Por Fernando Dantas, para o Estado de São Paulo on line
Para o economista José Oreiro, da UnB, 25 anos de câmbio valorizado e juros altos podem ter produzido danos irreversíveis à indústria brasileira, que agora, quando o juro está baixo e o câmbio depreciado, terá de ser “ressuscitada” a partir do zero.
O economista José Oreiro, do Departamento de Economia da UnB, expoente da corrente desenvolvimentista e heterodoxa no Brasil, diz que não se surpreende com a falta de reação da indústria diante do câmbio desvalorizado e do juro baixo, que sempre foram defendidos como pré-condições do desenvolvimento industrial por sua escola de pensamento.
Ele nota, inclusive, que a produção da indústria da transformação (nas Contas Nacionais) está aproximadamente no nível de 2004 e 2005.
“O que acontece é que 20, 25 anos de juro alto e câmbio valorizado provocaram efeitos de histerese na produção industrial”, diz Oreiro.
Segundo o economista, foi um período muito longo durante o qual a indústria de
transformação não investiu em modernização, perdeu mercados no exterior e
permitiu que se abrisse um grande hiato tecnológico entre o Brasil e os países mais
competitivos.
Ele compara a indústria brasileira a um paciente crônico com pressão alta e
diabetes. “Se um problema crônico, ainda que não seja fatal, fica sem tratamento
por um período muito longo, pode trazer consequências irreversíveis”, diz o
pesquisador.
O pesquisador aponta que, efetivamente, houve recentemente uma mudança do mix
de política macroeconômica, com política fiscal contracionista e monetária
expansionista. E esse “mix” é uma causa importante da atual combinação de juro
baixo e câmbio depreciado.
No entanto, para Oreiro, “pode ser que o remédio tenha chegado tarde demais, o
dano me parece irreversível”.
Assim, ele considera que o desafio à frente é quase o de “reindustrializar a partir do
zero – temos uma indústria que morreu e precisa ressuscitar”.
O economista acrescenta ao seu diagnóstico os efeitos conjunturais, como a crise da
Argentina – “o único mercado relevante que nos restava” – e o próprio fato de que a
economia brasileira não conseguiu ainda se recuperar da recessão de 2014-2016.
Como tentativa de “ressuscitar a indústria”, Oreiro recomenda que o governo Oreiro recomenda que o governo aumente o investimento público em infraestrutura.
Para ele, mais investimento público, ao ativar a construção civil, também estimula setores industriais de bens intermediários como cimento e aço, e alguns equipamentos de capital.
“Além disso, nossa infraestrutura está em petição de miséria”, acrescenta.
Adicionalmente, em função das inclinações de Bolsonaro, o economista da UnB
pensa que o governo deveria tentar reabilitar a indústria de defesa nacional, por
meio do aumento do orçamento de investimentos do Ministério da Defesa.
“A indústria militar tem alto teor tecnológico e, em relação a ela, regras da OMC
sobre apoio à indústria nacional não se aplicam”, explica.
A recomendação de aumento do investimento público liga-se à visão de Oreiro
sobre a política macroeconômica atual. Ele se diz um defensor do mix de fiscal apertado e monetário frouxo, mas, na conjuntura presente, considera que o fiscal está restrito demais.
“Num contexto em que o Brasil ainda não se recuperou da crise de 2014 a 2016, o
atual nível de contracionismo fiscal reduz a eficácia da política monetária”, analisa.
Deixando claro que não se trata de um problema já existente, Oreiro se preocupa
inclusive em que a continuidade das quedas da Selic, se o PIB não reagir, leve a taxa
básica para perto do limite problemático de zero – quando se torna extremamente
difícil estimular a economia com política monetária, como mostra a experiência dos
países avançados desde a crise global de 2008-2009.
Dessa forma, para Oreiro, a melhor opção para o momento seria tirar o
investimento público do teto dos gastos, o que mataria dois coelhos com uma só
cajadada: relaxava um pouco o fiscal e poderia ajudar a indústria.
“Não faz sentido colocar restrição financeira para projetos de investimento com
taxa de retorno, econômica ou social, muito maior que a taxa de captação, que está
nos mínimos históricos; liberar o investimento do teto seria aumentar o bom gasto
do governo, em infraestrutura, e não um licença para gastar em consumo e custeio”,
ele diz.
Em termos da agenda de reformas, Oreiro gostou da previdenciária (discordando de
um detalhe ou outro) e defende a reforma tributária de Rodrigo Maia, excluindo
propostas de Paulo Guedes como o imposto sobre transações financeiras e a
desoneração da folha.
O economista é extremamente crítico em relação às PEC dos fundos e a de
emergência fiscal. Em relação à primeira, ele acha que mistura joio com trigo, ao
propor o fim de todos os fundos, inclusive alguns que Oreiro reputa como
importantes, como o de desenvolvimento da ciência e tecnologia.
Quando à PEC de emergência fiscal, ele diz se tratar de “terraplanismo econômico”
em comparação ao que se debate hoje nos Estados Unidos e Europa. A razão é que,
na sua visão, essa PEC tem caráter pró-cíclico, diminuindo o gasto público quando a
economia está em recessão.
“O que nós temos que fazer é desenhar um arcabouço de política fiscal que seja
contracíclico, levando a mais gastos em recessão e a menos em expansões”, conclui
o economista.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/2/2020, quarta-feira.
Quero deixar o registro, na minha opinião, que além dos fatos pontuados anteriormente ( empresariado ), a falta de uma política industrial por parte do governo federal impossibilitou a perspectiva de planejamento conjunto com os diversos setores da cadeia produtiva. A simples existência do BNDES e o fomento ao crédito não foram suficiente para promover a expansão produtiva, dada a falta – repito, de políticas ao incentivo e desenvolvimento industrial, ligando o setor produtivo com áreas de pesquisa nas universidades ( privadas e federais ).
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