José Luis Oreiro *
Hoje entrou em vigor a MP 567 que trata das novas regras de remuneração da caderneta de poupança. A mudança principal introduzida pela MP é que, a partir da publicação da mesma, os novos depósitos de poupança terão uma remuneração igual a 70% da meta da selic, quando a meta for igual ou inferior a 8,5% a.a. Para valores acima de 8,5% a.a continuam valendo as regras definidas no art. 12 da Lei no 8.177, de primeiro de março de 1991, ou seja, a TR relativa a data de aniverário dos depósitos acrescida de juros de 0,5% a.m.
A mudança nas regras de remuneração dos depósitos de poupança era, de fato, necessária para a continuidade do ciclo de redução da taxa básica de juros iniciada pelo BCB em agosto de 2011. O crescimento anêmico da economia brasileira, o cenário internacional de liquidez abundante e taxas de juros historicamente baixas e a queda contínua da taxa de inflação nos últimos meses abrem uma enorme janela de oportunidade para o Banco Central testar níveis cada vez mais baixos de taxas de juros, o que deverá induzir um processo gradual de revisão das convenções prevalecentes no mercado financeiro a respeito da taxa de juros neutra da economia brasileira.
Esse processo de queda da taxa básica de juros, no entanto, encontra um obstáculo a sua continuidade em função das regras de remuneração dos depósitos de poupança definidas pelo art. 12 da Lei no 8.177. Com efeito, a remuneração anual dos depósitos de poupança é igual a 6,17% acrescida da variação da TR, a qual é igual a zero quando a selic se reduz abaixo de 9% a.a. Deve-se ressaltar, também, que os rendimentos dos depósitos de poupança estão isentos de imposto de renda. Os fundos de investimento, cuja carteira de ativos é composta fundamentalmente por títulos da dívida pública, tem uma remuneração próxima a taxa selic. Para simplificar a argumentação, consideremos que a remuneração bruta das aplicações em fundos de investimento é igual a taxa selic. Essa remuneração está sujeita a tributação do imposto de renda, cuja alíquota depende do prazo de aplicação no fundo. Consideremos a alíquota de 22,5% sobre os rendimentos, para prazo de aplicação igual ou inferior a 180 dias. Além da tributação do IR, as aplicações em fundos de investimento estão sujeitas a taxa de administração cobradas pelos bancos que gerenciam esses fundos. As taxas de administração variam de banco para banco e com o montante aplicado, situando-se entre 0,5% a 2% a.a. Conforme podemos observar na Tabela abaixo, para uma meta de taxa selic igual a 8,5% a.a (limite definido pela MP 567), a rentabilidade dos fundos de investimento atrelados a selic perde para a rentabilidade dos depósitos de poupança em todos os cenários considerados para o valor da taxa de administração dos fundos.
Tabela I : Rentabilidade da Poupança e dos Fundos de Investimento “Selicados” supondo uma Taxa Selic igual a 8,5% a.a.
Elaboração do autor.
Com base na Tabela I acima, podemos constatar que se a Selic cair a 8,5% a.a, os fundos de investimento terão uma rentabilidade inferior a poupança, o que irá induzir um movimento de migração das aplicações nos fundos para as cadernetas de poupança, desestabilizando assim o processo de rolagem da dívida pública federal. Nessas condições, o BCB seria impedido de continuar o processo de redução da selic.
Não há dúvida, portanto, que a mudança nas regras de remuneração dos depósitos de poupança era necessária. A questão, contudo, é avaliar se as mudanças estabelecidas na MP 567 foram a melhor maneira de se eliminar os limites para a queda da taxa de juros no Brasil.
Os estudos sobre o problema das altas taxas de juros no Brasil (ver, entre outros, Oreiro et alli, 2012) tem apontado para a baixa eficácia da política monetária como uma das causas principais das mesmas. Entende-se por baixa eficácia da política monetária o fato de que o Banco Central do Brasil precisa fixar a taxa selic em níveis elevados (tanto em termos nominais como reais) para manter a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional. Uma das razões apontadas para a baixa eficácia da política monetária é a indexação de parte considerável da dívida pública a taxa Selic por intermédio das Letras Financeiras do Tesouro. Essa indexação cria um efeito riqueza positivo toda a vez que o BCB é levado a aumentar a taxa de juros para manter a inflação na meta. Isso porque o valor nominal das LFT´s passa a aumentar mais rapidamente toda a vez que a taxa de juros sobe, acelerando assim o processo de criação de “quase-moeda” pela autoridade monetária, o que atua no sentido de expandir a demanda agregada, terminando por exacerbar as pressões inflacionárias, ao invés de diminui-las. Em função do efeito riqueza positivo, o BCB precisa “forçar a mão” na elevação da selic para que os outros mecanismos pelos quais a selic afeta a demanda agregada e a inflação (aumento do custo do capital, apreciação da taxa de câmbio, etc) possam contrabalançar o efeito riqueza e assim produzir uma contração da demanda agregada.
Nesse contexto, observa-se claramente que a solução proposta pela MP 537 não é funcional do ponto de vista da redução da taxa de juros !!!! Isso porque a nova regra para a remuneração dos depósitos de poupança aumenta, ao invés de reduzir, o grau de indexação dos ativos financeiros a taxa Selic. Dessa forma, a eficácia da política monetária é ainda mais reduzida com as regras propostas pela MP 537, o que irá atuar no sentido de impedir uma redução permanente da taxa de juros. Tanto é assim que o próprio governo admite, na formulação da MP 537, que a taxa de juros poderá se situar em níveis superiores a 8,5% a.a, caso no qual continuam valendo as regras definidas no art. 12 da Lei no 8.177.
Em suma, a mudança nas regras de remuneração dos depósitos de poupança era necessária para a continuidade do processo de redução da taxa de juros. O problema é que a solução proposta pelo governo atua contrariamente a esse objetivo, uma vez que a indexação da remuneração dos depósitos de poupança pela Selic diminui a eficácia da política monetária, o que torna mais dificil para o BCB manter a inflação na meta definida pelo CMN. Em função dessa inconsistência, cedo ou tarde o ciclo de elevação da taxa de juros será iniciado, e o governo terá perdido mais uma oportunidade para resolver, em definitivo, o problema dos juros no Brasil.
Referências
Oreiro, J.L; Punzo, L; Araujo, E. (2012). “Macroeconomic constraints to growth of brazilian economy: diagnosis and policy proposals”. Cambridge Journal of Economics, no prelo.
* Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Pesquisador Nível IC do CNPq. E-mail: joreiro@unb.br.