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No centro da crise gerada pela greve dos caminhoneiros no Brasil está a discussão sobre se a Petrobras deve liberar completamente os preços dos combustíveis, regular a velocidade com que esses valores são alterados ou exercer um controle artificial de preços em prol do consumidor.

Para a professora de economia política da Fundação Getúlio Vargas, Daniela Campello, um fator que impulsionou a crise atual foi o salto abrupto, ao longo dos últimos quatro anos, do “extremo controle de preços para a extrema liberalização”.

Enquanto o governo Dilma Rousseff adotou uma política de maior intervenção na Petrobras, com contenção dos preços da gasolina e do diesel, o governo Michel Temer deu autonomia à estatal para reajustar os preços conforme as variações do dólar e do petróleo no mercado internacional – e permitiu que os reajustes acontecessem diariamente.

O resultado foi um aumento grande de preços num curto espaço de tempo.

“O que aconteceu na época do governo do PT foi uma segurada muito forte dos preços, porque a inflação estava começando a bater. Houve um prejuízo relevante para a Petrobras, com a defasagem entre o preço praticado aqui e o valor no mercado internacional. O que o governo Temer fez agora talvez tenha sido precipitado de deixar o preço subir tão rapidamente”, opinou Daniela Campello à BBC Brasil.

“O aumento dos preços foi muito repentino. Saímos de extrema contenção para extrema liberalização. Houve uma mudança de perspectiva muito brusca. Tudo o que não se quer em economia são mudanças muito bruscas.”

Campello afirma que é razoável que os preços sejam reajustados considerando a alta do petróleo no mercado internacional, mas esse aumento, segundo ela, deveria ser gradual e com controle sobre a volatilidade, para reduzir o efeito sobre o consumidor e os demais setores da economia que dependem de combustível para operar.

“O preço básico do petróleo é uma questão importante para o país. A minha visão é que alguma preocupação com a volatilidade (dos preços) de curto prazo é preciso ter. Um preço completamente liberado causa problemas até de planejamento (para as outras empresas que dependem de combustível).”

Direito de imagem Fernando Bizerra Jr.
Image caption Economistas e cientistas políticos questionam reajuste diário no preço dos combustíveis. Para eles, Petrobras deve fixar período mais longo para os aumentos

O economista Roberto Ellery concorda que houve uma mudança “abrupta” na política de preços, mas avalia que essa era a solução existente para “salvar a Petrobras”, com as contas deterioradas por ter de arcar com as diferenças de preços praticadas nos mercados doméstico e internacional.

“A transição pode ter sido brusca, entre 2015 e 2016, porque a Petrobras não aguentava mais. Ela estava falida, quebrada. Estava tendo prejuízo. O governo não tinha dinheiro. A solução foi jogar a conta para os consumidores”, disse.

“É claro que a gente está vendo a reação forte da sociedade, porque a pancada foi forte. Por outro lado, é difícil saber como ela (a empresa) teria sobrevivido de outra forma.”

Volatilidade

Na noite de quinta, o governo anunciou um acordo com representantes dos caminhoneiros para suspender, pelos próximos 15 dias, as manifestações e as greves da categoria. Mas a greve continuou e Temer pediu para as Forças Armadas atuar para desbloquear as rodovias.

Entre as propostas do governo para a trégua na paralisação estava assegurar que os preços do óleo só seriam reajustados de 30 em 30 dias. Desde julho do ano passado uma resolução da Petrobras permite reajustes diários de preços, conforme a variação dos valores no mercado internacional.

Nos seis primeiros meses após a adoção dessa medida, o preço da gasolina foi reajustada mais de 100 vezes.

Para os economistas e cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil, a Petrobras precisar arcar com os custos da volatilidade e fixar um período mais longo para os reajustes.

O professor José Luís Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), defende que os preços sejam aumentados a cada três meses.

“Esse acompanhamento pode ser com base na média do trimestre, ao contrário do que é hoje, que é diário. Transferir para o mercado interno a volatilidade não faz sentido, gera essa completa insatisfação”, afirmou à BBC Brasil.

“O caminhoneiro que pega carga em Porto Alegre para entregar em Recife não sabe qual vai ser o preço no meio do caminho. A própria base de cálculo do frete fica difícil de fixar.”

Roberto Ellery também defende controlar a volatilidade de preços e destaca que a Petrobras está hoje numa posição de quase monopólio na exploração de petróleo. Por isso, segundo ele, o custo não pode ser inteiramente jogado na conta do consumidor.

“Essa questão da volatilidade talvez seja um ponto importante. Já fazemos isso com o setor de comunicações e de energia elétrica, por meio de regulação”, afirmou.

“Temos que permitir o reajuste de preços para garantir a rentabilidade da empresa. O que você não pode permitir é que a empresa se beneficie passando toda a conta do preço para o consumidor, inclusive a volatilidade.”

Uso da Petrobras como instrumento de política fiscal

Outra discussão que surge em meio à greve dos caminhoneiros é se o governo deve ou não ter o direito de intervir nas decisões da Petrobras e se a estatal pode ser usada como instrumento da política macroeconômica. Ou seja, se é legítimo controlar preços para conter a inflação ou aumentar preços para aumentar a arrecadação do governo.

No governo Dilma Rousseff, o Planalto tinha voz ativa na estatal, a ponto de a petista ser acusada de usar a empresa para controlar a inflação. Já o presidente Michel Temer indicou Pedro Parente para a diretoria da Petrobras com o discurso de “interferência zero”.

Assim como os governos Dilma e Temer adotaram visões opostas, os economistas e cientistas políticos também divergem. Para a professora Daniela Campello, “sempre existiu interferência do governo” na Petrobras.

“É impossível numa empresa de petróleo nacional desconsiderar a interferência do governo. Não dá para fingir que o petróleo é um produto como qualquer outro”, diz Campello.

Segundo ela, enquanto no governo Dilma e Lula a Petrobras foi usada como instrumento de “política fiscal” na contenção da inflação, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), os preços praticados pela Petrobras foram reajustados para aumentar a arrecadação.

“Nunca, jamais, em nenhum momento, a Petrobras foi desvinculada de política fiscal. Usa-se mais para uma coisa ou para outra (conforme a visão econômica do governo)”, afirmou.

Já o economista Roberto Ellery diz que é “radicalmente” contrário à ideia de que a Petrobras seja usada como política fiscal ou macroeconômica. Para ele, a empresa deve ser gerida como se fosse uma companhia privada, controlada apenas por agências reguladoras para evitar abusos ao consumidor.

“Não pode ser como é hoje em que se coloca um presidente da Petrobras com uma agenda política, seja para controle de preço seja para fazer refinaria em área de interesse eleitoral. As decisões de preço, de onde vai investir, de quais empresas vai contratar, devem ser técnicas.”

Ele cita como exemplo a ser seguido pelo Brasil a Noruega, que também tem uma empresa estatal de petróleo. “Ela é administrada como uma empresa privada. O controle tem que ser feito via regulação como acontece em empresa privada”, opina.