Excelente artigo do Sérgio Leo hoje no Valor Econômico. Ele apresenta as conclusões de um interessante seminário realizado no Itamaraty na semana passada na qual se apresentaram evidências de perda de dinamismo das exportações com maior valor adicionado e concentração da pauta exportadora em comodities. São sinais adicionais de doença holandesa no Brasil … Até quando os “ortodoxos” brasileiros vão negar os fatos e afirmar que não existem sinais de desindustrialização e doença holandesa no Brasil? Se alguem tinha dúvida a respeito da ocorrência de desindustrialização nos últimos 30 anos. o estudo realizado recentemente pelo IEDI sepultou toda a esperança vã em contrário (ver https://jlcoreiro.wordpress.com/2010/02/21/estudo-do-iedi-mostra-desindustrializacao-da-economia-brasileira-nos-ultimos-30-anos-carta-iedi-n-403-fevereiro-de-2010/) . Os dados sobre concentração da pauta exportadora em comodities e perda de dinamismo exportador dos setores mais intensivos em tecnologia e maior valor adicionado mostram também a ocorrência de doença holandesa. Os ortodoxos brasileiros deveriam seguir o exemplo recente do FMI e rever seus dogmas, passando ao menos a aceitar como plausíveis e merecedores de uma investigação mais detalhada e livre de idéias pré-concebidas as teses que antes eram taxadas de “pajelança”

Segue abaixo o artigo do Sérgio Leo.

Abs,

Oreiro

P.S : prometo para as próximas semanas um artigo sobre o paper de Blanchard et alli sobre o estado da teoria da política macroeconômica … Terá um certo flavor de “nós já haviamos dito” …

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A competitividade do país e seus desafios Sergio Leo 08/03/2010 Texto: A- A+

Parece a velha piada da boa notícia e da má. O forte volume de investimentos externos, que deve saltar de US$ 26 bilhões de 2009 para US$ 40 bilhões em 2010 e recordistas US$ 50 bilhões em 2011, garante ao Brasil uma folga para pagar os compromissos externos no horizonte próximo, garante Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP. Mas a moeda brasileira raramente esteve tão valorizada quanto agora, e, mesmo com a recuperação recente do dólar, se comparado o real com uma cesta de 16 moedas dos principais parceiros comerciais, o câmbio real está pior para os exportadores do que antes da crise deflagrada em 2008. Quase 15% abaixo. As constatações de Lacerda fazem parte de estudo apresentado em seminário promovido pelo departamento econômico do Itamaraty, na semana passada. Vários dos pronunciamentos de pesquisadores em política externa alertaram para o risco de perda de qualidade nas relações comerciais do Brasil com o mundo. Sem mudança de rumos, o período de bonança pode dar lugar a sérias restrições ao crescimento, alertam os pesquisadores. Eles mencionam também a necessidade de uma estratégia para lidar com a emergência da China como potência econômica mundial. “Ter com a China uma estratégia de defesa comercial (barreiras às importações) é morte garantida”, alertou a pesquisadora Lia Valls Pereira, da Fundação Getulio Vargas. “A estratégia que podemos ter é promover investimentos da China no Brasil e do Brasil na China”, sugeriu. Os estudos de Lia Valls mostram que quase metade da perda de participação do Brasil nos mercados para exportações brasileiras pode ser atribuída à China. Em alguns produtos, como laminados planos grossos para a União Europeia, comutadores para a Argentina ou freezers horizontais para a Colômbia, a China tomou 90% a 100% do mercado do Brasil. Essa perda ainda é pequena, em termos absolutos, porém, inferior a US$ 1 bilhão em exportações, de um total superior a US$ 100 bilhões. Boa parte do crescimento da China no mercado latino-americano se deu tomando espaços antes ocupados pelos Estados Unidos. O mais preocupante, para os pesquisadores, é a tendência de queda no dinamismo de exportações de maior valor agregado e concentração da pauta exportadora brasileira em commodities, produtos padronizados com preços cotados nos mercados internacionais, como grãos, minério e outras mercadorias de baixo valor agregado. “Não somos o Chile, não podemos nos especializar em commodities”, alertou Frederico Gonzaga Jayme Júnior, da UFMG. Os economistas lembram que esse setor não atende à grande necessidade de geração de empregos no país. A dependência crescente de produtos com baixo nível de tecnologia agregada e dependentes do ciclo econômico tem de ser enfrentada com estratégias de incentivo à inovação, prescreve ele. Corrêa de Lacerda reconhece que o Brasil não vai deixar de ser um grande exportador de commodities, mas também chama a atenção para a falta de uma política coordenada de atração de investimentos, capazes de aumentar o padrão tecnológico das exportações brasileiras. Coube ao diretor do departamento econômico do Itamaraty, Carlos Márcio Cozendey, lembrar a discussão, levantada por economistas ligados aos setores agrícola e de petróleo, sobre o potencial das commodities de gerar alta tecnologia, nas demandas aos fornecedores desses setores e na sofisticação dos métodos de exploração dos recursos naturais. Para Corrêa de Lacerda, porém, a disputa entre exportações de commodities ou de bens de mais alto valor agregado é uma falsa questão. “O grande desafio do século XXI não é abrir mão do que se obteve com as commodities, mas diversificar o processo de aumento das exportações”, recomenda o economista. Pelas projeções de Lacerda, o déficit nas contas correntes do Brasil com o exterior tende a se estabilizar em torno de 2% do Produto Interno Bruto entre 2011 e 2013, e até cair, como proporção do PIB, nos dois anos seguintes. A questão, diz ele, é aumentar a qualidade dos investimentos diretos estrangeiros que ajudarão o Brasil a cobrir o déficit nas contas externas. O Brasil ainda é, entre os chamados Bric (Brasil, Rússia, China e Índia) o país com maior proporção de investimentos diretos estrangeiros em proporção ao PIB (18% em 2008, em comparação com os 9% da China, que, em termos absolutos, teve US$ 90 bilhões a mais que o Brasil naquele ano). Mas muito desse investimento veio sob a forma de compra de ativos já existentes, não acrescentou nada ou somou pouco à capacidade produtiva local. Corrêa de Lacerda está entre os que advogam abertamente a mudança no regime de taxas de câmbio, para que o governo intervenha mais decididamente contra a excessiva valorização, como, aliás, faz o governo chinês. A mudança no câmbio, para um valor mais competitivo do ponto de vista da produção de manufaturas, seria um dos argumentos para uma estratégia que ele sente faltar no Brasil: a negociação, com as grandes empresas transnacionais, em torno da maior sofisticação da produção industrial no Brasil. É sempre bom notar que, apesar do poder de atração da indústria petrolífera, por exemplo, o Brasil vem perdendo mercado para os chineses em dutos e válvulas destinados à exploração de petróleo; e o maquinário agrícola chinês começa a tomar espaço do brasileiro na vizinhança. No México, a aceitação passiva das estratégias das grandes multinacionais deixou o país sem alternativas quando essas empresas cortaram produção em suas fábricas mexicanas, em resposta à crise financeira. “Nossa estratégia de exportação não está dirigida às grandes cadeias de produção internacionais”, avisa Lacerda. Qualquer estratégia para o futuro deve incluir instrumentos para influenciar as decisões das empresas na localização de seus centros de produção de bens, partes e peças com maior “densidade tecnológica”, defende ele. “Sustentar a balança comercial com bens de baixa densidade tecnológica hoje não é necessariamente desvantagem”, argumenta Lacerda. “Desvantagem é não criar áreas novas de ingresso no mercado mundial.”

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras E-mail: sergio.leo@valor.com.br