teto seria implementado em 2021, com uma referência retroativa desde 2019. Isto porque o ano de 2020 tem circunstâncias peculiares por conta da pandemia, não sendo um bom indicativo para as despesas primárias do governo para anos mais “normais”. Logo, o Novo Teto de Gastos teria vigência entre 2020-2023 – mas, na prática, entre 2021-2023.
Em segundo lugar, o Novo Teto de Gastos teria um teto geral de despesas e alguns subtetos que compõem o teto geral, de forma similar à proposta de Giambiagi e Tinoco (2019), mas com diferenças na variação anual das despesas e nos subtetos considerados. Logo, o Novo Teto de Gastos para 2020-2023 teria como teto geral uma variação anual real de 3,5% a.a., a partir das despesas de 2019. Adicionalmente, existiriam 5 subtetos que seriam agrupamentos das despesas primárias do governo. Dentre as despesas obrigatórias: (i) Benefícios previdenciários; (ii) Pessoal e encargos sociais; (iii) Restante das obrigatórias[1] – todas as despesas obrigatórias, excetuando-se (i) e (ii). Quanto às despesas discricionárias: (iv) Investimento; (v) Demais discricionárias – todas as despesas discricionárias, excetuando-se (iv).
Para nossas estimativas para o Teto 2020-2023, teríamos as seguintes condições, sempre em termos reais: para (i) “Benefícios previdenciários”, um avanço estimado de 4% a.a.[2]; para (ii) “Pessoal e encargos sociais”, seria um avanço de 2,3% a.a., considerando um avanço de 4% a.a. para os inativos[3] e de 0,8% a.a. para os ativos[4]; para (iii) “Restante das obrigatórias” considerou-se um avanço anual de 30% da variação estimada para o PIB no período; para (iv) “Investimento” utilizou-se o resultante das despesas primárias segundo o teto geral, subtraindo-se os itens (i), (ii), (iii) e (v); e para (v) “Demais discricionárias”, também se utilizou um avanço anual de 30% da variação estimada para o PIB no período[5].
Para o Teto no período de 2020-2023, foram considerados os seguintes resultados de PIB para nossa análise: -5,5% em 2020; 4,5% em 2021; 4,25% em 2022; 4% em 2023. Assim, seria praticamente uma situação de recuperação em “V” da economia brasileira à pandemia em 2020 e, dado o melhor perfil das despesas públicas (com o incremento de investimentos por conta do Novo Teto de Gastos) e do hiato do produto já existente desde 2015, o crescimento seguiria mais elevado até 2023.
Com todas essas variáveis, teríamos, em 2021, um subteto para investimentos da ordem de 128 bilhões de reais (ou 1,8% do PIB). Isto significaria 1 p.p. a mais do que 2019, ou quase 72 bilhões de reais, o que seria um impulso fiscal relevante na área de investimentos – em valores de 2019. Em 2023, chegaríamos a 2% do PIB em investimentos. As projeções como um todo podem ser vistas na Tabela 1 abaixo.
Essa simulação foi apenas um desenho possível do Novo Teto de Gastos, podendo variar as hipóteses e as variações de cada subteto, ou mesmo do Teto Geral. Além disso, com nossa proposta, em 2023 seria feita uma nova análise das condições fiscais do país, em conjunto com as projeções de crescimento para os próximos anos e da própria taxa real de juros para verificar qual a possibilidade para a expansão das despesas para o novo ciclo, qual seja, entre 2024-2027; e assim por diante. Outra simulação foi feita, resultando na Tabela 2, a seguir.
Como se pode ver na Tabela 2, os valores além de 2023 se modificaram com as mudanças de premissas. O Investimento, por exemplo, a partir de 2023 fica sempre perto de 2% do PIB, enquanto na Tabela 1, chegava a praticamente 3% do PIB em 2030. A questão a ser levantada, então, seria: o que aconteceria com dívida pública?
Como destacado anteriormente neste artigo, a dinâmica da dívida depende, essencialmente, da diferença entre a taxa real de juros e da taxa real de crescimento do PIB, além do resultado primário do governo. Portanto, é possível que a dívida se estabilize ou até se reduza mesmo com déficits primários, se a taxa de crescimento for superior à taxa de juros[6].
Como se pode observar na simulação acima, depois do forte impacto na Dívida Bruta por conta da pandemia, no cenário em que são tomadas as medidas necessárias para uma recuperação mais acelerada da economia brasileira, há uma estabilidade da dívida pública até 2025, sendo que a partir de 2026 a dívida pública começa a se reduzir no restante de sua trajetória. Isto ocorre mesmo com déficits primários em todos os anos considerados, no entanto, com taxas reais de juros menores do que o crescimento econômico[1]. A situação descrita é possível por conta do contexto já observado antes da pandemia e, provavelmente, ainda mais após a pandemia, qual seja, a demanda extremamente deprimida a ponto de a política monetária ser incapaz de, sozinha, eliminar o hiato do produto[2]. Neste caso, a política fiscal se torna ainda mais relevante, conforme tem sido apontado por Krugman (2020). Ele, dentre outros, defende um programa de estímulo permanente – por meio do investimento público. Esses investimentos podem nem sempre se pagar completamente (se a taxa de juros se elevar quando as medidas de estímulo apresentarem seus resultados), mas se pagariam em parte, além disso, como já observado, investimentos em infraestrutura, em ciência, tecnologia e inovação, em saneamento, dentre outros, tendem a elevar a produtividade no longo prazo (portanto, o crescimento) e, por vezes, a reduzir ou evitar despesas (por exemplo, gastos em saneamento evitam gastos em saúde pública).
Para complementar esse novo arcabouço fiscal proposto, além da instituição do Novo Teto de Gastos, a Regra de Ouro deveria ser extinta, tal como explicado em Oreiro e Silva (2020), e poderia ser modificada a regra de superávit primário para uma meta de superávit primário ajustado ao ciclo econômico. Em suma, com o Novo Teto de Gastos, a cada ciclo de 4 anos, de acordo com o contexto econômico e fiscal de cada período, seriam definidas as variações do teto geral, além de estimativas para os subtetos indicados. Para evitar o risco de sempre se utilizar o teto definido, mesmo sem necessidade a depender no nível da atividade econômica, haveria essa meta de resultado primário ajustada ao ciclo – e que poderia auxiliar na construção de um espaço fiscal para atuação contracíclica no caso de eventual choque econômico adverso dentro do ciclo de 4 anos. Assim, seria um teto menos draconiano relativamente ao instituído a partir de 2017 e que permitiria uma atuação anticíclica por parte do governo, ao contrário do Teto anterior que eliminava qualquer possiblidade disso.
Outra vantagem do Novo Teto de Gastos é poder reavaliar a situação a cada 4 anos, inclusive observando as estimativas para as dinâmicas dos subtetos, como os “Benefícios previdenciários”. Caso se entenda que esses gastos estão crescendo excessivamente, isto ficaria mais explícito com a presença do subteto de gastos e essa questão poderia ser mais bem endereçada ao longo dos anos por meio de novas reformas previdenciárias, por exemplo. Ainda, ao longo dos ciclos de 4 anos, mais frequentes do que ciclos de 10 anos do Teto atual, a tendência é de ganho de maturidade por parte da população com essa ferramenta proposta pelo Novo Teto de Gastos, o que tenderia a qualificar mais a discussão pública sobre quais as despesas deveriam ser priorizadas
Em suma, ao longo deste artigo, mostramos que antes da pandemia era necessário um impulso fiscal para acelerar o crescimento econômico, inclusive para evitar os conhecidos efeitos de histerese no desempenho do PIB. Por outro lado, com o novo “coronavírus”, essa necessidade se torna ainda mais premente, dado o tamanho do choque adverso estimado para 2020. Assim, mostramos que será necessário alterar o teto de gastos tal como está em vigência desde 2017. Mais do que isso, como ele se tornará inviável em breve, é melhor que ele seja modificado de forma organizada, priorizando despesas mais qualificadas. Depois disso, apresentamos nossa proposta de arcabouço fiscal, mais simplificado e mais eficiente, com o Novo Teto de Gastos, com sua primeira versão válida até 2023, o que permitiria um avanço substancial nos investimentos públicos já para 2021, algo essencial para a retomada do crescimento econômico no país em reação à queda de 2020; além da extinção da Regra de Ouro e da instituição de uma meta de superávit primário ajustado ao ciclo. Finalmente, demonstramos que esse aumento de despesas não necessariamente estaria relacionado a um descontrole da dinâmica da dívida pública, e que isso depende da diferença entre taxa de juros e de crescimento econômico, além do resultado primário, apesar que este último também é afetado pelos dois primeiros fatores.
Por fim, vale dizer, caso se entenda que seria saudável alguma redução da dívida pública de forma mais acelerada, poderia ser estabelecida alguma elevação de tributos. Neste caso, a reforma tributária que tem sido debatida para fins de simplificação do sistema tributário brasileiro poderia se aliar a outra no sentido de dar maior progressividade a esse mesmo sistema. Para tal, poderiam ser instituídos tributos sobre dividendos, novas alíquotas de Imposto de Renda para vencimentos mais elevados, uma harmonização de regras para todos que tiverem o mesmo nível de renda (mesmo como Pessoa Jurídica). Além disso, para o resultado primário do setor público consolidado, poderiam ser mais bem regulamentados e aproveitados tributos como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) – com a cobrança para todos os tipos de veículos automotores, não somente carros – e a possibilidade de expansão da alíquota do tributo sobre heranças, por exemplo, de 8% para 16%.
Referências
Alesina, A.; Favero, C.; Giavazzi, F. Austerity: when it works and when it doesn’t. Princeton University Press, 2019.
Cerra, V.; Saxena, S. Booms, crises, and recoveries: a new paradigm of the business cycle and its policy implications. IMF, WP/17/250, 2017.
Couri, D. Gradualmente e, então, de repente. Valor Econômico, 2020. Disponível em: < https://valor.globo.com/opiniao/coluna/gradualmente-e-entao-de-repente.ghtml>.
Ferreira Filho, H.; Fraga, J. A PEC 241/55: redenção ou condenação?. Brasil Debate, 2016. Disponível em: <http://brasildebate.com.br/a-pec-24155-redencao-ou-condenacao/>.
Giambiagi, F.; Tinoco, G. O teto do gasto público: mudar para preservar. BNDES, Texto para Discussão 144, 2019.
Krugman, P. The case for permanent stimulus. VoxEU, 2020. Disponível em: < https://voxeu.org/article/case-permanent-stimulus>.
Oreiro, J. Pós-pandemia: Como retomar o crescimento mantendo a dívida pública sustentável?. Brasil Debate, 2020. Disponível em: < http://brasildebate.com.br/pos-pandemia-como-retomar-o-crescimento-mantendo-a-divida-publica-sustentavel/>.
Oreiro, J.; Silva, K. A estagnação brasileira e a agenda de Paulo Guedes em tempos de coronavírus. Revista Brasileira de Planejamento e Orçamento, vol. 10, n.1, 2020.
Pires, M. A macroeconomia da política fiscal. Valor Econômico, 2019. Disponível em: < https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-macroeconomia-da-politica-fiscal.ghtml>.
[1] A projeção de crescimento econômico foi similar àquela da primeira simulação: -5,5%, 4,5%, 4,25%, 4%, 3,5%, 3,25%, 3%, 2,75%, respectivamente, entre 2020 e 2028; 2,58%, a tendência entre 1980-2014 entre 2029-2040. A taxa de juros considerada foi 0% em 2020, 1% em 2021-2022, 1,5% em 2023-2024, 2% em 2025-2026, 2,25% em 2027-2028, e 2,5% entre 2029-2040. O resultado primário seria de -7% em 2020, -3% em 2021, e aumenta em 0,4p.p. até chegar em -0,2% do PIB em 2028 em diante.
[2] Além da reforma trabalhista, que reduziu o poder de barganha dos trabalhadores, reduzindo a expansão de salários do setor privado, o que tende a reduzir a inflação; e da inflação reduzida “importada de outros países”, notadamente dos avançados.
[1] Foi escolhido esse nome para evitar confundir com as “Demais obrigatórias” que aparecem em diversos relatórios oficiais do governo, mas com outro conceito.
[2] Vale dizer, as estimativas do PLDO 2021 quanto a essas despesas vieram significativamente menores do que anteriormente, com uma evolução das despesas previdenciárias menos significativas.
[3] Aqui, para fins de simplicidade, adotou-se uma variação de 4% a.a., tal como no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). No entanto, será necessário verificar de forma mais aprofundada os impactos da adoção de Fundos de Previdência complementar dos servidores públicos nessa dinâmica, além do percentual de adesão dos servidores a esses fundos e, ainda, o impacto dos aumentos menores sobre a remuneração dos ativos sobre a folha dos inativos que têm seus salários vinculados com os servidores da ativa.
[4] Para fins de simplicidade, adotou-se a proporção das despesas de 2019 para compor o valor global de gastos com pessoal – 0,8% para cerca de 53,5% das despesas com os ativos e 4% para cerca de 46,5% com os inativos, totalizando um avanço global de 2,3% a.a. Posteriormente, esse valor de expansão de 0,8% a.a. para o pessoal ativo poderia ser alterado, a depender do incremento anual da renda per capita do país em anos seguintes; e sua composição seria a combinação da elevação do quantitativo de servidores e do aumento das remunerações.
[5] Como referência para os valores de 2021 em diante, foram utilizados os dados previstos para 2020 antes da pandemia nas despesas discricionárias, ou seja, cerca de 19 bilhões para “Investimento” e 76 bilhões para “Demais discricionárias”.
[6] Ver, para isso, Oreiro (2020).
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