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José Luis Oreiro

~ Economia, Opinião e Atualidades

José Luis Oreiro

Arquivos Mensais: março 2020

O liquidacionismo de Guedes aprofunda a crise (Valor Econômico, 31/03/2020)

31 terça-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, Debate macroeconômico, Erros de Paulo Guedes, José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula

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Crise do Coronavírus, Debate Macroeconômico, José Luis Oreiro, Luiz Fernando de Paula, Os erros de Paulo Guedes

José Luis Oreiro [1] e Luiz Fernando de Paula [2]

 

Antes mesmo da crise mundial recente, a divulgação do crescimento do PIB real de 2019 decepcionou: um crescimento de 1,1% a.a., contra a previsão do Focus de 2,5% no início de 2019. Este resultado evidenciou que estamos desde 2017  com uma economia estagnada (crescimento da renda per capita entre 03,% a 04% a.a.), um fenômeno sem precedentes nas últimas décadas.

No Brasil o contágio da crise ganha contornos dramáticos ao se levar em conta a lenta recuperação econômica em curso e o fato de que esta, combinada com a reforma trabalhista de 2017, resultou em uma acentuada precarização do trabalho, com aumento de trabalhadores sem carteira de trabalho (mais de 40% da mão-de-obra). Como o governo está respondendo a esse “tsumani”?

Segundo declarações iniciais do Presidente e seu Ministro da Economia estaríamos perante uma “marolinha”. Em 9/3/2020, o Ministro da Economia afirmou que “temos de manter absoluta serenidade e a melhor resposta à crise são as reformas. Vamos mandar a reforma administrativa, o pacto federativo já está lá, vamos mandar a reforma tributária. (…) Se fizermos as coisas certas, o Brasil reacelera. Se fizermos as coisas erradas, o Brasil piora”.

Além da necessidade de avançar na agenda de reformas, o Ministério da Economia anunciou em 16/3/2020 uma injeção de recursos na economia de R$ 147 bilhões para garantir capital de giro para as empresas; postergação por 3 meses das contribuições do FGTS, além de transferir os valores não sacados do PIS/Pasep para o FGTS; antecipação do abono salarial e da segunda parcela do 13º salário dos aposentados pelo INSS; ampliação dos beneficiários do bolsa-família; e um auxílio emergencial mensal no valor de R$ 200,00 para trabalhadores informais ou desempregados.

Em 22/3/2020, o governo editou a MP 927, que previu a suspensão contratual do trabalho por até 4 meses em comum acordo entre patrão e empregado, acabando por recuar frente a pressões. Em troca,  o Banco Central anunciou uma linha de crédito para financiar folha de pagamento de pequenas e médias empresas até dois salários mínimos.

As medidas anunciadas se mostram claramente limitadas: na realidade se trata principalmente de antecipações de gastos que seriam realizados ao longo de todo o ano de 2020, mas que serão realizados no 1º  semestre do ano.

Para os trabalhadores “uberizados”, a partir de iniciativa da Câmara dos Deputados, foi aprovado um auxilio emergencial de R$ 600,00 por 3 meses. Essa medida é necessária mas pode ser insuficiente para prover um impulso fiscal necessário para atenuar a crise econômica, que irá sofrer um duplo choque de oferta e de demanda.

Aqui duas questões se colocam.

Em 1º lugar, Guedes e sua equipe reiteram a necessidade de uma nova rodada de reformas liberalizantes para enfrentar a crise, mas não enfatizam suficientemente políticas de estimulo a demanda. A agenda econômica do governo é uma espécie de reedição do liquidacionismo de Hoover-Mellon (Secretário do Tesouro americano que pediu no início da década de 30 que o Presidente Hoover se abstivesse de intervir na economia, pois acreditava que crises expurgavam a economia), no sentido de que as medidas de estímulo a demanda agregada são vistas como contraproducentes, além da visão de que a crise brasileira é essencialmente um problema moral, resultado da “gastança” dos governos anteriores.

Em 2º lugar, há um problema de governança na política econômica, com adoção de políticas pontuais ad hoc a reboque das pressões e acontecimentos. Não há uma visão estratégica ampla de como enfrentar a crise, e tampouco uma visão de mais longo prazo de como dar sustentação ao crescimento superado o risco da pandemia.

Nossa avaliação é que a agenda do governo será pouco efetiva e poderá contribuir timidamente para atenuar a crise em curso, seja porque algumas das reformas propostas, como a PEC Emergencial, irão produzir uma contração da massa salarial dos servidores públicos, levando a ampla queda dos gastos de consumo; seja porque numa situação de profunda paralisia da atividade econômica, a única saída para enfrentar a crise é através de uma política fiscal contracíclica ativa  face a queda na demanda privada.

Que medidas devem ser tomadas para enfrentar a crise?

Sem querer esgotar as medidas anticíclicas, sugerimos o seguinte: (i) criação de uma linha de crédito emergencial pelo BNDES e BNB com taxas atrativas para capital de giro para pequenas e médias empresas para amenizar frustação de receitas; (ii) implementação de um programa de socorro financeiro aos governos estaduais e municipais (governo já sinaliza nessa direção); (iii) ampliação para as famílias do programa de refinanciamento de dívidas de pessoas de menor renda da Caixa; (v) garantia de recursos extras na saúde para ampliação de leitos e aquisição de equipamentos; e (vi) implementação de  um programa de renda universal mais ambicioso do que o proposto, com aporte de um salário mínimo para cada trabalhador que se encontre no setor informal durante o período de emergência (um cálculo simples, considerando cerca de 38 milhões de pessoas no mercado informal e o salário mínimo de R$ 1039,00, daria de cerca de R$ 120 bilhões, algo em torno de 1,6% do PIB).

Seria ainda bem-vinda a adoção de uma política com recursos do governo que garanta transitoriamente o pagamento de salários de quem ganha até três mínimos, atingindo cerca de 30 milhões de trabalhadores, tal como vendo sendo adotada em outros países, como Alemanha e Reino Unido. A vantagem desta medida em relação aos empréstimos subsidiados pelo Tesouro é que os empréstimos feitos pelas empresas terão que ser pagos daqui a 6 meses, o que poderá retardar a retomada do crescimento econômico e eventualmente aumentar a frente o desemprego.

A longo prazo, para sustentar a retomada do crescimento, a implementação de uma política de investimentos públicos em infraestrutura, inicialmente como o governo desengavetando projetos paralisados.

Dado o caráter emergencial da crise, torna-se necessária a alteração das regras fiscais vigentes, ficando ao menos momentaneamente deixadas de lado, com revisão da meta do resultado primário, extinção da regra de ouro e suspensão do Teto de Gastos por um prazo de dois anos, criando espaço legal para uma política de expansão dos gastos públicos.

Momentos de crise profunda vale a máxima de que “todos somos keynesianos”.

A inação e demora na resposta à crise cobrará um preço alto ao país.

[1] Professor do Departamento de Economia da UnB.

[2] Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GEEP/IESP/UERJ.

Quem irá pagar o custo das medidas fiscais para enfrentar a crise do coronavírus?

28 sábado mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, Debate macroeconômico, José Luis Oreiro

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Crise do Coronavírus, Debate Macroeconômico, José Luis Oreiro

A sociedade brasileira está despertando para o fato de que as medidas de restrição a mobilidade e aglomeração de pessoas (ou isolamento social) – necessárias para conter o ritmo de transmissão do coronavírus – irão resultar na maior contração do PIB jamais ocorrida na história do país. Deve-se deixar claro de que não existe o dilema entre vidas e economia: todos os países do mundo irão sofrer em maior ou menor grau uma forte queda do nível de atividade econômica; cuja intensidade será tão maior quanto: (a) menores forem a escala e a duração das medidas de confinamento social, e (b) menores forem as medidas de estímulo fiscal e monetário adotadas para atenuar o impacto sobre o nível de renda e de emprego decorrentes do referido confinamento. A agricultura e a indústria, pela natureza de seu processo produtivo que exige menor interação pessoal (a interação é homem-máquina, não homem-homem) e por empregarem relativamente menos pessoas, podem continuar operando de forma mais ou menos “normal” durante o período de confinamento (desde que sejam dados aos trabalhadores o Equipamento de Proteção Individual necessário), a depender é claro do nível de demanda pelos seus produtos. É o setor de serviços que será duramente afetado pelas medidas de contenção social, pois a maior parte de suas atividades exigem a interação homem-homem, a qual não pode ser inteiramente substituída pelo tele-trabalho ou pelo e-commerce. Dessa forma, o risco de desabastecimento de gêneros de primeira necessidade está, por hora, afastado. O grande desafio é, portanto, garantir um volume suficientemente grande de demanda pelos bens agrícolas e industriais durante a fase de quarentena.

Numa economia de moeda fiduciária como a desenvolvida pelas sociedades capitalistas nos últimos 150 anos, não é a oferta de bens e serviços que determina a demanda; mas, pelo contrário, é a demanda que determina a oferta. Como disse certa vez o economista Robert Clower, numa economia monetária “bens compram moeda, e moeda compra bens; mas bens não compram bens”. A existência de capacidade produtiva não é condição suficiente para assegurar automaticamente a demanda por bens e serviços. Numa economia de mercado, trabalhadores desempregados estão disponíveis para produzir os bens que os consumidores desejam, mas as empresas não irão emprega-los porque o desemprego diminui a demanda pelos seus produtos. Assim cria-se um impasse: trabalhadores desempregados não consomem porque não tem renda; e as empresas não os contratam porque não tem para quem vender a produção que resultaria da contratação dos mesmos.

Esse problema pode ser, em tese, facilmente resolvido numa economia centralmente planificada. Uma agência governamental – por exemplo, a Gosplan – pode exigir que as empresas contratem todos os trabalhadores disponíveis a uma taxa de salário fixa. Na medida que esses trabalhadores são contratados, a massa salarial aumenta, criando assim parte significativa da demanda efetiva necessária para absorver a produção adicional resultante do emprego desses trabalhadores. Como o valor adicionado na produção é igual a soma de salários e lucros, para que as empresas consigam realizar um “lucro normal” sobre o capital empregado, a Gosplan terá que criar uma demanda adicional àquela gerada pelo crescimento do consumo dos trabalhadores. Essa demanda adicional pode vir do aumento do investimento das próprias empresas sob controle da Gosplan; ou então poderá vir diretamente do Estado na forma de investimento público na construção de hidrelétricas, estradas e demais equipamentos de infra-estrutura (ou pelas exportações numa economia aberta). Essa demanda adicional é o que os economistas Keynesianos chamam de “demanda autonôma”, no sentido de que se trata de uma demanda que não é induzida pelo nível de produção e de emprego; sendo de certa forma exógena ao sistema econômico.

Retornando a questão da pandemia do coronavirus. O confinamento social irá produzir uma brutal redução da atividade do setor de serviços. As empresas desse setor, confrontadas com a queda das vendas, decorrentes da impossibilidade de interação entre as pessoas, irão fazer demissões em massa. Trabalhadores sem renda não tem como demandar os bens agrícolas e industriais (por exemplo, produtos de limpeza e higiene) necessários para a sua subsistência. Como consequência a produção de alimentos e produtos manufaturados de consumo semi-durável também será atingida; com impacto indireto na produção de bens intermediários e de capital. Dessa forma, a produção agrícola e industrial será reduzida, levando assim ao “desabastecimento” de gêneros de primeira necessidade. Esse cenário, a depender da duração do confinamento social, poderá ser o de fim da civilização tal como a conhecemos. 

Mas nada disso precisa ocorrer. A demanda dos trabalhadores desempregados pode ser mantida por intermédio de transferências de dinheiro para os mesmos por parte do governo. Com dinheiro no bolso os trabalhadores desempregados poderão continuar comprando os bens de primeira necessidade, sustentando assim a demanda por alimentos e produtos manufaturados. Se essa transferência de renda for feita a título de pagamento dos salários dos trabalhadores das empresas privadas pelo Estado; então essas empresas não precisarão sequer demitir os seus trabalhadores: a quarentena será meramente um período de “férias coletivas” pagas pelo governo. O mesmo raciocínio pode ser estendido para os trabalhadores informais e por conta própria. Por intermédio de um programa de renda mínima financiado pelo Estado, esses trabalhadores terão dinheiro suficiente para demandar alimentos e produtos manufaturados durante o período de confinamento social. Desde que as atividades agrícolas e industriais sejam mantidas operando dentro de uma certa normalidade (o que pode exigir, no extremo, a supervisão das forças de segurança do Estado), bem como os indispensáveis serviços de transporte e logística; não é necessário que as pessoas afetadas pelas medidas de confinamento não possam atender as suas necessidades básicas.

Está claro que um programa de garantia de renda nos moldes descritos acima envolvem cifras da ordem de centenas de bilhões de reais. Esse custo será inteiramente coberto pelo Estado. Aqui se acende a sirene de alarme nos políticos e formadores de opinião. Como será possível financiar um volume monstruoso de gastos públicos? Existe espaço fiscal para isso? De onde virão os recursos para financiar esse programa? 

A resposta a essa pergunta pode ser chocante para alguns: O custo econômico (corretamente definido) é igual a zero. 

Em economia, o conceito relevante de custo é o custo de oportunidade. Partindo-se da hipótese de que os recursos da economia estão plenamente empregados, o custo de um bem ou serviço é igual ao custo do que deve deixar de ser produzido para que os recursos necessários para a produção desse bem sejam mobilizados. É o velho dilema dos canhões e da manteiga para tempos de guerra. Para aumentar a produção de canhões (para o conflito bélico) é necessário reduzir a produção de manteiga (para o consumo civil), pois recursos (capital e trabalho) usados na produção de manteiga precisam ser transferidos para a produção de canhões.

O que acontece se os recursos da economia não estiverem sendo plenamente empregados, ou seja, se existir capacidade de produção ociosa? Nesse caso podemos produzir mais manteiga e mais canhões ao mesmo tempo, de forma que o custo de oportunidade da produção adicional de ambos os bens será igual a zero.

Mesmo antes da crise do coronavírus, a economia brasileira apresentava uma enorme capacidade ociosa. O desemprego medido pelo IBGE se encontrava em janeiro de 2020 em torno de 11,5 milhões de pessoas; ao passo que a capacidade utilizada da indústria de transformação se encontrava 10 p.p abaixo da média histórica. Com as medidas de isolamento social, a ociosidade dos fatores de produção irá aumentar consideravelmente. Nesse contexto, o conceito de custo de oportunidade não se aplica. 

No debate brasileiro atual sobre os custos do enfrentamento do coronavirus existe uma enorme confusão conceitual entre custos financeiros e custos econômicos. A não ser que a pandemia no Brasil cause um número muito grande de mortes na força de trabalho (o que depende, em parte, do sucesso das políticas de isolamento social); a capacidade produtiva da economia brasileira será pouco afetada pelo vírus. Com efeito, a infra-estrutura pública e o parque industrial ficarão totalmente intactos e a força de trabalho sofrerá (oremos) uma pequena redução. Isso significa que, do ponto de vista puramente econômico, o Brasil sairá da crise tão rico (ou tão pobre, depende do ponto de vista) como era antes da crise. O problema que poderemos enfrentar no pós-crise será de demanda, ou seja, de como assegurar um nível razoavelmente normal de utilização dos recursos produtivos existentes; não um problema de oferta.

Os paladinos da ortodoxia econômica dirão, contudo, que as medidas necessárias para financiar o programa de garantia de renda e de emprego (que eles, com poucas exceções, também acham necessários no momento atual) irão levar a um aumento significativo da dívida pública, talvez numa magnitude de 20 a 30 p.p do PIB, colocando-a numa trajetória insustentável no médio e logo-prazo. Dessa forma, argumentam eles, será necessário no pós-crise (ou até mesmo já na fase de confinamento social) aprovar medidas de ajuste fiscal no sentido de limitar o crescimento da dívida pública. Entre essas medidas estariam, por exemplo, a redução dos vencimentos dos servidores públicos até o ano de 2024. Alguns economistas de esquerda como, por exemplo, o ex-ministro da fazenda do governo Dilma, Nelson Barbosa, acrescentam a essas medidas a necessidade de se cobrar impostos adicionais sobre os mais ricos. 

A ideia de que as medidas necessárias para financiar o aumento dos gastos levarão obrigatoriamente a um aumento potencialmente insustentável da dívida pública apresenta uma série de equívocos. Em primeiro lugar, a evidência empírica existente não aponta para nenhum número mágico a partir do qual a dívida pública se torne insustentável. Com efeito, países como a Itália e o Japão possuem uma dívida pública como proporção do PIB muito maior do que o Brasil, mas comprometem um valor muito menor do PIB no pagamento dos serviços dessa dívida. Nesse contexto, vale a pena lembrar que os cálculos feitos por Reinhart e Rogoff (2010) mostrando que uma relação dívida/pib superior a 90% teria um impacto negativo sobre o crescimento econômico de longo-prazo estavam errados, conforme demonstrado por Herndon et al (2014). Daqui se seque que não existe embasamento científico para a “tese do abismo fiscal”, segundo a qual a economia poderia entrar numa situação de caos se a dívida pública como proporção do PIB ultrapassar certo valor crítico.

Em segundo lugar, como argumentado por Delong e Summers (2012) e Rowthorn (2019), se a taxa de juros paga pelos títulos públicos ficar abaixo de um certo valor crítico, um pacote de estímulo fiscal feito durante uma recessão será auto-financiável, ou seja, poderá ser pago, num período finito de tempo, com as receitas tributárias decorrentes do crescimento da atividade econômica que foi induzido pelo referido estímulo, sem que seja necessário o aumento da alíquota de impostos. Dessa forma, se o Banco Central do Brasil se comprometer em manter a taxa de juros num patamar baixo por um período suficientemente longo de tempo; o esforço fiscal necessário para o enfrentamento da crise será auto-financiável.

Por fim, mas não menos importante, os gastos do governo com o programa de garantia de renda pode ser financiado, em parte ou na sua totalidade, pela emissão de moeda. Uma das teses defendidas pelos expoente da Modern Money Theory (MMT) é que governos que emitem dívida denominada em sua própria moeda não possuem restrição financeira, pois sempre podem monetizar o déficit fiscal. Não se trata, contudo, de uma autorização para emitir moeda como se não houvesse amanhã. Esse expediente só pode ser usado em situações nas quais (i) a economia opera com um nível significativo de capacidade ociosa e (ii) o país possuir um volume suficientemente alto de reservas internacionais que lhe permitam garantir a estabilidade da taxa de câmbio durante o período de monetização dos déficits públicos (Rowthorn, 2020, p.6). Se essas condições estiveram presentes, então a emissão monetária não irá resultar em inflação, mas apenas em aumento do nível de atividade produtiva.

As condições supra-citadas são amplamente atendidas no caso brasileiro, de forma que o governo federal deveria, sem demora dada a situação de urgência, apresentar uma PEC que permita ao Banco Central do Brasil fazer o financiamento monetário do déficit público. Uma vez aprovada essa PEC deixariam de existir limites de natureza financeira para o enfrentamento da crise do coronavírus. O que está impedindo uma resposta adequada a situação na qual se encontra o Brasil não é uma restrição econômica ou técnica; mas puramente conceitual. Como diria John Maynard Keynes o problema não está nas novas ideias, mas nas ideias antigas que se ramificam por todos os cantos de nossas mentes. É chegado o momento de nos livrarmos das superstições econômicas do passado. É o momento de abandonar o “terraplanismo econômico”. 

Referências

DeLong, J.B; Summers, L.H. (2012). “Fiscal Policy in a Depressed Economy”. Brookings Papers on Economic Activity, Spring.

Herndon, T; Ash, M; Pollin, R. (2014). “Does high public debt consistently stifle economic growth? a critique of Reinhart and Rogoff. Cambridge Journal of Economics, 38(2).

Reinhart, C; Rogoff, K. (2010). “Growth in a time of debt”. American Economic Review: papers and proceedings, Autumm.

Rowthorn, R. (2020). “Keynesian economics: back from the dead?”. Review of Keynesian Economics, Vol. 8, n.1.

————. (2019). “Fiscal Policy in a depressed economy: a comment”. Working Paper WP513, Center for Business Reserach, University of Cambridge.

 

 

 

 

 

‘Neoliberalismo será sepultado por um tempo’ (O Estado de São Paulo, 27/03/2020)

27 sexta-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

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José Luis Oreiro, economista da UnB (Entrevista concedida para Douglas Gravas do Estado de São Paulo)

“Hoje, o presidente não manda mais nada, mas o Congresso deve aprovar um programa emergencial de renda mínima para quem mais precisa. Além disso, os bancos públicos devem entrar com linhas de crédito para capital de giro das empresas, com prazo de carência e juros baixos, para que elas continuem pagando seus funcionários e para impedir demissões em massa. Isso seria urgente. O BNDES tem R$ 100 bilhões em caixa, que poderia usar rapidamente para esse socorro. Além disso, se a empresa receber dinheiro público, não vai poder demitir durante esse período.

Uma questão que agrava a crise atual é a falta de diálogo entre o presidente e o Congresso. O presidente deveria parar de querer atrapalhar o que os governadores e os parlamentares estão fazendo.

Acredito que, passada essa crise, o neoliberalismo, que estava ganhando um novo fôlego nos últimos anos, vai ser sepultado por um bom tempo tanto no Brasil quanto no mundo inteiro. O liberalismo clássico acabou depois das guerras mundiais, as funções do Estado na economia foram sendo ampliadas depois dos conflitos e foi preciso que os países montassem uma rede mínima de proteção individual. Nos anos seguintes, se começou a constituir de forma mais ampla o estado de bem-estar social e o Estado assumiu o papel de regulador da atividade econômica.

Houve um primeiro choque do pensamento neoliberal em 2008 e agora as sociedades vão aprender a importância dos serviços públicos e que “a mão invisível do mercado” não passa álcool em gel. Claro, vão sobreviver uns doidos gritando o contrário, mas serão minoria. A crise do coronavírus será para o neoliberalismo o mesmo que a queda do Muro de Berlim, em 1989, foi para o comunismo.” / D.G.

A Redução dos Vencimentos dos Servidores Públicos é saída para a crise do coronavírus?

25 quarta-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, Helder Lara Ferreira, José Luis Oreiro

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Crise do Coronavírus, Helder Lara Ferreira, José Luis Oreiro

Por José Luis Oreiro (UnB) e Helder Lara Ferreira (UnB)

A proposta em elaboração no Congresso Nacional de redução dos vencimentos dos servidores públicos da União para (sic) abrir espaço fiscal para o enfrentamento dos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus é uma medida inócua, desnecessária e prejudicial para a saúde econômica do país.

Vamos por partes:

Segundo o Painel Estatístico de Pessoal, do Ministério da Economia, os gastos com pessoal da União, em 2019, foram de 319,51 bilhões de reais. No entanto, o gasto com pessoal ativo foi de 180,41 bilhões de reais. As despesas com pessoal inativo estão fora da medida de redução dos vencimentos, por se referirem a benefícios previdenciários cuja irredutibilidade é garantida por Clausula Pétrea da Constituição Federal. 

Do total das despesas com pessoal, cerca de 40% se referem a despesas com saúde, segurança e defesa, as quais não seriam afetadas pela discussão do corte de vencimentos. Considerando que essa proporção seja válida também, aproximadamente, para os vencimentos com pessoal ativo (não há informações separadas entre inativos e ativos), teríamos como ponto de partida o valor de R$ 108 bilhões, ou seja, 60% de R$ 180 bilhões.

Há diversas propostas, atualmente, no sentido de redução de salários e vencimentos. Desde uma supressão de salários que poderia chegar a 50% (o que caracteriza uma situação de confisco a qual, portanto, deverá ser rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal), outra com a possibilidade de redução de 20% de forma linear, a outras propondo algo progressivo com o nível de salário, e ainda algumas que retiram da propostas algumas categorias (notadamente no Judiciário), todas com prazos diferentes de validade do corte de salários – desde 3 meses, ou enquanto a calamidade por conta do coronavírus perdurar, e algumas com validade até 2024 (!).

Considerando-se uma das propostas menos radicais – e, portanto, com  mais probabilidade de ser aprovada pelo Congresso Nacional – de um corte de 20% linear das despesas com o pessoal ativo e por três meses, teríamos uma economia de cerca de 5 bilhões de reais (3/13 * 108 bi * 0,2), ou 0,068% do PIB. É isso mesmo, teríamos de uma redução de despesas que não chega nem a 0,1% do PIB.  Se algumas categorias (como juízes e procuradores) fossem retiradas dessa conta, além de pessoas que ganham menos do que 10 mil reais (sim, grande parte do funcionalismo ganha menos de 10 mil reais, ao contrário do que é alardeado, muitas vezes com anedotas para ataques ideológicos contra o setor público como um todo), a economia facilmente cairia para menos da metade dos 5 bilhões apontados anteriormente. Trata-se, portanto, de uma medida inócua.

Isso porque haveria uma redução de despesa da ordem de 2 a 5 bilhões de reais, num momento que são necessárias medidas da ordem de centenas de bilhões de reais. Isso não faz nenhum sentido econômico e/ou político. Devemos destacar que nenhuma medida de redução dos salários dos servidores públicos foi executada ou está sendo formulada pelos países desenvolvidos ou em desenvolvimento; os quais estão lidando com a crise com a seriedade que ela merece, a exemplo dos EUA, com um pacote de 2 trilhões de dólares adicionais (além de algumas centenas de bilhões de dólares anteriormente já gastos) aprovados na data de hoje (25/03/2020). Temos também o exemplo da  Dinamarca que destinou 15% de seu PIB para o enfrentamento da crise.

Dessa considerações se segue que o Congresso Nacional está gastando tempo e energia com medidas minúsculas que não só não ajudam no enfrentamento da crise, como ainda criam problemas adicionais como, por exemplo, a inadimplência dos servidores atingidos, a redução do consumo num momento de depressão econômica e a provável redução da qualidade dos serviços públicos oferecidos à população.  Essa medida é, portanto, prejudicial à saúde econômica do Brasil. 

Por fim, trata-se de uma medida desnecessária pois o Tesouro Nacional tem uma reserva de R$ 1,355 trilhão de reais depositados na sua Conta Única no Banco Central, montante esse que representa um valor 271 vezes maior do que o que poderia ser economizado com a redução dos vencimentos dos servidores públicos. Propostas para o uso dessa reserva do Tesouro que está ociosa nos cofres do Banco Central do Brasil já foram feitas (a esse respeito ver https://jlcoreiro.wordpress.com/2020/03/22/os-recursos-da-conta-unica-do-tesouro-podem-ser-usados-para-o-enfrentamento-da-crise-do-coronavirus/); mas ainda não obtiveram do Congresso Nacional e da grande mídia a devida atenção.

Por fim, existem outras formas de se obter os recursos financeiros necessários para o enfrentamento da crise mas que nem aparecem para debate como, por exemplo, (i) a elevação da alíquota de tributação de heranças de 8% para 16%; tributação de grandes fortunas; (ii) a tributação de lucros e dividendos distribuídos ; (iii) o aumento da progressividade na tributação da renda com a criação de alíquotas adicionais no IRPF, mas também com a harmonização de regras para todas as faixas de renda, mesmo que como PJ; dentre outras.

É o momento do Congresso Nacional deixar de ser pautado pelos interesses do sistema financeiro e da grande mídia e passar a ouvir a inteligência Brasileira.       

Nota sobre o Pronunciamento do Presidente da República

25 quarta-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in "nova ordem", Herr Bolsonaro

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"nova ordem", Fim do Brasil, Herr Bolsonaro

Assisti hoje o discurso do Presidente da República na esperança de que a gravidade da situação pudesse despertar naquela alma atormentada um pouco do sentido do dever e da dignidade do cargo. Não fiquei decepcionado. Fiquei horrorizado. O Presidente da República adotou um discurso incendiário, culpando a imprensa, os governadores e prefeitos pelo clima de pânico reinante no país. Outra vez veio com o discurso anti-ciência de que o coronavírus é uma simples gripe, passando por cima da colossal evidência empírica que mostra a enorme quantidade de mortos, inclusive entre pessoas com menos de 65 anos de idade. Não tenho a menor dúvida de que Bolsonaro deseja, no seu íntimo, que o caos social se instaure no Brasil. Lembro bem da entrevista que ele concedeu nos anos 1990 – logo após a crise cambial do início de 1999 – de que os problemas do Brasil só seriam resolvidos por intermédio de uma guerra civil na qual fossem mortos uns 30 mil brasileiros. Essa frase saiu da boca dele. Muitos disseram que era blefe, que ele apenas queria chamar atenção pra si. O mesmo foi dito de Adolf Hitler quando ele assumiu o cargo de Chanceler da Alemanha em 1933. O resultado é sobejamente conhecido. Rezo a Deus para que não tenhamos que esperar até a destruição do país e sua ocupação por potências estrangeiras para nos livrarmos desse maníaco.

Pacote anunciado pelo governo deve liberar R$ 1,2 trilhões aos bancos (Correio Braziliense, 24/03/2020)

24 terça-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

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Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

Rossana Hessel

O Banco Central (BC) anunciou, nesta segunda-feira (23/3), um pacote de medidas para injetar dinheiro no mercado em uma tentativa de mitigar o ambiente de incerteza provocado pela pandemia do novo coronavírus. Segundo o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o pacote soma R$ 1,216 trilhão, ou 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB), incluindo ações que ainda estão em estudo. Comparado aos R$ 117 bilhões aplicados no socorro aos bancos durante a crise financeira global de 2008 e 2009, que corresponderam a 3,5% do PIB, o montante é quase 10 vezes maior.

 

“O BC está absolutamente tranquilo em relação ao que estamos atravessando”, afirmou Campos Neto. Ele reforçou que o “arsenal é grande”, inclusive, para lidar com a desvalorização do real, e descartou o risco de quebra de bancos, como ocorreu no passado. “Em 2008, a incerteza era se o banco ia quebrar ou não. Agora, não falamos disso”, garantiu.

 

Apesar do volume expressivo das medidas, a confiança no país piorou, lembrou o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB). A curva de risco subiu novamente para os títulos públicos com vencimento a partir de 2023, variando 1,5% até 5,9%. “Parece que não funcionou”, disse.

 

Uma das ações anunciadas, ontem, foi a redução temporária, de 25% para 17%, da parcela dos depósitos compulsórios de longo prazo dos bancos, recursos que ficam parados no BC. A medida vale até dezembro e a expectativa é injetar R$ 68 bilhões no mercado de crédito. Em janeiro, o compulsório havia caído de 31% para 25%, o que propiciou a liberação de R$ 135 bilhões. Somadas, as duas decisões podem representar expansão de R$ 203 bilhões em empréstimos. Contudo, esse montante não significa dinheiro na veia da economia, porque é preciso haver demanda pelos recursos.

 

“No momento, esse tipo de medida é ineficaz para a atividade econômica, e só vai fazer sentido quando a pandemia for controlada”, avaliou o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez. Ele lembrou que um dos termômetros do risco de calote do governo, o Credit Default Swap (CDS) para os títulos públicos de cinco anos, voltou a subir, passando de 335 pontos, na sexta-feira, para 361 pontos, ontem.

 

Outra medida foi a liberação de empréstimos com lastro em debêntures de empresas, com potencial de R$ 91 bilhões. Na avaliação do ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, é uma ação perigosa, pois o contribuinte pagará a conta se a empresa quebrar no meio da crise. “O BC está aceitando dívida privada como garantia. Isso é muito arriscado”, alertou. Para Sanchez, o BC tenta criar fluxo para um problema que já existe, de R$ 20 bilhões de debêntures encalhadas. “Ele está buscando fazer o mercado girar”, disse.

 

Foi criado, ainda, o Depósito a Prazo com Garantias Especiais (DPGE) que, pelas estimativas do BC, permitirá uma expansão da concessão de crédito em R$ 200 bilhões.

 

Campos Neto também citou a flexibilização das regras das Letras de Crédito Agrícola (LCA), que pode ter impacto de R$ 2 bilhões na liquidez dos bancos. Entre as medidas em estudo, está a concessão de empréstimos com garantia em Letras Financeiras, que poderia liberar R$ 670 bilhões. “Uma nova redução do compulsório e o direcionamento de créditos para pequenas e médias empresas também estão em análise”, disse.

 

O presidente do BC disse esperar que as medidas ajudem a reduzir os juros para o consumidor. Contudo, o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel Oliveira, não acredita que isso ocorra. “As medidas amenizam os impactos da crise e dão mais dinheiro aos bancos. Mas não vão ser suficientes para baixar o spread, porque os juros estão subindo e o risco de crédito é maior nesse cenário de incerteza. Com a recessão, o desemprego vai se agravar elevando a inadimplência, que é um dos itens que compõem o custo do dinheiro” explicou.

 

O economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, elogiou o pacote do BC. “São medidas úteis e importantes, que devem fornecer alguma ajuda — mas o principal ponto não é amparar o sistema em si, e, sim, como levar liquidez às pequenas e médias empresas” afirmou. O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, avaliou que as medidas estão no caminho certo. “Temos que ter uma reserva de liquidez para conseguir suportar possíveis aumentos da inadimplência”, disse.

 

Clientes podem adiar pagamentos

Clientes dos cinco maiores bancos do país — Banco do Brasil, Caixa, Itaú, Bradesco e Santander — podem suspender por até 60 dias o pagamento das parcelas de financiamentos de imóveis e de veículos, entre outros. A medida, em resposta à crise provocada pelo novo coronavírus, foi determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A Caixa permite que financiamentos com até duas parcelas em atraso sejam congelados. Já para os outros bancos, os cidadãos devem estar com todas as prestações pagas até o momento. Para solicitar o adiamento, os clientes podem acionar os canais de relacionamento remoto das instituições, sem precisar comparecer às agências.

 

 

 

 

Como será o mundo depois da pandemia de Coronavírus?

23 segunda-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

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Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

Os acontecimentos dos últimos dias tem me feito pensar que o mundo será muito diferente depois desta pandemia de Coronavírus. Acho que as principais mudanças serão quatro:

1 – As sociedades vão exigir mais políticas públicas, principalmente na área de saúde e prevenção de desastres, o que irá levar a um aumento da participação do Estado na economia, com a possível nacionalização das empresas de utilidade pública em vários países.

2 – O aumento do endividamento do setor público decorrente do imenso esforço fiscal para conter as consequências econômicas da pandemia irá exigir um aumento significativo da carga tributária no futuro. O aumento de impostos será pago pelos mais ricos. Acabou a farra dos bilionários. Eles serão fortemente taxados.

3 – A provável queda dos índices de CO2 na atmosfera ao longo do ano de 2020 devido a redução do nível de atividade econômica e, por conseguinte, da emissão de combustíveis fósseis irá reforçar a convicção nos governos e nas sociedades dos países desenvolvidos de que o aquecimento global é produzido pela economia de alto carbono. Nesse contexto, ganha força o plano do New Deal verde do Senador Bernie Sanders.

4 – A Globalização vai recuar, e muito. Cada país procurará desenvolver suas próprias indústrias para reduzir sua dependência de fornecimento de bens intermediários, bens de capital e bens de consumo final do exterior. É provável que parte das empresas ocidentais que, nos últimos 20 anos, se instalaram no sudeste asiático seja redirecionada para os Estados Unidos e para a União Européia, ficando assim mais próximas dos maiores mercados de consumo. É uma oportunidade única para o Brasil se reindustrializar.

 

Economistas veem riscos de uma recessão profunda na atividade econômica (Correio Braziliense, 23/03/2020)

23 segunda-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

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Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro minimizar a crise do coronavírus, especialistas estimam que a atividade econômica vai recuar até 10% em 2020. Especialistas não descartam uma depressão severa, com o derretimento do PIB do país e o aumento do desemprego

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro desinforma a população classificando a Covid-19, pandemia provocada pelo novo coronavírus, como uma  “gripezinha”, economistas sérios do Brasil e do mundo alertam para o fato de que a crise sanitária e econômica que está se formando pode ser a mais grave de todos os tempos. Com os número de casos e mortes crescendo de forma exponencial, analistas estão reduzindo suas projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de vários países com mais frequência. Cresce o número de quem não descarta uma depressão, ou seja, recessão profunda na atividade econômica, com graves impactos negativos nas empresas, no sistema financeiro e nos empregos dos brasileiros.

Uma recessão prolongada pode elevar o número de desempregados no país de 12 milhões para 18 a 20 milhões rapidamente. Isso poderá comprometer o principal motor da economia brasileira: o consumo das famílias, que responde por mais de 60% do PIB e que desacelerou em 2019. As dúvidas sobre quando e se houver uma retomada são crescentes uma vez que a economia doméstica está estagnada desde 2017 e o governo não tem capacidade de investimento porque está há sete anos com as contas públicas no vermelho. A certeza agora é de derretimento do PIB.

O economista e consultor Alexandre Schwartsman resume bem o que um cenário de depressão representa: “Recessão é quando o vizinho perde o emprego e depressão, quando você perde o emprego.” Ele faz um alerta para os dados do mercado de trabalho que devem ser divulgados daqui para frente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) devido ao confinamento das pessoas. “Como os pesquisadores não poderão ir às ruas para coletar dados, os resultados serão prejudicados e, certamente, teremos um cenário pior de desemprego do que o que será mostrado nas próximas Pnads (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios)”, resume.

Projeções
Pelas projeções da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics (PIIE), de Washington, o país vai mergulhar em uma depressão econômica uma vez que o PIB deverá encolher 6% neste ano mesmo com as medidas anunciadas pela equipe econômica. “É preciso muito mais”, afirma. Ela defende uma rede maior de proteção aos mais pobres e um melhor uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na concessão de linhas de crédito para o setor produtivo.

O economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), é ainda mais pessimista: o PIB brasileiro pode encolher 10% neste ano. “Essa crise terá efeitos persistentes sobre as economias de todos os países do mundo. Haverá um mergulho profundo no nível de atividade devido ao choque de oferta e o setor de serviços será o mais prejudicado. A indústria de bens duráveis também sentirá um impacto maior, porque ninguém compra carro, geladeira em uma situação dessas. Em termos de magnitude, vamos ter uma queda similar à Depressão de 1929”, estima.

Analistas consideram o pacote de medidas do governo, apesar de atrasado, correto mas insuficiente. Enquanto o governo Bolsonaro prevê injetar R$ 179,6 bilhões no mercado, nos Estados Unidos, as intervenções podem chegar a US$ 2 trilhões. Vale lembrar que várias medidas do governo brasileiro não são imediatas, porque dependem do Congresso, e as que não têm impacto fiscal porque tratam-se de adiantamento de recursos dos trabalhadores, como o 13º dos aposentados ou mesmo uma nova liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) que está sendo cogitada.
No caso do voucher de R$ 200 para os autônomos, que somam R$ 38 milhões, Oreiro avalia uma proposta “ridícula”. “O trabalhador do setor informal ganha, em média R$ 1,5 mil, ficará com a renda zerada. Esse dinheiro é pouco e não vai minimizar o problema”, afirma. Ele considera mais adequado uma renda mínima emergencial  no valor de um salário mínimo (R$ 1.045), que custaria R$ 120 bilhões, ou 1,6% do PIB, pelas contas do professor da UnB.

Colapso
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sinaliza que o sistema de saúde pode entrar em colapso em abril. Os economistas ouvidos pelo Correio avisam que o segundo trimestre será o mais crítico do ano, porque é quando haverá uma queda muito forte no PIB, podendo superar 10%, em algumas previsões. O consenso entre os analistas é que a recessão global e no Brasil está contratada.

Pelas estimativas do Itaú Unibanco divulgadas na sexta-feira, o PIB mundial deverá encolher 0,4% enquanto o da China deverá crescer 3,3% em vez de 5,3%. Enquanto isso, Europa vai encolher 2% e a América Latina, 2,2%. O banco também reduziu a previsão para este ano para o PIB brasileiro de um crescimento de 1,8% para  queda de 0,7%, mas reconhece que é possível considerar um recuo maior do que 1%. Grandes bancos norte-americanos, como Goldman Sachs e JP Morgan, estimam queda no PIB do Brasil de 0,9% e 1%, respectivamente. Todas essas previsões são bem piores do que a alta de 0,02% que o Ministério da Economia está prevendo para evitar apresentar um rombo fiscal maior do que R$ 200 bilhões nas contas públicas, e mesmo assim, o pior resultado  da história.

Alberto Ramos, economista-chefe de pesquisas para América Latina do Goldman Sachs, considera que o cenário atual é de recessão global e, no caso do Brasil, o quadro é preocupante porque o governo tem muito pouco espaço fiscal para contornar a crise, pois não fez as reformas necessárias para enfrentar o momento atual. “Foram três anos de discussões da reforma da Previdência e ainda ficou muita coisa por fazer. Não foram incluídos estados e municípios e muitos privilégios do setor público e de militares foram mantidos”, destaca. O banco prevê retração em quase todos os países latino-americanos e queda de 1,2% na região.

A economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, também reduziu a previsão do PIB deste ano e já considera recuo de 1,4% em vez de alta de 1,6%. Contudo, admite tombo maior, de 3,3%, no pior dos cenários, considerando que a paralisação na atividade ocorra durante 32 dias úteis. “Estamos atravessando uma crise inédita e com efeitos que ainda não podemos mensurar exatamente. Mas uma coisa é certa, o mundo vai entrar em recessão”, explica Alessandra. Pelas novas estimativas da Tendências, as economias da Zona do Euro e dos Estados Unidos devem registrar contração de 0,7% e de 0,9%, respectivamente.

Modelo
Levantamento feito pelo Centro de Macroeconomia Aplicada da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (Cemap-FGV-SP) não descarta que o efeito da crise deverá se estender até 2023. Portanto, não é hora de minimizar o problema e, sim, de ação das autoridades para estancar as perdas inevitáveis nessa recessão. O modelo a ser seguido, na avaliação do coordenador do estudo da FGV, Emerson Marçal, é o da Coreia do Sul, que testou toda a população rapidamente, tomou medidas duras no início do problema e já está conseguindo reverter o quadro mais crítico. “Não é hora de pensar em gastar menos na área de Saúde, caso contrário, o prejuízo vai ser cada vez maior no PIB”, alerta.

Pela estimativa do economista, a retração econômica prevista no pior cenário do estudo para este ano, de 4,4%, o equivalente a R$ 320 bilhões na economia, é conservadora. “Se o governo não agir rápido, o prejuízo será muito maior”, reforça. Apesar de estar prevendo PIB zero no momento para este ano, Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, adianta que está refazendo os cálculos e eles indicam queda superior a 1%, “não sendo difícil de chegar a 4,4% de retração”. “Vamos mergulhar em uma recessão fortíssima ou mesmo em uma depressão”, alerta.

 

A Loucura de Bolsonaro Aprofunda o Liquidacionismo Insano de Paulo Guedes

23 segunda-feira mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro, Uncategorized

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Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

Acabei de ser surpreendido pela Medida Provisória 927 editada ontem, dia 22 de março, pelo Presidente da República a qual, estabelece entre outras coisas, a suspensão dos contratos de trabalho e o pagamento de salários por um período de até quatro meses enquanto durar o estado de calamidade pública. É de uma burrice e de uma desumanidade inacreditável. Burrice porque cria um mecanismo automático de interrupção do fluxo de renda de milhões de trabalhadores, sem que haja nenhum tipo de custo para as empresas. Dessa forma, mesmo aquelas empresas que poderiam manter o fluxo de pagamento aos seus funcionários por um certo período de tempo sem demiti-los, poderão interromper esses pagamentos instantaneamente. Isso irá acelerar a queda de emprego que, de outra forma, seria muito mais lenta. É uma desumanidade inacreditável porque tira dos trabalhadores formais o direito de acessar os mecanismos de proteção social previstos em lei como, por exemplo, o seguro desemprego ou a multa rescisória do FGTS por demissão sem justa causa. Dessa forma, os trabalhadores ficarão sem a renda do trabalho e sem qualquer compensação financeira porque não estarão formalmente desempregados. Trata-se de uma medida que, na prática, transforma 100% da força de trabalho em trabalhadores informais, acabando com a CLT instituída pelo Presidente Getúlio Vargas na década de 1930. O Brasil retorna assim ao paraíso do capitalismo sem qualquer tipo de regulação, o sonho de Paulo Guedes.

É inacreditável como o governo Bolsonaro insiste em adotar medidas que vão na direção contrária ao que está sendo adotado no mundo inteiro. No Reino Unido, o governo conservador de Boris Johnson vai pagar até 80% dos salários dos trabalhadores retidos pela quarentena e que não puderem realizar o tele-trabalho. Essa medida tem um custo previsto de 38 bilhões de libras esterlinas, o equivalente a R$ 240 bilhões (https://observador.pt/2020/03/20/no-reino-unido-o-governo-vai-pagar-80-dos-salarios-de-quem-esta-sem-trabalhar/). Nos Estados Unidos, o governo de Donald Trump irá enviar cheques de 1000 dólares para todos os americanos adultos de forma a estimular o consumo e assim manter os empregos. Essa medida tem o impacto previsto de US$ 1 trilhão (https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/noticia/2020/03/trump-preve-pacote-com-envio-de-dinheiro-aos-americanos-para-enfrentar-coronavirus-ck7wkkm8800s601s2upypd740.html).

O Brasil pode e deve adotar medidas similares a essa para evitar o desemprego em massa e o caos social. Mais especificamente proponho o seguinte pacote de medidas que poderão ser aprovadas, em regime de urgência, pelo Congresso Nacional:

(i) Adoção do Programa Emergencial de Renda Mínima, com um pagamento de um salário mínimo, por um período de três meses, para todos os trabalhadores informais e por conta própria. O custo estimado desse programa é de R$ 120 bilhões.

(ii) Liberação de empréstimos do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para as pequenas e médias empresas, a uma taxa de juros de 1% a.a, para o financiamento de capital de giro, com a exigência de que as empresas beneficiadas com o crédito subsidiado não poderão demitir nenhum de seus trabalhadores e/ou reduzir sua jornada de trabalho.

(iii) Suspensão do pagamentos dos serviços das dívidas dos estados com a União. Esse dinheiro deverá ser usado, prioritariamente, para manter em dia os pagamentos dos salários dos servidores públicos e para o financiamento dos serviços de assistência médica.

(iv) Utilização imediata dos recursos disponíveis na Conta Única do Tesouro no Banco Central, os quais totalizavam em janeiro R$ 1,350 trilhão, para o financiamento dos gastos da União com os programas emergenciais e com a assistência aos Estados. Durante o período de calamidade pública o Banco Central fica proibido de executar operações compromissadas para o enxugamento da liquidez criada com os saques da conta unica do tesouro nacional. Para operacionalizar isso, o regime de metas de inflação fica suspenso e a prioridade do Banco Central passa a ser a manutenção do nível de renda e de emprego, bem como a solvência do sistema financeiro.

(v) O governo federal deverá retomar imediatamente todas as obras que estejam paradas por conta de contingenciamento de recursos em exercícios anteriores. O congresso nacional deverá aprovar o crédito suplementar necessário para que o aumento do investimento público não seja impedido por conta da Emenda Constitucional do teto de gastos.

Uma última observação. Não é verdade que a MP 927 proteja as empresas em detrimento dos trabalhadores, como foi dito hoje por Mirian Leitão em sua coluna no jornal O Globo (https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/governo-ajuda-empresa-e-fragiliza-o-trabalhador.html?utm_source=notificacao-geral&utm_medium=notificacao-browser&utm_campaign=O%20Globo). Se os trabalhadores ficarem sem renda, as empresas também não terão para quem vender seus produtos. Trata-se de um autentico jogo de soma negativa, onde todos saem perdendo. O que o Brasil precisa neste momento é de medidas inteligentes que permitem um jogo de soma positiva. Mas para tanto talvez seja preciso trocar toda a equipe econômica e, possivelmente, o Presidente da República.

 

 

 

 

Os recursos da Conta Única do Tesouro podem ser usados para o enfrentamento da crise do coronavírus?

22 domingo mar 2020

Posted by jlcoreiro in Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

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Crise do Coronavírus, José Luis Oreiro

Uma pergunta que está tirando o sono dos parlamentares em Brasília é saber de onde virão os recursos para o enfrentamento da crise do coronavírus. Além do aumento inevitável e necessário dos gastos com o Sistema Único de Saúde, o governo federal terá que implementar, nos próximos dias ou semanas, um vasto programa emergencial de renda mínima, com o pagamento de, pelo menos, um salário mínimo durante três meses a todos os trabalhadores do setor informal da economia. Conforme cálculos que fiz com outros economistas em post publicado neste blog no dia 18 de março (https://jlcoreiro.wordpress.com/2020/03/18/proposta-plano-emergencial-para-combater-os-efeitos-economicos-do-corona-virus-covid-19/), o custo estimado é de R$ 120 bilhões, ou 1,6% do PIB, o que elevaria o déficit primário de 2020 para a casa de R$ 200 bilhões (dada uma estimativa de déficit primário de R$ 80 bilhões em janeiro de 2020), não levando em conta a inevitável frustração de receitas que irá advir da queda do nível de atividade econômica entre março e junho de 2020. Essa queda de receitas poderá adicionar mais R$ 70 bilhões ao déficit primário de 2020, elevando a cifra para R$ 270 bilhões ou 3,8% do PIB, o maior valor para o déficit primário registrado nos últimos 20 anos, pelo menos. Considerando ainda outras medidas de estímulo fiscal como redução temporária de impostos cobrados sobre as empresas para reduzir a demissão de trabalhadores podemos adicionar outros R$ 40 ou R$ 50 bilhões nessa conta, o que aumentaria o déficit primário para a casa dos R$ 350 bilhões. Essa me parece uma estimativa conservadora do tamanho do “rombo fiscal” produzido pelas medidas necessárias ao enfrentamento desta crise.

Economistas liberais como Zeina Lattif, a quem hoje se somou Samuel Pessoa na sua coluna na Folha de São Paulo, defendem que uma parte desse custo seja pago pelos funcionários públicos na forma de redução de vencimentos como prevê, por exemplo, a PEC Emergencial em tramitação no Senado Federal. Conforme argumentei em outro post publicado neste blog no dia 20 de março (https://jlcoreiro.wordpress.com/2020/03/20/o-liquidacionismo-insano-de-zeina-latiff-e-do-jornal-o-globo/)  essa proposta é completo non sense pois (i) amplifica, ao invés de amortecer, a queda de demanda e do nível de atividade econômica causada pelas medidas de contenção ao contágio do vírus; pois implica numa redução ADICIONAL da folha de salários e, portanto, do consumo; (ii) vai na direção diametralmente oposta as medidas que estão sendo anunciadas pelos governos dos países desenvolvidos, algumas das quais, como no caso do Reino Unido, envolvem o pagamento dos salários do setor privado pelo governo, o qual se torna, nessas condições, o “empregador de última instância”. Por fim, mas não menos importante, a eventual economia que poderia ser obtida com essa medida não cobriria sequer 10% do déficit primário estimado para esse ano.

Uma alternativa seria usar os recursos disponíveis na Conta Única do Tesouro no Banco Central, os quais em janeiro de 2020 totalizavam R$ 1,355 Trilhões segundo dados obtidos no site do Banco Central do Brasil. O uso desses recursos tem uma série de vantagens. Em primeiro lugar, seu uso não implica num impacto imediato (volto a esse tema na sequencia) na dívida bruta do governo central, pois se trata de crédito que o Tesouro possui junto a autoridade monetária. Dessa forma, seria possível aumentar a despesa corrente do governo sem descumprir a regra de ouro. Além disso, se esse aumento de despesas se der na forma de crédito extraordinário também não viola o Teto de Gastos, o qual prevê que, em situação de calamidade pública, que as despesas primárias possam ser aumentadas por intermédio desse mecanismo.

Os recursos da Conta Unica do Tesouro fazem parte do passivo do Banco Central constituído também pela base monetária e pelo patrimônio líquido do BCB. No lado do ativo, o Banco Central possui reservas internacionais, títulos públicos (a chamada carteira livre do BCB) e créditos ao sistema financeiro. Dado o montante de ativos possuído pelo BCB, qualquer redução em uma das rubricas do passivo (como, por exemplo, o saldo da conta unica do tesouro) implica necessariamente no aumento em igual magnitude em alguma outra rubrica. Como o patrimônio líquido do BCB não se altera por saques do Tesouro na Conta Única segue-se que, dado o ativo do BCB, o impacto imediato do uso dos recursos da Conta Única será a ampliação da Base Monetária. Em outras palavras, as medidas emergenciais de combate ao coronavírus estarão sendo financiadas por … emissão monetária.

Aqui nos deparamos com o primeiro problema. O Brasil adota, desde 1999, um regime de metas de inflação que estabelece que a política monetária é prioritariamente voltada para a obtenção de um valor numérico para a taxa de crescimento do IPCA. Em 2020 a meta de inflação é de 4,25%. Para cumprir a meta de inflação o BCB fixa uma meta para a taxa de juros selic que seja compatível com a obtenção dessa meta. Na última reunião do COPOM a meta de selic foi reduzida para 3,75% a.a, levando-se em conta os efeitos esperados da queda do nível de atividade devido a crise do coronavírus, queda essa que pode, inclusive, levar a inflação para um valor abaixo de 3% ao longo do corrente ano.

O aumento da base monetária decorrente do saque dos recursos da conta unica poderá produzir uma redução da selic relativamente a meta fixada pelo COPOM; caso o aumento da liquidez não seja compensado por um aumento exatamente proporcional na demanda de reservas por parte dos bancos comerciais e demais agentes do sistema financeiro. Fazendo a hipótese heróica que, frente a uma crise sem precedentes na história do capitalismo mundial, a preferência pela liquidez dos bancos e das demais instituições financeiras não irá se alterar (ok, isso é uma estupidez, mas é dessa forma que raciocinam os economistas liberais brasileiros), então a selic poderia ser reduzida para …. 0% a.a. A pergunta que se coloca é: E dai? A princípio isso poderia produzir dois riscos. O primeiro seria de uma aceleração da inflação, a qual poderia ultrapassar a meta prevista para 2020. Para que a inflação se acelere e ultrapasse a meta é necessário ocorrer uma das duas coisas: ou o nível de atividade econômica e de emprego aumenta de forma significativa com respeito ao observado no ano passado de maneira a produzir uma “inflação de demanda” ou a taxa de câmbio irá se desvalorizar de forma significativa e permanente de maneira a produzir uma “inflação de custos”.

A primeira situação é altamente improvável, para não dizer impossível de ocorrer nas condições atuais; e mesmo que acontecesse então a frustração de receitas não ocorreria e, por conseguinte, o déficit primário fecharia o ano de 2020 num patamar muito menor do que o esperado. Nessas condições a política aqui proposta teria sido um retumbante sucesso. Quanto a possibilidade de uma maxi-desvalorização da taxa de câmbio, o Banco Central poderia, na situação excepcional em que nos encontramos, decretar uma “quarentena” de saídas de capital do país, o que atuaria de forma decisiva no sentido de estabilizar a taxa de câmbio. Dessa forma, não acho provável que uma aceleração da inflação venha por esse mecanismo.

O segundo risco é o “mercado” se recusar a rolar a dívida pública num contexto em que a taxa nominal de juros é igual a zero, o que implica numa taxa real de juros negativa. Eu também acho improvável essa situação. Em primeiro lugar, porque os países desenvolvidos, notadamente os países europeus, já estavam se financiando a taxas de juros nominais negativas antes da crise do coronavírus. Essas taxas de juros devem ficar ainda mais negativas agora, com a possibilidade de que isso seja estendido inclusive para os Estados Unidos. Sendo assim, me parece pouco plausível o mercado substituir a aplicação em renda fixa no Brasil por títulos soberanos dos países desenvolvidos. Em segundo lugar, a evolução do IBOVESPA nas últimas semanas também deixa poucas dúvidas sobre a viabilidade ou racionalidade de se substituir aplicações em renda fixa por renda variável. Dada a incerteza existente hoje no Brasil e no mundo é muito melhor reter ativos com alta liquidez, ainda que com retorno nulo; do que se aventurar em “jogos de azar” com renda variável. A unica alternativa a renda fixa seria a especulação com moeda estrangeira, principalmente o dólar. Mas como foi dito anteriormente, o Banco Central possui instrumentos para estabilizar a taxa de câmbio se tiver a disposição de usa-los. Em ultimo caso, o Congresso Nacional poderá obrigar o BCB a tomar as medidas necessárias para tanto, caso a “intransigência irracional” dos diretores do BCB seja um obstáculo para isso.

Em resumo, um plano emergencial de financiamento monetário do déficit público pode ser feito com os recursos da conta unica do tesouro. Nas condições existentes hoje no Brasil e no mundo os efeitos colaterais dessa medida seriam mínimos e, mais importante, infinitamente menores do que a inação ou do que o aprofundamento das políticas liquidacionistas, como sugerem Zeina Latiff e Samuel Pessoa. Cabe ao Congresso Nacional não se deixar iludir pela impáfia dos economistas ligados ao mercado financeiro e estar atentos as medidas excepcionais que estão sendo adotadas pelos países desenvolvidos. Mais do que nunca precisamos aprender com os exemplos vindos do exterior. Não é o momento de querer ser o “esquisitão” do mundo.

 

 

 

 

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Paulo Gala / Economia & Finanças

Graduado em Economia pela FEA-USP. Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY. Foi economista chefe, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro.

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