José Luis Oreiro*
A recente turbulência no mercado de câmbio jogou uma pá de cal nas expectativas de retomada mais vigorosa do crescimento da economia brasileira em 2018. Os indicadores de nível de atividade econômica já vinham apresentando uma performance muito abaixo do esperado pelo governo e pelos analistas econômicos no primeiro quadrimestre de 2018. A greve dos caminhoneiros – iniciada no final de maio e que durou 11 dias – teve um impacto significativo na produção, tanto de bens agrícolas como industriais, devendo puxar para baixo o PIB do segundo trimestre de 2018; o qual poderá apresentar variação próxima de zero com respeito ao primeiro trimestre. Nesse cenário já bastante desalentador, a desvalorização recente da taxa de câmbio produziu uma elevação da taxa de juros futura em função da expectativa de que o BACEN será obrigado a elevar a taxa Selic ainda em 2018, para coibir o repasse da desvalorização cambial para a taxa de inflação. A resultante de todos esses fatores foi uma redução expressiva da expectativa de crescimento da economia brasileira, para um patamar entre 1,2 a 1,5% em 2018.
Se esse cenário se confirmar então o governo Temer terá sido um completo fracasso. Com efeito, o impeachment da Presidente Dilma Rouseff foi vendido para a sociedade brasileira como a única maneira de “por o país em ordem” e assim retomar o crescimento da economia. Em maio de 2016 o Brasil se encontrava no momento mais grave da pior recessão dos últimos 30 anos, tendo apresentado uma contração de quase 4% do PIB no ano anterior. Os economistas liberais afirmavam que a substituição de Dilma Rouseff por Michel Temer iria restaurar a “confiança” dos empresários, levando assim a um aumento do investimento e ao fim da recessão. O Brasil poderia então retomar um crescimento moderado em torno de 2,5% a.a, o qual poderia ser ampliado por intermédio de uma série de reformas como, por exemplo, a PEC do Teto dos Gastos, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência Social. Dessas três reformas, o governo Temer conseguiu emplacar as duas primeiras: a PEC do teto dos gastos foi aprovada em 2016 e a reforma trabalhista em 2017.
Não podemos deixar de fora das “reformas” do governo Temer a mudança ocorrida na atuação do BNDES com a substituição da TJLP pela TLP e a expressiva redução dos desembolsos do banco, o qual restituiu ao Tesouro Nacional praticamente todos os empréstimos recebidos no período 2008-2014. Em suma, o governo Temer e seu “dream team” da área econômica seguiu a risca o receituário liberal e desmontou a famigerada “nova matriz macroeconômica”, erguida durante o primeiro mandato da Presidente Dilma Rouseff.
Quais os resultados dessa “guinada” na condução da política econômica? A economia brasileira saiu da recessão em 2017, mas a velocidade de recuperação do nível de atividade econômica é o mais lento entre todas as recessões que o Brasil experimentou desde o início da década de 1980. O hiato do produto ainda se encontra em torno de 6% segundo estimativas do Instituição Fiscal Independente; e o desemprego persiste em torno de 13% da força de trabalho. A inflação se encontra abaixo do piso do regime de metas de inflação a 11 meses consecutivos, graças a forte desaceleração da inflação de serviços, o que mostra a debilidade do nível de atividade econômica e do mercado de trabalho. Mantido o atual ritmo de crescimento da atividade econômica, o Brasil deverá recuperar o PIB de 2014 por volta de 2020 ou 2021. Teremos uma nova década perdida, ainda pior do que a ocorrida nos anos 1980.
Os economistas liberais certamente irão dizer que a razão do fracasso do governo Temer foi que não se realizaram todas as reformas necessárias, afinal de contas ficou faltando a reforma da previdência. Mantida essa linha de raciocínio então os economistas liberais terão que admitir que todas as reformas feitas pelo governo Temer não tinham utilidade alguma; e a única reforma que era realmente necessária foi precisamente a que eles mesmos sugeriram que fosse deixada por último! O erro terá sido deles, ao invés de ser um efeito retardado da nova matriz macroeconômica.
Existe outra interpretação para esse fracasso. A política macroeconômica do governo Temer, continuando o modelo adotado no segundo mandato na Presidente Dilma Rouseff, foi caracterizada por aquilo que o economista Braulio Borges do IBRE-FGV denominou de “overkill” ou “contracionismo excessivo”. Entre 2015 e 2016 houve a ocorrência simultânea de uma política fiscal, monetária e para-fiscal contracionistas. Com efeito, a política macroeconômica produziu uma forte elevação da taxa Selic e uma redução expressiva dos gastos de investimento da União e das empresas estatais; ao mesmo tempo em que o BNDES reduzia os seus desembolsos e aumentava o custo de suas operações de crédito. O resultado não podia ter sido outro: um colapso do nível de atividade econômica, o qual só começou a arrefecer quando a política monetária começou a ser afrouxada no final de 2016 e após a liberação dos saldos inativos das contas do FGTS.
Se o Presidente Michel Temer não tivesse dado ouvidos aos economistas liberais seu governo poderia ter sido melhor em matéria econômica. Esperemos que o próximo Presidente da República não cometa o mesmo erro.
* Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília.