Tags

,

Nos últimos dias reli o belíssimo artigo de A. Botta “A structuralist north-South model on structural change, economic growth and economic development” (2009). Nesse artigo, Botta constrói um modelo Kaldoriano de crescimento com restrição de balanço de pagamentos no qual as elasticidades renda das exportações e das importações dependem do hiato tecnológico entre Norte e Sul a la Verspagen (1993: Uneven Growth between interdependente economies). O hiato tecnológico depende da participação relativa da indústria no PIB entre Norte e Sul.

A dinâmica do modelo é bastante interessante. Primeiramente temos o mecanismo tradicional Kaldoriano de causalidade cumulativa: uma aceleração do crescimento da produção industrial do sul induz uma aceleração  crescimento da produtividade do trabalho no sul devido a existência de economias dinâmicas de escala (a famosa lei de Kaldor-Verdoorn). Supondo que apenas uma parcela dos ganhos de produtividade sejam repassados para os salários segue-se que o sul aumenta a sua competitividade preço com respeito ao norte, fazendo com que o ritmo de crescimento das exportações do sul se acelere. Isso tem dois efeitos positivos sobre o crescimento. Por um lado, a restrição externa ao crescimento é relaxada permitindo assim um ritmo maior de crescimento do produto; por outro lado, a expansão mais rápida das exportações irá levar a um ritmo maior de crescimento do produto no sul em função do multiplicador do comércio exterior. Até aqui é o resultado padrão Kaldoriano. A aceleração do crescimento do produto total, contudo, irá aumentar a participação da indústria no PIB no sul. Se o crescimento da participação da indústria no sul for mais rápido do que no norte então o hiato tecnológico irá cair fazendo com que a estrutura produtiva do Sul se modifique ao longo do tempo. Mais especificamente a elasticidade renda das exportações do Sul irá aumentar e a elasticidade renda das importações do sul irá cair. Para uma certa configuração de parâmetros do modelo demonstra-se que o hiato tecnológico pode convergir para zero e a elasticidade renda das exportações do sul se igualar com a elasticidade renda das importações do sul. Neste ponto, o Sul terá alcançado o Norte tanto em termos tecnológicos como em termos de crescimento econômico.

Para que esse resultado ocorra, contudo, é necessário, embora não suficiente, que o coeficiente de repasse dos ganhos de produtividade para os salários seja menor do que um. Isso significa que o catching-up nos termos do modelo de Botta exige que a participação dos salários na renda nacional se reduza ao longo de todo o processo de convergência. Em outros termos, o crescimento econômico do sul deve ser não apenas export-led, mas também profit-led.

Isso me leva ao meu debate com Samuel Pessoa. Em 2011 Samuel Pessoa publicou no Valor Econômico um interessante artigo argumentando que uma vez que a sociedade brasileira escolheu o Estado do Bem-Estar Social então ela estava abdicando da sua indústria, ou seja, estava escolhendo se desindustrializar. Na época eu escrevi um artigo de réplica com o Luiz Fernando de Paula intitulado “A Escolha de Sofia: entre a desindustrialização e o fim do estado do bem-estar social” (https://jlcoreiro.wordpress.com/2011/06/16/a-escolha-de-sofia-entre-a-desindustrializacao-e-o-fim-do-estado-do-bem-estar/) . Nesse artigo procuramos argumentar que seria possível reindustrializar a economia ao mesmo tempo que se mantinha o foco na melhoria da distribuição de renda. Hoje já não estou tão seguro disso. Talvez a sociedade brasileira tenha feito uma escolha por melhorar a distribuição de renda numa velocidade que é incompatível com condições mínimas de competitividade preço para a indústria nacional, a qual está muito atrasada tecnologicamente com respeito a indústria dos países desenvolvidos e, portanto, não tem competitividade extra-preço. Desvalorizar o câmbio seria uma forma de devolver essa competitividade preço e assim restaurar o mecanismo Kaldoriano de causalidade cumulativa que nos levaria, a médio e longo-prazo, a realizar uma mudança estrutural que permitisse a nossa indústria ter competitividade extra-preço. Infelizmente não vejo nenhuma coalizão política capaz de implementar esse pacto nacional pelo desenvolvimento. Nosso destino como país, e digo isso com a mais profunda tristeza de alma, é ficar eternamente subdesenvolvido. Se as políticas sociais forem bem sucedidas o máximo que poderemos aspirar no longo-prazo é ser um país pobre, mas igualitário; ou seja, uma nova Cuba.